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EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário
I - Não é admissível o requerimento de ampliação do âmbito do recurso, em que o Apelado não está a questionar um mero fundamento da decisão recorrida, muito menos a suscitar a sua nulidade ou a impugnar determinados pontos da matéria de facto (cf. art.º 636.º do CPC). II - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do CC aplica-se a todas as obrigações pecuniárias, contratuais ou extracontratuais, sendo independente da indemnização devida pela mora no cumprimento da obrigação, e a aplicação dessa sanção não carece de ser peticionada pelo credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo, incluindo na execução especial por alimentos. III - Tendo sido, em cumprimento da transação obtida em processo intentado para o efeito nos termos art.º 721.º do CC, efetuada a expurgação da hipoteca legal que era “garantia de prestações de alimentos devidas a menor. Valor máximo previsível declarado: 102.750,00” e cancelado o respetivo registo, e sendo a quantia paga pelo terceiro adquirente da fração (penhorada e hipotecada) insuficiente para pagamento da totalidade da dívida exequenda (capital e juros), será de imputar tal quantia, na liquidação a fazer no processo executivo, primeiro que tudo, no capital em dívida (e, se existisse remanescente, nos juros), não sendo aplicável a regra supletiva do art.º 785.º, n.º 1, do CC.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
CS, Exequente na execução especial por alimentos que corre termos - como apenso E do processo principal de divórcio litigioso convolado em divórcio por mútuo consentimento, em que foi proferida sentença que homologou o acordo relativo ao exercício do poder paternal do filho RA - contra JLA, veio interpor o presente recurso de apelação do despacho que atendeu parcialmente a reclamação apresentada por este último contra o ato de liquidação provisória da quantia exequenda.
A ação executiva teve início em 15-05-2013, com a apresentação de Requerimento executivo, em que foi peticionado o pagamento coercivo da quantia exequenda no valor total de 69.575,71€, correspondente ao valor das prestações de alimentos (do referido RA) vencidas até então e atualizadas de acordo com a taxa de inflação registada desde 2006, acrescida das prestações vincendas, igualmente pelo seu valor atualizado, tudo com os respetivos juros legais civis a serem contabilizados nos termos do art.º 805.º, n.º 2, al. a), do CC, até efetivo e integral pagamento, tendo a Exequente alegado, para tanto e em síntese, que:
- Exequente e Executado são pais do menor RA, nascido em 3 de julho de 1999;
- Por sentença de 03-10-2005, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo que correu termos pela 2.ª Secção do 4.º Juízo de Família e Menores de Lisboa, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais do identificado menor, ficando confiado à guarda e cuidados da mãe, a quem ficou atribuído o poder paternal;
- Por acordo judicial homologado através dessa sentença, foi o pai do menor obrigado a contribuir mensalmente com a quantia de 750,00€, a título de pensão de alimentos, a favor do RA, quantia essa a ser paga por transferência, entre o dia 1 a 5 do mês a que dissesse respeito, para conta aberta pela Exequente para o efeito na Caixa Geral de Depósitos, sem qualquer encargo para a mesma;
- O montante de alimentos estabelecido ficou sujeito às atualizações anuais de acordo com a taxa de inflação apurada no ano anterior a que respeite pelo INE, com início em janeiro de 2006;
- Com exceção de quatro depósitos bancários, no valor de 600,00 € cada, efetuados, respetivamente, nos dias 23-09-2009, 19-10-2009, 16-11-2009 e 15-12-2009 (cf. Incidente de Incumprimento - Apenso B), desde o mês de março de 2006, inclusive, que o Executado deixou de depositar qualquer quantia na conta indicada pela Exequente e nunca mais fez nenhum pagamento por forma alguma, tão pouco atualizando o valor da pensão de alimentos devida ao menor nos termos acordados;
- Estão assim em dívida as prestações alimentares, já devidamente atualizadas, no valor total de 69.575,71€.
No requerimento executivo, foi indicada à penhora, além do mais, a fração autónoma pertencente ao Executado (conforme inscrição de aquisição efetuada mediante ap. 44, de 2007/08/09), a que corresponde a Moradia H, destinada a habitação, com garagem na cave, do prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º …/… da freguesia do Estoril, sobre a qual incide hipoteca legal a favor do seu filho menor RA, registada sob a ap. 36 de 2008/05/13, para “Garantia de prestações de alimentos devidas a menor. Valor máximo previsível declarado: 102.750,00”, vindo a ser averbada a atualização, mediante ap. 3473 de 2018/07/05, de ter sido “completado o fundamento da hipoteca” nos seguintes termos “CS é credora da obrigação alimentar do progenitor, JLA, para com o filho de ambos, RA” - cf. ato de consulta ao registo predial efetuado pela AE comprovada nos autos a 18-05-2013 e certidão permanente do registo predial apresentada com o requerimento de 11-02-2019.
Em 08-09-2013, foi elaborado auto de penhora da referida fração autónoma, designada pela letra H, correspondente à moradia H, do prédio sito na Rua …, freguesia do Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º ….
Em 23-01-2019, veio RLA apresentar requerimento de expurgação da dita hipoteca legal, alegando ser proprietário da fração penhorada e pretender entregar a quantia de 102.750€ para pagamento à Exequente. Juntou 3 documentos: caderneta predial e certidão permanente do registo predial da fração (com informação em vigor a 04-06-2018), bem como certidão da escritura pública de compra e venda celebrada a 12-02-2015.
Em 11-02-2019, o referido RA veio reiterar o seu requerimento de expurgação da hipoteca (que garante a dívida de alimentos até ao montante de 102.750 €), pedindo que fosse fixado em 92.954,33 € o montante a pagar à credora Exequente para o efeito. Juntou nova certidão permanente do registo predial (com informação em vigor a 08-02-2019).
Foi proferido despacho, em 12-11-2019, que indeferiu liminarmente o requerimento de expurgação da hipoteca “por não ser este o meio processual próprio para exercício do direito pretendido”, mas antes a “acção de processo comum”. Deste despacho foi interposto recurso, cuja instância veio a findar por desistência (cf. despacho de 20-01-2021).
Mediante requerimento apresentado em 04-12-2020, o referido RLA veio dar conta da transação efetuada no processo n.º …/… do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Cível de Cascais - Juiz 1 (ação intentada em 13-12-2019 e que findou por sentença homologatória da transação transitada em julgado em 11-01-2021, em que peticionara que fosse declarada a fração em apreço livre da hipoteca registada sob a ap. 36 de 2008/05/13 em consequência da expurgação, ordenando-se o respetivo cancelamento, fixando-se o prazo de 10 dias para que pudesse proceder ao depósito a favor dos réus do valor de 102.750€ - cf. documento junto com o requerimento de 14-12-2021). Alegou que no seguimento dessa transação “homologada por sentença, foi a hipoteca em causa no recurso por si expurgada, tendo pago a quantia de 106.750,00 euros (o valor máximo assegurado pela hipoteca, acrescido de juros de mora relativos ao período de um ano), pelo que o recurso por interposto, que lhe recusou o pedido de expurgação por não ser a ação própria deixou de ter interesse”.
Juntou cópia da ata da audiência de julgamento, realizada em 26-11-2020, da qual consta terem as partes (o aí Autor RLA e os aí Réus RA e CS), alcançado a seguinte transação: “Cláusula 1ª O Autor obriga-se a proceder à transferência bancária da quantia de € 102.750,00, acrescida dos juros correspondentes a 1 ano à taxa de 4%, num total de €106.750,00, até ao dia 14 de Dezembro do corrente ano 2020. Cláusula 2ª A transferência bancária será realizada para o 1BAN da conta titulada pela 2ª Ré que será indicado pelo Ilustre Mandatário desta à Ilustre Mandatária do Autor no prazo de 3 dias, que a Ilustre Mandatária do Autor fará chegar ao Autor. Cláusula 3ª Realizada a transferência bancária, os Réus aceitam que o imóvel identificado no registo predial - imóvel destinado a habitação, situado em Rua …, …, …-A e …-B, Estoril, designado por fracção H do prédio inscrito na matriz sob o artigo … da União das Freguesias de Cascais e Estoril, e descrito na 2ª Conservatória do Registo predial de Cascais com o n.º …/… (Estoril), ficará livre da hipoteca legal, que foi realizada e inscrita na Conservatória do Registo Predial de Cascais, pela Ap. 36 de 2008/05/13, autorizando os RR assim que efectuada a transferência, o cancelamento da mesma hipoteca. Cláusula 4ª Feita a transferência bancária, o Autor juntará aos autos o comprovativo da mesma, requerendo ambas as partes que o cancelamento da hipoteca seja realizado através do Tribunal mediante o envio de certidão do presente acordo homologado e comprovativo do pagamento da quantia. Cláusula 5ª Custas em partes iguais, prescindindo das custas de parte.”
Mais consta da referida ata ter sido proferida sentença homologatória, com o seguinte teor: “Nos presentes autos de acção de processo comum, que RLA intentou contra RA e CS perante a validade objectiva (versando sobre direitos disponíveis) e subjectiva (qualidade das partes e sua representação em juízo) da transacção, e estando os Srs. Advogados munidos de poderes especiais, decide-se homologar a mesma por sentença, condenando e absolvendo as partes nos seus precisos termos, com o que se julga extinta a instância — art.ºs 283º, nº 2, 284º, 289º, nº 1, " a contrario" e 290º, nºs 4, todos do CPC. Custas nos termos acordados. Registe e notifique. Junto o comprovativo do pagamento e, em conformidade com o acordado na clausula 4.ª, solicite à CRPredial competente o cancelamento da hipoteca.”
