BENFEITORIAS ÚTEIS
BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
VALOR REAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
BENFEITORIAS
CRÉDITO
OBRAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REQUISITOS
Sumário


I. O aumento de valor, para efeito de qualificação de benfeitorias úteis, reporta-se ao valor objectivo ou venal da coisa, também designado por valor comum ou real – independentemente do específico fim a que possa estar temporariamente afectado o beneficiado –, relevando o aumento de valor subjectivo apenas como benfeitorias voluptuárias.
II. Quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis tem o ónus de alegar e provar factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa – já assim não será no caso de ser pedido o levantamento das benfeitorias: será, então, ao dono da coisa que cabe invocar o dano, como meio de oposição ao levantamento (circunstância impeditiva), com o consequente reconhecimento do direito a indemnização,
III. … sendo que o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis não se refere a estas, mas, sim, à coisa benfeitorizada.
IV. Estando o ressarcimento ou indemnização das benfeitorias ligado à sua classificação, quer o dono da coisa autorize ou não o seu levantamento, o direito dos benfeitorizantes a serem ressarcidos existe sempre.
V. A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a)      Existência de um enriquecimento à custa de outrem (uma vantagem de carácter patrimonial que pode assumir‑se como um aumento de activo patrimonial, uma diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de um direito alheio susceptíveis de avaliação pecuniária ou na poupança de despesas).
b)     Existência de um empobrecimento;
c)      Nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento;
d)     Ausência de causa justificativa;
e)      Inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.
VI. Tendo a propriedade do prédio onde foram realizadas pelo Autor as benfeitorias sido reconhecida em acção própria – fora do processo de inventário para partilha de bens do ex-casal formado pelo Autor e 2ª Ré – , nessa acção invocando e logrando provar as RR a aquisição do direito de propriedade por usucapião, o crédito do Autor por tais benfeitorias (obras) não tinha de ser exigido ou accionado no âmbito desse processo de inventário.
VII. O desconhecimento da medida do enriquecimento e do empobrecimento não prejudica a condenação do réu em enriquecimento sem causa, prevendo, então, a lei, no artº 609º, nº2 CPC, um incidente próprio para resolver aquela indeterminação.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


AA, instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB e CC, alegando, em síntese, que realizou obras, a expensas suas, num prédio propriedade destas, que viram, assim, o seu património beneficiado à custa do património dele, sem que existisse causa justificativa, sendo que no aludido prédio estão instalados estabelecimentos comerciais custeados a expensas do autor e dos quais são retirados pela rés proventos provenientes da exploração, formulando o seguinte pedido:

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e, por via disso, a) serem as Rés condenadas a restituir ao Autor a quantia de €: 98.250,00 (Noventa e Oito Mil Duzentos e Cinquenta Euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de trânsito em julgado da decisão que lhes atribuiu a propriedade do imóvel supra descrito, até efetivo e integral pagamento,                      

b) e, bem assim, serem as Rés condenadas, em quantia a apurar em sede de execução de sentença, a restituir ao aqui Autor todas as quantias que fizeram integrar no seu património provenientes da exploração dos estabelecimentos comerciais instalados no prédio supra identificado,

c) Tudo com custas, procuradoria e demais encargos legais a cargo das Rés.

               

Apresentada a contestação e tramitado o processo veio a ser realizada audiência final e, no seu seguimento, proferida sentença pela qual se decidiu julgar a ação improcedente e absolver as rés do pedido.


*


Irresignado, veio o autor interpor recurso de apelação, vindo a Relação de Évora, em acórdão, a proferir a seguinte

“DECISÃO

Pelo exposto, nos termos supra explicitados decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, na parte impugnada, condenando-se as rés a restituírem ao autor a quantia que este suportou com as obras a que se alude em 5 e 6 dos factos provados, que se vier a liquidar em execução de sentença.”.


*



Por sua vez inconformadas, vieram as RR CC e BB, interpor recurso de revista, apresentando alegações que rematem com as seguintes


CONCLUSÕES:

1. O recorrente não tem direito à indemnização que peticiona pois não provou os factos que alega;

2. Não existiu empobrecimento do recorrido nem enriquecimento das recorrentes, por força da realização das obras em causa nos autos, não se encontrando preenchidos os pressupostos para atribuição de indemnização, por força do instituto do enriquecimento sem causa.

3. As obras realizadas foram consumidas, utilizadas, esgotadas com a utilização que o casal deu ao prédio durante anos de vida em comum.

4. O recorrido beneficiou até as mesmas se esgotarem das obras realizadas;

5. Não existe, assim, qualquer enriquecimento das recorrentes à custa do recorrido, nem um empobrecimento deste, que beneficiou anos e anos e enquanto residiu no prédio, das obras efectuadas;

6. As obras realizadas na década de 90 deixaram de existir, uma vez que o prédio muito degradado teve de sofrer intervenções profundas, efectuadas a partir do ano de 2012.

7. A existir um crédito de obras, tratar-se-ia de um crédito do casal que teria de ter sido partilhado, no âmbito do processo de inventário para partilha de bens do casal;

8. A questão das benfeitorias nunca foi suscitada naquele processo;

9. Seria, assim, no processo de inventário que deveria ter sido suscitada a questão da existência ou não de um crédito de um membro do casal sobre o outro, ou a existência de um crédito sobre o casal.

