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ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO BIOLÓGICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente. II. A emissão por seguradora do certificado internacional do seguro automóvel (vulgo carta verde) constitui presunção juris tantum de que foi antecipadamente pago o prémio do seguro a que aquele certificado corresponde. III. Em sede de alteração da matéria de facto, e em caso de dúvida (face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida), deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. IV. O dano biológico (toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal) é indemnizável, quer autonomamente, quer no âmbito dos danos patrimoniais ou dos danos não patrimoniais (consoante determine, ou não, perda ou diminuição dos proventos profissionais), sendo porém impedida a sua dupla valoração. V. Na indemnização pela perda da capacidade de ganho, a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no final do período provável de vida, sendo o mesmo calculado de acordo com a equidade (pelo que as tabelas financeiras disponíveis para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar ou indicativo), ponderando-se para o efeito o facto de a indemnização ser paga de uma só vez (o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros), e privilegiando-se a esperança média de vida da vítima (e não a sua esperança média de vida activa). VI. Se, em abstrato e formalmente, um lesado que perdeu a aptidão para o exercício da sua profissão habitual (de pintor de automóveis), e ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 36% (por amputação de uma perna abaixo do joelho), poderá exercer uma qualquer outra profissão, certo é que a sua concreta idade (67 anos) e o baixo nível de diferenciação académica e de formação profissional que possui, não lhe permitem uma oportuna e real reconversão laboral, idónea a viabilizar o exercício de novas actividades; e, por isso, a perda da sua capacidade futura de ganho deverá ser feita equivaler à efectiva incapacidade definitiva de exercício da única profissão para a qual possuía habilitações e preparação técnica. VII. Se no cálculo da perda de capacidade futura de ganho se deve atender, não à idade legal de reforma, mas ao termo expectável da esperança de vida, poderá contudo este segundo termo sofrer alguma adequação, nomeadamente quando seja previsível que a actividade produtora de rendimento não coincida com a esperança de vida, por prévias e antecipáveis limitações físicas do trabalhador (executante habitual de tarefas repetitivas e de grande exigência física, que hajam importado um maior e mais rápido desgaste das respectivas capacidades e aptidões); e, então, deverá relevar o que seja o previsível termo da concreta vida activa em causa. VIII. Na indemnização de danos não patrimoniais, deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia. IX. Não sendo cumuláveis (mas antes complementares) as indemnizações devidas por sinistro simultaneamente qualificado como de trabalho e de carácter civil, e sendo a responsabilidade infortunística laboral de carácter subsidiário, na posterior condenação do responsável civil não se deve deduzir a indemnização determinada e já paga ao sinistrado em prévio processo de acidente de trabalho, pelos mesmos danos.
Texto Integral
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO 1.1.Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ... (aqui Recorrido), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A... - Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua ..., no ... (aqui Recorrente), e contra Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Avenida ..., em ... – e em que são intervenientes principais provocados T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, com sede na Avenida ..., ..., em ..., BB, residente na Rua ..., ..., em ..., e Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada, com sede no Lugar ..., na M... -, pedindo que
· se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 199.975,08, a título de indemnização de danos, patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 99.975,08 a título de indemnização de danos patrimoniais e € 100.000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação ate integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 21 de Maio de 2015, no interior da oficina de Auto Viação C..., Limitada, para quem trabalhava como pintor de automóveis, foi embatido por um autocarro propriedade de T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, por o respectivo motorista, BB, ao reiniciar a respectiva marcha, o ter feito de forma desatenta e negligente.
Mais alegou que, tendo sofrido diversas lesões físicas, dores e dano estético, de que derivaram sequelas definitivas (nomeadamente, a amputação - abaixo da linha do joelho - da sua perna esquerda), ficou com incapacidade permanente parcial de 99%, quando à data tinha 64 anos e era saudável.
Alegou ainda que, tendo o dito acidente sido qualificado simultaneamente como de trabalho, e correndo o respectivo processo, rebateria aqui os valores que entretanto lhe fossem arbitrados e pagos ali.
Por fim, alegou demandar a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) como seguradora do autocarro atropelante; e o Réu (Fundo de Garantia Automóvel) por desconhecer os limites do contrato de seguro de responsabilidade civil respectivo, ou por eventual vicissitude que obstasse à sua validade e/ou eficácia. 1.1.2. Regularmente citados, os Réuscontestaram.
1.1.2.1. A Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese, que o contrato de seguro invocado pelo Autor (AA) se encontrava anulado desde 30 de Abril de 2015, por falta de pagamento do prémio respectivo, não lhe cabendo por isso qualquer responsabilidade no acidente aqui em causa.
Impugnou ainda a generalidade dos factos alegados pelo Autor (AA), relativos à dinâmica do acidente invocado e aos danos dele resultantes; e defendeu serem exagerados os montantes indemnizatórios por ele peticionados.
Por fim, Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) defendeu que, encontrando-se pendente uma acção por acidente de trabalho, os valores que o Autor (AA) viesse a receber nela teriam que ser descontados nesta, não podendo incorrer-se em dupla indemnização de um mesmo dano (nomeadamente, decorrente da incapacidade parcial permanente).
1.1.2.2. O Réu (Fundo de Garantia Automóvel), na sua contestação, pediu que se julgassem procedentes as excepções dilatórias por si deduzidas; e, subsidiariamente, que a acção fosse julgada em conformidade com a prova que se viesse a produzir e com os limites legais relativos à sua obrigação de garantia.
Alegou para o efeito, em síntese, ser a petição inicial inepta, por não terem sido invocados factos susceptíveis de o responsabilizar; e ser ele próprio parte ilegítima, já que teria de ter sido demandado conjuntamente com o responsável civil.
Mais alegou que, estando em causa um acidente simultaneamente qualificado como de trabalho, seria a seguradora da entidade empregadora da vítima quem teria de responder pelos danos dele resultantes, a si próprio apenas cabendo eventual indemnização por danos não patrimoniais pela mesma sofridos.
O Réu (Fundo de Garantia Automóvel) impugnou ainda a generalidade dos factos alegados pelo Autor (AA), relativos à dinâmica do acidente invocado e aos danos dele resultantes; e defendeu serem exagerados os montantes indemnizatórios por ele peticionados. 1.1.3. O Autor (AA) respondeu, pedindo que as excepções deduzidas pelo Réu (Fundo de Garantia Automóvel) fossem julgadas improcedentes; e deduziu incidente de intervenção principal provocada de T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada (na qualidade de proprietária do veículo atropelante) e de BB (na qualidade de condutor do mesmo).
Alegou para o efeito, em síntese: não ser a petição inicial inepta, porque desde logo justificou a demanda do Réu (Fundo de Garantia Automóvel) pelo desconhecimento dos limites do contrato de seguro que invocou, e pela sua eventual inexistência ou ineficácia; e, tendo sérias dúvidas quanto à sua invocada ilegitimidade passiva, fazer desde logo intervir os responsáveis civis, desse modo obstando à sua eventual verificação.
Alegou ainda que os limites da obrigação de garantia do Réu (Fundo de Garantia Automóvel) não impediriam que respondesse por indemnização não arbitrada em sede de direito do trabalho, isto é, devendo ser calculada a que lhe caberia segundo as regras gerais e depois apenas subtraído ao seu montante aquilo que ele próprio já tivesse recebido em sede laboral. 1.1.4. Deferido o incidente de intervenção principal provocada, sem oposição das partes iniciais, e regularmente citados como associados do Réu, os Intervenientes contestaram.
1.1.4.1. A 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada não provada e improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese, ser parte ilegítima na acção, por não ser ela própria, mas sim um terceiro (Auto-Viação ..., Limitada), titular do direito de propriedade sobre o veículo atropelante; e dispor o mesmo, à data, de seguro válido e eficaz.
Mais alegou encontrar-se prescrito o direito que o Autor (AA) aqui pretenderia exercer, uma vez que, desde a data de verificação do acidente invocado até à respectiva citação nestes autos, já teriam decorrido mais de três anos.
A 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) impugnou ainda a generalidade dos factos alegados pelo Autor (AA), relativos à dinâmica do acidente invocado e aos danos dele resultantes; e defendeu serem exagerados os montantes indemnizatórios por ele peticionados.
1.1.4.2. O 2.º Interveniente Principal (BB), na sua contestação, pediu que a acção fosse julgada não provada e improcedente.