O referido RA juntou ainda cópia de “Ordem de pagamento Aviso de débito” de transferência bancária por si efetuada a favor a favor da ora Exequente-Apelante no valor de 106.750€.
Mediante requerimento apresentado em 09-12-2020, o Executado veio, nos presentes autos, informar que o seu irmão RLA, proprietário do prédio penhorado nestes autos, descrito sob o n.º …/… (Estoril), fração H, na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, procedeu à expurgação da hipoteca registada sob a ap. … de 2008/05/13, no seguimento da aludida sentença homologatória de transação, tendo procedido ao pagamento da quantia devida, pelo que, como previsto na sentença referida, o Tribunal iria proceder ao cancelamento da hipoteca. Juntou cópia da aludida ata e também da ordem de pagamento efetuada pelo referido RA a favor da Exequente, no valor de 106.750 €.
Em 23-03-2021, a AE efetuou nova consulta ao registo predial.
Em 04-05-2021, o Executado apresentou requerimento em que, além do mais, se pronunciou no sentido do levantamento da penhora da fração por ter sido expurgada a hipoteca que onerava o prédio.
Em 01-06-2021, foi proferido despacho, no que ora importa, com o seguinte teor: “Face à decisão que determinou a expurgação da hipoteca, certamente houve pagamentos efectuados para serem tidos em conta nestes autos de execução. Face ao exposto e antes de mais, notifique a Sr.ª Solicitadora de Execução para, em 10 dias, proceder à conta dos presentes autos e concretizar qual o valor que permanece em dívida. (…)”
Em 12-07-2021, a Sr.ª Agente de Execução (AE) veio juntar Nota DiscriminativaProvisória, indicando como “valor ainda em falta a ser pago pelo executado” o total de 136.332,27 €, dos quais, além de custas de parte (no valor de 2.554,78 €), indicou:
- a quantia exequenda de 47.237,51 €;
- a quantia de 132,12 € de juros civis;
- e 86.407,86 € € de juros compulsórios (dos quais, metade, isto é, 43.203,93 € devidos à Exequente e outra metade aos Cofres).
No anexo que juntou, a AE discriminou o cálculo da quantia exequenda, explicitando designadamente que, em dezembro de 2020, o capital em dívida era de 114.802,12€, e os juros de mora perfaziam o montante de 31.882,32€, tendo considerado que o valor atinente à expurgação da hipoteca - 102.750,00€ (pago em 03-12-2020) - era imputado na dívida dos juros então vencidos, sendo os remanescentes 70.867,68 € imputados no capital em dívida, o qual ficava a ser de 43.934,44 €, ao qual acresciam os montantes relativos às prestações vencidas nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio e junho de 2021, perfazendo os referidos 47.237,51 €.
Em 31-08-2021, o Executado apresentou Reclamação da nota de cálculo do valor em dívida, alegando designadamente o seguinte (sublinhado nosso): “Juros compulsórios legais e juros de mora civis (não são devidos) 1.º - Salvo melhor opinião, não são devidos juros compulsórios (sancionatórios legais) pelo executado, uma vez que não vêm peticionados, nem liquidados, no requerimento executivo, interposto antes da entrada em vigor do CPC de 2013, nem existe propriamente condenação no pagamento de quantia pecuniária certa, apenas foi homologado por sentença acordo de pagamento de pensão de alimentos, cujo valor original foi posteriormente reduzido. 2.º - Por outro lado, na sentença que homologou o divórcio por mútuo consentimento não foi estabelecida a condenação no pagamento de juros de mora legais/civis, quanto a pensões em falta, inexistindo condenação do ora executado no pagamento de juros de mora legais. 3.º - Também não foi determinado na sentença proferida no apenso C, que reduziu o valor da pensão para 500,00 euros por mês, a condenação do ali réu, agora executado, a pagar juros de mora legais. 4.º - A execução deve conter-se nos precisos termos definidos no título executivo, no caso, as referidas sentenças, o qual define o fim e limites da execução, não podendo utilizar-se esta para realizar coativamente outra obrigação que não seja aquela que o título comprova ou documenta. Discriminação juros sancionatórios legais 5.º - Caso, PORÉM, se entenda que são devidos juros sancionatórios legais, os mesmos devem ser calculados à taxa de 5% ao ano, desde a data de vencimento de cada prestação e, dado que, já se alegou em requerimento anterior, cada uma se vence até ao dia 8 de cada mês, é esta data, o dia 8 de cada mês, a considerar para início de contagem até ao pagamento, encontrando-se errado o cálculo feito pela Senhora AE, por desconsiderar, entre outros, este pressuposto legal. 6.º - A ser devida, a dívida de juros compulsórios legais, contados à taxa de 5% ao ano, com início, relativamente ao capital de cada uma das pensões (ou parte dela) em falta, na data dos respetivos vencimentos, e pelos valores (das pensões) tal como indicados pela Senhora AE, e até 31 de Agosto de 2021, é de 50.963,69 euros, e não de 86.407.86 euros, como consta na nota da Senhora AE, além do que, com rigor, os juros compulsórios deixaram de vencer-se com o pagamento de parte do capital em dívida (sobre esse capital), efetuado por expurgação da hipoteca sobre a fração do Estoril (pagamento efetuado em 3 de Dezembro de 2020, tal como vem referido na nota da Senhora AE), 7.º - Nos termos da lei, calculam-se sobre o capital, apenas, de cada pensão (e não sobre o capital adicionado de juros de mora legais). 8.º - Segue-se a discriminação do cálculo dos juros compulsórios / sancionatórios legais, repisando-se que se reporta ao valor da cada prestação (ou de parte dela em falta), tal como indicado na nota da Senhora AE (para que se remete), desde o dia 8 de cada mês a que respeita cada uma, e até, cada uma, 31 de Agosto de 2021: (…) Expurgação de hipoteca - que paga dívida de capital, apenas 9.º - A expurgação da hipoteca, constituída sobre a fração do Estoril, foi efectuada mediante o pagamento de 102.750,00 euros, valor este a abater ao capital em dívida, e não à dívida de juros de mora legais, ou civis, caso se entenda que existe, uma vez que, e decorre do registo predial, esta hipoteca não garante juros de mora, nem legais nem contratuais, pois tal não está previsto no registo predial (e mesmo que garantisse, só seriam abrangidos juros de mora relativamente a 3 anos). 10.º - Por esta razão, é ilegal o "movimento" efetuado pela Senhora Agente de Execução, de, reportando-se à dívida de capital em 31 de Dezembro de 2020 (114.802,12 euros), e à dívida de juros de mora legais que reporta por referência a essa data (31.882.32 euros), abater, em primeiro lugar, 31.882,32 euros para pagamento de juros de mora, e depois, os sobrantes 70.867,61 euros servirem para abater à dívida de capital, invocando a expurgação, por 102.750,00 euros, na data de 3 de - Dezembro de 2020. 11.º - O montante de 102.750,00 euros (valor da expurgação da hipoteca) satisfez a seguinte dívida de capital (das pensões, por ordem de antiguidade de vencimento), e não dívida de juros de mora legais, repise-se, pois a hipoteca apenas garante dívida de capital: - 102.161,45 euros (saldo devedor em Dezembro de 2018, como consta da nota da Senhora AE); - 518,91 euros (pensão vencida em Janeiro de 2019); - 69,64 euros (parte da pensão vencida em Fevereiro de 2019). * a soma destas três parcelas é de 102.750,00 euros. Dívida de capital por satisfazer (após expurgação) 12.º - Após a expurgação da hipoteca da fração do Estoril, e até 31 de Agosto de 2021, por conseguinte, a dívida de capital é assim constituída: - 449,27 euros, a título de remanescente da pensão de Fevereiro de 2019; - 5.189,10 euros (pensões de Março a Dezembro de 2019); - 6.413,76 euros (pensões do ano de 2020); - 4.404,08 euros (pensões de Janeiro a Agosto de 2021). ***estas parcelas somam 16.456,21 euros 13.º - O capital em dívida (capital das pensões), após expurgação por -pagamento de 102.750,00 euros, é, até 31 de Agosto de 2021, de 16.456,21 euros, e não 43.934,44- euros, nem 47.369,64 euros, como vem na nota da Senhora AE. Juros de mora legais em dívida 14.º - Repisa-se o invocado acima, que a execução carece de título quanto a juros de mora legais. 15.º - A entender-se que se venceram e são devidos, note-se que o montante de 102.750,00 euros, para expurgação da hipoteca, foi pago em 3 de Dezembro de 2020, pelo que as prestações pagas/ satisfeitas mediante a expurgação de hipoteca cessam o vencimento de juros de mora legais nesta data, salientando-se que, com a expurgação da hipoteca, a exequente recebeu ainda o valor correspondente a um ano de juros de mora legais sobre os 102.75,00 euros, devido à pendência do processo judicial para efetivar a expurgação. 16.º - Estão em dívida, se se entender serem devidos, os juros de mora legais pelo valor de 31.882,32 euros, por reporte à data de 31 de Dezembro de 2020, que a Senhora AE abateu, erradamente, com parte do valor proveniente da expurgação, uma vez que os juros de mora legais não se encontram garantidos pela hipoteca já expurgada (nem pela hipoteca da fração dos Olivais), atento o princípio da tipicidade do registo predial (não estão previstos no registo destas hipotecas). 17.º - Discrimina-se de seguida o cálculo dos juros de mora legais vencidos sobre o capital em dívida após 31 de Dezembro de 2020, caso se entenda haver título executivo que os suporte, sendo que o cálculo é feito desde a data de vencimento de cada pensão, ou de parte em falta (dia 8 de cada mês), e até ao dia 31de Agosto de 2021, estando em dívida (após a expurgação) a quantia de 67,03 euros, a esse título: (…) PEDIDO 18.º - Na sequência do acima exposto, resumimos do que se discorda da Senhora AE, requerendo que lhe seja ordenada a retificação devida: - o capital das prestações (vencidas até 31/08/2021) ainda em dívida é de 16.456,21 euros e não outro, sendo este o valor atual de capital da dívida exequenda; - o valor dos juros compulsórios/sancionatórios legais, a entender-se que são devidos, é de 50.963,69 euros e não o indicado pela Senhora AE (e isto até 31 de Agosto de 2021), valor não garantido por nenhuma das duas hipotecas; - o valor dos juros de mora legais ainda em dívida, e isto a entender-se terem suporte no título executivo, é de 31.882,32 euros (até 31/12/2020, como indicado na nota da Senhora AE), mais 67.03 euros, vencidos de 01/01/2021 até 31/08/2021, valores não garantidos por nenhuma das duas hipotecas (***estas 2 parcelas somam 31.949,35 euros).”
