CONTRATO DE MÚTUO
DIREITO REAL DE GARANTIA
HIPOTECA VOLUNTÁRIA
INVALIDADE
CONSENTIMENTO
DESCENDENTE
TERCEIRO
BENEFICIÁRIO
NEGÓCIO GRATUITO
NEGÓCIO ONEROSO
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
LEGÍTIMA
HERDEIRO
ANULABILIDADE
Sumário


I. Na hipoteca prestada pelos pais ou pelos avós para garantir uma dívida dos filhos ou dos netos perante terceiros há algo que sai do património dos pais (há, pelo menos, a diminuição do valor decorrente da oneração de um imóvel) mas não há nada que ingresse no património dos filhos ou dos netos; como não há nada que ingresse no património dos filhos, a aplicação da disciplina dos actos gratuitos não é adequada nem praticável.
II. Do ponto de vista dos resultados, a aplicação da disciplina dos actos gratuitos deixaria os filhos ou os netos que foram beneficiados com a hipoteca quase sempre numa situação insatisfatória, por causa da sua precariedade: em caso de morte dos pais ou dos avós, poderiam ser obrigados a repor uma quantia que nunca receberam ou uma parte significativa de uma quantia que nunca receberam.
III. Ainda do ponto de vista dos resultados, a aplicação da disciplina dos actos gratuitos não deixaria quase nunca os filhos ou os netos que não foram beneficiados com a hipoteca numa situação mais satisfatória: depois do não cumprimento do contrato de mútuo e da consequente execução da hipoteca, os filhos ou os netos beneficiados pela hipoteca não teriam quase nunca o dinheiro necessário para o preenchimento da legítima dos demais filhos ou netos.
IV. Por tudo isto, o modelo dos negócios onerosos aparece como o mais adequado e praticável nestes casos, impondo que, antes da constituição da hipoteca, os demais filhos ou netos dêem o seu consentimento e determinando, se este  consentimento não for dado, a invalidade (anulabilidade) da hipoteca, nos termos do artigo 877.º, n.ºs 1 e 2, do CC.

Texto Integral



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

1. AA e BB intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos S.A., e CC e mulher, DD, peticionando o seguinte:

a) Que sejam “anuladas as hipotecas voluntárias realizadas pelas escrituras públicas, juntas como docs. 3 e 4, lavradas entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., das inscrições C-1 e C-2 referentes a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – ..., lavradas a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA.”.

b) Que seja “anulada a hipoteca voluntária realizada pela escritura pública, junta como doc. 4, pelos factos alegados nos artigos 31.º a 39.º da presente petição inicial, lavrada entre a Ré Caixa Geral de Depósitos SA e o irmão das Autoras, o aqui Réu, CC e EE no Cartório Notarial ..., respeitantes ao prédio melhor identificado supra, com as devidas e legais consequências e ser determinado o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial ..., da inscrição C-2 referente a esse mesmo prédio descrito sob o n.º ...70 – ..., lavrada a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA”.

Para tanto alegam as autoras que são irmãs do réu CC e filhas de FF e de EE, que foram executados no processo executivo que identificam e no qual a ré Caixa Geral de Depósitos (CGD) peticiona o pagamento da quantia de € 736.942,86.

No âmbito dessa acção executiva, da qual as autoras tiveram conhecimento através dos editais de venda do prédio denominado Herdade ..., constituem títulos executivos as escrituras de hipoteca que serviram de base ao registo de duas hipotecas voluntárias sobre o referido prédio.

As autoras são herdeira legitimárias dos seus pais, os quais são proprietários do imóvel penhorado referido e que constitui cerca de 90% do seu património.

As hipotecas serviram de garantia a mútuos de que o 2.º réu foi o único beneficiário. Assim, tal oneração foi efectuada em prejuízo dos restantes filhos, as ora autoras.

O direito dos filhos à herança é um direito próprio, que deriva do nascimento, não dependendo da abertura da herança, pelo que aqueles têm o direito de fazer garantir a sua legítima, nomeadamente quando os actos em vida dos pais são feitos com intenção de os prejudicar.

Neste entendimento, trazem à colação o artigo 877.º do CC, que, na compra e venda, exige o consentimento dos restantes descendentes em venda a um deles. Assim como o disposto no artigo 939.º do CC, que determina a aplicação das normas da compra e venda a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles.

Assim, alegam que, para a constituição das hipotecas em causa, necessário seria o consentimento das autoras, sendo que a ré CGD tinha perfeito conhecimento da sua existência, tendo exigido a sua intervenção em outros actos.

Em consequência, entendem que devem ser anuladas as hipotecas voluntárias que identificam.

Por outro lado, alegam que as procurações que o réu CC utilizou para a constituição da primeira hipoteca, em 16.07.2001, foram outorgadas pelos seus pais três dias antes, pelo que, no momento em que aquele réu constituiu a segunda hipoteca, sete meses depois, já não se encontrava habilitado para o efeito, porque só lhe foram atribuídos poderes para constituir a primeira.

Não tendo poderes de representação, o seu acto, nos termos do disposto no artigo 268.º, n.º 1, do CC, teria de ser ratificado sob pena de ser ineficaz relativamente ao representado.

Tal negócio não foi ratificado.

Assim, também com este fundamento, deve ser anulada a segunda das hipotecas realizadas.

Em conclusão, pronunciam-se pela procedência da acção, peticionando a anulação das hipotecas que identificam e o cancelamento da sua inscrição.

2. A ré CGD apresentou contestação. Por excepção invocou a preterição de litisconsórcio passivo necessário por não intervirem na acção os proprietários do prédio hipotecado. Por impugnação, alega que as hipotecas foram constituídas livremente pelos proprietários do prédio em causa, impugnando a proporção do valor do bem em causa no acervo hereditário, e alegando que o direito a herdar não recai sobre nenhum bem específico, nem existe expectativa jurídica nos moldes expostos pelas autoras.

Da mesma forma, conclui pela validade das procurações e pela improcedência da acção.

3. Respondendo a convite do tribunal para sanação de excepção dilatória de ilegitimidade, foi requerida e deferida, em 29.06.2017, a intervenção principal provocada “como associada dos Réus” de EE, mãe das autoras. Tendo vindos aos autos informação do falecimento de FF, pai das autoras, em ... .01.2017.

4. A autora BB apresentou desistência do pedido. Homologada tal desistência, foi a instância declarada extinta nessa parte.

5. Em 7.11.2017, a ré CGD apresentou articulado superveniente, invocando a improcedência da acção com fundamento na renúncia da autora AA à herança de seu pai (em benefício de sua mãe), FF, por escritura de 6.09.2017.

6. Por saneador-sentença de 30.01.2018, com fundamento na verificação das excepções inominadas de ilegitimidade activa superveniente e de falta de interesse em agir, foram os réus absolvidos da instância.

7. Inconformada, a autora AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão de 24.05.2018, foi julgado procedente – com fundamento em que, não obstante ter renunciado à herança do seu pai, a autora mantivera a expectativa jurídica relativamente à legítima na herança da mãe, interveniente principal na presente acção – determinando-se o prosseguimento dos autos.

8. Remetidos os autos à 1.ª instância, foi efectuado julgamento e proferida sentença, em 9.01.2020, pela qual se decidiu o seguinte:

Pelo exposto julgo parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção, e consequentemente, anula-se a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06, improcedendo o demais peticionado”.

9. Inconformada, por sua vez, com tal decisão, a ré CGD interpôs recurso de apelação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Por acórdão de 11.03.2021 foi proferida a seguinte decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:

a) Na procedência do Recurso Principal, revoga-se a Sentença recorrida, na parte em que decidiu anular “a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06”, absolvendo-se os Réus desse pedido;

b) Declarar improcedente o Recurso Subordinado”.

10. Interpôs a autora AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, vindo a ser proferido, em 27.01.2022, Acórdão com a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação da questão objecto do recurso subordinado de apelação tal como enunciada no ponto 14. do presente acórdão»; questão esta assim enunciada: 'tendo as hipotecas em causa sido constituídas para garantir empréstimos bancários contraídos pelo seu irmão da A., tal exigiria o consentimento desta última, na qualidade de herdeira legitimária nos termos do art. 877.º do Código Civil, aplicável à constituição de hipotecas voluntárias ex vi art. 939.º do mesmo Código'”.

11. Dando cumprimento ao determinado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, foram os autos remetidos ao Tribunal da Relação, o qual proferiu, em 24.03.2022, Acórdão com a seguinte decisão:

Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto [nota 22: Revoga-se a Sentença recorrida, na parte em que decidiu anular “a hipoteca voluntária constituída por escritura pública outorgada em 26 de Fevereiro de 2002 entre a caixa Geral de Depósitos, S.A. e CC e EE, no Cartório Notarial ..., a fls. 27 a 29, do Livº 26-C, determinando-se o cancelamento do registo da hipoteca inscrita pela inscrição C-2, Ap. 4 de 2002/02/20, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o nº ...06”, absolvendo-se os Réus desse pedido] e improcedente o recurso subordinado [nota 23: A necessidade de autorização da herdeira legitimária para a constituição da hipoteca]”.