Impugnou para o efeito, em síntese: a versão do acidente apresentada pelo Autor (AA), defendendo não lhe ter sido possível evitá-lo, uma vez que foi aquele que, fora do seu campo de visão e de forma negligente, se colocou na trajectória do veículo já em movimento; e a descrição dos danos alegados pelo Autor (AA).
Mais alegou nunca ter desconfiado que a sua entidade empregadora não tivesse seguro de responsabilidade civil automóvel válido, já que, se o soubesse, nunca teria conduzido o veículo atropelante.
1.1.5. O Autor (AA) deduziu incidente de intervenção principal provocada de Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada, ao qual não foi deduzida qualquer oposição, vindo o mesmo a ser deferido.
1.1.6. Regularmente citada como associada do Réu, a 3.ªInterveniente Principal (Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada) contestou, pedindo que se julgassem procedentes as excepções por si deduzidas e, subsidiariamente, que a acção fosse julgada integralmente improcedente, sendo ela própria absolvida de todos os pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, ser ela própria parte ilegítima na acção, uma vez que o eventual crédito do Autor (AA) seria sobre a Insolvente (Auto-Viação ..., Limitada) e não sobre a sua Massa Insolvente; e verificar-se um erro na forma de processo usada, já que o crédito indemnizatório invocado apenas poderia ser feito valer contra si mediante reclamação de créditos ou acção de verificação ulterior de créditos, uma e outra a processar nos termos do CIRE.
Mais alegou constituir-se a acção especial por acidente de trabalho, igualmente pendente, causa prejudicial em relação a esta, determinando a respectiva suspensão; e encontrar-se o crédito do Autor (AA) prescrito quanto a si, já que, desde o evento lesivo até à respectiva citação, decorreram mais de três anos, não aproveitando àquele, para este efeito, a interrupção verificada pela prévia citação dos Réus.
Alegou ainda que, tendo sido emitido pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) o Certificado Internacional de Seguro Automóvel, válido de 30 de Abril de 2015 a 30 de Agosto de 2015, existiria um seguro válido e eficaz relativo ao veículo atropelante, não tendo ainda a mesma demonstrado o efectivo envio e recepção de documentos tendentes a extingui-lo, por falta de pagamento; e, ainda que assim não fosse, sempre seria a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) a responsável pelos danos por ele causados, já que o mesmo lhe tinha sido cedido por si, a ela cabendo a sua direcção efectiva e o proveito da sua circulação.
Por fim, a 3.ª Interveniente Principal (Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada) alegou que existiria negligência grosseira do próprio Autor (AA) na produção do acidente, o que excluiria a responsabilidade dos demais intervenientes no mesmo; e impugnou os danos por ele invocados.
1.1.7. O Autor (AA) respondeu, pedindo que as excepções deduzidas pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) e pela 3.ª Interveniente Principal(Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada) fossem julgadas improcedentes.
Alegou para o efeito, em síntese: ser a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) parte legítima, ou na qualidade de proprietária do veículo atropelante, ou de sua possuidora; e não ter ocorrido a prescrição do seu direito, face à prévia citação do Réu (Fundo de Garantia Automóvel) - de que aquela é associada -, e por os factos em causa consubstanciarem ilícito criminal, beneficiando por isso de um prazo de prescrição de dez anos.
Mais alegou: ser a 3.ª Interveniente Principal(Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada) parte legítima, já que, vindo a acção a proceder, seria pelas forças da massa insolvente que ele próprio seria ressarcido; inexistir qualquer erro na forma de processo, já que os prazos para eventual reclamação de créditos ou interposição de acção de verificação ulterior de créditos, previstas no CIRE, se encontrariam decorridos no momento em que teve conhecimento da sua eventual qualidade de proprietária do veículo atropelante; não consubstanciar a acção por acidente de trabalho qualquer causa prejudicial em relação a estes autos, embora o ali decidido tivesse que vir a ser aqui considerado; inexistir qualquer prescrição do seu direito, reiterando as razões já invocadas para o efeito; e impugnar o demais alegado pela 3.ª Interveniente Principal(Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada), desconforme com a sua alegação inicial. 1.1.8. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 199.975,08; saneador, julgando nomeadamente improcedentes as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial, de erro na forma do processo e de qualquer ilegitimidade processual passiva, afirmando a inexistência de causa prejudicial, e relegando o conhecimento da excepção peremptória de prescrição para a decisão final; definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; e apreciando os requerimentos probatórios das partes (nomeadamente, deferindo a realização de uma perícia médico-legal na pessoa do Autor).
1.1.9. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) III - Decisão Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra A... – Companhia de Seguros, S.A. e Fundo de Garantia Automóvel, em que são intervenientes principais T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, BB e Massa Insolvente de A..., LDA., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno a Ré A... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 183.983,54, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 83.983,54, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 100.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento. Absolvo a Ré A... – Companhia de Seguros, S.A. do restante peticionado. Absolvo dos pedidos contra si deduzidos o Réu Fundo de Garantia Automóvel e os Chamados T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, BB e Massa Insolvente de A..., LDA. Custas na proporção do decaimento entre Autor e Ré A..., sem prejuízo do decidido administrativamente quanto ao apoio judiciário. (…)»
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1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
1.ª - A R. não aceita nem se conforma com a conclusão pela transferência da responsabilidade por força de contrato de seguro, nem com os valores indemnizatórios fixados, nem com a decisão de não serem descontados ao considerado dano patrimonial futuro os valores já recebidos pelo A. no âmbito do acidente de trabalho.
2.ª - Importa analisar os Factos Não Provados da Contestação da R. A...: artigos 2º, quanto à propriedade do DR e quanto à falta de pagamento, 4º e 9º, primeira parte.
3.ª - O Tribunal “a quo” deu como não provada a falta de pagamento do prémio de seguro na data do acidente.
4.ª - Conforme referido na Sentença, incumbia à R. A..., querendo fazer valer o direito à resolução automática do seguro, alegar e provar, porque emitiu a carta verde com um início de vigência coincidente com a data de vencimento do pagamento do prémio fracionado, que a tomadora, a Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, não tinha procedido ao pagamento do valor do referido prémio.
5.ª - Com o devido respeito pelo Tribunal “a quo”, que é muito, a R. entende que, efetivamente, essa prova foi feita.
6.ª - O Tribunal “a quo” não valorizou devidamente os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE.
7.ª - Analise-se as declarações da testemunha FF, profissional de seguros, prestadas na audiência de julgamento de 14/03/2022, gravadas com a referência ....wma, com início pelas 10h50m45s e fim pelas 11h13m53s; o funcionário da R. A... atestou perentoriamente que nenhum pagamento entrou na seguradora para pagamento do recibo em causa;
8.ª - Analise-se também as declarações da testemunha DD, mediador de seguros, prestadas na audiência de julgamento de 14/03/2022, gravadas com a referência ....wma, com início pelas com início pelas 11h24m11s e fim pelas 11h53m25s; o mediador de seguros prestou umas declarações comprometidas, não se recordando dos pormenores que efetivamente interessavam, mas admitindo atrasos recorrentes de duas ou três semanas nos pagamentos; mais admitiu que o pagamento não deveria ter sido efetuado;
9.ª - E ainda as declarações da testemunha EE, gestor de recursos humanos da Auto Viação C..., Limitada mas a prestar serviços para as três empresas do grupo que funcionam no mesmo escritório, onde se inclui a T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, prestadas na audiência de julgamento de 14/03/2022, gravadas com a referência ....wma, com início pelas 11h54m02s e fim pelas 12h40m38s; acabou por admitir que o prémio vencido no dia 30/04/2015 não estaria pago à A... na data do sinistro.
10.ª - O acidente ocorreu no dia 21 de maio, três semanas após a data do vencimento do prémio de seguro em causa…
11.ª - Uma apreciação crítica e conjugada destes depoimentos leva, sem dúvidas, à conclusão de que o prémio de seguro, na data do acidente, não se encontrava pago, afastando a presunção ilidível da existência de contrato de seguro válido e eficaz pela emissão da carta verde.
12.ª - Aliás, o procedimento de gestão dos pagamentos com o mediador várias vezes invocado pela T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada e pelas testemunhas inquiridas, designadamente, a aceitação de pagamentos em atraso, afigura-se impossível em caso de ocorrência de sinistro em data anterior à da regularização do pagamento.