A AE pronunciou-se em 10-09-2021, expondo e requerendo o seguinte: “1. Os juros compulsórios são devidos nos termos do disposto no art.º 829-A do Código Civil, conforme vem sendo entendimento da jurisprudência, designadamente, Ac. TRC de 13.07.2016, Proc. 57/12.1TTLRA-A.C1, disponível em www.dgsi.pt. 2. Da leitura da transação alcançada pela Exequente e RA nos autos que com o número …/… correram termos no juízo cível de Cascais (Cfr. requerimento junto pelo Executado em 09.12.2020), terceiro adquirente do imóvel do Estoril penhorado nos presentes autos, a Exequente admitiu o cancelamento da hipoteca registada sobre aquele imóvel. Com efeito, não foi proferida naqueles autos qualquer decisão quanto à expurgação, antes se tendo alcançado um acordo que visou o cancelamento da hipoteca, não tendo sido determinado que tal pagamento seria afeto a dívida de capital ou juros do aqui Executado. 3. Razão pela qual a signatária não "movimentou" nada (cfr. ponto 10º da reclamação), cumpriu a Lei, designadamente, o disposto no artigo 785º do Código Civil. 4. Quanto aos juros de mora legais, QUE ESTÃO PETICIONADOS NO REQUERIMENTO EXECUTIVO (cfr. ponto 11 do requerimento executivo), são sempre devidos — veja-se, a propósito, o acórdão TRC de 22.05.2018, disponível em www.dgsi.pt. 5. Em conclusão, a. O valor pago à Exequente nos autos …/… não é imputado ao capital, antes nos termos do disposto no art.º 785º do Código Civil. b. São devidos juros de mora; c. São devidos juros compulsórios; Termos em que se requer a V.Exa. decida conforme for de direito a fim de a signatária, a ser o caso, proceda à elaboração de nova conta, de acordo com a decisão.”
Por sua vez, a Exequente veio, em 13-09-2021, pronunciar-se nos seguintes termos: “(…) 2 - O executado, até pelo próprio exercício da sua profissão, não pode desconhecer que são devidos juros compulsórios existindo profícua jurisprudência sobre esse tema, bem como sobre os juros de mora. 3 - E que a Senhora Agente de Execução liquidou e muito bem na sua nota discriminativa. 4 - A exequente em tudo concorda com a Senhora Agente de Execução e a sua resposta, subscrevendo tudo quanto alegado pela mesma. Por este motivo, deve manter-se a nota Discriminativa provisória elaborada pela Senhora Agente de Execução mantendo-se o valor em dívida aquela data de € 136.332,27, valor que todos os meses acresce mais 500 €, com os respetivos juros civis e compulsórios, uma vez que o executado continua sem liquidar qualquer valor mensal de pensão de alimentos devida.”
Em 14-12-2021, o referido RA apresentou nos presentes autos requerimento (notificado aos mandatários das partes), dando conta da notificação recebida no âmbito do processo n.º …/…, de que se encontrava cancelada a inscrição de hipoteca relativa à ap. 36 de 2008/05/13, por expurgação. Juntou: cópia de ofício constante desse processo, relativo à devolução de documentos no seguimento do registo efetuado, incluindo, além do mais, cópia da PI apresentada nesse processo e documentos juntos com a mesma, bem como da ata acima referida; e certidão permanente do registo predial, com informação em vigor a 13/12/2021, da qual já não consta a inscrição da referida hipoteca, mas resulta que:
1. Encontra-se inscrita, mediante ap. 3789 de 2011/12/16, a favor do referido RLA, a promessa de alienação da referida fração, “quando convier ao comprador, desde que no prazo de quinze anos a contar de 10 de Dezembro de 2010, prorrogável por períodos de cinco anos”.
2. Encontra-se inscrita, mediante ap. 3163 de 2013/07/15, a penhora dessa mesma fração efetuada no presente processo de execução.
3. Mediante ap. 1712 de 2014/03/17, foi efetuado o registo da ação intentada por RLA contra a Exequente e o Executado, em que peticionou que fosse “declarado o cancelamento da penhora registada pela inscrição Ap. 3163/20130715”.
4. Mediante ap. 2091 de 2015/02/12 foi registada a aquisição da fração a favor do referido RLA, por compra ao ora Executado.
5. Foi registada mediante ap. 3152 de 2020/01/07 a ação intentada pela ora Exequente contra o ora Executado e o seu referido irmão, com o pedido de declaração judicial de nulidade, por simulação absoluta, do contrato-promessa de compra e do contrato de compra e venda da referida fração, e o consequente cancelamento das inscrições registais referidas em 1. e 4.
6. Mediante ap. 119 de 2020/10/25 (com data de notificação de 2020/11/09), veio a ser ampliada a inscrição efetuada pela ap. 36 de 2008-05-13, quanto ao respetivo fundamento, nos seguintes termos: “a) Garantia do montante máximo de 1.010,18 euros, sendo 968,18 euros referentes a prestação de alimentos devida pelo pai ao filho, até Março de 2019, durante a sua menoridade e também após o mesmo ter perfeito os 18 anos de idade e 42 euros a juros legais vincendos, reportados ao período de 3 anos, porquanto se encontram em dívida pensões desde Março de 2006. b) Garantia ainda do montante máximo de 30.225,08 euros, referente a juros legais já vencidos, por se encontrarem em dívida pensões desde Março de 2006”.
7. Foi ainda registada a ampliação da referida inscrição da hipoteca legal (efetuada pela ap. 36 de 13/05/2008), mediante ap. 8410 de 2021/01/22 (com data de notificação de 2021/02/08), quanto ao seu fundamento, nos seguintes termos: “a) Garantia do montante máximo de 47.999,33 Euros, sendo 35.713,81 referentes a pensões alimentares devidas pelo pai ao filho, até o mesmo atingir os 25 anos de idade e 12.285,52 Euros referentes a juros vincendos, reportados ao período de 3 anos; b) Do montante máximo de 14.331,44 Euros, referentes a juros vencidos, conforme disposto no n.º 3 do artigo 693.º do CC, porquanto se encontram em dívida pensões desde março de 2006”.
Em 19-01-2022, a Exequente pronunciou-se, de novo, defendendo designadamente que a nota discriminativa deverá conter o cálculo dos juros legais, devendo, contudo, serem calculados desde o vencimento de cada pensão de alimentos; que a nota discriminativa deverá conter o cálculo dos juros compulsórios, devendo estes, contudo, serem calculados a partir do vencimento de cada pensão de alimentos e atribuídos na totalidade ao credor; a AE deverá ainda somar à nota discriminativa a cláusula penal compulsória e respetivos juros legais. Mais alegou que já foram realizadas novas hipotecas, para atualização do valor das pensões e garantia de juros vencidos, provisórias por natureza, dependentes do resultado da ação que intentou para impugnação da transmissão da fração pelo executado ao seu irmão, por simulação absoluta; e que o montante que foi pago não chega para amortizar o capital, nem sequer a totalidade dos juros compulsórios que considera serem devidos.