12. Desta decisão vem a autora AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

a) O Colendo STJ ordenou a descida dos autos à Relação para pronúncia sobre a seguinte questão: - Tendo as hipotecas em causa sido constituídas para garantir empréstimos bancários pelo irmão da A, tal exigiria o seu consentimento, na qualidade de herdeira legitimária nos termos do Artigo 877º do CC, aplicável à constituição de hipotecas ex vi Artigo 939º do mesmo Código?

b) Sobre tal matéria decidiu o Tribunal da Relação o seguinte:

“Assim, fora dos casos excepcionados por lei, permanece válido o posicionamento teórico de Nuno Espinosa que defende que «o designado legitimário, enquanto tal, em vida do “de cuius” não tem qualquer meio de tutela ou conservação do que seria a sua expectativa jurídica».

Entre as excepções à regra emergem a legitimidade para arguir a simulação ao abrigo do disposto no artigo 242º do Código Civil e o instituto da inoficiosidade, em que, neste último, o herdeiro legitimário pode obter a revogação ou a redução das liberalidades, em vida e por morte, feitas pelo de cuius.

Porém, não existe na lei uma intenção geral e genérica de proteger os herdeiros legitimários conferindo-lhes legitimidade para atacar os actos que atinjam as suas expectativas em relação à futura sucessão nos bens da herança dos seus antecessores ainda vivos. Essa legitimidade só existe em circunstâncias especiais concretamente definidas na lei, nas hipóteses que acabamos de elencar por remissão para as notas de rodapé.

E outra das excepções está consagrada no artigo 877º do Código Civil. Este dispositivo procura com esta proibição evitar uma simulação, difícil de provar, em prejuízo das legítimas dos descendentes. O fim de prevenir doações inoficiosas, acobertadas pela compra e venda, para o fim de não serem reduzidas não tem aqui lugar.

É certo os outros contratos de alienação ou oneração de bens ficam sujeitas a idêntica disciplina, em tudo o que não for contrariado pela sua específica natureza ou pelas normas legais que lhe sejam próprias, por via da norma de extensão inscrita o artigo 939º do Código Civil, que abrange a hipoteca.

Todavia, temos aqui de fazer uma distinção entre a hipoteca a favor dos filhos ou dos netos e a hipoteca constituída a favor de terceiro. Estamos aqui claramente perante uma hipoteca a favor de terceiro que se destina a garantir um crédito de uma instituição bancária – ainda que para garantir o pagamento de uma dívida contraída junto dos filhos ou dos netos – e isso afasta a hipótese concreta de aplicação da disciplina do artigo 877º, ex vi do artigo 939º, ambos do Código Civil19.

No que se reporta à aplicabilidade do artigo 939º do Código Civil, a esfera de protecção da norma apenas poderia abranger o estabelecimento de encargos em benefício dos respectivos descendentes e não já constituição de hipotecas a favor de terceiros, que é aquilo que se trata na presente situação.

Na verdade, o artigo 877º do Código Civil é uma norma excepcional e que a lei pretendeu [com o artigo 939º] foi estender as normas de compra e venda a contratos com características muito semelhantes e não criar uma necessidade de obtenção de consentimento dos descendentes para a realização genérica de negócios em vida com a virtualidade de afectar o direito a herdar determinados bens integrados na esfera patrimonial dos ascendentes.”

c) Ou seja e em suma, entendeu o Tribunal a quo que o disposto no Artigo 939º do CC, apenas poderia abranger o estabelecimento de encargos em benefício dos respectivos descendentes e não já constituição de hipotecas a favor de terceiros – para garantir mútuos dos filhos - que é aquilo que se trata na presente situação;

d) A interpretação de que o Artigo 939º do CC só é aplicável aos contratos onerosos pelos quais se estabeleçam encargos sobre bens, a favor de terceiros – embora para garantir mútuos de filho do titular do bem - não encontra acolhimento na letra da Lei;

e) Até porque para que os ónus sobre bens dos pais, fossem constituídos a favor do filho, aqueles estariam a garantir empréstimos de terceiros e não dos filhos…

f) Significava isto que se fosse accionada a garantia e o bem fosse vendido para pagamento do valor mutuado, o filho simplesmente reavia o que havia mutuado a terceiro e nenhum benefício disso retirava relativamente aos seus irmãos;

g) Ao invés, sendo os bens dos pais onerados para garantia de mútuos de um filho, que recebeu a quantia mutuada à conta da garantia dada pelo bem, se incumprir é premiado com a possibilidade de ser o único dos descendentes a ter recebido o valor dos bens (quantia mutuada) pelo sacrifício do património dos pais e em prejuízo da legítima dos irmãos;

h) Ora o que pretendeu o legislador foi evitar ofensas à legítima ou até a deserdação de herdeiros legitimários fora dos casos em que a lei o permite;

i) A fim de evitar que houvesse doações encobertas pelas alegadas vendas, o legislador proibiu a venda a um filho sem autorização dos restantes;

j) Outra maneira de haver uma doação encoberta por um negócio oneroso é precisamente a que aconteceu:

- O irmão da A subscreveu dois contratos de mútuos, tratando de tudo com um Director/gerente da CGD de quem era amigo;

- Com base nas ditas procurações, nulas por falta de forma, nulas por não terem ficado arquivadas no cartório, e manifestamente insuficientes para a celebração de escrituras públicas por não terem sido realizadas por esta forma, o irmão da A hipotecou o bem;

- Não pagou, e o bem que responde pela divida é o dos pais;

- Pelo que, o património dos pais vai todo ele para pagamento do mútuo contraído pelo filho, que assim, foi o único dos irmãos que recebeu – gratuitamente - benefícios pelos bens dos pais, sem que lhe tivesse sido feita uma doação;

k) Ora é por demais evidente que o que o Legislador pretendeu evitar com o Artigo 939º do CC foram precisamente situações como esta, quando ali fez constar expressamente que as regras da compra e venda – proibição de venda de pais e avós a filhos ou netos sem autorização dos demais filhos ou netos – é aplicável aos contratos onerosos - celebrados pelos filhos ou netos - pelos quais se estabeleçam encargos sobre bens – dos pais ou dos avós;

l) Afirmar-se que é precisamente o contrário – que o Artigo 939º é aplicável à oneração de bens a favor dos filhos, para garantir mútuos por estes feitos a terceiros, carece de sentido e não encontra acolhimento nem na letra da Lei nem no espírito do legislador;

m) Porque o que se pretende salvaguardar pelas normas em causa é a legitima; ora se tais normas se destinassem a garantir mútuos concedidos a terceiros, em nada se relacionava com a legítima, nem nenhum paralelismo tinha com a proibição de venda de pais e avós e filhos e netos, aplicável ao caso sub judice atento o disposto no Artigo 939º do CC;

n) Tanto assim é que qualquer pessoa pode vender livremente o seu património; só o não podendo fazer tratando-se de venda a filho ou neto; igualmente se deve entender que os pais ou avós podem garantir pela oneração dos seus bens mútuos de terceiros, não o podendo fazer é a filhos ou netos sem a autorização dos demais;

o) Só assim se podendo interpretar a rácio da norma que é de aplicar aos demais contratos onerosos: não pode a oneração de bens ser feita para garantir mútuos a filhos ou netos sem a autorização dos demais;

p) Ora as hipotecas em causa foram constituídas a favor da CGD mas em benefício do irmão da A, que por via delas recebeu a quantia mutuada;

q) As hipotecas são constituídas a favor da CGD mas em benefício do irmão da A; foi este o único que lucrou com a celebração das mesmas, pois caso as não tivesse feito não obteria um crédito (que já sabia não ir pagar…);

r) Aliás o irmão da A tinha já outros créditos que não pagava;

s) O irmão da A foi condenado e cumpriu pena de prisão por crimes contra o património;

t) O irmão da A bem sabia que não ia pagar os mútuos em causa;

u) E igualmente, como advogado que era, bem sabia que obter mútuos e dando de garantia a Herdade era a forma de herdar sozinho!

v) Pois pela herdade ele recebeu a quantia mutuada; enquanto que os demais herdeiros nada recebem;

w) Pelo que, o entendimento vertido no Acórdão recorrido, de que:

“Estamos aqui claramente perante uma hipoteca a favor de terceiro que se destina a garantir um crédito de uma instituição bancária – ainda que para garantir o pagamento de uma dívida contraída junto dos filhos ou dos netos – e isso afasta a hipótese concreta de aplicação da disciplina do artigo 877º, ex vi do artigo 939º, ambos do Código Civil19.