13.ª - Consta ainda do documento “aviso/recibo” recebido pela T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada (doc. nº ... junto com a Contestação da R. A...): - “O não pagamento do recibo da apólice de seguro no prazo indicado, implica a não cobertura do risco. Ver o aviso legal.” - A seguradora “não se responsabiliza por eventuais sinistros que possa ocorrer após aquela data”.
14.ª - Pelo que deverá proceder-se à alteração da matéria de facto dando-se como PROVADO que: qqq) O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago, pelo que operou a resolução automática nessa data, deixando o contrato de seguro de produzir todo e qualquer efeito.
15.ª - Considerando a requerida alteração à matéria de facto e os demais Factos Provados, deverá concluir-se que, na data do acidente, 21/05/2015, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao veículo matrícula ..-..-DR não se encontrava transferida para a R. por força da resolução automática do contrato de seguro por falta de pagamento do respetivo prémio.
16.ª - À data dos factos, não existia seguro válido relativo ao referido veículo contratado com a R..
17.ª - De acordo com o disposto no art. 19º do DL 291/2007, de 21/08, e no art. 63º, nº 3, al. a) do DL 72/2008, de 16/04, a falta de pagamento de uma fração do prémio de seguro (neste caso, a periodicidade era mensal), no seu vencimento, no decurso de uma anuidade, implica a resolução automática do contrato de seguro em causa.
18.ª - A cobertura de riscos depende do pagamento prévio do prémio (art. 59º do referido DL 72/2008).
19.ª - O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago, pelo que operou a resolução automática nessa data, deixando o contrato de seguro de produzir todo e qualquer efeito.
20.ª - Do referido aviso, enviado à segurada, constam todos os avisos e cominações que a lei impõe, designadamente, prazo de pagamento e data de caducidade / resolução do contrato.
21.ª - O Tribunal “a quo” considerou, e bem, que, por estar estipulado o pagamento do prémio fraccionadamente em período mensal, a R. A..., salvo acordo em contrário, estava dispensada de enviar o aviso de pagamento do prémio, nos termos a lei; considerou também, e bem, provado, que a R. A... enviou à Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, tomadora do seguro, o aviso/recibo de pagamento com a antecedência prevista na lei, pelo que, quanto ao cumprimento destes formalismos - e que permitem a resolução automática - não se levanta, qualquer questão.
22.ª - Atendendo a que, na data do acidente, não existia contrato de seguro em vigor, para a R. não se encontra transferida a responsabilidade relativamente ao acidente que se discute nos presentes autos.
Sem prescindir,
23.ª - Quanto à perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros, o Tribunal “a quo” fixou a quantia de € 70.000,00 e a título de danos não patrimoniais, € 100.00,00.
24.ª - Quanto aos danos patrimoniais, há que sublinhar que o A. já se encontrava reformado por velhice à data do acidente; auferia a pensão de reforma; continuava a trabalhar, auferindo um rendimento anual de € 10.077,29.
25.ª - A ter-se em conta a vida ativa do A., há que calcular uma indemnização que assuma o tempo provável da sua vida ativa (mais 3? mais 4? anos a trabalhar, não fosse o acidente), de forma a obter-se um capital produtor desse mesmo rendimento perdido, de tal modo que, no fim dessa vida ativa, esse capital se esgote.
26.ª - Não é de considerar que o A. fosse trabalhar até aos 77 anos de idade, mas sim, no máximo, até aos 70 anos.
27.ª - A equidade não equivale ao arbítrio, surgindo mesmo como a sua negação.
28.ª - Na ponderação do quantum da indemnização, o julgador não pode deixar de ter em consideração alguns elementos, entre os quais as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro;
29.ª - Também a comparação dos valores atribuídos noutras decisões judiciais em casos análogos, poderá contribuir para uma justa quantificação da indemnização;
30.ª - Não será de desprezar o contributo dos critérios estabelecidos na legislação respeitante à quantificação das indemnizações devidas pelas Seguradoras na fase extrajudicial em resultado de um acidente de viação, fixados em portarias aplicáveis por força do DL 291/2007, dos quais decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.
31.ª - À data da alta o A. tinha 67 anos de idade e ficou afetado de um dano biológico de 36 pontos.
32.ª - De acordo com os critérios estabelecidos na portaria 679/2009, a compensação do dano biológico da A. acrescido dos parâmetros previstos para uma incapacidade para a profissão habitual com reconversão profissional deve situar-se em quantia nunca superior a € 15.000,00.
33.ª - Quanto às tabelas financeiras, a conclusão é idêntica.
34.ª - Não se pode deixar de ter em conta que nunca seria de esperar que o A. continuasse a desenvolver a sua atividade para além dos seus 70 anos de idade.
35.ª - Assim, numa perspetiva de ressarcimento de uma efetiva perda de rendimentos, considerando a retribuição anual do A., uma esperança de vida ativa de 3 ou 4 anos, a taxa de crescimento salarial anual, uma incapacidade de 36 pontos e a taxa de capitalização chegaríamos a verba muito distante dos € 70.000,00 fixados, pelo que este valor se afigura manifestamente excessivo e injustificado.
36.ª - A indemnização fixada à A. pelo Tribunal “a quo” mostra-se, sem justificação, proporcionalmente superior àquelas que vêm sendo fixadas pela nossa Jurisprudência em casos em que os lesados padecem de sequelas igualmente gravosas.
37.ª - Em termos de danos patrimoniais, há que ter/fazer contas, com objetividade, em que se traduz o dano patrimonial futuro e fazer jus ao preceituado no arts. 562º e seguintes do Código Civil.
38.ª - O A. não iria trabalhar mais do 3 ou 4 anos; já auferia pensão de reforma.
39.ª - No caso do A., este dano patrimonial futuro é reduzido.
40.ª - Tendo em conta os critérios supra enunciados, de cálculo matemático, de equidade e de proporcionalidade, justifica-se a redução da indemnização pelo dano patrimonial futuro em valor nunca superior a € 15.000,00, pelo que o montante justo e adequado a indemnizar os danos reais do A..
41.ª - Quanto aos danos não patrimoniais, entende a R. ter sido fixado um valor muito elevado - € 100.000,00 – superior às indemnizações que vêm sendo fixadas relativamente ao direito à vida.
42.ª - A jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça tem fixado a indemnização pela perda do direito à vida em valores entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00.
43.ª - Na indemnização de danos não patrimoniais, deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia.
44.ª - O artigo 496º do Código Civil fixou definitivamente não uma conceção materialista da vida, mas um critério que consiste em que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado.
45.ª - Na determinação do montante da indemnização a lei apela abertamente para a formulação de juízos prudenciais e de equidade.
46.ª - Sem descurar o sofrimento do A., nada há que justifique atribuir-lhe indemnização superior à da perda da vida.
47.ª - Tendo em conta os valores indemnizatórios normais fixados pela jurisprudência em circunstâncias similares, dever-se-á considerar a indemnização de € 100.000,00 muito elevada.
48.ª - Comparativamente, afigura-se adequada indemnização no valor de € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A..
49.ª - Resulta dos factos provados que o A. já recebeu a quantia de € 63.755,67 no âmbito do processo relativo ao acidente de trabalho.
50.ª - No entanto, não podem ser atribuídos ao A., nos presentes autos, os danos patrimoniais decorrentes do acidente dos autos, já liquidados ou a liquidar no âmbito do processo laboral, sob pena de violação do principio indemnizatório (repor o lesado na situação que existiria se não se tivesse verificado o acidente), com duplicação de indemnizações e enriquecimento sem causa do lesado - art. 562º do C.Civil.
51.ª - Com efeito, as indemnizações resultantes de acidentes simultaneamente de trabalho e de viação não são cumuláveis, mas sim complementares.
52.ª - Só assim se obsta à violação do princípio indemnizatório e duplicação de indemnizações, nomeadamente, no que aos danos patrimoniais futuros diz respeito.
53.ª - No âmbito do referido processo de acidente de trabalho a entidade empregadora do A. na presente data, já terá indemnizado / continuará a indemnizar o A. por todos os danos patrimoniais sofridos em consequência do acidente, estando comprovados nos autos os valores já recebidos pelo A..
54.ª - Assim, não podem ser recebidos novamente pelo A., nos presentes autos, os danos patrimoniais decorrentes do acidente dos autos, já liquidados ou a liquidar no âmbito do processo laboral, sob pena de violação do principio indemnizatório (repor o lesado na situação que existiria se não se tivesse verificado o acidente), com duplicação de indemnizações e enriquecimento sem causa do lesado – art. 562º do C.Civil.