Em 12-10-2022 foi proferido o despacho (recorrido), cujo teor, no que ora importa, é o seguinte (sublinhado nosso): “Requerimento de 31 de Agosto de 2021, do Executado; resposta da Sr.ª Agente de Execução de 10 de Setembro de 2021 e Requerimento da Exequente de 13 de Setembro de 2021: Uma primeira questão coloca-se em saber se são devidos juros compulsórios, ou não, e se são devidos juros legais, ou não, e se sendo, desde quando devem ser contados. Uma segunda questão colocada pelo Executado prende-se com a imputação do valor, se deverá ser feito em primeiro lugar ao capital e apenas a três anos de juros, por provir de uma hipoteca, ou se deverá ser imputado primeiramente a juros, como fez a Sr.ª Agente de Execução, Quanto à primeira das questões os juros legais decorrem da própria lei, artigos 806º, n.º 1 conjugado com o artigo 805º, n.º 2, alínea a), ambos do Código Civil, pelo que os mesmos são devidos, independentemente de decisão judicial ou de pedido específico dos mesmos, pelo que podem ser liquidados. Mas, como refere o Executado, devem ser liquidados desde o vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas até ao recebimento do valor pago no âmbito do acordo celebrado no âmbito do processo n.º …/…. Quanto aos juros compulsórios previstos no artigo 829º A do Código Civil, os mesmos não têm lugar nos presentes autos, pois os mesmos não se aplicam às prestações de alimentos, neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09 de Abril de 2013 (processo n.º 11-C/1998.C1, disponível em www.dqsi.pt), pelo que não podem ser contabilizados e devem ser retirados da conta elaborada pela Sr.ª Agente de Execução em conformidade. Quanto à imputação do valor, a Sr.ª Agente de Execução interpreta que o valor advém de uma transação para cancelamento de uma hipoteca e não da expurgação da hipoteca, logo, poderá imputar como entender, nomeadamente, primeiramente aos juros em dívida, nos termos do artigo 785º do Código Civil. O acordo existente entre as partes, para cancelamento da hipoteca, corresponde à figura da expurgação da hipoteca prevista no artigo 721º do Código Civil, pois um terceiro, que não é o Executado, mas adquirente do imóvel, pagou o valor da hipoteca registada, a fim de que a mesma fosse cancelada. Assim, a imputação do valor recebido, é advindo da hipoteca registada e deve obedecer às regras da sua imputação, ou seja, primeiro ao capital, depois aos juros de três anos e o remanescente, por conta das demais quantias em dívida. Face ao exposto, notifique a Sr.ª Agente de Execução para reformular a conta da Execução nos termos ora ordenados, no prazo de 10 dias.”
Inconformada, em parte, com esta decisão, veio a Exequente, em 02-11-2022, interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1º) O despacho recorrido decidiu, por um lado, não serem devidos juros compulsórios e, por outro, ordenou a imputação de valor recebido por terceiro em nome do Executado, primeiro ao capital e depois aos juros. 2º) Nos termos do artigo 829-A, nº4 do CC Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. 3º) A Agente de Execução liquidou, e bem, os juros compulsórios devidos pelo Recorrido atendendo ao título dado à execução: sentença homologatória de acordo de regulação de poder paternal. 4º) O despacho recorrido aplicou aos presentes autos o disposto no nº1 do art.º 829º-A do CC em vez do nº 4. 6º) O despacho recorrido lesa os legítimos interesses do menor e do Estado; 7º) Acresce que o despacho recorrido ordenou que o valor recebido por terceiro em nome do Executado na sequência de cancelamento de hipoteca legal registada sobre bem imóvel penhorado nos presentes autos fosse imputado primeiro ao capital e depois aos juros de três anos e o remanescente, por conta das demais quantias em dívida. 8º) Porém, uma coisa é o direito de o terceiro adquirente (terceiro à relação obrigacional credor /devedor) pagar o valor garantido pela hipoteca ao credor, a quem não se encontra ligado por qualquer relação obrigacional, com a contrapartida de a cancelar, assim desonerando o bem que adquiriu, outra completamente diferente é a relação entre o devedor (Executado) e a Exequente. 9º) Como é sabido, normalmente, a expurgação da hipoteca surge em situações de créditos plenamente garantidos a favor, regra geral, de instituições de crédito. 10º) O caso presente tem a peculiaridade de a hipoteca legal garantir prestações que se vão vencendo mensalmente e que foram calculadas, para efeitos de indicação do seu montante máximo, até à maioridade do filho, sendo que, entretanto, a lei se alterou e assegura as pensões de alimentos até aos 25 anos, dependendo de algumas condições, que no caso se verificam. 11º) Por outro lado a Recorrente, quando, há longa data, registou as hipotecas legais para garantia das pensões de alimentos, não teve em conta os juros que, entretanto, de vencessem por incumprimento reiterado do pai, ora Recorrido. 12º) Portanto, neste caso, o valor pago pelo terceiro não extinguiu a dívida, porquanto a hipoteca que expurgou garantia um valor muito inferior à dívida que existe hoje, e que aumenta todos os meses, em capital, juros e cláusula penal. 13º) Ora, o adquirente do bem onerado pagou o que tinha a pagar para ficar com o imóvel desonerado, não se colocando sequer a questão da imputação: a mesma coloca-se entre credor e devedor e nas relações entre ambos rege o art.º 785.º do Código Civil. 14º) Aliás, inexistem quaisquer regras de imputação do valor recebido por via de uma hipoteca, a imputação apenas faz sentido nas relações entre o credor e o devedor, sendo certo que a mesma tem que ser feita nos termos indicados neste preceito legal, a não ser que o credor autorize uma outra forma de imputação. Pelo exposto e concluído, Ao decidir-se como se decidiu foi violada a disciplina legal prevista nos artigos 829-A, nº4 e 785º do Código Civil. Pelo que, Como se requer, julgando-se procedente a presente apelação, deverá revogar-se o douto despacho recorrido e, em consequência: a) Ser ordenada a contabilização de juros compulsórios nos termos do art.º 829ºA, nº4 do Código Civil à quantia exequenda; b) Ser ordenada a imputação do valor recebido de terceiro em nome do Executado nos termos do disposto no art.º 785º do Código Civil.
Foi, em 17-11-2022, apresentada alegação de resposta, em que o Apelado defende que seja negado provimento ao recurso e requer a ampliação do âmbito do recurso, alegando designadamente o seguinte (sublinhado nosso): “O prédio hipotecado e penhorado a que a apelação se refere (nos autos vulgarmente referido como fração do Estoril), está descrito com o número …, fração H, Freguesia Estoril, na Conservatória do Registo Predial do Estoril, tendo a hipoteca legal sido registada pela apresentação … de 2008/05/13, como resulta da consulta feita ao registo predial pela Senhora Agente de Execução (que se anexa como doc. 2, referência Citius 28768706 de 23/03/2021). A hipoteca referida foi entretanto cancelada, por força de expurgação, como se detalhará abaixo. Foi defendido pelo apelado e executado que não eram devidos juros compulsórios, nem juros de mora legais, e que, mesmo que fossem, uns, e outros deveriam ser contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações de alimentos em dívida (dívida de capital) e até à data da expurgação da hipoteca pelo terceiro adquirente do prédio hipotecado e penhorado na execução, relativamente às prestações de alimentos cuja soma de capital se incluísse no valor entregue para a expurgação. O terceiro adquirente do prédio hipotecado, RLA, intentou ação para expurgação da hipoteca e nesse processo, a exequente e o seu filho, a que respeitam as prestações de alimentos, aceitaram a expurgação da hipoteca contra recebimento do montante que consta do registo como montante de capital e como montante máximo assegurado pela dita hipoteca, ou seja, 102.750,00 euros. Receberam além desse valor, mais 4.000,00 euros, para os compensar do decurso de tempo entre a interposição da ação e o efetivo recebimento do montante devido para expurgação. O que, tudo, resulta da certidão emitida pelo Juízo Central Cível de Cascais, onde correu a ação para expurgação da hipoteca e que o terceiro adquirente juntou a este apenso E, como resulta do doc. n.º 3, que ora se anexa. Deste consta a certidão da sentença, que homologa o acordo para expurgação da hipoteca, e a comunicação da Conservatória do Registo Predial, de que foi efetuado o cancelamento do registo da hipoteca, além de certidão da descrição e inscrições, atualizada, ao tempo, de que já não consta o registo da hipoteca, por ter sido cancelado, por força da expurgação. Neste ponto, sublinhe-se desde já que o registo da hipoteca expurgada menciona que assegura o valor máximo de 102.750,00 euros, e nada refere quanto a juros, nem sequer para o período de três anos. Ora decorre do artigo 693.º do Código Civil o seguinte: (…) Juros de mora constituem acessórios do crédito, pelo que, mesmo entre as partes, no caso dos presentes autos, a hipoteca não assegura juros de mora, porquanto apenas consta (constava) do registo da hipoteca que esta assegura prestações de alimentos, o que se entende como prestação de capital e não como prestação de capital e de respetivos juros de mora, em vista de que a hipoteca só está constituída e é válida se estiver registada (artigo 687.º do Código Civil), os acessórios do crédito devem constar do registo (artigo 693.º, n.