No que se reporta à aplicabilidade do artigo 939º do Código Civil, a esfera de protecção da norma apenas poderia abranger o estabelecimento de encargos em benefício dos respectivos descendentes e não já constituição de hipotecas a favor de terceiros, que é aquilo que se trata na presente situação.”

x) É contrário ao espírito do Legislador e não encontra acolhimento na letra da Lei;

y) Não faria sentido proibir alguém de constituir hipoteca para garantia de um crédito de um terceiro para protecção da legitima!

z) Tal e qual como não se proíbe a venda a terceiros;

aa) O que se proíbe é a venda a filhos ou netos sem a autorização dos demais filhos ou netos;

bb) E, por conseguinte, o que igualmente se deve considerar proibido é constituir-se hipotecas para garantia de créditos a filhos ou netos sem a autorização dos restantes filhos ou netos;

cc) O Julgador não deve “abrir portas” ao contorno e violação da Lei;

dd) A colher o entendimento vertido no Acórdão recorrido está encontrada a maneira de contornar as normas de protecção da legitima e de proibição de deserdação a não ser nas situações expressamente previstas na Lei, bem como a redução de doação que excedam a quota disponível;

ee) Basta para tanto que em vez de uma doação, ou de uma compra e venda em que não se consiga a autorização dos irmãos, contrair um mútuo bancário e dar os bens dos pais de hipoteca;

ff) Não se paga o mútuo e os bens são vendidos para os pagar;

gg) O filho que contraiu o mútuo recebe assim, por conta da futura herança, a totalidade do valor dos bens que pertenciam aos pais; e em contrapartida os irmãos nada recebem.

hh) Em suma, consegue desta forma tão linear a deserdação dos irmãos, o total desrespeito pela legitima e herdar apenas ele!

ii) Nem se diga que a situação se resolve com recurso à alegação e prova de simulação!

jj) Porque o filho quis contrair o mútuo e contraiu pese embora já soubesse é que não o ia pagar!

kk) Para o conseguir igualmente quis constituir as hipotecas, pese embora já soubesse que seria pela venda dos bens hipotecados que o mútuo seria pago;

ll) Porém, a quantia mutuada ficava, assim como ficou, para o filho em prejuízo dos irmãos que nada recebem pelos bens que tinham tanto direto a herdar como o irmão que é o único beneficiado pelos mesmos;

mm) Portanto não se trata de simulação;

nn) Trata-se sim de dolo de deserdar os irmãos e é isso que o Tribunal a quo com a decisão recorrida permite!

oo) O que dispõe a norma em causa é que as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobres eles, na medida em que sejam conformes com a natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas;

pp) O próprio Tribunal a quo aceita que se aplicam às hipotecas;

qq) Ora então se é proibida a compra e venda a filhos ou netos sem a autorização dos restantes filhos ou netos,

rr) E sendo tal norma aplicável à hipoteca, como o próprio Tribunal a quo entende que é,

ss) Também a constituição da hipoteca - para garantia de mútuos contraídos por filhos ou netos – mútuos dos quais é acessória, necessita da autorização dos restantes filhos ou netos;

tt) É que a rácio da norma do Artigo 877º do CC, aplicável à hipoteca por efeito do Artigo 939º é a de evitar prejuízo da legítima dos descendentes alheios ao negócio.

uu) Também a hipoteca - para garantia de mútuos contraídos por filhos ou netos - necessita da autorização dos restantes filhos ou netos;

vv) Tal como já explanado na Petição inicial, nos artigos 11.º a 17.º, o direito dos herdeiros à sua herança, ainda que futura, é intocável por Lei e é dever do Estado salvaguardá-lo.

ww) Daí decorre que, quaisquer encargos ou ónus que recaiam sobre o património que constitui a herança, ainda que futura, (ressalve-se!), são ilegais desde que ofendam a legítima dos herdeiros, tal como se verificou in casu, nos termos do art. 2163.º do Código Civil.

xx) A ofensa à legítima da ora Recorrente foi expressamente alegada no articulado inicial, resultando daí a necessidade de salvaguarda e promoção da defesa dos interesses patrimoniais dos bens que compõem o património da mãe da Recorrente e demais herdeiros.

yy) Aliás, os filhos têm a oportunidade de solicitar, ainda em vida dos seus progenitores, a anulação das dívidas e/ou encargos decorrentes de obrigações por estes contraídas, sem necessidade de demonstração da efetividade do prejuízo.

zz) Desta feita, resulta à saciedade que as hipotecas constituídas representam encargos para a herança, muito significativos, tendo em conta que o património dos pais da Recorrente é primordialmente constituído pelo imóvel em apreço.

aaa) Assim, há uma evidente ofensa da legítima da Recorrente e a sua expectativa jurídica hereditária encontra-se gravemente ferida.

bbb) É nesse sentido que a Recorrente tem pugnado por praticar os atos necessários à conservação dos seus direitos enquanto herdeira de ambos os pais, e, ainda que, um deles tenha falecido, nomeadamente o seu pai, continua a ser herdeira do progenitor sobrevivo; Mais,

ccc) O Acórdão recorrido pronunciou-se, agora, sobre a questão que lhe foi submetida para apreciação e decisão: “- Tendo as hipotecas em causa sido constituídas para garantir empréstimos bancários pelo irmão da A, tal exigiria o seu consentimento, na qualidade de herdeira legitimária nos termos do Artigo 877º do CC, aplicável à constituição de hipotecas ex vi Artigo 939º do mesmo Código?”

ddd) E cuja nulidade por omissão sobre tal matéria se tinha alegado no anterior recurso de Revista;

eee) Decidiu sobre tal matéria o Tribunal a quo que o Artigo 939º do CC só é aplicável às hipotecas constituídas a favor dos filhos e não a favor de terceiros ainda que para garantir mútuos aos filhos;

fff) Ou seja, segundo a decisão recorrida o disposto no Artigo 877º aplica-se a hipotecas constituídas a favor dos filhos ou netos, para garantia, portanto, de empréstimos destes a terceiros;

ggg) Mas não se aplica a hipotecas constituídas a favor de terceiros para garantia de empréstimo destes aos filhos – pelos quais os bens dos pais – hipotecados – vão responder;

hhh) Sendo que, em qualquer dos casos o resultado, em caso de um alegado incumprimento, é exactamente o mesmo: um dos filhos fica com o património dos pais (ou com o valor a ele equivalente) em desrespeito pela legitima dos irmãos; contornando-se assim as normas imperativas de protecção da legitima.

iii) Porém, o que fica por se saber, porque o Acórdão recorrido não dá a conhecer, é o percurso cognitivo que foi feito, para se ter concluído que a norma do Artigo 939º é aplicável às hipotecas, mas não às constituídas a favor de terceiros para garantia de mútuos concedidos aos filhos dos donos dos bens hipotecados; no entanto já é aplicável às hipotecas para garantia de mútuos concedidos pelos filhos a terceiros, sendo o resultado exactamente o mesmo e não se colhendo da letra da Lei nem do espirito do legislador tal entendimento.

jjj) Impunha-se, assim, que o Tribunal a quo fundamentasse a sua decisão, por forma a dar a conhecer o seu percurso cognitivo que o levou até ela e não apenas que decidir sobre ela, citando entendimentos doutrinários;

kkk) Pois a irrelevância de entendimentos doutrinários resulta desde logo nestes autos de ainda nenhuma das Instâncias ter declarado a manifesta nulidade das procurações; nulidade que é pacifica quer pela doutrina quer pela jurisprudência;

lll) Aceita-se que existe alguma fundamentação mas longe de deixar claro o que levou o Tribunal a quo a decidir num sentido - que o Artigo 939º apenas se aplica às hipotecas a favor dos filhos – e não noutro – que o Artigo 939º se aplica quando os bens dos pais vão responder por alegadas dividas do filho – em ambas as situações atingindo a legitima dos restantes filhos;

mmm) Este é o cerne da questão; sobre a qual se fica sem saber, pela decisão recorrida, qual o percurso cognitivo para ter o Tribunal a quo chegado à conclusão e decisão de que a norma só se aplica a hipotecas a favor dos filhos;

nnn) Salvo melhor entendimento trata-se de uma deficiente fundamentação de direito que pode e deverá ser suprida por esse Mui Douto Tribunal, ainda que se entenda que não ocorre a nulidade porque não se verifica uma falta de fundamentação stricto sensu”.

Termina pedindo que seja “o Acórdão recorrido revogado e substituído por decisão que anule as hipotecas por ofenderem a legitima da Recorrente, em obediência ao disposto nos Artigos 877º e 939º do CC, constituídas com base nas procurações cuja nulidade já se invocou nos autos, sendo ainda ordenado o cancelamento dos registos das mesmas e todos os que a estes se seguiram tendo como causa as referidas hipotecas”.