10. O recorrido não logrou provar que realizou no prédio benfeitorias
úteis ou necessárias.

11. Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, e não podendo ser levantadas (sem que houvesse detrimento da coisa) o recorrido nunca poderia haver o valor das mesmas.

12. Não podem ser relegados para liquidação de sentença quaisquer valores, pois não foram dados como provados os factos constitutivos do direito peticionado;

13. Não é verdade que a realização de obras tivesse valorizado o imóvel em 129.264,21 euros;

14.Foram violados, por erro de interpretação os artigos 342º, 473º, 474º, 479º,1273º e 1275º do Código Civil;


TERMOS EM QUE DEVE O DOUTO ACÓRDÃO SER REVOGADO, E AS RECORRENTES ABSOLVIDAS DOS PEDIDOS.


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Contra-alegou o Autor/recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção do acórdão recorrido.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO


Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são as seguintes:

§ Se as obras realizadas no prédio, aludidas em 5 e 6 dos factos provados, são benfeitorias voluptuárias.

§ Se estão preenchidos os pressupostos ou requisitos do enriquecimento sem causa que permitam a atribuição de indemnização ao Autor/benfeitorizante.

§ Se a existir um crédito por tais benfeitorias (obras), o mesmo teria de ter sido partilhado no âmbito do processo de inventário para partilha de bens do casal;

§ Se a fixação do quantum indemnizatório devido ao Autor não podia ser relegado para liquidação de sentença.


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III – FUNDAMENTAÇÃO


III. 1. FACTOS PROVADOS

É a seguinte a matéria de facto provada (fixada na Relação após impugnação em recurso):

1. O Autor e a 2.ª Ré casaram em 6/12/1991, sem convenção antenupcial;

2. Esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 20/06/2005;

3. Que correu processo de inventário para partilha do património comum do casal (Processo n.º 364/03....);

4. No âmbito do Processo n.º 62/07.... foi reconhecida a aquisição por usucapião pelas Rés do direito de propriedade sobre o imóvel em causa nos autos.

5. O Autor e a 2ª Ré efectuaram as seguintes obras no imóvel:

- obra de alvenaria em todo o prédio;

- obra no telhado em todo o prédio, com colocação de placa e telha;

- aplicação de pavimento revestido a mosaicos;

- reboco e pintura de paredes interiores e exteriores do imóvel, com criação de novas paredes e divisões;

- instalação eléctrica e louças sanitárias novas;

- colocação de portas interiores novas e janelas em alumínio;

6. Bem como, na parte do prédio afecto ao estabelecimento comercial de minimercado:

- Aumento do estabelecimento, remodelação de paredes interiores e exteriores;

- Colocação de pavimento revestido a mosaico;

- Instalação eléctrica e louças sanitárias novas;

- Reboco e pintura das paredes; e,

- Colocação de montra.

7. À data da compra o imóvel tinha o valor patrimonial de € 645,79 e em 2012 o de € 129.910,00;

8. Em 1995 Autor e 2ª Ré contraíram um empréstimo de cerca de €25.000,00, que está a ser amortizado desde há vários anos pela Ré CC;

9. As obras foram custeadas com parte do valor desse empréstimo, pela 1ª Ré e falecido marido e com rendimentos provenientes do trabalho do Autor e da 2ª Ré;

10. A partir de 2012 foram executadas no prédio obras, designadamente pintura exterior e interior, reboco da fachada do prédio e no interior, colocação de mosaicos, pavimento flutuante nos quartos, janelas de alumínio, portas novas cobertura em telha e alpendre.


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Não se provou que:

A) Com a realização das obras indicadas em 5 e 6 o Autor gastou as seguintes quantias monetárias:

€: 3.000,00 – mão-de-obra de pedreiro e trolha, no supermercado;

- €: 6.250,00 – mão-de-obra do telhado da casa;

- €: 6.500,00 – mão-de-obra do telhado, cozinha e casa de banho do café;

- €: 8.000,00 – mão-de-obra de electricidade na casa, café e supermercado;

- €: 4.000,00 – mão-de-obra e material de carpintaria (portas, roupeiro e bancada de cozinha) da casa;

- €: 6.000,00 – mão-de-obra e material de carpintaria (portas exteriores) do café, casa e supermercado;

- €: 15.000,00 – mão-de-obra de trabalhos no quintal (paredes, muro, portões);

- €: 25.000,00 – Material de construção (pavimento, tijoleiras, ripado de cimento para placa, areia, cola, cimento, ferro, tijolos, louça sanitária, azulejos, entre outros);

- €: 7.000,00 – Telhas;

- €: 15.000,00 – Material de Construção (pavimento, tijoleiras, ripado para o telhado, cimento, ferro, louça sanitária, azulejos, entre outros), no café; e,

- €: 2.500,00 – ar condicionado no café.

B) O Autor e a Ré colocaram vedações de quintal.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO


Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.


§ As obras realizadas no prédio, aludidas em 5 e 6 dos factos provados, são benfeitorias voluptuárias?


É mais que evidente que tais obras são benfeitorias e que se não integram, de todo, no conceito de benfeitorias voluptuárias, ao contrário do que que as recorrentes pretendem fazer crer.