55.ª - Não sendo esse o regime da obrigação de indemnizar consagrado nos arts. 562º e seguintes do Código Civil.
56.ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1ª Instância violou o disposto nos arts. 607º e 609 do Código de Processo Civil, 342º, 496º, 562º e seguintes do Código Civil, e no art. 19º do DL 291/2007, de 21/08, e nos arts. 59º e 63º, nº 3, al. a) do DL 72/2008, de 16/04.
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1.2.2. Contra-alegações
Todas as demais partes e Intervenientes Principais contra-alegaram.
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1.2.2.1. O Autor (AA), nas suas contra-alegações, pediu que a sentença recorrida fosse mantida, «seja na vertente da imputação da responsabilidade, tal como na manutenção dos valores indemnizatórios atribuídos», defendendo nomeadamente ter sido a matéria de facto bem julgada.
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1.2.2.2. O Réu (Fundo de Garantia Automóvel), nas suas contra-alegações, pediu que o recurso fosse julgado improcedente e se mantivesse inalterada a sentença recorrida, quer quanto à «matéria de facto provada e não provada», quer quanto à «decisão de absolvição do FGA do pedido contra si deduzido»», defendendo nomeadamente ter sido a matéria de facto bem julgada.
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1.2.2.3. A 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), nas suas contra-alegações, pediu que fosse negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida; e, subsidiariamente, requereu a ampliação do objecto do recurso, «relativamente ao segmento decisório atinente à determinação da responsabilidade civil pela ocorrência do acidente e à factualidade com o mesmo conexa, vertida nos pontos i) e m) dos factos provados».
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada, e condenou a R. “A...”, aqui recorrente, a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 183.983,54, acrescida de juros contados desde a data da citação sobre a quantia de € 83.983,54, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 100.000,00, à taxa legal de 4% até integral e efetivo pagamento.
2 - Absolvendo, pois, as demais RR. e intervenientes, nomeadamente a Massa Insolvente ora recorrida.
3 - Inconformada, vem a R. “A...” interpor recurso de apelação, peticionando a revogação da douta sentença proferida, no sentido da alteração da decisão de facto e consequente modificação da decisão de direito.
4 - Pugna, assim, e em sede de modificação da decisão proferida quanto à matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos vertidos nos artigos 2º, 4º e 9º da contestação da A....
5 - Bem como pela inerente alteração da decisão de mérito, no sentido da sua absolvição do pedido, face à preconizada resolução do contrato de seguro e, portanto, a sua não vigência à data do sinistro dos autos.
6 - Salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta sentença aqui recorrida, e no que diz respeito ao segmento decisório referente à validade e vigência do contrato de seguro à data do acidente, não se afigura merecedora de qualquer reparo, devendo manter-se.
7 - Sem prejuízo do supra vertido, entende, porém, a Massa Insolvente ora recorrida, que a douta decisão proferida andou mal no que diz respeito à determinação da responsabilidade civil pela ocorrência do acidente, na medida em que, nos concretos termos que efetivamente se entende terem resultado provados, o A./peão contribuiu, com a sua conduta, para a ocorrência do infeliz acidente dos autos, devendo, em consequência, aplicar-se o instituto da culpa do lesado previsto no art.º 570º do Cód. Civil e, por conseguinte repartir-se a responsabilidade pela ocorrência do mesmo entre o condutor e o peão.
8 - Assim, a título subsidiário, e para a eventualidade da procedência do recurso de apelação interposto pela R. A..., suscita aqui a Recorrida a ampliação do objeto do recurso, relativamente ao segmento decisório atinente à determinação da responsabilidade civil pela ocorrência do acidente e à factualidade com o mesmo conexa, vertida nos pontos i) e m) dos factos provados, bem como no factos que se entende que deveriam ter sido julgados provados (“o DR só podia arrancar para a sua direita, face à existência de um autocarro estacionado do lado esquerdo”), nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 636º n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e nos concretos termos que infra se desenvolverá.
DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
9 - Sempre com o máximo respeito, e de acordo com os concretos fundamentos que se passará a desenvolver, não podemos concordar com a decisão proferida a respeito da imputação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, na medida em que impunha-se ao Mmo. Tribunal a quo que apreciasse também a conduta protagonizada pelo peão (o que não fez), impondo-se concluir que o mesmo poderia e deveria ter atuado de forma diferente e mais diligente no diz respeito ao momento em que se dirigia ao seu posto de trabalho após ter ajudado o condutor do veículo pesado a fazer uma manobra no parque da oficina.
DA IMPUGNAÇÃO DECISÃO PROFERIDA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
10 - Entende a Massa Insolvente recorrida que andou mal o Mmo. Tribunal a quo na instrução probatória dos pontos i) e m) dos factos provados.
11 - Ora, no modesto entendimento da Massa Insolvente recorrente, não podia o Mmo. Tribunal a quo ter julgado provado, no que tange à supra citada alínea I), o segmento factual onde se refere ”porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito, devido a outros autocarros que se encontrava estacionado à esquerda do DR”
12 - Já no que diz respeito à alínea M), tendo efetivamente ficado demonstrado que o condutor do veículo, o R. BB sabia da existência do referido “ângulo morto”, não menos verdade é que igualmente se provou que o próprio A. também sabia da existência desse “ângulo morto” ou pelo menos, não podia desconhecer tal facto.
13 - Pelo que sempre deveria tal circunstância ser atendida pelo Mmo. Tribunal a quo e julgado provado, quanto mais não seja por apelo às presunções judiciais, que: “Facto de que tanto o referido BB, como o A. AA tinham conhecimento.”
14 - Acresce que, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, deveria ainda o Mmo. Tribunal a quo ter julgado provado, desde logo porque tal resulta evidente da prova produzida e se presume claramente face aos demais factos provados e atinentes à dinâmica do evento (nomeadamente ante a posição dos autocarros no parque) que “o DR só podia arrancar para a sua direita, face à existência de um autocarro estacionado do lado esquerdo”.
15 - Assim se devendo aditar uma alínea com tal redação, ao elenco dos factos provados.
16 - Decorre da fundamentação da decisão de direito no que tange à apreciação da responsabilidade pela ocorrência do acidente, que “não se provou que o lesado soubesse quais eram as intenções do condutor do DR ou o que faria de seguida”.
17 - Contudo, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, esta consideração é totalmente avessa a todo o circunstancialismo inerente ao acidente, sendo que, nos termos que infra se desenvolverá, era impossível que o Autor/lesado não soubesse, ou pelo menos prefigurasse que o seu colega de trabalho que o tinha ido chamar para ajudar a manobrar o autocarro, iria direcionar o mesmo para a direita.
18 - Desde logo porque era o único local para o onde o mesmo poderia seguir, face à existência de autocarros estacionados no lado esquerdo do mesmo.
19 - Sendo que tal factualidade - o que o Tribunal apoda de essencial - sempre deveria dar-se por provada por apelo às presunções judiciais, dado que, atento o posicionamento dos veículos, e de acordo com as regras de experiência, o autocarro em causa só podia sair para a sua direita.
20 - Face ao supra vertido, importa, pois, reanalisar os depoimentos prestados pelo Autor AA, prestado em audiência de julgamento de 07/02/2022, e gravado em suporte digital no ficheiro 20220207100635_1479474_28718249, pelo R. BB (depoimento prestado em audiência de julgamento de 07/02/2022, gravado no ficheiro áudio 20220207103235_1479474_2871824, entre os minutos 00.12.48 a 00.47.25) e pela testemunha GG (prestado em audiência de julgamento em 07/02/2022, e gravado no ficheiro áudio 20220207114133_1479474_2871824)[1]que, no modesto entendimento da Massa Insolvente recorrida, impõem decisão diversa da proferida quanto aos aludidos factos (seja quanto aos provados, seja quanto aos não provados supra descritos.)
21 -Revisitados os supra enunciados elementos de prova, mostra-se por demais evidente, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, que dos mesmos resulta realidade diversa daquela que foi julgada provada pelo Mmo. Tribunal a quo.
22 - Desde logo, o depoimento do próprio Autor infirma o raciocínio levado a efeito pelo Mmo. Tribunal a quo no sentido de que “o Autor, porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito” iniciou o percurso a pé de regresso à oficina pelo lado direito do autocarro, conforme consta da alínea i) dos factos provados
23 - Para além do Autor não ter explicado o concreto motivo pelo qual fez o percurso para a oficina, não do lado esquerdo do autocarro, mas antes pelo lado direito, o mesmo também afirmou que do lado esquerdo havia espaço entre os autocarros que permitia a sua passagem.