º 1 do CC) e se esses acessórios forem juros, ainda que constem do registo, não estão assegurados os vencidos, expirado o prazo de três anos (artigo 693.º, n.º 2 do CC). O ora apelado já defendeu na reclamação citada (doc.1) não serem devidos juros compulsórios legais, além do que estes (também) não estão assegurados pela hipoteca que foi objeto de expurgação. Tratando-se de dívida de alimentos, não se encontra esta abrangida pela disposição invocada pela apelante, a do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, em vista de que a prestação de alimentos é uma prestação de coisa e não uma prestação de fato, tal como se defende no despacho recorrido e em cuja argumentação, por referência ao Acórdão do STJ, aí invocado, o ora apelado se escuda. Além do mais, nunca seriam devidos juros compulsórios (sancionatórios legais, nem convencionados, porventura) pelo executado, uma vez que não vêm peticionados, nem liquidados, no requerimento executivo, interposto antes da entrada em vigor do CPC de 2013, nem existe propriamente condenação no pagamento de quantia pecuniária certa, apenas foi homologado por sentença acordo de pagamento de pensão de alimentos, cujo valor original foi posteriormente reduzido. Também não foi determinado na sentença proferida no apenso C, que reduziu o valor da pensão para 500,00 euros por mês, a condenação do ali réu, agora executado, a pagar juros compulsórios (nem de mora). Por outro lado, e relativamente ao argumento, novo, de que no acordo originário, foi estipulada sanção pecuniária compulsória, não pode ser aceite, pois, além de ser uma questão nova, só agora invocada, e nunca antes no decurso da execução, a ela o requerimento executivo não faz qualquer menção, pelo que não deve ser havido como tema a decidir nem na execução nem na presente apelação. Caso, PORÉM, se entenda que são devidos juros sancionatórios legais, os mesmos devem ser calculados à taxa de 5% ao ano, desde a data de vencimento de cada prestação e, dado que cada uma se vence até ao dia 8 de cada mês, é esta data, o dia 8 de cada mês, a considerar para início de contagem até ao pagamento final. Além do mais, há que sublinhar que os juros compulsórios deixaram de vencer-se com o pagamento de parte do capital em dívida (sobre esse capital), efetuado por expurgação da hipoteca sobre a fração do Estoril (pagamento efetuado em 3 de Dezembro de 2020, como resulta dos autos e do doc. 3 que ora se anexa), e vem referido na nota da Senhora Agente de Execução. Nos termos da lei, calculam-se sobre o capital, apenas, de cada pensão (e não sobre o capital adicionado de juros de mora legais). O mesmo e exato raciocínio se aplica ao cálculo dos juros de mora legais. De outra parte, quanto ao direito de expurgação da hipoteca, estipula o artigo 721.º do Código Civil: (…) Como já se referiu acima, a expurgação da hipoteca, constituída sobre a fração do Estoril, foi efetuada mediante o pagamento de 102.750,00 euros. O terceiro adquirente de bem hipotecado tem o direito de expurgar a hipoteca, como decorre da lei, tendo sido esta a fundamentação apresentada no processo judicial intentado para alcançar a expurgação. Processo este que terminou por acordo, tendo a exequente e o seu filho aceitado a expurgação, recebendo o dinheiro correspondente, o que permitiu ao terceiro adquirente obter o cancelamento da hipoteca e do respetivo registo. Portanto, inexistiu "acordo de cancelamento". O que se passou foi que, ao invés de aguardarem pela sentença, que obviamente admitiria a expurgação, porquanto foi depositado o dinheiro com essa finalidade, e o autor, adquirente do prédio, e não devedor da pensão de alimentos, as partes acordaram na expurgação, tendo, para tanto, a exequente e o filho recebido o valor correspondente, mais os juros de mora acordados (acordo que foi homologado por sentença, como já se indicou acima e resulta do doc. 3 que se anexa). Não se tratou pois de um vulgar pagamento de dívida feita pelo executado e devedor (o obrigado aos alimentos). Daí que esteja afastada a aplicação do artigo 785.º do CC, como pretende a apelante. Tratou-se sim de expurgação de uma hipoteca, por terceiro, não devedor dos alimentos, visando a expurgação livrar o prédio da dívida (de alimentos) por tal hipoteca assegurada. Não tem pois aplicação o disposto no artigo 785.º do Código Civil, e nem, como pretende a apelação, a exequente nem a Senhora Agente de Execução são livres de imputar o valor pago para expurgar a hipoteca como entenderem, ou seja, como pretende a apelante, primeiro ao pagamento de juros de mora e depois à dívida de capital, ou melhor, às diversas dívidas de capital. Já vimos que a hipoteca em causa não assegura (não assegurava) quaisquer juros, nem de mora, nem outros, legais ou contratuais, porquanto tal não resulta do registo predial (e mesmo que garantisse, só seriam abrangidos juros de mora relativamente a 3 anos, o que é, aliás, quanto aos juros de mora, defendido no despacho recorrido e de que se discorda). Por esta razão, é ilegal o "movimento" efetuado pela Senhora Agente de Execução, de, reportando-se à dívida de capital em 31 de Dezembro de 2020 (114.802,12 euros), e à dívida de juros de mora legais que reporta por referência a essa data (31.882.32 euros), abater, em primeiro lugar, 31.882,32 euros para pagamento de juros de mora, e depois, os sobrantes 70.867,61 euros servirem para abater à dívida de capital, invocando a expurgação, por 102.750,00 euros, na data de 3 de Dezembro de 2020, como foi nesta data que teve lugar. O montante de 102.750,00 euros (valor da expurgação da hipoteca) satisfez a seguinte dívida de capital (das pensões, por ordem de antiguidade de vencimento), e não dívida de juros de mora legais, repise-se, pois a hipoteca apenas garante dívida de capital: - 102.161,45 euros (saldo devedor em Dezembro de 2018, como consta da nota da Senhora AE); - 518,91 euros (pensão vencida em Janeiro de 2019); - 69,64 euros (parte da pensão vencida em Fevereiro de 2019). * a soma destas três parcelas é de 102.750,00 euros. Após a expurgação da hipoteca da fração do Estoril, e até 31 de Agosto de 2021, por conseguinte, a dívida de capital é assim constituída, na hipótese de se entender que continuam a vencer-se após a maioridade: - 449,27 euros, a título de remanescente da pensão de Fevereiro de 2019; - 5.189,10 euros (pensões de Março a Dezembro de 2019); - 6.413,76 euros (pensões do ano de 2020); - 4.404,08 euros (pensões de Janeiro a Agosto de 2021); - demais entretanto vencidas. Repise-se ainda que, quanto a juros de mora legais, que o montante de 102.750,00 euros, para expurgação da hipoteca, foi pago em 3 de Dezembro de 2020, pelo que as prestações pagas/satisfeitas mediante a expurgação de hipoteca cessam o vencimento de juros de mora legais nesta data, salientando-se que, com a expurgação da hipoteca, a exequente recebeu ainda o valor correspondente a um ano de juros de mora legais sobre os 102.75,00 euros, devido à pendência do processo judicial para efetivar a expurgação. Pelo exposto, devem as conclusões da apelação ser consideradas improcedentes e não deverão ser atendidos os pedidos da apelação de "contabilização" de juros compulsórios, nem o de ser ordenada a imputação do valor "recebido de terceiro em nome do executado" nos termos do artigo 785.º do Código Civil. PEDIDO DE AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO (artigo 636.º. n.º 1 do CPC) Dando aqui por reproduzidas a invocação acima já deduzida, de que do registo da hipoteca não consta que assegure juros de mora, o ora apelado requer a ampliação do objeto do recurso para apreciação e revogação do despacho objeto da apelação no segmento que decide que a hipoteca, além de assegurar dívida de capital (cada uma das prestações mensais de alimentos vencida), assegura ainda juros de mora sobre cada uma delas num período de três anos, pois, na verdade, a hipoteca assegura o capital de 102.750,00 euros e nenhum montante a título de juros de mora, como resulta do doc. 2.
Com a sua alegação de resposta, o Apelado juntou documentos.
As partes foram notificadas, no seguimento de despacho proferido pela ora Relatora, para se pronunciarem sobre a inadmissibilidade da requerida ampliação do âmbito do recurso, nada tendo dito.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO Questão prévia - Da admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso
O recurso tem por objeto a decisão proferida a respeito da reclamação apresentada pelo Executado à nota de liquidação da quantia exequenda em dívida, na parte em que que julgou não serem devidos juros compulsórios e na parte em que determinou a imputação de valor recebido (pago por terceiro), primeiro ao capital e depois aos juros, pretendendo a Apelante que seja ordenada: (i) a contabilização de juros compulsórios nos termos do art.º 829.º-A, n.º 4, do CC; (ii) a imputação do valor recebido de terceiro nos termos do art.º 785.º do CC (isto é, primeiro nos juros e depois no capital).
Na reclamação deduzida pelo ora Apelado este defendeu que não são devidos juros de mora legais, nem compulsórios, e requereu quanto àqueles, para o caso de se entender terem suporte no título executivo, que se retificasse a nota de cálculo do valor em dívida, considerando-se, além do mais, que o valor dos juros de mora legais ainda em dívida, é de 31.882,32€ (calculado até 31-12-2020, como indicado na nota da Sr.ª AE), mais 67.03€, vencidos de 01-01-2021 até 31-08-2021, valores não garantidos por nenhuma das duas hipotecas.