As obras que o Autor, conjuntamente com a 2ª Ré, alegou e se provou ter levado a cabo no prédio alheio (das Rés), estão elencadas nos pontos de facto provados nºs 5 e 6.

São elas (o destaque é nosso):

5. (…

- obra de alvenaria em todo o prédio;

- obra no telhado em todo o prédio, com colocação de placa e telha;

- aplicação de pavimento revestido a mosaicos;

- reboco e pintura de paredes interiores e exteriores do imóvel, com criação de novas paredes e divisões;

- instalação eléctrica e louças sanitárias novas;

- colocação de portas interiores novas e janelas em alumínio;

6. Bem como, na parte do prédio afecto ao estabelecimento comercial de minimercado:

- Aumento do estabelecimento, remodelação de paredes interiores e exteriores;

- Colocação de pavimento revestido a mosaico;

- Instalação eléctrica e louças sanitárias novas;

- Reboco e pintura das paredes; e,

- Colocação de montra.


Ora, sustentar-se que tais obras são benfeitorias voluptuárias é ignorar, em absoluto, este conceito.

Trata-se, com efeito, sem dúvida alguma, de benfeitorias úteis e necessárias (nunca voluptuárias).


Segundo o art. 216º n.º 1 do CCiv, benfeitorias são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

Estão em causa despesas naturais ou materiais, ou seja, que se concretizam em actos materiais de obra na coisa beneficiada, “razão por que os impostos, os juros, as amortizações, os prémios de seguro, apesar de despesas destinadas a evitar a perda ou deterioração da coisa, e nessa medida, se aparentarem com as benfeitorias necessárias (cf. 1ª parte, do n. ° 3 do referido artº. 216. °), não merecem tal qualificativo, ...”[1].


Podem as benfeitorias ser (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo):

- necessáriasas que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa;

- úteisas que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor;

- voluptuáriasas que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.


Ora, é um tanto descabido dizer-se que as obras aludidas em 5 e 6 dos factos provados apenas serviram para recreio do benfeitorizante!

Com efeito, estamos a falar de: alvenaria em todo o prédio; obra no telhado em todo o prédio, com colocação de placa e telha; aplicação de pavimento revestido a mosaicos; reboco e pintura de paredes interiores e exteriores do imóvel, com criação de novas paredes e divisões; instalação eléctrica e louças sanitárias novas; colocação de portas interiores novas e janelas em alumínio; aumento do estabelecimento, remodelação de paredes interiores e exteriores; Colocação de pavimento revestido a mosaico; instalação eléctrica e louças sanitárias novas; reboco e pintura das paredes; colocação de montra.

Trata-se, assim, de benfeitorias que, ou visaram evitar a destruição ou deterioração da coisa (v.g., obra no telhado, instalação eléctrica e louças sanitárias, portas interiores novas e janelas em alumínio), ou aumentaram, substancialmente, o valor do imóvel – revelando-se evidente que aumentaram a respectiva funcionalidade e nível de conforto.


A este propósito, ensinava MANUEL DE ANDRADE, ainda no domínio do CC de 1867 mas com aplicação ao regime actual, que o aumento de valor, para efeito de qualificação de benfeitorias úteis, se reporta ao valor objectivo ou venal da coisa, também designado por valor comum ou real, sendo que o aumento de valor subjectivo, que represente apenas ornatos ou embelezamento de modo a tornar a coisa mais aprazível, conforme as preferências do possuidor, ou mesmo vantagens particulares, ainda que de ordem patrimonial, não relevam como benfeitorias úteis mas como benfeitorias voluptuárias[2].

Ou seja, o que aqui releva particularmente é um critério objectivo, no sentido de se tratar de despesas que se destinaram a conservar ou melhorar a coisa – e que a conservaram ou melhoraram, parece mais que evidente, dessa forma tendo aumentado o valor da coisa beneficiada.

Também nesta linha, o Ac. do STJ de 30.04.2019[3]: “As definições que emergem do art. 216º têm subjacente um critério de essencialidade ou utilidade das benfeitorias para a coisa, em si mesma, ou seja, independentemente do específico fim a que possa estar temporariamente afetada.”.

Isto é, o que importa é saber se se trata de benfeitorias que se tornaram essenciais para a coisa (para o fim a que esta se destinou e/ou destina) ou simplesmente úteis, num critério objectivo, à margem do fim específico a que a coisa se destina ou a que, temporariamente, está afectada.

Ainda sobre a distinção entre benfeitorias necessárias e úteis (e no sentido aqui seguido), atente-se nas (sempre actuais) palavras de CUNHA GONÇALVES[4]:

«(…) benfeitorias necessárias são as “despesas indispensáveis para a conservação da cousa (…), isto é, para manter íntegra a cousa na sua função económica normal e cuja omissão importaria, ou a destruição, ou a deterioração da cousa ou do seu estado de utilização. São as “reparações ordinárias e extraordinárias” (…), tais como consertos dos telhados, caiações ou pinturas das paredes exteriores e das portas e janelas, reposição dos vidros partidos, restauração dos muros parcialmente caídos, etc. Benfeitorias necessárias podem ser também obras novas, como a construção de sebes, valados e muros, a colocação de marcos divisórios, se forem indispensáveis para a conservação da integridade da cousa; ao passo que simples reparações, quando dispensáveis, não serão benfeitorias necessárias.