24 - No mesmo sentido depôs a testemunha HH que fez questão de referir que o Autor não tinha de passar pelo lado direito do autocarro, pois do lado esquerdo havia espaço, e que possivelmente tê-lo-á feito porque era o caminho mais direto para a oficina.
25 - Ora, em face dos concretos meios de prova supra citados, tem para a si a Massa Insolvente recorrida que se impunha julgar não provado o segmento vertido na alínea i) dos factos provados, quando se refere: ”porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito.”
26 - Entende igualmente a Massa Insolvente recorrida que, face aos demais factos provados, ao concreto circunstancialismo inerente à manobra realizada pelo condutor do autocarro, com a ajuda do Autor, às concretas funções exercidas pelo Autor, ao facto de ser habitual este ajudar naquelas manobras e de ser consensualmente aceite que aquela tipologia de autocarros tem um ângulo morto do lado direito, impunha-se igualmente, por apelo às presunções judiciais, julgar provado que o Autor também sabia da pouca visibilidade existente para o condutor do veículo, do lado direito do mesmo.
27 - Pelas mesmas razões, e atendendo a que o autocarro tinha um autocarro estacionado do seu lado esquerdo, era também impossível ao Autor desconhecer ou não ter noção de que a única manobra possível de ser realizada pelo condutor era sair para a sua direita.
28 - Aliás, tendo o Autor participado, como ajudante do condutor, na realização da manobra de marcha atrás destinada a posicionar o veículo naquele local, portanto, à frente de outro autocarro que ali estava estacionado, e atendendo às características do parque (visíveis, por exemplo, nas fotografias recolhidas aquando da inspeção ao local), impunha-se concluir que o autocarro não iria ali ficar, até porque o mesmo estava a ser preparado para ser levada à inspeção.
29 - Note-se ainda que, tendo terminado de fazer a manobra de marcha atrás, o condutor do veículo permaneceu ao volante e manteve o veículo a trabalhar.
30 - Tudo elementos que nos permitem e permitem ao julgador, com segurança e por apelo à prova por presunção (judicial), julgar evidenciada a seguinte realidade fáctica: a) que o Autor (também) sabia da existência do “ângulo morto” b) que o Autor sabia (ou pelo menos não podia ignorar) que o veiculo pesado/autocarro só podia sair para a sua direita, devido à existência de um outro autocarro estacionado à sua esquerda.
31 - Perante estes elementos probatórios, cremos ter resultado suficientemente evidenciado que, de facto, que m) Facto de que o referido BB e o Autor tinham conhecimento. qqq) o Autor sabia que o DF só podia sair do local onde se encontrava para a sua direita, devido á existência de um outro autocarro estacionado à sua esquerda
32 - Factos esse que deverão ser aditados ao elenco dos factos provados.
33 - De igual modo, e nos termos melhor explanados supra, deverá suprimir-se da alínea i) dos factos provados (por ter sido infirmado pela prova produzida e, portanto, não provado) o seguinte segmento:
”porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito”
34 - Ao decidir diferentemente, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento, violando o disposto no art.º 607º n.º 5 do Cód. Proc. Civil,
DO DIREITO Da responsabilidade pela ocorrência do facto danoso
35 - Entende a Massa Insolvente recorrida que, fruto da supra propugnada alteração da decisão de facto, se impõe a alteração da decisão de direito, no que concerne à atribuição da responsabilidade pela ocorrência do acidente dos autos, em exclusivo, ao condutor do autocarro, o R. BB.
36 - Ora, o Meritíssimo Tribunal “a quo” enfatizou a medida da culpa do condutor do autocarro na ocorrência do evento, sobretudo no facto do veículo se encontrar num espaço exíguo (rodeado, pela esquerda e pela direita, de veículos pesados), perdendo a visão do colega que estava apeado (após ter terminado de o ajudar a fazer a manobra) e que, no entendimento do tribunal, deveria ter tomado precauções adicionais antes de arrancar, designadamente:
- aguardava que o colega surgisse no seu campo de visão;
- chamava oralmente pelo colega de forma a localizá-lo no espaço circundante;
- saía do autocarro e procurava-o.
37- Entendendo o Mmo. Tribunal a quo que só depois de diligenciar no sentido supra, é que poderia reiniciar a marcha com segurança.
38 - Jamais poderemos concordar com o douto entendimento manifestado na sentença recorrida a propósito da imputação da totalidade da culpa pela ocorrência do infeliz acidente, ao condutor do veiculo automóvel pesado, o R. BB.
39 - Na verdade, entendemos que os argumentos vertidos na douta decisão que servem de base ao estabelecimento da responsabilidade a título de culpa efetiva e exclusiva ao condutor do veículo, pecam por não avaliarem, igualmente, a conduta do peão.
40 - O que sempre se impunha porquanto nos deparamos diante de um acidente de viação que contou com dois intervenientes e, portanto, a conduta dos dois sempre teria de ser analisada e sopesada.
41 - Salvo o devido respeito por diverso entendimento, atentas as circunstâncias do evento danoso, também o Autor se relevou pouco cauteloso, não atuando com a diligência devida.
42 - Com efeito, cotejada a douta fundamentação da decisão aqui posta em crise, verificamos que o Mmo. Tribunal a quo impôs ao condutor do veículo pesado um dever de diligência manifestamente superior ao de um condutor médio - nomeadamente no que diz respeito à necessidade de chamar pelo colega/peão ou sair do veículo a fim de verificar onde esta se encontrava.
43 - Não impondo qualquer dever de zelo ao peão.
44 - O que não pode, de forma alguma, aceitar-se.
45 - Na verdade, sempre haverá que ponderar a atuação do peão, tendo em mente o inegável facto de que o condutor do veículo pesado não tinha qualquer possibilidade de o avistar, caso esta surgisse pelo lado direito do veículo, e atento do ângulo morto inerente à natureza e características do veículo, e que ambos não podiam desconhecer.
46 - Ora, inexistindo qualquer obstáculo, nomeadamente em termos de espaço, que impedisse o Autor de regressar à oficina pelo lado esquerdo do autocarro, e não podendo este desconhecer o dito ângulo morto ou sequer que o condutor do veículo ia reiniciar a marcha forçosamente para a sua direita (atendendo a que o autocarro que estava estacionado e que o impedia de se movimentar para a esquerda), até porque o mesmo se mantinha ao volante do mesmo, e com o autocarro a trabalhar.
47 - Considerando a concreta situação em apreço, um peão minimamente diligente, teria contornado o autocarro pela esquerda, de forma a que fosse sempre possível ser avistado pelo respetivo condutor.
48 - Isto porque, naturalmente, ao condutor do veículo era absolutamente impossível ver o peão a circundar o autocarro pelo seu lado direito.
49 - De resto, sempre se diga que o condutor não atuou em infração a qualquer norma do Código da Estrada, nomeadamente ao art.º 12º n.º 1 do Cód. Estrada.
50 - E se até se poderia cogitar ser legítimo ao referido condutor prever que o peão, depois de terminar de o ajudar na manobra de marcha atrás, iria circundar o autocarro de modo a regressar à oficina,
51 - Já não era expectável que o peão ficasse 2/3 minutos atrás do veículo (tal como resulta da audiência de julgamento) antes de iniciar o percurso para a oficina.
52 - E, de igual modo, não era expectável que uma pessoa experiente e conhecedora das características daquele veículo (tal como o Autor), sabendo que do lado direito havia um ângulo morto que torna impossível ao condutor avistar quem circulasse ao lado do veículo, e que o autocarro só poderia arrancar para a sua direita, fosse precisamente circundar o mesmo pela direita, quando o podia (e devia) fazer pela esquerda.
53 - O peão, colocado naquelas concretas circunstâncias, sabia ou pelo menos não podia ignorar que era especialmente perigoso circular ao lado direito do autocarro.
54 - Entende-se, pois, e sempre com o merecido respeito por entendimento diverso, que a conduta do peão, também ela foi censurável, tendo o seu parco dever de diligência e cuidado sido também ele causal do acidente.