13. A recorrida CGD contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

A. Por Acórdão proferido por esse Supremo Tribunal de Justiça, julgou-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente, determinando-se a baixa dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de Évora para apreciação (exclusiva) da questão objeto do recurso subordinado que é a de saber se, para constituir hipotecas sobre imóvel propriedade dos pais da Recorrente, para garantir um empréstimo bancário contraído pelo irmão da mesma, é ou não necessário obter o consentimento desta última, nos termos do disposto no artigo 877.º, aplicável ex vi do artigo 939.º, ambos do Código Civil.

B. Em cumprimento do comando desse Supremo Tribunal de Justiça, o Venerando Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente (e bem!) o recurso subordinado e, novamente inconformada a Recorrente interpôs recurso de Revista, o qual, salvo melhor e douta opinião, não poderá proceder, sobretudo por se invocar matéria de facto que não vem provada pelas Instâncias e, também, por repristinar uma questão (putativa nulidade das procurações) que já foi objeto de decisão por todas as Instâncias e que a julgaram improcedente.

C. Assim, toda a matéria de facto invocada pela Recorrente constante das suas conclusões p) (in fine), q), r), s) t), v), jj), kk), nn) e zz) (in fine), não foi considerada como provada, sendo absolutamente irrelevante para a apreciação da Revista como, por outro lado, no pedido formulado no recurso interposto repristina a questão referente à pretensa nulidade das procurações, que, recorde-se, foi julgada improcedente por todas as Instâncias, estando, pois, enquadrada no âmbito da proteção da autoridade de caso julgado, não podendo, naturalmente, ser apreciada novamente.

D. O disposto no artigo 939.º do Código Civil estende a aplicação das normas da compra e venda a outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos ou ónus sobre eles e, não obstante a hipoteca constituir um direito real de garantia, as aluídas normas são supletivamente aplicáveis a esta última por constituir um ónus sobre o bem que incida.

E. De entre tais normas, é convocada pela Recorrente o disposto no artigo 877.º do Código Civil como sendo aplicável ao caso sub judice, todavia o seu elemento literal afasta essa interpretação (art. 9.º, n.º 3 do CC) e, também, o elemento teleológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito na lei - os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda - aponta no sentido de que o objetivo primordial e único deste normativo legal é proibir a venda apenas dos pais e avós a filhos ou netos.

F. Donde, a ratio legis subjacente à norma do artigo 877.º é tão-só proibir-se a venda por pais a filhos, ou de avós a netos, sem o consentimento dos demais, não podendo interpretar-se extensivamente no sentido de incluir a constituição de hipotecas.

G. Trata-se, pois, de uma proibição legal de venda por pais a filhos sem o consentimento dos restantes constante de uma norma excepcional, razão pela qual não pode ser estendida por analogia a outras situações, embora possa comportar interpretação extensiva (cf. art. 11.º do CC).

H. Com efeito, a interpretação extensiva verifica-se quando o legislador introduz nas palavras um elemento específico que deveria omitir, valendo o seu comando para toda uma categoria mais vasta de hipóteses; simplesmente se aplica o regime excepcional a um caso ou aspecto que a lei não prevê na sua letra, mas que está no seu espírito, e o espírito é tudo.

I. Ora, a admitir-se a interpretação sufragada pela Recorrente, seria aceitar uma interpretação analógica, proibida, pelo artigo 11.º do Código Civil, nem tão-pouco se poderá sustentar que a sua tese se enquadra na interpretação extensiva, porquanto, à luz da doutrina e jurisprudência supra citadas, conclui-se que o legislador apenas quis aplicar o artigo 877.º do CC aos contratos de compra e venda, com exclusão de qualquer outro negócio jurídico, admitindo-se, porém, a extensão desse regime ser aplicável a outros familiares que não apenas os filhos ou netos.

J. Mutatis mutandis, não carece do consentimento dos demais filhos a constituição de uma hipoteca a favor de terceiro, para garantir o empréstimo de um dos filhos, sobre imóvel pertencente aos seus pais.

K. Ademais, entendemos que não é verdade que os sucessíveis legitimários tenham em vida do autor da sucessão um direito subjectivo à quota-parte que constitui a sua porção legitimária ou, muito menos, um direito subjectivo aos bens em concreto do património hereditário que possam integrar a sua quota: em face dos concretos poderes ou faculdades jurídicas atribuídas pela lei a tais sucessíveis, estes têm em vida do autor da sucessão uma expectativa juridicamente titulada à sua porção legitimária.

L. Isto porque, em primeiro lugar, o domínio e posse dos bens da herança só se adquirem pela aceitação (artigo 2050.º, nº 1 do CC), a qual só pode ter lugar depois da abertura da sucessão (artigos 2032.º, nº 1 do CC), ou seja, depois da morte do de cuius (artigo 2031.º do CC). Depois, a vocação sucessória só tem lugar no momento da abertura da sucessão.

M. Assim, fora dos casos excepcionados por lei, os herdeiros legitimários, em vida do “de cuius” não têm qualquer meio de tutela ou conservação do que seria a sua expectativa jurídica, e entre estas excepções emergem a legitimidade para arguir a simulação ao abrigo do disposto no artigo 242.º do Código Civil e o instituto da inoficiosidade, em que, neste último, o herdeiro legitimário pode obter a revogação ou a redução das liberalidades, em vida e por morte, feitas pelo de cuius.

N. No entanto, face à factualidade assente pelas Instâncias – inclusivamente apontado pelo Venerando Tribunal da Relação - não estamos perante nenhuma das aludidas hipóteses.

O. Destarte, fazendo nossas as conclusões plasmadas no douto Acórdão recorrido, os sucessíveis legitimários não têm em vida do autor da sucessão um direito subjectivo à quota-parte que constitui a sua porção legitimária ou, muito menos, um direito subjectivo aos bens em concreto do património hereditário que possam integrar a sua quota, inexistindo no quadro legal vigente a intenção geral e genérica de proteger os herdeiros legitimários, não lhe conferindo legitimidade para atacar os atos praticados em vida pelo de cuiús que eventualmente atinjam as suas expectativas em relação à futura sucessão nos bens da herança. Essa legitimidade apenas está prevista em casos excecionais (simulação e inoficiosidade), que manifestamente não se verificam.

P. Assim, não poderá o herdeiro legitimário, in casu, a Recorrente, obstar à validade de constituição de hipoteca a favor da ora Recorrida à luz do artigo 877.º do CC, por não ser aplicável, nem tão pouco ficou provado que existiu um desvio na vontade dos outorgantes na constituição da aludida garantia real.

Q. Pelo exposto, bem andou o douto Acórdão recorrido ao julgar improcedente o recurso subordinado interposto pela Recorrente, devendo, pois, a Revista ser julgada igualmente improcedente”.


*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é as de saber se o Acórdão recorrido enferma de erro de direito ao considerar que o regime do artigo 877.º do CC, conjugado com o previsto no artigo 939.º do CC, é inaplicável à constituição das hipotecas.

Deve esclarecer-se, quanto à outra questão suscitada no recurso, relativa à alegada nulidade das procurações dos autos, ela foi já apreciada no anterior Acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 27.01.2022, por decisão que transitou em julgado, pelo que não pode voltar a ser apreciada aqui.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - Nos autos de execução sob o número 224/04...., com termos pela Comarca ... - ... – .... Central – .... Cível e ..., a aí a exequente, e aqui Ré, Caixa Geral de Depósitos S.A. peticiona o pagamento da quantia de € 736.942,86 (setecentos e trinta e seis mil novecentos e quarenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos).

2- As Autoras são irmãs de CC e filhas de FF e de EE, todos executados melhor identificados nos autos 224/04.....

3 - No âmbito, dessa mesma execução, foi promovida a venda do seguinte imóvel: “Prédio misto sito ou denominado Herdade ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 912.1000 ha, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...06, inscrito na matriz a parte rústica sob o art. ... da secção Q, Q1 e Q2 e a parte urbana sob o art. 1439”., cfr. doc. 1 junto com a p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4 - Naqueles autos 224/04...., constituem títulos executivos as escrituras de hipoteca, as quais serviram de base ao registo das hipotecas voluntárias, cfr. apresentações AP. 1 de 2001/07/16 e AP. 4 de 2002/02/20, ambas a favor da aí exequente Caixa Geral de Depósitos S.A., para garantia de mútuos cedidos aos 2ºs RR. nos valores respectivamente de 85.000.000$00 e € 200.000, e montantes máximos assegurados respectivamente de € 127.797,500$00 e € 300.700.

5 - As obrigações pecuniárias assumidas pelo irmão das Autoras, o aqui Réu CC junto da Ré Caixa Geral de Depósitos S.A. e os proventos resultantes das mesmas, foram de gasto exclusivo daquele.