Benfeitorias úteis (…) são aquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação da cousa, lhe aumentam, todavia, o valor. São os melhoramentos (…); e a maior valorização pode realizar-se com ou sem aumento de rendimento. Em geral, são benfeitorias úteis as novas construções, as novas plantações, as inovações ao modo de desfrutar a cousa, as aberturas de poços e fontes, etc.»[5].

Ou, ainda, no ensinamento de OLIVEIRA ASCENSÃO[6]:

«As benfeitorias estão ligadas ao poder jurídico de transformação, que é um dos aspectos do gozo. São melhoramentos de uma coisa, portanto alterações nela realizadas com o fim de a beneficiar.

Consoante o benefício efectivamente obtido distinguem-se em necessárias, úteis e voluptuárias (art.º 216.º/2 e 3). São necessárias as que evitam o detrimento da coisa; úteis as que aumentam a potencialidade de gozo desta (…).»[7].


Para maiores desenvolvimentos sobre a qualificação/distinção das benfeitorias (maxime necessárias ou úteis - também em sintonia com o entendimento aqui vertido), ver, ainda (com vastas e pertinentes referências doutrinais - na circunstância, feitas por arrendatário em prédio rústico destinado a exploração agro-pecuária), o Ac. do STJ de 19.12.2018, proc. 214/14.6T8BJA.E1.S2 (Tomé Gomes)[8]


Em suma, as benfeitorias, aqui em questão, são, ou úteis para a coisa, em si mesma, tendo aumentado o valor objectivo ou venal da coisa (prédio), ou necessárias.

Pelo que está fora de qualquer cogitação a sua qualificação como meramente voluptuárias – estas que se reduzem àquelas que, não sendo indispensáveis para a conservação nem aumentando o valor, servem unicamente para recreio do benfeitorizante, numa perspectiva de o embelezar e tornar mais agradável.

Donde, assistir ao Autor o direito a ser ressarcido das aludidas benfeitorias, nos termos do estatuído no artº 1273º do Cód. Civil.


§ Estão preenchidos os pressupostos ou requisitos do enriquecimento sem causa que permitam a atribuição de indemnização ao Autor/benfeitorizante?


Reza o artº 1273º do CC:

(Benfeitorias necessárias e úteis)

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.


Temos, assim, que ao benfeitorizante assiste o direito a ser ressarcido das benfeitorias necessárias que haja realizado, bem assim das benfeitorias úteis quando as mesmas não possam ser levantadas sem que a coisa sofra dano, caso em que deve ser ressarcido em conformidade com as regras do enriquecimento sem causa.

E é a este instituto que o Autor recorre para se ver ressarcido das aludidas benfeitorias realizadas no prédio em causa.


Como dito, o direito indemnizatório das benfeitorias úteis, nos sobreditos termos – segundo as regras do enriquecimento sem causa –, depende da verificação de um pressuposto: ser impossível separá-las ou levantá-las, por, inevitavelmente, tal acarretar detrimento para a coisa benfeitorizada (pois, se o seu autor as puder levantar sem qualquer dano para a coisa, pode levar a cabo tal levantamento, obviamente, então, sem haver lugar à indemnização – senão, ficaria com as benfeitorias e ainda com um valor indemnizatório equivalente ao das mesmas).


Decorre deste regime – neste sentido se pronunciando claramente a doutrina e jurisprudência[9] – que é ao possuidor que incumbe alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa; isto é, quem formula o pedido de indemnização pelas benfeitorias úteis é que terá de alegar e provar factos que permitam concluir que elas não podem ser levantadas sem detrimento da coisa.

Esta regra está, aliás, de acordo com o critério do ónus da prova definido no art. 342º n.º 1, pois constitui facto constitutivo do direito a impossibilidade de levantamento sem detrimento da coisa (parece que já assim não será no caso de ser pedido o levantamento das benfeitorias: será então ao dono da coisa que cabe invocar o dano, como meio de oposição ao levantamento (circunstância impeditiva), com o consequente reconhecimento do direito a indemnização[10]).


Ora, atenta a especificidade das benfeitorias em causa, é claro que resulta da factualidade provada a impossibilidade de levantamento das benfeitorias realizadas (ínsitas nos factos provados 5 e 6) sem detrimento da coisa.

Com efeito, não é possível, obviamente, retirar-se do prédio, designadamente, as obras que seguem sem que tal acarrete o seu detrimento:  obra de alvenaria em todo o prédio; obra no telhado em todo o prédio, com colocação de placa; pavimento revestido a mosaicos; reboco e pintura de paredes interiores e exteriores do imóvel, com criação de novas paredes e divisões; instalação eléctrica; aumento do estabelecimento, remodelação de paredes interiores e exteriores;… pavimento revestido a mosaico.

Tal impossibilidade de anular tais benfeitorias sem causar dano ao prédio é ostensiva, notória, ressaltando à evidência ao comum dos mortais sem necessidade de particulares conhecimentos (maxime de construção civil).