55 - Na verdade, é revelador de censurabilidade, o comportamento que se consubstancia no facto de um peão que se encontra na traseira de um autocarro por ter acabado de o auxiliar na realização de uma manobra, não podendo ignorar que o autocarro, que estava a trabalhar, só poderia iniciar a marcha para a sua direita, e inexistindo qualquer impedimento para o circundar pela esquerda, optasse por fazê-lo pela direita, local onde existia um consabido ângulo morto que impedia o respetivo motorista de avistar o peão ao lado do autocarro.
56 - Exigia-se, diversa conduta por parte do peão, aqui Autor, sendo que a concreta atuação do mesmo mostrou-se, pois, causal do evento e fortemente censurável.
57 - Temos por demais evidente, e sempre com o merecido respeito, que o infortúnio que serve de causa de pedir nos presentes autos, se deveu a atuação do condutor do veículo, mas também à do peão.
58 - A douta sentença recorrida sustenta um entendimento que desrespeita o critério da culpa plasmado do art.º 487º n.º 2 do Cód. Civil, pelo que, nessa medida, deverá a mesma ser revogada nos termos supra expostos e substituída por outra que determine, alterando a decisão proferida quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente, impute a ocorrência do acidente a ambos os intervenientes, fixando a medida da respetiva contribuição, a título de culpa efetiva, em 50% para cada um dos respetivos intervenientes (considerando a medida de contribuição e a gravidade de cada um das condutas), e com as inerentes repercussões em sede de redução do valor indemnizatório fixado.
59 - O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais.
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1.2.2.4. A 3.ª Interveniente Principal (Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada), nas suas contra-alegações, pediu que se mantivesse a respectiva absolvição.
Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):
I - Com todo o devido respeito que possa merecer outro entendimento, falece, salvo melhor opinião, qualquer razão à pretensão da recorrente na certeza da bondade da sentença entretanto recorrida. Senão vejamos; da APRECIAÇÃO DA PROVA
II - Vem invocado como um dos fundamentos para o presente recurso a pretensão da recorrente de abalar a fundamentação da sentença, tentando infirmar a sentença quanto à transferência de responsabilidade, através de investida ao teor da mesma, nomeadamente imputando-lhe vicissitudes a respeito da apreciação da prova.
III - Destarte, nesse circunspecto, a sentença e a resposta dada a tais quesitos são congruentes com a prova produzida, ou seja, a existência da validade do contrato de seguro. É que;
IV - A sentença determina a validade da transferência da responsabilidade da detentora do veículo T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada. sobre o veículo ..- ..-DR por contrato de seguro para a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., facto com o qual a recorrente não se conforma, o que, contudo, abundantemente resultou provado em sede de julgamento.
V -Ora, RESULTA À EVIDÊNCIA DA PROVA PRODUZIDA A FALTA DE RAZÃO QUE ASSISTE À R./RECORRENTE;
VI - Ressumando ainda, no essencial quer do facto de a carta verde/Certificado Internacional de Seguro Automóvel, abrangendo o momento do acidente, ter sido EMITIDA, ENTREGUE e se encontrar NA POSSE do respectivo tomador/possuidor do veículo T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada.;
VII - Quer do próprio depoimento confessório do agente de seguro da R./recorrente DD, quer da testemunha da R./recorrente A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., FF.
VIII - Deste modo, sempre se dirá que o Tribunal a quo esclareceu e evidenciou os documentos e depoimentos que considerou valoráveis, bem se percebendo a validade do contrato de seguro e transferência de responsabilidade para a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., mais que não seja com fundamento no abuso de direito e no venire contra factum proprium;
IX - Devendo manter-se intocada a decisão da matéria de facto.
X - Em suma, a prova produzida em audiência quanto à existência e validade da transferência da responsabilidade da detentora do veículo T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada. sobre o veículo ..-..-DR por contrato de seguro para a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. não impõe decisão diversa da recorrida, inexistindo fundamento para proceder à pretendida alteração da sentença; ao invés, a convicção formada pelo julgador - porque possível, plausível (aliás, a mais plausível), conforme com as regras da experiência comum e assente na prova produzida - tem de se considerar validamente formada, sendo, por isso, inatacável.
POR OUTRO LADO; da MATÉRIA DE DIREITO
XI - Assim, no que a recorrente submete à reapreciação, constata-se que, bem andou o Tribunal a quo ao determinar a existência e validade da transferência da responsabilidade da detentora do veículo T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada. sobre o veículo ..-..-DR por contrato de seguro para a R./recorrente A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., na medida em que;
XII - O veículo com a matrícula ..-..-DR estava, à data do acidente dos autos, abrangido por seguro válido e em vigor, titulado pela apólice n.º ...72, junto da então Ap.../actualmente A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., tomado pela R./T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada;
XIII - Factos reconhecido pela R./ A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. ao emitir o CERTIFICADO INTERNACIONAL DE SEGURO AUTOMÓVEL, válido de 30.04.2015 a 30.08.2015;
XIV - De onde consta expressamente tratar-se de um recibo - que presume o seu pagamento - “Recibo de Prémio do Seguro Automóvel”, referente ao veículo ..-..-DR.
XV - Assim, estando-se perante um contrato de agência/comissão entre a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e o seu mediador de seguro, a entrega da carta verde ao tomador do seguro sem que aquele mediador tenha feito ingressar nos cofres da seguradora o respectivo prémio é da exclusiva responsabilidade mútua/recíproca daqueles;
XVI - Sendo tal facto inoponível a terceiros, razão de ser da improcedência do presente recurso. POR OUTRO LADO;
XVII - Acresce que, a declaração resolutória é receptícia, só seria eficaz se chegasse ao poder do tomador do seguro ou fosse dele conhecida, nos termos do art.º 224.º n.º 1 do CCivil, o que não resulta demonstrado ter sucedido;
XVIII - Uma vez que, incumbindo à R./recorrente A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. o ónus da prova de que enviou uma comunicação de resolução, que não a mera intenção, a mesma não fez prova de tal facto.
XIX - Pelo contrário, demonstra ter sucedido precisamente o inverso, ou seja, a emissão do CERTIFICADO INTERNACIONAL DE SEGURO AUTOMÓVEL, com todos os procedimentos enunciados pelas testemunhas, que nunca foram postos em causa, senão aquando do acidente, mantendo-se inclusivamente na actualidade.
XX - O exercício de um direito potestativo extintivo do contrato de seguro, como ocorre com as situações de resolução, não prescinde da correspondente declaração negocial extintiva.
XXI - Para a eficácia da declaração negocial deve atender-se ao que dispõe o supra citado art.º 224.º n.º 1 do CCivil, i.e., a declaração negocial considera-se eficaz quando chega ao poder do destinatário.
XXII - A R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. não logrou demonstrar ter sido cumprido tal formalismo;
XXIII - E conforme referiu a testemunha da R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., FF confirmou que “O seguro em causa só foi anulado em 07.06.2015”, sendo que o acidente ocorreu a 21.05.20215, na certeza de que só se pode anular o que ainda está válido;
XXIV - O que, conforme tem vindo a ser entendimento jurisprudencial, tem implicações a nível do automatismo da resolução, conforme doutamente referido na sentença recorrida.
XXV - Se os prazos e formalismos não tiverem sido observados, a resolução do contrato NÃO É AUTOMÁTICA e, se a seguradora quiser obter a resolução do contrato, terá que converter a mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória nos termos do art.º 808.º do CCivil;
XXVI - O que, conforme supra referido, NÃO DEMONSTROU TER REALIZADO, conforme ónus da prova que se lhe impunha.
XXVII - Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao reconhecer a vigência da apólice de seguro e que a responsabilidade civil decorrente de eventuais danos causados pelos riscos de circulação do veículo de matrícula ..-..-DR encontrava-se validamente transferida para a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..
ADEMAIS;
XXVIII - A actuação da R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. ainda deverá improceder na verificação constitui um verdadeiro ABUSO DE DIREITO, por contrariar a legítima expectativa e confiança das partes e os princípios da boa-fé, proporcionalidade negocial que, ATENTO O FACTO DE SER TERCEIRO, NÃO TEVE A OPORTUNIDADE DE CONTROLAR. De facto;
XXIX - Conforme supra enunciado e esclarecido pelas testemunhas em sede de julgamento, a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., antes e depois do data dos factos objecto da presente acção sempre aceitou os pagamentos, tanto que até fizeram um novo contrato passado alguns dias com o mesmo tomador T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada..