O Tribunal recorrido decidiu atender parcialmente a pretensão do Executado, entendendo que os juros de mora legais são devidos, podendo ser liquidados, mas que, “como refere o Executado, devem ser liquidados desde o vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas até ao recebimento do valor pago no âmbito do acordo celebrado no âmbito do processo n.º 3845/19.4CSC” e que “a imputação do valor recebido, é advindo da hipoteca registada e deve obedecer às regras da sua imputação, ou seja, primeiro ao capital, depois aos juros de três anos e o remanescente, por conta das demais quantias em dívida”.
Na sua alegação de resposta, o Apelado requereu a ampliação do âmbito do recurso nos termos acima citados, “para apreciação e revogação do despacho objeto da apelação no segmento que decide que a hipoteca, além de assegurar dívida de capital (cada uma das prestações mensais de alimentos vencida), assegura ainda juros de mora sobre cada uma delas num período de três anos”.
Preceitua o art.º 636.º do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”, que: “1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. 3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.”
Ora, no presente processo, sendo o valor pago para Expurgação da hipoteca de 102.750,00€, inferior ao valor de capital de 114.802,12€ que foi considerado pela Sr.ª AE, na nota reclamada, como capital em dívida (somatório das pensões), não se percebe qual possa ser o valor que, uma vez feita a imputação no capital, ainda seria de imputar aos juros de mora, parecendo esvaziada de objeto ou ab initio inútil, a requerida ampliação do âmbito do recurso.
A menos que seja entendida como tendo um alcance diferente, o de questionar a própria decisão que considerou serem devidos tais juros de mora.
Certo é que, com o requerimento de ampliação do âmbito do recurso, o Apelado não está a questionar um mero fundamento da decisão recorrida, muito menos a suscitar a sua nulidade ou a impugnar determinados pontos da matéria de facto.
O que o Apelado pretende é impugnar a decisão recorrida na parte em que lhe é (ou parece ser) desfavorável, pelo que deveria ter lançado mão da via do recurso, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 633.º do CPC, nos termos do qual, “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”.
De referir que se mostra arredada uma eventual convolação da alegação de resposta em alegação de recurso subordinado, desde logo porque naquela não foi observado o ónus de formulação de conclusões, conforme previsto no art.º 639.º, n.º 1, do CPC.
Assim, indefere-se a requerida ampliação do âmbito do recurso.
Questão prévia da admissibilidade da junção documental
Cumpre apreciar da admissibilidade da junção documental efetuada pelo Apelado com a sua alegação de resposta, a qual inclui quatro documentos, a saber:
Doc. 1 – cópia da reclamação apresentada nos presentes autos pelo Executado em 31-08-2021;
Doc. 2 – cópia da consulta do registo predial efetuada no âmbito dos presentes pela AE em 23-03-2021;
Doc. 3 – cópia do requerimento de 14-12-2021 apresentado nos presentes autos por RA (incluindo os documentos juntos com o mesmo e ainda, certamente por lapso, uma certidão permanente do registo predial relativa a uma fração autónoma descrita na CRP de Loulé, freguesia de Almancil);
Doc. 4 – certidão permanente do registo predial relativa à fração em apreço, com informação em vigor a 16-11-2022, da qual consta como último ato a referida anotação efetuada mediante ap. 8410 de 2021/01/02 (cf. requerimento apresentado em 14-12-2021).
Apreciando.
Sobre a junção documental na fase de recurso releva o disposto nos artigos 423.º a 451.º do CPC e também o n.º 1 do art.º 651.º do CPC, nos termos do qual as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do mesmo Código ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. O art.º 425.º do CPC preceitua que, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento. Em anotação a este artigo, explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 243, “Constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação nos termos do art.º 429 ou 432, só posteriormente o disponibiliza, de a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida ou de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento. Acresce o caso em que o documento, com que se visa provar um facto já ocorrido e alegado, só posteriormente se tenha formado (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial desse facto); mas não o documento que, embora posteriormente formado, prove um facto não alegado e, ele próprio, de ocorrência posterior (…). A ocorrência posterior que torna necessário o documento pode ser a própria sentença, que haja decidido com base em facto novo oficiosamente cognoscível (art.º 412) ou em solução de questão de direito nova (art.º 5-3), com desrespeito do princípio do contraditório”.
No caso, salvo quanto ao documento 4, é manifesto que não se está perante uma situação de impossibilidade da junção documental antes da prolação da decisão na 1.ª instância, tão pouco se podendo considerar que a junção se tornou necessária em virtude dessa decisão. Na verdade, os ditos documentos 1, 2 e 3, não passam de atos processuais cuja consulta pelo Tribunal da Relação foi feita via Citius, conforme previsto no art.º 15.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08 e evidenciado pelo relatório supra.
Quanto ao documento 4, apesar da data em que tal certidão do registo predial foi obtida, o certo é que nada impedia que o Apelado, querendo, tivesse apresentado uma certidão idêntica antes de ter sido proferida a decisão recorrida, já que o último ato de registo comprovado é uma anotação efetuada mediante apresentação datada de 22-01-2022. De qualquer modo, face à certidão que já constava dos autos, apresentada com o requerimento de RA de 14-12-2021, oportunamente notificado às partes e de que o Apelado tinha conhecimento, mostra-se inócua e desnecessária a junção de nova certidão do registo, não se revestindo de nenhuma relevância probatória ou interesse para a decisão da causa, pelo que, tal como sucede com os demais documentos, é inadmissível (cf. artigos 130.º e 443.º do CPC).
Pelo exposto, por inútil, intempestiva e impertinente, rejeita-se a junção documental ora efetuada em sede de recurso pelo Apelado, condenando-o no pagamento de multa, que se fixa em 0,5 UC, nos termos dos artigos 443.º, n.º 1, do CPC e 27.º, n.º 1, do RCP.
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se devia ter sido indeferida a reclamação deduzida contra o ato de liquidação provisória da quantia em dívida no tocante aos juros compulsórios aí contabilizados;
2.ª) Se devia ter sido indeferida tal reclamação no que concerne à imputação (primeiro no capital e depois nos juros) do valor pago (por terceiro) para expurgação da hipoteca legal registada mediante ap. 36 de 2008/05/13.
Dos juros compulsórios
A questão suscitada emerge da aplicação nos autos do art.º 829.º-A do CPC, que, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, preceitua o seguinte: “1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. 3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. 4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Neste conspeto, a fundamentação da decisão recorrida é feita, de forma muito incipiente, por remissão para acórdão da Relação de Coimbra de 09-04-2013, proferido no processo n.º 11-C/1998.C1, disponível em www.dgsi.pt, o qual preconiza uma interpretação restritiva do citado n.º 4, ante a inserção sistemática da norma. A fundamentação expendida nesse acórdão é a seguinte: “A recorrente diz que a prestação de alimentos ao filho menor é imanente à paternidade pelo que, quando determinada por sentença, como é o caso, sendo como é, prestação irrenunciável, constitui obrigação perfeitamente enquadrável na categoria de prestação não fungível e dá lugar a aplicação do disposto no artigo 933.º do Código de Processo Civil. Não assiste razão à recorrente. Nos termos do n.º 1, do art.º 829.º-A (acrescentado ao Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho), (…) No caso dos autos, a prestação a cargo do executado é uma prestação de coisa e não uma prestação de facto. A este respeito cumpre distinguir entre o objecto imediato e mediato da obrigação. A este respeito, o Prof. Antunes Varela referiu o seguinte: «Tendo principalmente em vista as obrigações com prestação de coisas, os autores costumam distinguir entre o objecto imediato e o objecto mediato da obrigação. O primeiro consiste na actividade devida (na entrega da coisa, na cedência dela, na sua restituição, etc.); o segundo, na própria coisa, em si mesma considerada» e, em nota de rodapé, o autor diz que «A distinção é menos nítida nas prestações de facto, onde apenas se poderá distinguir entre a actividade (dare, facere) ou omissão (non facere) do devedor e a actividade ou omissão abstractamente consideradas. É, todavia, nesta distinção que radica a classificação (legal e doutrinal) das prestações (de facto) fungíveis e não fungíveis» ([1]). Continuando com este autor, o mesmo diz que a prestação do devedor pode revestir diversas modalidades, sendo que «A principal classificação distingue entre as prestações de facto e as prestações de coisa, conforme o seu objecto se esgota num facto ou se refere a uma coisa, que constitui o objecto mediato da obrigação» ([2]). Por conseguinte, ambas as modalidades de prestação pressupõem sempre, de forma imediata, uma acção ou uma abstenção localizáveis na vontade do sujeito devedor. Sendo assim, então para discernir entre uma prestação de facto e uma prestação de coisa, o que interessa determinar é o objecto sobre o qual incide a acção do sujeito devedor: se o objecto da acção do sujeito devedor é um facto, a prestação é de facto; se o objecto da acção do devedor é uma coisa, a prestação é de coisa. Ora, no caso dos autos, não há dúvida que o objecto da acção devida pelo devedor (pai do menor) não é outra acção (um facto), mas sim uma quantia em dinheiro, portanto, uma coisa. Estamos, por isso, perante uma prestação de coisa e não face a uma prestação de facto. Ora, o texto do n.º 1, do art.º 829.º-A do Código Civil é claro no sentido da sanção pecuniária compulsória se aplicar apenas às «obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado». Improcede, por isso, o argumento da recorrente no sentido de estarmos perante uma prestação de facto.”