Uma outra nota a não esquecer: o detrimento a que pode dar lugar o levantamento das benfeitorias úteis não se refere a estas, mas, sim, à coisa benfeitorizada. Daí que, independentemente da situação subjectiva do possuidor, seja juridicamente irrelevante que do levantamento das benfeitorias resulte o detrimento destas[11]-[12].

O que importa é saber se o levantamento deteriora a coisa – e, como visto, é patente que levantadas as aludidas provadas benfeitorias, o prédio onde foram feitas ficaria seguramente (e substancialmente) deteriorado.


Do explanado se vê que o ressarcimento ou indemnização das benfeitorias está ligado à sua classificação. Pelo que basta que sejam classificadas como úteis para que sejam indemnizáveis em conformidade com as regras do enriquecimento sem causa, quando o levantamento cause detrimento da coisa (artº 1273º, nº2 do CC).

Portanto, quer o dono da coisa autorize ou não o seu levantamento, o direito dos benfeitorizantes a serem ressarcidos, nos sobreditos termos, existe sempre. Como não podia deixar de ser: seria, até, abusivo que se negasse o direito a indemnização quando as benfeitorias não pudessem ser levantadas sem detrimento da coisa só porque o proprietário fez “declaração” de que se não opunha a tal levantamento – quando sabia que o dano com o levantamento era uma realidade e que por isso mesmo as benfeitorias não podiam ser levantadas!


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Questionam as RR o preenchimento, in casu, dos requisitos ou pressupostos do enriquecimento sem causa.

Sem razão, porém.

Estabelece o artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil , que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.

Por sua vez, o n.º 2, do mesmo artigo, dispõe que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.

O enriquecimento sem causa é, assim, uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse direito[13].

Idem nas palavras de Manuel de la Camara Luis Diez Picazo‑‑[14].

É uniformemente entendido que só há enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa [15].

O enriquecimento traduz‑se, portanto, na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária.  E resulta da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento.  O enriquecido “fica em melhor situação do que aquela que de outro modo apresentaria”, correspondendo a essa vantagem “um prejuízo suportado pelo sujeito que requer a restituição” [16].

Em suma, pode dizer-se‑ que o facto que enriquece uma pessoa tem de produzir o empobrecimento da outra.

É, assim, pacifico na nossa Doutrina e Jurisprudência que a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa de alguns requisitos:

a)    Existência de um enriquecimento à custa de outrem;

b)    Existência de um empobrecimento;

c)   Nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento;

d)    Ausência de causa justificativa;

e)    Inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído [17].


Parece evidente que tais requisitos estão verificados na situação sub judice.

O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial que pode assumir‑se como um aumento de activo patrimonial, uma diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de um direito alheio susceptíveis de avaliação pecuniária [18] - exclui-se, portanto, do âmbito deste instituto as vantagens obtidas à custa de outrem, que não sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, como sucede com os benefícios de cariz espiritual ou moral[19] - ou na poupança de despesas.

Ora, com as benfeitorias realizadas no prédio, as RR, suas proprietárias, viram aumentado o seu activo patrimonial, quer pelas obras em si mesmas que nele foram feitas, quer porque pouparam despesas que, sem as benfeitorias, teriam de suportar.


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E é claro que o enriquecimento das RR proprietárias do imóvel foi obtido à custa de outrem (o que a doutrina tem interpretado como a exigência de um concomitante empobrecimento na esfera de outra pessoa) – daquele que se arroga o direito de obter a restituição (in casu, o Autor). Ou seja, a vantagem patrimonial das RR resultou do sacrifício económico suportado pelo Autor[20].

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E a ausência de causa justificativa para o enriquecimento das RR também parece manifesta.

Com efeito, no âmbito das relações jurídicas entre as RR (enriquecidas) e o Autor (empobrecido), não ocorre alguma situação que possa legitimar a manutenção do enriquecimento na esfera daquelas, como, por exemplo, um contrato celebrado, a posterior aprovação da conduta, ou uma permissão legal de ingerência.

Essa relevância meramente excepcional da ausência de causa justificativa também se verifica no enriquecimento por despesas efectuadas, já que ocorrendo a situação de alguém ter obtido um incremento no seu património em virtude de uma despesa que outrem suportou, esse incremento deverá ser restituído a quem suportou essa despesa, salvo se existir uma razão excepcional para a sua conservação.


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Portanto, o enriquecimento das RR à “custa” do empobrecimento do Autor parece mais que evidente. Enriquecimento aquele que resultou, quer no aumento do activo patrimonial da RR, quer numa diminuição do seu passivo, quer ainda na poupança de despesas (pois não fora as benfeitorias realizadas, as RR proprietárias do imóvel teriam, necessariamente, de fazer várias dessas obras, dada a sua absoluta necessidade e essencialidade para a habitabilidade do imóvel – v.g., colocação de telhas no telhado e instalação eléctrica e sanitária).


O Autor realizou as obras em imóvel que deixou de ser sua propriedade, face ao reconhecimento da aquisição por usucapião a favor das Rés, tendo, pois, ficado empobrecido em relação àquelas, as quais passaram, dessa forma, à custa do património do aqui Autor, não só a deter património imobiliário de montante acrescido face ao valor daqueles obras que no mesmo foram incorporadas, como viram, ainda, o seu património enriquecido por terem poupado o seu património à realização de despesas de obras, custeadas pelo Autor.