XXX - Assim, na esteira do entendimento supra sufragado quanto ao procedimento de cobrança do prémio e emissão da carta verde, verifica-se que a R./recorrente A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., sempre aceitou os pagamentos, antes e depois, sem quaisquer reservas, pelo que apenas poderá ser tida a versão aportada em sede de recurso, como um “venire contra factum proprium” manifestamente abusivo.
XXXI - Abuso de direito em que incorre a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. em função das posições anteriormente assumidas e constantes dos FACTOS PROVADOS;
XXXII - Sendo que, tal facto criou nos intervenientes uma expectativa e confiança que merecem tutela jurídica, não podendo por isso posteriormente aquela descartar a sua responsabilidade no âmbito do aludido contrato de seguro.
XXXIII - Em suma, a decisão recorrida não merece qualquer apontamento ou censura que legitime o recurso apresentado, devendo manter-se.
CAUTELARMENTE;
XXXIV - Ainda que, por algum fundamento venha a ser julgado procedente o presente recurso, no sentido de ver excluída a transferência de responsabilidade para a R./recorrente A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., sempre deverão ser apreciadas, nesta sede, as demais questões invocadas pela aqui chamada MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA., mesmo que a título de um eventual recurso subordinado, nos termos dos art.ºs 633.º n.º 2 e 671.º e ss. do CPCivil, no sentido da exclusão da qualquer responsabilidade que se lhe pretendesse assacar;
XXXV - Nomeadamente da responsabilidade do detentor, a chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, seja ainda enquanto utilizadora do veículo, seja enquanto oficina.
XXXVI - Por último, acresce ainda que, tratando-se a aqui chamada MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA. de uma Massa Insolvente, conforme resulta do despacho proferido em 08.03.20219, a intervenção da aqui Massa Insolvente apenas se foi admitida “com vista a assegurar a legitimidade do Fundo de Garantia Automóvel”, pelo que, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada, porquanto nada contratou ou sequer teve intervenção;
XXXVII - Devendo, ainda e sempre, manter-se a decisão de absolvição da aqui chamada MASSA INSOLVENTE DE A..., LDA. nos presentes autos.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso interposto e na subsidiária ampliação do mesmo
Mercê do exposto, do recurso de apelação interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) e da subsidiária ampliação do seu objecto pedida pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem: 1.ª- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque . impunha que se desse como demonstrado o facto não provado alegado no artigo 9.º, primeira parte, da contestação da Ré («O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago»).
Subsidiariamente (para o caso de êxito/procedência da impugnação de facto da Ré) . não permitia que se desse singelamente como demonstrado o facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea i) («Concluída a marcha à ré, o Autor, porque do lado esquerdo do autocarro de matrícula ..-..-DR havia menos espaço do que do lado direito, devido a outros autocarros que se encontravam estacionados à esquerda daquele primeiro, iniciou o percurso a pé, de regresso à oficina, pelo lado direito do dito autocarro, pelo espaço existente entre ele e outros autocarros que também se encontravam estacionados à respectiva direita»), impondo-se uma nova redacção, por subtração da expressão «porque do lado esquerdo do autocarro de matrícula ..-..-DR havia menos espaço do que do lado direito» (ficando então a ler-se na referida alínea i) «Concluída a marcha à ré, o Autor, existindo outro autocarro estacionado do lado esquerdo do autocarro de matrícula ..-..-DR, iniciou o percurso a pé, de regresso à oficina, pelo lado direito deste último, pelo espaço existente entre ele e outros autocarros que também se encontravam estacionados à respectiva direita») ? 2.ª- Fez o Tribunal a quo uma erradainterpretação e aplicação do Direito, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita, mas também de forma independente dela)
. reduzindo-se os montantes indemnizatórios arbitrados a título de perda de capacidade futura de ganho (nomeadamente, dos € 70.000,00 concedidos para a quantia de € 15.000,00) e a título de danos não patrimoniais (dos € 100.000,00 concedidos para a quantia de € 40.000,00), e não indemnizando novamente os danos patrimoniais sofridospelo Autor (decorrentes do acidente aqui em causa) por já o terem sido no processo de acidente de trabalho relativo aos mesmos factos? Subsidiariamente (para o caso de êxito/procedência da impugnação de facto da Ré) . repartindo-se em partes iguais a responsabilidade pela ocorrência do acidente entre o Autor (AA) - enquanto peão - e o 2.º Interveniente Principal (BB) - enquanto condutor do autocarro atropelante ?
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2.2.2. Questões excluídas da apreciação deste Tribunal ad quem 2.2.2.1. Recurso de apelação da Ré
Lido o recurso de apelação interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), teria a mesma aparentemente vindo impugnar a totalidade dos factos resultantes da sua contestação que se quedaram indemonstrados, conforme parece resultar da conclusão 2.ª das suas alegações de recurso («Importa analisar os Factos Não Provados da Contestação da R. A...: artigos 2º, quanto à propriedade do DR e quanto à falta de pagamento, 4º e 9º, primeira parte»), e terá nomeadamente sido entendido pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), face à conclusão 4.ª das suas alegações de recurso («Pugna, assim, e em sede de modificação da decisão proferida quanto à matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos vertidos nos artigos 2º, 4º e 9º da contestação da A...»).
Contudo, lidas atentamente às alegações de recurso da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), bem como as respectivas conclusões, verifica-se que, de facto, a mesma impugnou apenas a matéria (tida pelo Tribunal a quo como indemonstrada) vertida no artigo 9.º, primeira parte, da sua contestação, relativa à falta de pagamento do prémio mensal de seguro vencido em 30 de Abril de 2015(«O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago»).
Precisa-se ainda, e tal como o fez o Tribunal a quo, que sempre se teria que desconsiderar a parte remanescente desta sua concreta alegação («pelo que operou a resolução automática nessa data, deixando o contrato de seguro de produzir todo e qualquer efeito»), uma vez que consubstancia mero juízo conclusivo e de direito.
Com efeito, é apodíctico que a fundamentação de facto se deve cingir à matéria de facto. Ora, e apesar de não existir no actual CPC, de 2013, uma disposição idêntica ao art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC, de 1961 (onde se afirmava que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito» [4]), entende-se hoje, tal como então, que há que distinguir na decisão de facto entre facto, direito e conclusão: pretende-se que a decisão de facto contenha apenas o facto simples;e dela sejam excluídos, quer conceitos de direito (salvo os que transitaram para a linguagem corrente, por assimilação pelo cidadão comum, uma vez que correspondem a um facto concreto, e desde que não constituem eles próprios o thema decidendu), quer conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas [5].
Concluindo, e tal como referido supra, a impugnação de facto realizada pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) no recurso de apelação por si interposto cinge-se aqui ao artigo 9.º, primeira parte, da sua contestação, a saber: «O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago».
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2.2.2.2. Ampliação (subsidiária) do objecto do recurso pedida pela 1.ª Interveniente Principal
Veio a 1.ª Interveniente Principal(T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) pedir, na ampliação subsidiária do objecto do recurso interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), que se aditasse à alínea m) dos factos provados o conhecimento de que o Autor teria do ângulo morto do autocarro atropelante («O retrovisor do lado direito do autocarro de matrícula ..-..-DR não permite visualizar, para quem está sentado no lugar do condutor, toda a lateral direita do veículo, designadamente, não permite visualizar a roda direita e a área à sua volta»); e que se aditasse aquele elenco de factos um novo, relativo ao conhecimento que o Autor teria que o veículo atropelante só poderia retomar a sua marcha para a direita («O Autor sabia que o autocarro de matrícula ..-..-DR só podia sair do local onde se encontrava para a sua direita, devido à existência de um outro autocarro estacionado à sua esquerda»).
Contudo, e tratando-se de factos essenciais - já que é neles que a 1.ª Interveniente Principal(T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) pretende radicar a culpa do Autor na produção do acidente em causa nos autos, em proporção de metade -, não foram os mesmos oportunamente alegados (isto é, quer por ela própria, quer pelas suas partes iniciais, quer por qualquer um dos outros Intervenientes Principais) [6].
Ora, só perante esta prévia e necessária alegação (conforme art. 5.º, do CPC) - que ela própria, aliás, nunca refere, ou identifica - se poderia fundar a prova por si eleita para alegadamente os demonstrar (por presunções judiciais, por declarações do Autor e por testemunhas); e, não sendo esse o caso dos autos, não poderá a sua impugnação da matéria de facto, nesta concreta parte, ser aqui considerada.