6 - As procurações que o Réu CC utilizou para a constituição das hipotecas, foram outorgadas pelos mandantes, seus pais, em 13/07/2001, cfr. docs. 5 e 6 juntos com a p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

7 – As AA. tiveram conhecimento da existência das hipotecas através da fixação do edital para a venda datado de 01/12/2015.

8 – As AA. não prestaram o seu consentimento para a constituição das hipotecas supra identificadas.

9 – Os outorgantes das procurações referidas em 6 quiseram apenas autorizar a constituição de uma hipoteca pelo 2º R., CC.

10 - [dado como não provado pela Relação: Os referidos outorgantes nunca, por qualquer meio, declararam concordar com a realização de uma segunda hipoteca, nem nunca tiveram a intenção de ratificar o acto do R. CC]

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

a) O imóvel denominado “Herdade ...” constitui cerca de 90% do património dos pais da A.

b) Os dois empréstimos a favor de apenas um dos filhos pelos pais da A. teve como intuito prejudicar aquelas.

c) A Caixa Geral de Depósitos conhecia que as AA. são filhas de FF e EE.

d) Por inúmeras ocasiões a R. Caixa Geral de Depósitos exigiu obrigatoriamente, em outros contratos celebrados, as assinaturas das AA. juntamente com a do seu irmão.

O DIREITO

Antes de mais, cabe fazer um esclarecimento quanto ao facto de a recorrente invocar a seu favor o regime do artigo 2163.º do CC.

Alega a recorrente que dele resulta, genericamente, o direito de os herdeiros legitimários anularem as dívidas e encargos sobre bens assumidos pelos seus progenitores, susceptíveis de afectar a herança daqueles.

Ora, não é esse, exactamente, o âmbito de aplicação do referido artigo.

Dispondo que “[o] testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro”, o preceito refere-se à imposição de encargos e à designação de bens no próprio e eventual acto do testamento e não aos demais actos jurídicos dos progenitores.

Mais se diga que a recorrente, ao alegar que “o direito dos herdeiros à sua herança, ainda que futura, é intocável”, parte, indevidamente, do pressuposto de que é titular de um direito à herança (no caso, à herança da mãe, por só esta estar em causa) e não apenas de uma expectativa jurídica.

Ainda que, nesta parte, a Recorrente não tenha impugnado especificadamente o Acórdão recorrido, limitando-se a invocar, genericamente, o regime do artigo 2163.º do CC, sempre se dirá que – no que à natureza jurídica da posição da recorrente, assim como aos meios de tutela ao seu dispor – se subscrevem as considerações feitas pelo Tribunal recorrido, que aqui se transcrevem:

(...) entendemos que não é verdade que os sucessíveis legitimários tenham em vida do autor da sucessão um direito subjectivo à quota-parte que constitui a sua porção legitimária ou, muito menos, um direito subjectivo aos bens em concreto do património hereditário que possam integrar a sua quota: em face dos concretos poderes ou faculdades jurídicas atribuídas pela lei a tais sucessíveis, estes têm em vida do autor da sucessão uma expectativa juridicamente titulada à sua porção legitimária (4: Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 140 e 141. 5 Direito Civil – Sucessões, 4ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, pág. 371).

Também Oliveira Ascensão sublinha que «o legitimário, satisfazendo a sua expectativa, não se torna necessariamente herdeiro. A referência do artigo 2156º a herdeiros só não é incorrecta por, uma vez mais, a palavra herdeiro estar utilizada em sentido amplo, como sucessível» (5 Direito Civil – Sucessões, 4ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1989, pág. 371).

Na letra da lei são herdeiros legitimários o cônjuge, os descendentes, os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão legítima (artigo 2157º do Código Civil).

O direito a suceder relativamente aos legitimários que não integrem a primeira classe de sucessíveis corresponde a uma simples expectativa e o herdeiro legitimário não tem um direito subjectivo à quota-parte que constitui a sua porção legitimária em vida do de cuius (6: Neste sentido, ver Eduardo dos Santos, O Direito das Sucessões, Vega Universidade, Lisboa, 1998, pág. 79). A morte do de cuius é uma condição suspensiva de um direito ou de faculdade jurídica preexistente (7: Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 125).

E esta afirmação está sustentada na natureza e nas próprias características da sucessão. Em primeiro lugar, o domínio e posse dos bens da herança só se adquirem pela aceitação (artigo 2050º, nº1) [8: Aceitação da herança – Artigo 2050º (Efeitos):1. O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material. 2. Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão., a qual só pode ter lugar depois da abertura da sucessão (artigos 2032º, nº1 [9: ...]), ou seja, depois da morte do de cuius]

Assim, fora dos casos excepcionados por lei, permanece válido o posicionamento teórico de Nuno Espinosa que defende que «o designado legitimário, enquanto tal, em vida do “de cuius” não tem qualquer meio de tutela ou conservação do que seria a sua expectativa jurídica»11.

Entre as excepções à regra emergem a legitimidade para arguir a simulação ao abrigo do disposto no artigo 242º do Código Civil e o instituto da inoficiosidade, em que, neste último, o herdeiro legitimário pode obter a revogação ou a redução das liberalidades, em vida e por morte, feitas pelo de cuius.

É assim incontroverso que os sucessíveis legitimários podem arguir a simulação dos negócios simulados, gratuitos ou onerosos, feitos pelo autor da sucessão com o intuito de os prejudicar.

Porém, não existe na lei uma intenção geral e genérica de proteger os herdeiros legitimários conferindo-lhe legitimidade para atacar os actos que atinjam as suas expectativas em relação à futura sucessão nos bens da herança dos seus antecessores ainda vivos. Essa legitimidade só existe em circunstâncias especiais concretamente definidas na lei [12 13 14 15], nas hipóteses que acabamos de elencar por remissão para as notas de rodapé”.

Em conclusão, pelos motivos expostos, a invocação da tutela do artigo 2163.º do CC não procede.


*

Esclarecido este ponto, pode passar-se à apreciação da única questão que é objecto do presente recurso.


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A norma que está no centro da questão objecto do presente recurso é a norma do artigo 877.º do CC, com o seguinte teor:

1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial.

2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.

3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente”.

A questão a decidir é a de saber se é possível reconduzir-se hipotecas com as características das hipotecas dos autos ao grupo de casos em que é aplicável o artigo 877.º do CC?

A posição da recorrente é, claramente, no sentido afirmativo. Alega a recorrente, no essencial, que o n.º 1 do artigo 877.º do CC é aplicável às hipotecas dos autos “por efeito do artigo 939.º do CC” e que tal solução é coerente com a ratio daquela norma.

A isto contrapõe a recorrida que o n.º 1 do artigo 877.º do CC é “uma norma excepcional, razão pela qual não pode ser estendida por analogia a outras situações, embora possa comportar interpretação extensiva (cf. art. 11.º do CC)”.

O Tribunal a quo – recorde-se – entendeu que a norma era inaplicável ao caso dos autos, com a seguinte fundamentação:

– No que se reporta à aplicabilidade do artigo 939º do Código Civil, a esfera de protecção da norma apenas poderia abranger o estabelecimento de encargos em benefício dos respectivos descendentes e não já [a] constituição de hipotecas a favor de terceiros.

– A hipoteca a favor de terceiro que se destina a garantir um crédito de uma instituição bancária afasta a hipótese concreta de aplicação da disciplina do artigo 877º, ex vi do artigo 939º, ambos do Código Civil.

– A hipoteca constituída pelos pais para garantir o crédito de um filho, sem o assentimento dos outros, não contende com o artigo 877º, salvo se [se] provar que, através do negócio formalizado, as partes pretenderam, em desvio da vontade que realmente declararam, transmitir os bens a alguns dos filhos, com exclusão dos outros, prejudicando-os”.

A delimitação do âmbito de aplicação do artigo 877.º CC é uma questão controversa. Em particular, a hipótese da hipoteca não cabe literalmente na previsão da norma. Mas isso não significa que não possa caber por outras vias, designadamente a do artigo 939.º do CC, que erige as normas da compra e venda, portanto, incluída a norma do artigo 877.º do CC, em direito subsidiário noutras hipóteses[1].

A propósito, veja-se o que explica Nuno Manuel Pinto Oliveira:

(…) não está demonstrado que a proibição do n.º 1 do art. 877.º seja uma norma excepcional; ainda que a proibição do n.º 1 do art. 877.º fosse uma norma excepcional, não estaria demonstrado que as normas excepcionais não fossem susceptíveis de aplicação indirecta, por analogia; ainda as normas excepcionais não fossem susceptíveis de aplicação indirecta, por analogia, não está demonstrado que não fossem susceptíveis de aplicação por remissão – p. ex., por remissão do art. 939.º do Código Civil[2].

No artigo 939.º do CC dispõe-se:

As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas”.