E dessa forma, a "deslocação patrimonial" resulta, obviamente, da diminuição do património do "empobrecido", aqui Autor - à sua "custa", nos termos do art.º 479.º, 1 do CC – para a esfera patrimonial das Rés.


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Vêm as RR com uma teoria “peregrina”: que, pelo facto de as obras em causa terem sido realizadas já há muitos anos, as mesmas se “esfumaram” ou foram “consumidas/utilizadas/esgotadas” pelo próprio Autor, durante a sua permanência na habitação em causa.

Antes de mais, é evidente que, considerando as obras realizadas e dadas como provadas nos pontos 5. e 6., por confronto com as obras realizadas desde 2012, nem todas foram consumidas e esgotadas, tendo deixado de existir – como é o caso da instalação eléctrica e sanitária, quer da habitação, quer do estabelecimento comercial, pois estas não foram “mexidas” nas obras de 2012.

Acresce que – como bem exemplifica o recorrido – “se assim fosse, por exemplo, jamais qualquer “inquilino” teria direito indemnizatório de benfeitorias realizadas, uma vez que as teria realizado, sempre, durante o seu período de habitação, e para o seu uso e fruição”.


Não podemos, assim, deixar de concordar com o recorrido: “o aqui Recorrido fez um investimento, num bem imóvel que julgava seu, sendo que, só a partir do momento em que tal bem saí da sua esfera jurídica, é que se concretiza o seu empobrecimento!

Com efeito, não poderia o Tribunal, pura e simplesmente afastar o facto do aqui Autor ter investido capitais próprios em algo que considerava de propriedade sua, e depois deixou de o ser, em virtude da acção referida no ponto 4. dos factos provados, e não ter direito a receber nada”.

O Autor logrou provar: que realizou obras em bem alheio (melhor concretizadas nos artigos 5 e 6 dos factos provados); que tais obras ficaram integradas no imóvel da propriedade exclusiva das Réus, valorizando o mesmo em mais de €: 129.264,21 (ut artigos 4 e 7 dos factos provados); que tais obras foram custeadas em parte com rendimento proveniente do seu trabalho (conforme artigo 9. dos factos provados).

Como tal, estão provados todos os referidos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.


§ O crédito de tais benfeitorias (obras) era um crédito do casal que tinha de ser partilhado no âmbito do processo de inventário para partilha de bens do casal?


Obviamente que não.

E pela simples razão de que a propriedade do prédio onde foram realizadas as benfeitorias foi reconhecida em acção própria, fora de qualquer processo de inventário, ali invocando e logrando provar as RR a aquisição do direito por usucapião.

Ora, sendo assim, é claro que também o direito ao ressarcimento pelo Autor de obras feitas no mesmo imóvel, não carece de outra forma de processo que não a que ora veio utilizar.


Aliás, no processo de inventário (Processo n.º 364/03....) que correu termos para partilha de bens comuns do casal (autor e 2ª Ré), não se discutiu a propriedade do bem imóvel em causa. Com efeito – o que, aliás, resulta destes autos, tendo por referência a acção n.º 62/07.... – , da relação de bens a partilhar naquele processo de inventário não constava o bem imóvel objecto das obras aqui em causa. Como tal (claro), também estava (tinha de estar) arredado desses autos qualquer discussão atinente a benfeitorias e/ou qualquer direito de crédito delas decorrente!


Assim, portanto, não podia o ora Recorrido antever naqueles autos de inventário um desfecho de uma acção que nem sequer então existia – partilha de bens comuns só com a Ré CC e já não com a Ré BB. Daí que não pudesse no inventário reclamar qualquer valor atinente a obras ou benfeitorias realizadas em tal imóvel.

Portanto, o objecto dos presentes autos (a indemnização devida ao ora Recorrido em razão das benfeitorias pelo mesmo realizadas/custeadas no prédio agora propriedade das Rés) jamais poderia ser objecto de decisão naqueles autos de processo de inventário/partilha.


Assim também, não se vislumbra outra acção, que não esta, que fosse mais apropriada a possibilitar ao Autor empobrecido um meio de ser indemnizado ou restituído.


§ A fixação do quantum indemnizatório devido ao Autor não podia ser relegado para liquidação de sentença?


É claro que podia. E devia – como bem se demonstra no acórdão recorrido.

Sustentam as Recorrentes que não podia relegar-se para liquidação de sentença a quantificação da indemnização ao Autor, já que “não foram dados como provados os factos constitutivos do direito peticionado”.

Mas não é verdade: foram provados os factos – as benfeitorias; apenas se não provou o respectivo montante.


Escreveu-se, com toda a pertinência, no acórdão recorrido:

[Como resulta dos factos provados nos pontos 5, 6 e 9 foram realizadas obras, no imóvel propriedade das rés, pelo autor e pela 2ª ré as quais foram custeadas em parte com rendimentos provenientes do trabalho do autor. Ou seja, embora não se provasse que as obras foram exclusivamente custeadas com rendimentos do autor, resulta assente que rendimentos provenientes do trabalho do autor também suportaram o custo das obras realizadas no imóvel que o autor, quando da sua realização, também considerava como propriedade sua, por estar casado com a ré CC, mas que, posteriormente se verificou assim não ser, atendendo a que judicialmente foi reconhecida a aquisição, por usucapião, pelas rés do direito de propriedade sobre o bem imóvel em causa nos autos (v. facto provado 4). 