Todavia, esta corrente jurisprudencial foi sendo paulatinamente abandonada em anos mais recentes, vindo a prevalecer nos tribunais superiores, em particular no STJ, o entendimento, que perfilhamos, segundo o qual: (i) a sanção pecuniária compulsória legal prevista no n.º 4 do art.º 829.º-A do CC se aplica a todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais, sendo independente da indemnização devida pela mora no cumprimento da obrigação; (ii) a aplicação dessa sanção não carece de ser peticionada pelo credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo. Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 23-02-2021, proc. n.º 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1, e o acórdão do STJ de 12-09-2019, proferido no proc. n.º 8052/11.1TBVNG-B.P1.S1, este último com ampla fundamentação, para a qual, por economia, se remete, citando-se, pela sua clareza, a explicação contida no respetivo sumário, com o seguinte teor: “I. O artigo 829.º-A do CC estabelece duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no n.º 4, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado. II. Daqueles normativos resulta que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, sendo designada de sanção pecuniária compulsória judicial; já a sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios. III. Porém, ambas essas modalidades de sanção pecuniária compulsória comungam da mesma finalidade, que é a de servir de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor no cumprimento das obrigações tidas em vista, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça com o correspondente benefício para os credores em particular. IV. Em sede de execução de sentença transitada em julgado que condene o devedor no pagamento de prestação pecuniária, pelo menos a partir da alteração do artigo 805.º, n.º 3, do CPC, dada pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, atualmente constante do artigo 716.º, n.º 3, do CPC, a correspondente sanção pecuniária compulsória devida por imposição do n.º 4 do artigo 829.º do CC deve ser liquidada a final pelo agente de execução, independentemente de tal ser requerido pelo exequente, nomeadamente no requerimento executivo. V. A norma especial constante do artigo 868.º, n.º 1, parte final, do CPC a determinar o impulso processual do exequente para a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, mesmo quando já tenha sido objeto de anterior condenação, não é extensível à cobrança da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, sujeita, como está, à norma geral prescrita no artigo 716.º, n.º 3, do CPC. VI. A natureza específica da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do art.º 829.º, do CC, atentos o casuísmo e as razões de equidade com que é fixada, é de molde a gerar controvérsia em sede da sua própria execução, o que bem justifica sujeitá-la ao impulso processual do exequente, de modo a permitir o exercício inicial do contraditório por parte do executado. Porém, tais razões já não militam em sede de aplicação da sanção compulsória legal, que é de fixação taxativa e automática”.
Ainda na jurisprudência, destacamos o acórdão da Relação de Lisboa de 09-09-2021, proferido no proc. 2455/13.4YYLSB.L1-2, disponível em https://outrosacordaostrp.com/, em que a ora relatora interveio como Adjunta, aí se afirmando designadamente que: «António Pinto Monteiro, na obra citada, especialmente nas páginas 129/130 tem a posição invocada pelo exequente, mas a exequente não diz que este autor também lembra, em nota, 294, da pág. 130, que Calvão da Silva tem uma posição contrária, por exemplo, em Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, 1987, págs. 458: “[…] o montante da sanção pecuniária compulsória legal – adicional de juros de 5% – destina[-se], em partes iguais, ao credor e ao Estado, em conformidade com a sua natureza coercitiva e com a sua independência da indemnização. Se, porém, tivesse a natureza de indemnização moratória, destinar-se-ia integralmente ao credor.” (ou em Sanção pecuniária compulsória, BMJ 359, pág. 104). (…) Sendo esta a posição que sempre foi seguida pela jurisprudência, como o revelam os acórdãos do TRC [38/06.4GDCBR-C.C1] e do TRE [2720/16.9T8ENT.E1] citados na decisão recorrida e o próprio acórdão do TRL [referido no início do relatório deste acórdão] que já se pronunciou sobre o caso nos embargos de executado a esta execução: “Tratando-se de obrigação de pagamento de quantia certa, será computada a partir do trânsito em julgado da decisão, a qual deve ser objecto de execução, destinando-se o quantitativo devido, em partes iguais, ao interessado e ao Estado.” (ainda no mesmo sentido, a decisão recorrida cita o ac. do TRG de 02/05/2016, proc. 1144/14.5T8CHV.G1, onde se pressupõe a mesma solução; também a pressupondo, vejam-se os acórdãos do TRL de 20/06/2013, proc. 23387/10.2YYLSB-B.L1-2, e de 01/10/2019, proc. 24586/15.6T8LSB. L1-1; e o sumário do acórdão do STJ de 09/01/1996, proc. 087383 [CJ.STJ.1996, páginas 40-43], citado por Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não cumprimento das obrigações, 2.ª edição, revista, UCEP, 2017, pág. 206, nota 616: “Tais juros à taxa de 5% destinam-se em partes iguais ao credor e ao Estado (artigo 829-A n.ºs 3 e 4, do CC)”. Aliás, embora o regime da injunção não seja aplicável no caso dos autos, já que o título executivo é uma sentença arbitral, ele é elucidativo da visão legal da questão, pois que no art.º 21/3 do mesmo (DL 269/98) dispõe-se, sob a epígrafe ‘execução fundada em injunção’: “Revertem, em partes iguais, para o exequente e para o Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., os juros que acrescem aos juros de mora.”»
- e o acórdão da Relação de Lisboa de 14-04-2016, proferido no proc. n.º 2455/13.4YYLSB-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança do ponto 8. do respetivo sumário, com o seguinte teor: “A sanção pecuniária compulsória legal prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil é de funcionamento automático, não carecendo de ser pedida nem necessita de qualquer decisão judicial a estabelecê-la, sempre que esteja em causa uma execução para pagamento de quantia certa”.
De referir que este último acórdão foi brevemente analisado por Miguel Teixeira de Sousa, em 12-07-2016, no post “Jurisprudência (396)”, https://blogippc.blogspot.com/, afirmando precisamente que: "Se é pacífico o entendimento de que a condenação do réu na sanção pecuniária compulsória legalmente prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil não deve ser alegada e decretada na acção declarativa, não tem sido unívoco na jurisprudência a questão de saber se na acção executiva a mesma terá de ser peticionada ou se é de aplicação automática. Considerou a sentença recorrida, citando o Ac. R. L. de 14.05.2013 (Pº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7), que muito embora a sanção pecuniária compulsória não conste do título executivo, pode ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se para ser atendida na execução que seja efectivamente requerida em tal requerimento, o que não sucedeu no caso em apreciação. Este mesmo entendimento, com afloramento no princípio do dispositivo, mostra-se defendido, nomeadamente, e a título meramente exemplificativo, nos Acs. do STJ de 16.02.2012 (Pº 286/07.0TVLSB.L1.S1) e de 12.04.2012 (Pº 176/1998.L1.S1); Acs.R.P. de 05.07.2006 (Pº 0620782) e de 22.06.2010 (Pº 87/04.7TBMUR-F.P1); Ac. R.E. de 03.04.2012 (Pº 280/06.8TBSRP-B.E1). Segundo outro entendimento, a sanção pecuniária compulsória legal, decorre directamente da lei, sendo por ela disciplinada que, desde logo, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida, pelo que será de funcionamento automático, sem necessidade de qualquer decisão judicial a estabelecê-la – v. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, 276, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., 985, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., 98, Acs. R.P. de 17.06.2004 (Pº 0433267) e de 11.11.2004 (Pº 0435218); Ac. R.L. de 20.06.2013 (Pº 2387/10.2YYLSB-B.L1-2). Sufragamos esta última posição, sempre que está em causa uma execução para pagamento de quantia certa, posição esta que se tornou mais clara e evidente a partir da nova redacção dos nºs 2 e 3 do artigo 805º do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11 – aplicável às acções intentadas a partir de 31 de Março de 2009 - como é o caso da execução de que esta oposição é Apenso, que foi intentada em 12.02.2013." III. O sumariado no n.º 8 não suscita muitas dúvidas, embora contraste com a orientação consagrada no Ac. STJ 9/2015, de 24/6, segundo a qual, "se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros" e, por conseguinte, não podem esses juros ser pedidos na posterior execução baseada na sentença condenatória. Certo é que o que é problemático é a orientação uniformizada pelo STJ (cf. Teixeira de Sousa, CDP 52 (2016), 35 ss.).”
Não se olvida, todavia, a situação particular da presente execução, em que, pese embora o título executivo seja uma sentença, estão em causa prestações que se foram vencendo depois do respetivo trânsito em julgado, com periodicidade mensal, o que não poderá deixar de ser considerado no cálculo a efetuar. Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 04-11-2021, relatado pelo ora 1.º Adjunto, proferido no proc. n.º 12894/18.9T8LSB-B.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como bem elucida a seguinte passagem do respetivo sumário: “1–Em sede de execução de sentença transitada em julgado que condene o devedor no pagamento de prestação pecuniária, os correspondentes juros compulsórios devidos por força do n.º 4 do art.º 829º-A do Código Civil devem ser liquidados pelo agente de execução, independentemente de tal ser requerido pelo exequente (nomeadamente no requerimento executivo). (…) 3–Tal sanção pecuniária compulsória legal constitui-se por efeito do trânsito em julgado da decisão judicial que condenou no cumprimento de uma obrigação pecuniária, mas nunca é exigível antes do momento em que aquela obrigação pecuniária é exigível ao devedor, pois só a partir desse momento é que se pode afirmar a necessidade de fazer operar o meio coercitivo em questão, com vista a forçar o devedor ao cumprimento em falta. 4–Havendo indefinição sobre a data do vencimento da obrigação pecuniária exequenda, conducente a igual indefinição sobre o momento em que os juros compulsórios devem começar a ser contabilizados, há-de tal momento corresponder ao da citação do executado para a execução, por ser esse o momento em que se pode afirmar com segurança a exigibilidade da obrigação exequenda.”