Não é de excluir, à partida, que as normas da compra e venda (incluída, portanto, a norma do artigo 877.º do CC) se apliquem à hipoteca. Mas haverá sempre que verificar, em cada caso concreto, os requisitos impostos pela norma, ou seja, apurar se os contratos constitutivos das hipotecas em causa devem ser considerados, para estes efeitos, contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem encargos sobre bens[3] e se a norma do artigo 877.º do CC é conforme com a natureza destes contratos e não está em contradição com a disciplina aplicável que lhes é aplicável.

Da factualidade provada resulta que os contratos de constituição das hipotecas dos autos foram celebrados pelos pais do réu CC e pela ré Caixa Geral de Depósitos e tiveram como finalidade garantir as dívidas daquele perante esta. Trata-se, portanto, de hipotecas destinadas a garantir dívidas do filho a terceiro.

Saber qual o regime aplicável a estas hipotecas e, em particular se é aplicável o regime dos actos onerosos, não é tarefa fácil. A situação não é, de facto, linear, envolvendo os interesses de três grupos distintos de sujeitos e o que pode chamar-se, usando a expressão de Lucilla Gatt, “triangularismo patrimonial”[4] e sendo susceptível de ser abordada sob dois pontos de vista: do ponto de vista da relação entre o filho / devedor e o banco / credor e do ponto de vista da relação entre os pais / garantes e o filho / devedor.

Desde logo, cabe esclarecer que tanto os trabalhos preparatórios como os comentários dos legisladores de facto apontam para que a vontade real do legislador histórico seja no sentido da abrangência da hipoteca pelo artigo 877.º do CC.

Veja-se, em seguimento, o que entende a doutrina portuguesa sobre o tema.

Dizem Pires de Lima e Antunes Varela:

Não se faz agora referência à hipoteca, porque ela está abrangida pela disposição genérica do artigo 939.º (…)[5].

Diz, por seu turno, Raul Ventura:

O artigo 1565.º do antigo Código acrescentava a proibição de hipotecar a filhos ou netos. Ao mesmo resultado se chega hoje pelo artigo 939.º, o qual faz aplicar as normas da compra e venda, não só aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens como ainda àqueles pelos quais se estabeleçam encargos sobre eles[6].

Diz também António Menezes Cordeiro:

(…) encontramos posições que nos suscitam muitas dúvidas. Provavelmente, elas foram influenciadas por elementos concretos, próprios de cada caso. Assim: (…)

– a hipoteca constituída por uma mãe para garantir o crédito de um filho, sem o assentimento dos outros, não contundiria com o artigo 877.º; mas não: em regra, tal hipoteca é uma alineação de valor, necessitada do assentimento de todos ou do seu suprimento[7].

E diz, por fim, Nuno Manuel Pinto Oliveira:

O contrato de constituição de hipoteca a favor de terceiro — como, p. ex., a favor de um banco — está próximo da venda, pela razão de que, como a venda, pressupõe uma alienação de valor e não está próximo da dação em cumprimento, pela razão de que não pressupõe nenhuma dívida do pai ou do avô ao filho ou ao neto.

(…) [E]m relação à hipoteca a favor de terceiro, continuamos a pensar que a oneração de uma coisa para garantia de uma dívida do filho ou ao neto está mais próxima, muito mais próxima, de uma venda[8].

Cumprindo aqui determinar qual é o regime mais adequado para a salvaguarda dos interesses dos demais filhos ou netos contra estes contratos de constituição de hipotecas, recorda-se que existem dois modelos de protecção dos interesses dos filhos ou dos netos contra actos de disposição dos pais ou dos avós: um é o modelo dos actos onerosos, em que se protege a legítima dos demais filhos ou netos através do consentimento e, na falta do consentimento, através da anulação; o outro é o modelo dos actos gratuitos, em que se protege a legítima dos demais filhos ou netos através da colação e da redução das liberalidades (por inoficiosidade).

Nos actos onerosos, a deslocação de valor consolida-se ou torna-se definitiva; daí que se proteja a legítima dos demais filhos ou netos preventivamente. Diversamente, nos actos gratuitos, a deslocação de valor não se consolida nem se torna definitiva, protegendo-se, por isso, a legítima dos demais filhos ou netos sucessivamente.

O caso da hipoteca prestada pelos pais ou pelos avós para garantia de uma dívida de um filho ou de um neto perante terceiros (por exemplo, perante um banco) não imediatamente coordenável a qualquer das duas categorias: se nas relações com o banco é evidente que ela se aproxima de um acto oneroso, nas relações com os filhos ou os netos esta aproximação não surge tão clara.

A verdade, porém, é que, abordando a questão da disciplina aplicável na perspectiva dos seus previsíveis resultados, o modelo dos actos gratuitos não se afigura ajustado à hipoteca – rectius: a este tipo de hipotecas[9].

O regime da redução por inoficiosidade foi pensado para casos em que há algo que sai do património dos pais ou dos avós e entra no património dos filhos ou dos netos. Ora, na hipoteca prestada pelos pais ou pelos avós para garantir uma hipoteca dos filhos ou dos netos perante terceiros há algo que sai do património dos pais (pelo menos, a diminuição do valor decorrente da oneração de um imóvel) mas não há nada que ingresse no património dos filhos ou dos netos – não há nada que ingresse no património dos filhos ou dos netos em consequência da oneração. Como nada ingressa no património dos filhos, só com dificuldade poderiam aplicar-se os artigos 2168.º e s. do CC. A redução por inoficiosidade é, por isso, desadequada ou desajustada a este tipo de casos.

Poder-se-ia ficcionar que a hipoteca dos pais ou dos avós faz com que o capital mutuado entre no património dos filhos ou dos netos ou que a hipoteca dos pais ou dos avós faz com que a coisa comprada com o capital mutuado entre no património dos filhos ou dos netos. Mas seria adequado que os bens comprados pelos filhos ou pelos netos sejam tratados como bens doados pelos pais ou pelos avós?

Poder-se-ia ficcionar ainda que a hipoteca faz com que entre no património dos filhos ou dos netos o valor do imóvel hipotecado ou que a execução da hipoteca faz com que entre no património dos filhos ou dos netos o valor do imóvel hipotecado. Mas seria admissível que um imóvel vendido (judicialmente) seja tratado como um imóvel doado pelos pais ou pelos avós?

Independentemente das dificuldades na aplicação ao caso das regras da redução por inoficiosidade, sempre os seus resultados seriam insatisfatórios na perspectiva dos demais filhos ou netos.

Por um lado, os filhos ou os netos que foram beneficiados com a hipoteca ficariam quase sempre numa situação insatisfatória, por causa da sua precariedade: em caso de morte dos pais ou dos avós, poderiam ser obrigados a repor uma quantia que nunca receberam ou uma parte significativa de uma quantia que nunca receberam. Note-se que o facto de os demais filhos ou netos terem dado o seu consentimento para a constituição da hipoteca seria irrelevante, por causa da proibição de renúncia do artigo 2170.º do CC.

Por outro lado, os filhos ou os netos que não foram beneficiados com a hipoteca não ficariam quase nunca numa situação mais satisfatória. Com efeito, depois do não cumprimento do contrato de mútuo e da consequente execução da hipoteca, os filhos ou os netos beneficiados pela hipoteca não teriam quase nunca o dinheiro necessário para o preenchimento da legítima dos demais filhos ou netos. Numa palavra: muito provavelmente, a protecção dos interesses dos filhos ou dos netos seria impraticável e não seria efectivada.

Por tudo isto, dir-se-ia que o modelo dos negócios onerosos aparece como o mais adequado e praticável nestes casos. De acordo com ele, antes da constituição da hipoteca, é necessário o consentimento de todos; depois da constituição da hipoteca, uma de duas: ou bem que o consentimento é dado e todos os negócios são válidos e eficazes; ou bem que o consentimento não é dado e a constituição da hipoteca é inválida (anulável).

Não poderá contrapor-se que, desta forma, se destitui de tutela ou de protecção a confiança do terceiro credor. Existem mecanismos que asseguram tal protecção ou tutela quando fique demonstrado que o terceiro é merecedor dela, como, por exemplo, o consagrado no artigo 291.º do CC.

Em conclusão, os contratos de constituição de hipoteca dos autos apresentam características que tornam adequada (ou mais adequada) a aplicação do regime dos contratos onerosos, podendo dizer-se que a norma do artigo 877.º do CC não só não está em contradição com a disciplina que lhes é aplicável como que, pelas razões expostas acima, representa o regime que as necessidades de tutela dos interesses da recorrente exigem ou reclamam.

Retirando disto as devidas consequências para o caso dos autos, entende-se que, sendo necessário o consentimento de todos os filhos para a constituição das hipotecas e não tendo este sido dado, devem os contratos constitutivos das hipotecas ser anulados.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento à revista e, revogando-se o Acórdão recorrido, anulam-se as hipotecas.


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Custas pela ré / recorrida.