Tendo resultado provado que as obras (no prédio das rés) foram efetuadas pelo autor e pela 2ª ré, com quem aquele na altura era casado, e que foram, também, custeadas com rendimentos provenientes do trabalho cada um deles, para além de serem custeadas com recurso a empréstimo e com proventos da 1ª ré, sendo, até pela natureza das coisas, de reconhecer que tais obras levadas a cabo no imóvel aumentaram o valor deste, não haverá obstáculo, em dissensão do que foi entendido pelo Julgador a quo, em reconhecer direito de indemnização ao autor a coberto do instituto do enriquecimento sem causa, que abrange todas as situações de vantagens patrimoniais de uma pessoa à custa de outra, independentemente da natureza e da origem do ato de onde elas procedem,[21] embora se reconheça que não há, neste momento, base factual para fixar em quantia determinada o montante indemnizatório inerente ao direito do autor, pelo que terá o tribunal de relegar tal determinação para incidente de liquidação posterior.

(…) deverá ser dada possibilidade (nova oportunidade) ao recorrente de em sede de liquidação proceder ao apuramento, com exatidão dos respetivos danos a fim de concretizar a medida do enriquecimento das rés e do seu empobrecimento, isto não obstante ter alegado um valor concreto, que não logrou provar, não fica impedido de em sede de liquidação, de novo, proceder à sua concretização, uma vez que o fracasso da prova no que tange ao montante dos danos, não obsta a que se relegue o seu apuramento para o incidente de liquidação posterior.[22].

Há, assim, que acolher a posição explicitada no Ac. do STJ de 07/11/2019[23] (aliás, citado pelo recorrente), sobre a temática em causa, do qual se reproduz o seguinte excerto:

«… não devem existir dúvidas de que o desconhecimento da medida do enriquecimento e do empobrecimento não prejudica a condenação do réu em enriquecimento sem causa. Quer dizer: estando provados o enriquecimento e o empobrecimento, a sua exata medida não constitui facto essencial à condenação na obrigação de restituição[24] dispondo o artigo 609.º, n.º 2, do CPC que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquidada”.

A verdade é que a lei prevê um incidente próprio para resolver aquela indeterminação, ou seja, que serve, precisamente, para apurar ou tornar líquido o pedido genérico bem como o pedido específico que não seja possível confirmar enquanto tal[25] – o incidente de liquidação (antes designado “liquidação ulterior de sentença”), regulado atualmente nos artigos 358.º a 361.º do CPC[26].

Sem prejudicar, de forma alguma, o direito das partes à tutela jurisdicional efetiva[27], o mecanismo é o que melhor assegura que o sujeito obtém aquilo – tudo aquilo mas só aquilo – a que tem realmente direito. É oportuna a frase lapidar de Giuseppe Chiovenda, proferida no início do século XX: “[i]l processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire”[28]»].


Nada de relevante se nos afigura a acrescentar.

Com efeito, está assente: a realização, pelo Autor/Recorrido, das benfeitorias; que as mesmas são passíveis de lhe serem ressarcidas; que o seu cálculo é efectivado segundo as regras do enriquecimento sem causa; que ocorreu, de facto, tal enriquecimento das RR/Recorrentes, apenas se não tendo provado o quantum dessas mesmas benfeitorias.

Sendo assim, é claro que nada obstava a que a Relação decidisse, como decidiu, relegar a determinação desse montante em posterior incidente de liquidação.

 

IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas pelas Recorrentes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhes foi concedido.


Lisboa, 02 de fevereiro de 2023


Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator).

Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º adjunto).

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 2º Adjunto).

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[1] QUINTINO SOARES, estudo sobre "Acessão e Benfeitorias", publicado na CJ-STJ, ano IV, Tomo 1 - 1996, p. 12.