Em conclusão, os juros compulsórios são devidos desde a data do vencimento de cada uma das prestações alimentícias mensais, pelo que não podemos acompanhar a decisão recorrida quando atendeu a reclamação apresentada pelo Executado e, assim, considerou que não deviam ter sido liquidados juros compulsórios.
Porém, o Executado suscitava ainda a questão do incorreto cálculo dos juros sancionatórios, defendendo que são devidos desde a data de vencimento de cada prestação. Ora, na decisão recorrida, ficou prejudicada a apreciação da questão atinente à correção do cálculo efetuado, a qual poderia agora ser apreciada se dos autos constassem os elementos necessários para o efeito (cf. art.º 665.º do CPC).
Sucede que na nota elaborada pela Sr.ª AE não está discriminado o cálculo desses juros, nem esta adiantou qualquer explicação a esse respeito.
Ademais, as alegações das partes quanto à data de vencimento de cada prestação alimentícia não são coincidentes e não estão comprovadas nos presentes autos.
Não dispõe, assim, este Tribunal da Relação de elementos que permitam já concluir se o cálculo está ou não correto, pelo que resta, tão só, determinar que o Tribunal recorrido, indicando qual a data de vencimento a considerar, proceda à notificação da Sr.ª AE para informar se a liquidação foi efetuada com observância destes pressupostos e, na negativa, a retificar em conformidade.
Da imputação do valor pago por terceiro para expurgação da hipoteca (102.750 €)
Está em causa nos autos um pagamento que foi efetuado à Exequente, por terceiro, em cumprimento de sentença homologatória de transação no âmbito de ação intentada para expurgação da hipoteca legal, hipoteca essa registada mediante ap. 36 de 2008/05/13, incidente sobre a fração penhorada nos presentes autos e que era “Garantia de prestações de alimentos devidas a menor. Valor máximo previsível declarado: 102.750,00”.
A AE considerou, na liquidação que fez, ao imputar a quantia de 102.750,00 €, ser aplicável a regra geral supletiva constante do art.º 785.º, n.º 1, do CC. Estabelece este artigo, sob a epígrafe, “Dívidas de juros, despesas e indemnização”, que: “1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital. 2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.”
O Tribunal a quo decidiu, quanto à questão da imputação do valor pago para expurgação da hipoteca, atender a reclamação apresentada, determinando que fosse imputado o valor pago “primeiro ao capital, depois aos juros de três anos e o remanescente, por conta das demais quantias em dívida”. Poderá, assim, parecer que (apenas) foi atendida parcialmente a reclamação, já que ali se afirmou que tal valor também poderia ser imputado aos juros e outras quantias, e não apenas ao capital em dívida. Porém, na realidade, é de considerar ter sido determinado, tão só, que fosse imputado ao capital em dívida, pois trata-se de um valor superior à quantia que foi paga.
Assim atendendo a reclamação do Executado, o Tribunal recorrido entendeu que a situação se reconduzia à previsão do art.º 721.º do CC, atinente à “Expurgação da hipoteca”, nos termos do qual: “Aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca por qualquer dos modos seguintes: a) Pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados; b) Declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.”
Vejamos.
Sobre as hipotecas legais dispõem os artigos 704.º a 709.º do CC, sendo de salientar que as mesmas, embora resultem da lei, carecem de ser constituídas, sendo o ato de constituição o registo, ou seja, estão sujeitas, como as outras hipotecas, à disposição o art.º 687.º do CC, que torna a eficácia desta garantia, mesmo em relação às partes, dependente do registo. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 726, explicando ainda que “Antes do registo, elas não podem considerar-se constituídas, não têm existência legal. Há apenas por parte do credor, o poder legal de as constituir mediante um acto de registo, que será o título de especificação dos bens e determinação do crédito”.
Como vimos, o adquirente da fração (penhorada e hipotecada) pagou integralmente à Exequente o montante máximo garantido pela dita hipoteca (registada mediante 36 de 2008/05/13) da dívida exequenda, valor insuficiente para cobrir tudo o que era devido.
Não estão provados factos que nos indiquem, pelo menos de forma inequívoca, qual a vontade real das partes quando celebraram a dita transação, não se conhecendo qual o sentido que efetivamente pretenderam dar àquela exteriorização da sua vontade. Cumpre, pois, determinar o sentido ou alcance que um declaratário normal, posto no lugar do real declaratário, lhe atribuiria, de harmonia com as regras do art.º 236.º do CC, podendo até chegar-se à conclusão de que a credora Exequente concordou que a imputação fosse feita no capital.
Na interpretação do vertido na transação, realizada em 26-11-2020, considerando o pedido formulado nessa ação, a inscrição da hipoteca que existia à data em que a ação foi intentada (ap. 36 de 2008/05/13, para “Garantia de prestações de alimentos devidas a menor. Valor máximo previsível declarado: 102.750,00”), bem como a circunstância de as partes terem acordado que o aí autor iria proceder à transferência bancária daquela exata quantia de 102.750,00 €, acrescida dos juros correspondentes a 1 ano à taxa de 4%, num total de 106.750,00 €, até ao dia 14 de dezembro do corrente ano 2020 (quando, note-se, se cumpria 1 ano de instauração dessa ação), tudo aponta para que o pagamento em causa, efetuado ao abrigo do disposto no art.º 721.º do CC, respeitasse unicamente às prestações alimentícias propriamente ditas, ou seja, à dívida de capital garantida pela hipoteca.
Aliás, se dúvidas existissem quanto ao âmbito daquela inscrição (ap. 36 de 2008/05/13), até nos parecem ter ficado desfeitas em face das ulteriores ampliações da inscrição da hipoteca legal, quanto ao seu fundamento, efetuadas mediante ap. 119 de 2020/10/25 e ap. 8410 de 2021/01/22.
Com efeito, se as partes tivessem pretendido, no âmbito da transação que fizeram, que o pagamento efetuado por terceiro servisse também para pagamento dos juros (mormente dos juros moratórios peticionados na execução em curso) teriam por certo dito isso mesmo ou feito menção expressa à outra inscrição que já existia, não nos parecendo que o sentido das declarações vertidas na transação fosse, para um declaratário normal colocado naquela situação, o que a Apelante defende.
Assim, tendo sido, em cumprimento da transação obtida em processo intentado para o efeito, nos termos art.º 721.º do CC, efetuada a expurgação da hipoteca legal que era “garantia de prestações de alimentos devidas a menor. Valor máximo previsível declarado: 102.750,00” e cancelado o respetivo registo, e sendo a quantia paga pelo terceiro adquirente da fração (penhorada e hipotecada) insuficiente para pagamento da totalidade da dívida exequenda (capital e juros), é de imputar tal quantia, na liquidação a fazer no processo executivo, primeiro que tudo, no capital em dívida (e, se existisse remanescente, nos juros), não sendo aplicável a regra supletiva do art.º 785.º, n.º 1, do CC.
Logo, nesta parte, a decisão recorrida está correta, sendo inócuo que, “abstraindo dos valores concretos”, tenha determinado que o pagamento efetuado também pudesse depois ser imputado nos juros de três anos e o remanescente, por conta das demais quantias em dívida, já que, repetimos, o valor do capital em dívida (114.802,12€) excede o do montante que foi pago e considerado na liquidação.
De referir, aliás, que, pese embora o valor pago tenha sido de 106.750€ - e não os 102.750 € indicados na liquidação -, nem há que apreciar se aquele deveria ter sido o valor a considerar na imputação que foi feita na liquidação reclamada, pois tal constituiria uma inadmissível reformatio in pejus (cf. art.º 635.º, n.º 5, do CPC).
Ambas as partes ficam vencidas no recurso, afigurando-se adequado que as custas sejam repartidas na proporção de metade (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
- revoga-se o despacho recorrido na parte em que determinou que “a conta da Execução” fosse reformulada de modo a que os juros compulsórios fossem retirados por não poderem ser contabilizados, e, em sua substituição, decide-se desatender, nesta parte, a reclamação deduzida contra o ato de liquidação provisória efetuado pela AE, determinando que os juros compulsórios são devidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações de alimentos não pagas até ao recebimento do respetivo valor, devendo o Tribunal recorrido, explicitando qual a data de vencimento a considerar, ordenar a notificação da Sr.ª Agente de Execução para informar se a liquidação provisória foi elaborada nesse pressuposto, e, na negativa, para a retificar em conformidade;
- mantendo-se quanto ao mais o despacho recorrido.
Decide-se ainda condenar ambas as partes no pagamento das custas do recurso, na proporção de metade.