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Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Rijo Ferreira

Maria da Graça Trigo (vencida conforme declaração de voto junta)



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Processo n.º 1439/16.5T8PTG.E2.S1 – Declaração de voto de vencida


Enquanto relatora do primitivo projecto de decisão, que não fez vencimento, votei vencida no presente acórdão pelas razões que constavam desse mesmo projecto e que, em seguida, apresento de forma abreviada:


1. O art. 1565.º do Código de Seabra, na redacção introduzida pelo Decreto n.º 19126, de 16 de Dezembro de 1930, dispunha o seguinte:

«Não podem vender nem hipotecar, a filhos ou netos, os pais ou avós, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda ou hipoteca.».

Segundo Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ªed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 165), no art. 877.º do Código Civil de 1966, não se faz referência à hipoteca precisamente «porque ela está abrangida pela disposição genérica do artigo 939.º».

Contudo, só aparentemente tal dado interpretativo resolve a questão objecto do presente recurso, na medida em que importa determinar previamente o que seja «hipotecar a filhos ou netos».

Esta expressão – utilizada por autores, como, por exemplo, Raúl Ventura, («Contrato de compra e venda no Código Civil. Proibições de compra e venda. Venda de bens futuros. Venda de bens de existência ou de titularidade incerta. Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medida», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 43.º (1983), pág. 272), que defendem a aplicação da proibição do art. 877.º do Código Civil ao contrato de constituição de hipoteca – equivale à expressão “hipoteca constituída a favor de filhos ou netos”. Refere-se, seguramente, à situação de hipoteca constituída para garantir uma dívida dos pais (ou avós) para com os filhos (ou netos), mas não permite, por si só, concluir que a proibição se deva estender a outras situações, entre as quais se encontra o caso sub judice.

2. No acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Outubro de 2002 (proferido no processo n.º 2868/02 e publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano X (2002), Tomo III, págs. 114 e segs.) distingue-se entre a hipoteca por dívida dos pais (ou avós), constituída a favor de filho (ou neto), e a hipoteca por dívida do filho (ou neto) constituída a favor de terceiro, considerando que apenas a primeira se encontra abrangida pela proibição. Na linha desta decisão judicial, Nuno Pinto Oliveira (Contrato de Compra e Venda, Vol. II - Sujeitos e objecto. Efeitos essenciais da compra e venda, em curso de publicação, págs. 54- 56) desenvolve a tipologia de situações a ter em conta, distinguindo entre:

a) Hipoteca constituída para garantir uma dívida dos pais (ou avós) para com os filhos (ou netos);

b) Hipoteca constituída para garantir uma dívida de terceiro perante os filhos (ou netos);

c) Hipoteca constituída para garantir uma dívida dos filhos (ou netos) perante terceiros.

3. De acordo com o disposto no art. 939.º do Código Civil, há que considerar, em primeiro lugar, se, em cada uma destas hipóteses, o contrato de constituição da hipoteca é oneroso; e, em segundo lugar, se a norma do art. 877.º, n.º 1 é conforme com a natureza do contrato em causa.

Significa isto que, se em relação a uma determinada situação, se concluir que a relação contratual entre o pai/avô e o filho/neto não reveste carácter oneroso, será de excluir a aplicação do regime do art. 877.º, ficando prejudicada a apreciação do segundo pressuposto do art. 939.º do Código Civil (conformidade do regime da compra e venda, no caso a norma do art. 877.º, n.º 1, com a natureza do contrato em causa).


4. Acerca da distinção entre contratos onerosos e gratuitos, convoquemos a explanação de João Cura Mariano (Impugnação Pauliana, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, págs. 188-189), autor que, apoiando-se na doutrina clássica, afirma que se dizem onerosos:

Aqueles contratos «que pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, relacionadas por um nexo de correspectividade, segundo vontade daquelas. Se alguém obtém uma vantagem patrimonial de outrem, paga-a com um sacrifício correspondente. Nos negócios gratuitos, pelo contrário, o benefício concedido a alguém é efetuado com espírito liberal, sem que se receba qualquer prestação como contrapartida [Antunes Varela em Ensaio sobre o conceito de modo, pág. 221, Mota Pinto, em Onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana, na R.D.E.S., Ano XXV, nº 3-4, págs. 236-237, e Carvalho Fernandes, em Teoria geral do direito civil, vol. II, pág. 80]. A onerosidade de um negócio pode, por vezes, resultar duma coligação ou conexão com outros negócios formal ou substancialmente distintos, desde que exista uma relação de interdependência entre as atribuições que aqueles negócios realizam [Carlos Mota Pinto, em Onerosidade e gratuitidade das garantias de dívidas de terceiro na doutrina da falência e da impugnação pauliana, na R.D.E.S., Ano XXV, nº 3-4, pág. 240-241]. É nesta relação de interdependência que muitas vezes surgem atos que alguma doutrina cognomina de “neutros”, dado que só a sua conexão com outros negócios lhe dá coloração, sendo a natureza destes que permite a sua qualificação.

Nos negócios chamados de multidireccionais [V.g. o contrato a favor de terceiro, a prestação de garantia por terceiro a dívida de outrem, o pagamento de dívida de terceiro, a doação com encargos a favor de terceiro], formam-se várias relações jurídicas de diferente sentido, em que alguns sujeitos são comuns, podendo algumas das relações ter natureza gratuita e outras onerosa. Nestas figuras complexas deve atender-se às relações que permitam apurar se o terceiro, ou terceiros beneficiados pelo ato de disposição do devedor, pagaram ou não alguma contrapartida pelo bem alienado por este. Isto poderá conduzir a que o ato tenha uma natureza simultaneamente gratuita e onerosa, conforme a relação perspetivada [...].». [sem sublinhados no original]

Tendo presentes estas considerações, é possível apreciar cada uma das diferentes situações de constituição de hipoteca elencadas no ponto 2. da presente declaração de voto.

5. Na primeira situação (hipoteca constituída para garantir uma dívida dos pais ou avós para com os filhos ou netos), estamos perante um contrato bilateral e, na medida em que tal contrato – por si só ou em coligação ou conexão com outro(s) contrato(s) – pressupõe atribuições patrimoniais tanto para o pai/avô como para o filho/neto, a relação entre as partes reveste carácter oneroso.

Sendo que – no que respeita ao segundo parâmetro do art. 939.º (determinar se a norma do art. 877.º é conforme com a natureza do contrato em causa) – se afigura que a faculdade, atribuída pelo contrato de constituição da hipoteca ao filho/neto de, enquanto credor, executar a coisa hipotecada, permitiria, em princípio, equipará-lo à venda, considerando-se, assim, abrangido pela proibição do n.º 1 do art. 877.º. Sucede, porém, que, ainda que com justificação não isenta de críticas (cfr. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em especial, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pág. 40), não pode deixar de se atender ao facto de o legislador ter excluído a dação em cumprimento do âmbito da proibição (cfr. art. 817.º, n.º 3). Ora, como justamente assinala Nuno Pinto Oliveira (ob. cit., pág. 56), a oneração de uma coisa para garantia de uma dívida dos pais ou avós para com os filhos ou netos está mais próxima de uma dação em cumprimento do que de uma venda.

6. Já na segunda hipótese (hipoteca constituída para garantir uma dívida de terceiro perante os filhos ou netos), assim como na terceira hipótese (hipoteca constituída para garantir uma dívida dos filhos ou netos perante terceiros), estamos perante um dos, assim denominados pela doutrina acima citada, negócios multidireccionais; negócios pelos quais se formam, com sujeitos parcialmente comuns, relações jurídicas de diferente sentido, verificando-se que algumas dessas relações revestem natureza gratuita e outras onerosa.

Afigura-se que, na situação de hipoteca constituída para garantir uma dívida de terceiro perante os filhos ou netos, a relação entre o terceiro (devedor) e o filho/neto (credor) será de carácter oneroso, em resultado da coligação ou conexão entre o negócio gerador da dívida e o contrato de constituição da hipoteca. Enquanto a relação entre o pai/avô (garante) e o filho/neto (credor) será, nestas circunstâncias, de carácter gratuito, razão pela qual, não estando reunidos os pressupostos da norma remissiva do art. 939.º, não será aplicável a proibição do n.º 1 do art. 877.º.

Não se verificando o primeiro pressuposto de que depende a aplicação da norma remissiva do art. 939.º (onerosidade do contrato), fica prejudicada a apreciação do segundo pressuposto deste preceito (conformidade do regime da compra e venda, no caso a norma do art. 877.º, n.º 1, com a natureza do contrato de constituição de hipoteca).