[2] Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. 1º, Coimbra, 1974, pag. 274-275.
[3] Maria Olinda Garcia, p. 9229/14.3T8LRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Tratado de Direito Civil, em comentário ao Código Civil Português, Vol. III, Coimbra Editora, 1931, pp. 622-623.
[5] Destaque nosso.
[6] In Direito Civil Reais, 5.ª Edição (reimpressão), Coimbra Editora, 2000, p. 109.
[7] Destaque nosso.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., 42; RODRIGUES BASTOS, Notas ao CC, Vol. V., 31; na jurisprudência, entre outros, os Acs. do STJ de 3.4.84, BMJ 336-420, de 26.2.92, BMJ 414-556, e ainda, em www.dgsi.pt, de 12-02-2013 (Maria dos Prazeres Beleza - p. 2138/06.1TJLSB.L1.S1)  de 29.5.79 (proc. n.º 067830), de 3.5.90 (proc. n.º 077854), de 23.4.2002 (proc. n.º 01A4298) e de 3.4.2003 (proc. n.º 03A663); acs. da RL de 20.7.78, CJ III, 4, 214, de 3-10-2017, p. 2647/15.1YLPRT.L1-1; de 28-02-2013, p. 2138/06.1TJLSB.L1-2.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 27.4.99, BMJ 486-273.
[11] Neste sentido, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Ibidem; citado Ac. da RL de 20.07.78.
[12] Obviamente que, tratando-se de prédio rústico dificilmente se concebe que o levantamento de benfeitorias úteis provoque detrimento do prédio. Neste caso, o levantamento implicará a destruição dos bens em que as benfeitorias se concretizam, mas, como se disse, o detrimento destas não tem relevância jurídica.
[13]- Cfr. Rui de Alarcão, in Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, p. 178.
[14]- Dos Estudios Sobre el Enriquecimiento Sin Causa, Civitas, 1988, pp. 49 a 60.
[15]- Cfr. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 179; Vaz Serra, in BMJ n.º 81, p. 56.
[16]- Rui de Alarcão, in ob. cit., p. 185.
[17]- Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 4.ª ed., pp. 454 e ss.; Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica, Porto, 1998; Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 176, Centro de Estudos Fiscais, 1996, pp. 858 a 896 — que concentra os requisitos em três, a saber, o enriquecimento, a sua ocorrência à custa de outrem, e que tenha ocorrido sem causa justificativa; Galvão Telles, ob. cit., 6.ª ed., pp. 179 e ss.; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I, AAFDL, p. 237; Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, Almedina, 1996, p. 45; Manuel de la Camara-Luis Diez Picazo, ob. cit., pp. 100 a 116; Manuel Albaladejo, Derecho Civil — Derecho de Obligaciones, II, 2.º, 10.ª edicion, Bosch, 1997, pp. 473 a 477; Puig Brutau, Compendio de Derecho Civil, II, Bosch, 1997, pp. 615 a 624.
[18]- Cfr. Ac. RP de 6.01.96 in CJ Ano XXI, T. 1, p. 181.
[19] Neste sentido, cfr. RODOLFO SACCO, L'arrichimento ottenuto mediante fatto ingiusto, Torino, Utet, 1959, pp. 193 e ss.
[20] Parece que não faz sentido continuar a configurar o requisito "à custa de outrem" como a exigência de um empobrecimento concomitante em relação ao enriquecimento. Esta conclusão representa, no fundo, o reconhecimento da verdadeira função do instituto do enriquecimento sem causa que é a de reprimir o enriquecimento injustificado e não o de compensar os danos sofridos. Assim, o requisito do empobrecimento em termos genéricos parece apenas poder ser definido como a imputação do enriquecimento à esfera de outra pessoa, sendo essa imputação que justifica que alguém tenha que restituir o enriquecimento que se gerou no seu património (Cfr. MENEZES LEITÃO, O enriquecimento, pp. 865 e ss. Esta solução já tinha sido expressa entre nós por LEITE DE CAMPOS, "Enriquecimento sem causa e responsabilidade civil"  na ROA 42 (1982), I, pp. 39-55 (44) que refere que as palavras "à custa", não têm um significado literal unívoco, estabelecendo tão só a necessidade de imputação do enriquecimento a um certo património, cabendo ao intérprete fixar que nexo de imputação deva ser esse, para determinar que parte do património do enriquecido foi alcançada em virtude do gozo de bens jurídicos alheios. ALMEIDA COSTA, Obrigações, pp. 452 e ss. não exige sequer um requisito do empobrecimento ou dano, mas antes o "suporte do enriquecimento por outrem" no sentido de que o locupletamento se deve produzir com bens jurídicos pertencentes a pessoa diversa).
[21] - v. Ac. do STJ de 06/12/2006 in Col. Jur., Tomo 3, 154. 
[22] - v. Ac. do TRE de 07/04/2016 no processo 3839/11.8TBLLE.E1; Ac. do STJ de 04/12/2003 no processo 2667/03; Ac. do STJ de 06/12/2006 no processo 3483/06 in Col. Jur., Tomo 3, 154.
[23] - No processo 94/14.1T8VRS.E1.S1 disponível em www.dgsi.pt
[24] - Cfr., por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2013, Proc. 1346/10.5TBTMR.C1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
[25] - Como se diz, entre outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2011, Proc. 81/04.8TBVLF.C1.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt), “[o] preceito constante do art. 661.º, n.º 2, do CPC, tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o quantitativo da condenação”. À norma do artigo 661.º, n.º 2, corresponde atualmente a norma do artigo 609.º, n.º 2, do CPC.
[26] Sobre este incidente e a sua evolução no quadro da lei processual portuguesa cfr. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º - Artigos 1.º a 361.º, Coimbra, Almedina, 2018 (4.ª edição), pp. 706 e s.
[27] - Destaque-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.05.2017, Proc. 2440/13.6TBLRA.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt). Diz-se aí que “[a]o relegar-se para ulterior incidente de liquidação o quantum da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa não se prejudica a igualdade de armas entre as partes e o contraditório, que continuarão a vigorar na fase incidental de liquidação, antes se visando, ao conceder nova oportunidade de prova (do montante a restituir), a obtenção da justiça material, fim último do processo”.
[28] Cfr. Giuseppe Chiovenda, Istituzioni di diritto processuale civile, tomo I — I concetti fondamentali, la dottrina delle azione, Napoli, Jovene, 1933, p. 42.