7. Por fim, na terceira hipótese (hipoteca constituída para garantir uma dívida dos filhos ou netos perante terceiros) – aquela que corresponde à situação fáctica dos presentes autos –, a relação entre o terceiro (credor mutuante) e o filho/neto (devedor mutuário) será de índole onerosa, enquanto a relação entre o pai/avô (garante) e o filho/neto (devedor) será de índole gratuita; pelo que, também aqui, não estando reunidos os pressupostos da norma remissiva do art. 939.º, não será aplicável a proibição do n.º 1 do art. 877.º.  Concluindo em idêntico sentido, ver o supra referido acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Outubro de 2002.

Também aqui, não se verificando o primeiro pressuposto de que depende a aplicação da norma remissiva do art. 939.º (onerosidade da relação contratual), se torna desnecessário apurar do preenchimento do segundo pressuposto deste regime (conformidade do regime da compra e venda, no caso do regime do art. 877.º, n.º 1, com a natureza do contrato de constituição de hipoteca). 

8. Além do mais, entendo que sempre seria de considerar que, mesmo numa hipotética situação em que a relação jurídica entre pai e filho (ou avô e neto) se configurasse como sendo de natureza onerosa (em virtude, por exemplo, de, pela constituição da hipoteca, existir uma contrapartida do filho/neto), dificilmente se poderia afirmar a conformidade do regime do art. 877.º com a natureza do contrato de constituição de hipoteca a favor de um terceiro credor. Porque a anulabilidade desse contrato, com o cancelamento da hipoteca, corresponderia, afinal, a subordinar o interesse do terceiro credor ao interesse dos demais irmãos ou netos, o que se me afigura ser incompatível com a ratio do regime normativo do art. 877.º.

9. A meu ver, não são de estranhar as anteriores conclusões restritivas quanto ao âmbito de aplicação da regra do art. 877.º, n.º 1. Com efeito, e nas expressivas palavras de Inocêncio Galvão Telles («Venda a descendentes e o problema da superação da personalidade jurídica das sociedades», in Revista da Ordem dos Advogados, Vol. 39 (1979), pág. 521, nota 12):

«[T]orna-se muito duvidoso que, apesar da disposição do art. 939.º, a proibição consignada no art. 877.º se alargue a outros contratos, como por exemplo a troca. (...)

Dentro de tal modo de ver, o esclarecimento contido no n.º 3 do art. 877.º, com respeito à dação em cumprimento, não seria mais do que a explicitação, a propósito dessa figura contratual, de uma limitação de ordem genérica decorrente da parte final do art. 939. A proibição do art. circunscrever-se-ia à compra e venda, a nenhum outro contrato se aplicando. Ter-se-ia sentido necessidade de excluir da proibição, por modo expresso, a dação em cumprimento, por ser dos contratos a que se refere o art. 939.º aquele que mais se aproxima da compra e venda (...).». [sem sublinhados no original]


10. Em última análise, reconheço que a questão de saber que interesse deve prevalecer, se o interesse do terceiro credor, se o interesse dos demais filhos/netos, implicará tomar posição na controvérsia sobre a natureza da função da proibição da venda de pais ou avós a filhos ou netos. Quem defenda que a proibição é de índole material (protecção do património familiar de toda a espécie de simulação) tenderá a ser favorável a uma aplicação alargada (cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Vol. XI – Contratos em Especial (1.ª Parte), Almedina, Coimbra, 2018, págs. 137 e 140, e Nuno Pinto Oliveira, ob. cit., págs. 48-49); quem, diversamente, defenda que a dita proibição é de índole meramente preventiva (prevenção do perigo de simulação de liberalidades a algum dos filhos ou netos em detrimento dos restantes descendentes, em virtude das dificuldades de provar tal tipo de simulação, de modo a evitar a ulterior igualação na partilha ou a ofensa da legítima), propenderá a ser menos favorável à ampliação do âmbito de aplicação da norma proibitiva (cfr. Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., págs. 513 e segs., e António Pinto Monteiro, «Venda de padrasto a enteado – Parecer», in Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX (1994), Tomo IV, págs. 6 e segs.).


Maria da Graça Trigo


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[1] Diga-se que a inclusão da hipoteca, em abstracto, no âmbito de aplicação do artigo 939.º do CC é algo de que o próprio Galvão Telles nunca duvidou, como resulta da Exposição de Motivos do Anteprojecto (cfr. Galvão Telles, “Contratos Civis – Exposição de Motivos”, in: Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. IX, 1953, pp. 172). Diz aí o autor que “[a]s disposições sobre a compra e venda devem alargar-se em princípio aos outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, com a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc.”.

[2] Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Vol. II – Sujeitos e objecto. Efeitos essenciais da compra e venda, Coimbra, Gestlegal (em curso de publicação), p. 54.

[3] É oportuno recordar aqui as palavras de Orlando de Carvalho (Teoria Geral do Direito Civil – Sumários desenvolvidos para uso dos alunos do 2.º ano (1.ª turma) do Curso Jurídico de 1980/81, Coimbra, Centelha, 1981, p. 141), pronunciadas a propósito do requisito da onerosidade exigido pelo artigo 291.º, n.º 1, do CC, diria que “[aquela] onerosidade tem de entender-se mais em sentido económico do que jurídico. Assim, a constituição de uma garantia real, quando não é feita através de negócio jurídico unilateral (v.g., por testamento), é em regra, em si mesma, um acto gratuito. Todavia, economicamente, se é feita pelo devedor com vista a obter ou a garantir o crédito, é, digamos, uma contrapartida deste último e, nesse sentido, um acto oneroso”.

[4] Aplicando o conceito exclusivamente à hipoteca, cfr. Lucilla Gatt (La liberalità, II, Torino, G. Giappechelli Editore, 2012, p. 192.

[5] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 170.

[6] Cfr. Raul Ventura, “Contrato de compra e venda no CC – Proibições de compra e venda”, in: Revista da Ordem do Advogados, ano 43, 1983, p. 274.

[7] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XI – Contratos em especial (1.ª parte), 2018, p. 139.

[8] Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Vol. II – Sujeitos e objecto. Efeitos essenciais da compra e venda, cit., págs. 55-56.

[9] Dando conta da singularidade deste tipo de casos, veja-se o que diz Lucilla Gatt (La liberalità, I, Torino, G. Giappechelli Editore, 2002, p. 345): “[r]imane aperta la questione relativa alla possibilità per un diritto reale di garanzia (pegno ed ipoteca) di costituire oggetto di donazione e/o rientrare nella sfera dell’effetto liberale” (tradução nossa: resta em aberto a questão relativa à possibilidade de um direito real de garantia (penhor e hipoteca) constituir objecto de doação e/ou ser reconduzido à esfera do efeito de liberalidade). Adiante, porém (La liberalità, II, cit., pp. 192-193), a autora retoma o ponto e, debruçando-se, em particular, sobre a hipoteca a favor de terceiro, toma, finalmente, posição, recusando que ela seja reconduzível à categoria das liberalidades e remetendo-a para o grupo dos “actos com causa diferente de liberalidade”. Diz a autora: “Anche in questo caso [prestazioni di garanzie reali da parte di un terzo] emergono gli estremi del triangolarismo patrimoniale che esclude – più di altri elementi – la configurabilità in termini di donazione - contratto delle fattispecie in esame. Per la validità e l’efficacia del negozio di costituzione della garanzia reale non ha rilevanza alcuna – né può averla – il rapporto di provvista intercorrente tra terzo garante e debitore garantito: negli schemi legali di costituzione di pegno ed ipoteca da parte di un terzo non si prevede, infatti, la possibilità di dare rilievo all’interesse che induce il terzo a porre in essere la dazione di ipoteca o la costituzione di pegno per un debito non proprio. Si tratta, dunque, di atti a causa non liberale per i quali, là dove siano gratuiti e disinteressati e dunque produttivi di un effetto – costituzione di un diritto reale di garanzia in favore del creditore altrui – meramente vantaggioso per il debitore, è necessario procedere ad un inquadramento in relazione al problema dell’applicazione della disciplina sul risultato di liberalità” (tradução nossa: também neste caso [prestação de garantias reais por parte de terceiro] emergem os extremos do triangularismo patrimonial que exclui – além de outros elementos – a possibilidade de configuração em termos de doação – contrato do tipo em análise. Para a validade e a eficácia do negócio de constituição da garantia real não tem qualquer relevância – nem pode tê-la – a relação de financiamento entre o terceiro garante e o devedor garantido; nos quadros legais de constituição de penhor e de hipoteca por parte de terceiro não se prevê, de facto, a possibilidade de atribuir relevância ao interesse que induz o terceiro a dar em hipoteca ou a constituir o penhor por dívida alheia. Trata-se, portanto, de actos com uma causa que não é de liberalidade, pelos quais, sempre que sejam gratuitos e desinteressados e, consequentemente, produzam um efeito – constituição de um direito real de garantia a favor do credor do terceiro – meramente vantajoso para o devedor, é necessário proceder a um enquadramento em relação ao problema da aplicação da disciplina do resultado da liberalidade).