Concluindo, e tal como referido supra, a impugnação de facto realizada pela 1.ª Interveniente Principal(T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), na subsidiária ampliação do objecto do recurso interposto, cinge-se aqui à alínea i)dos factos provados («Concluída a marcha à ré, o Autor, porque do lado esquerdo do autocarro de matrícula ..-..-DR havia menos espaço do que do lado direito, devido a outros autocarros que se encontravam estacionados à esquerda daquele primeiro, iniciou o percurso a pé, de regresso à oficina, pelo lado direito do dito autocarro, pelo espaço existente entre ele e outros autocarros que também se encontravam estacionados à respectiva direita»), nomeadamente à pretendida subtração da mesma da expressão «porque do lado esquerdo do autocarro de matrícula ..-..-DR havia menos espaço do que do lado direito».
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância 3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui pontualmente desdobrados - quanto às alíneas ggg) e ppp), duplicando-se as mesmas, sendo a segunda de cada uma delas identificada com uma acrescida «’» - e completados, face ao teor de documentos neles próprios já referidos, juntos aos autos e não impugnados e/ou arguidos de falsos):
a) No dia 21 de Maio de 2015, pelas 10.15 horas, AA (aqui Autor) encontrava-se a exercer sua actividade profissional de pintor de automóveis, sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, Auto Viação C..., Limitada, na sua oficina de reparações sita no Campo ..., nesta cidade ..., mais concretamente na Avenida ..., ....
b) Auto Viação C..., Limitada dedica-se ao transporte rodoviário de passageiros.
c) No dia e hora referidos, o autocarro com a matrícula ..-..-DR encontrava-se imobilizado no espaço descoberto que fica adjacente àquela garagem e oficina - sensivelmente a meio do mesmo, que tem o comprimento de cerca de 80/85 metros e a largura de cerca de 50/55 metros -, o qual, como logradouro que é daquele edifício, serve de local de aparcamento de viaturas de empresas de camionagem, quando autorizado pela referida Auto Viação C..., Limitada, e cujo acesso pelo público em geral se encontra proibido.
d) No dia e hora referidos estavam aparcados nesse local vários autocarros, sendo que o espaço para manobrar um qualquer autocarro era exíguo, obrigando qualquer condutor a efectuar curtas mudanças de direcção e de sentidos de marcha.
e) Ao volante do referido autocarro com a matrícula ..-..-DR encontrava-se BB (aqui 2.º Interveniente Principal), mecânico, trabalhador de Auto Viação C..., Limitada, que, no momento, se encontrava dentro do seu horário de trabalho a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização daquela Sociedade e por conta da mesma, preparando o veículo para a inspecção periódica obrigatória.
f) O autocarro com a matrícula ..-..-DR é um veículo automóvel pesado de transporte de passageiros, de marca ..., com capacidade para transportar 52 passageiros.
g) Pretendendo manobrar o autocarro com a matrícula ..-..-DR, e porque pretendia efectuar marcha à ré sem embater no autocarro estacionado no mesmo local, atrás daquele primeiro, o 2.º Interveniente Principal (BB) chamou o Autor (AA), que se encontrava na oficina a trabalhar, para o auxiliar na manobra de marcha à ré e de forma a não colidir com o autocarro que se encontrava estacionado atrás do de matrícula ..-..-DR.
h) De seguida, o Autor (AA) dirigiu-se para junto da retaguarda do autocarro com a matrícula ..-..-DR e ajudou o condutor, o 2.º Interveniente Principal (BB), a concretizar a manobra de marcha atrás, mediante sinalização que efectuava com os membros superiores.
i) Concluída a marcha à ré, o Autor (AA), porque do lado esquerdo do autocarro com a matrícula ..-..-DR havia menos espaço do que do lado direito, devido a outros autocarros que se encontravam estacionados à esquerda daquele primeiro, iniciou o percurso a pé, de regresso à oficina, pelo lado direito do dito autocarro, pelo espaço existente entre ele e outros autocarros que também se encontravam estacionados à respectiva direita.
j) Quando o Autor (AA) se encontrava a percorrer o percurso de regresso à oficina e no momento em que se encontrava junto ao rodado dianteiro direito do autocarro com a matrícula ..-..-DR, o 2.º Interveniente Principal (BB) iniciou a sua marcha em diante, com a direcção deste ligeiramente virada para o lado direito.
k) O autocarro com a matrícula ..-..-DR embateu no corpo do Autor (AA), meio metro depois de iniciar a marcha, fazendo-o cair e, com esse rodado, esmagando-lhe a perna e o pé esquerdos.
l) O retrovisor do lado direito do autocarro com a matrícula ..-..-DR não permite visualizar, para quem está sentado no lugar do condutor, toda a lateral direita do veículo, designadamente, não permite visualizar a roda direita e a área à sua volta (ângulo morto).
m) O 2.º Interveniente Principal (BB) tinha conhecimento do facto referido na alínea anterior.
n) Em consequência do embate supra descrito, o Autor (AA) sofreu: (i) fractura exposta de grau Gustillo III/C dos ossos da perna esquerda; (ii) fractura luxação do acetábulo direito; (iii) fractura luxação do tornozelo esquerdo; (iv) luxação de Lisfranc no pé esquerdo; (v) e fractura dos colos M2 e M3;
o) Após o embate, o Autor (AA) foi transportado de ambulância, de imediato, para o serviço de urgência da Unidade Local de Saúde ... (Unidade Local de Saúde ...), onde ficou internado.
p) O Autor (AA) foi transferido, no dia seguinte, para o serviço de cirurgia vascular do Hospital ..., por suspeita de lesão vascular.
q) Neste hospital, o Autor (AA) foi submetido a intervenção cirúrgica, tendo efectuado limpeza, desbridamento, osteotaxia com fixador externo dos ossos da perna, osteossíntese do maléolo tibial esquerdo e redução aberta e fixação percutânea da luxação de Lisfranc.
r) Nessa data, o Autor (AA) já apresentava «área de necrose curtana do joelho esq. da pele e músculos do compartimento anterior da perna e ainda cianose do dorso do pé com áreas de necrose».
s) O Autor (AA) foi transferido em 22.05.2015 para a Unidade Local de Saúde ... para internamento no serviço de ortopedia.
t) Aí o estado o Autor (AA) «evoluiu de forma desfavorável, com necrose do pé e compartilhamento anterior da perna».
u) Em 08.06.2015, por o Autor (AA) apresentar sinais de isquemia, foi submetido a amputação transtibial da perna esquerda, a 25 centímetros da interlinha do joelho, com enxerto de pele fina em soluções de continuidade da coxa e coto e tracção esquelética do MID durante quatro semanas.
v) Em 17.07.2015, o Autor (AA) foi encaminhado para uma unidade de cuidados continuados (UCC).
w) Durante o internamento neste serviço, o Autor (AA) sofreu incontinência urinária, tendo sido seguido em consulta de urologia.
x) O Autor (AA) teve necessidade de suporte psiquiátrico e farmacológico durante a fase de adaptação pós-traumática.
y) Foi efectuada ao Autor (AA) a reabilitação com boa evolução clínica.
z) O Autor (AA) foi encaminhado, por Medicina Física e Reabilitação, para colocação de prótese.
aa) O Autor (AA) teve alta do serviço de unidade de convalescença de ... em 21.07.2015, com orientação para continuidade de reabilitação.
bb) Nesta data, o Autor (AA) podia caminhar com carga parcial e apoio de canadianas.
cc) Após internamento neste serviço, o Autor (AA) foi transferido para a unidade de convalescença de ....
dd) No dia 20.07.2015, este departamento clínico da Unidade Local de Saúde ... traçou o seguinte plano de reabilitação do Autor (AA): (i) massagem do coto com moldagem do mesmo; (ii) mobilização articular passiva do joelho e anca esquerda; (iii) reforço muscular do MS, nadegueiros e extensores e flexores da anca e joelho; (iv) treino de equilíbrio e marcha unipodal nas barras; (v) treino de transferências; (vi) terapia ocupacional: treino de AVD’s.
ee) Na unidade de convalescença de ... (...) o Autor (AA) deu entrada em 21.07.2015 para continuar com fisioterapia, com a qual apresentou melhoria clínica.
ff) Nesta data, o Autor (AA) tomava a seguinte medicação: (i) Amlodipina + Valsartan 5/160mg (1+0+0); (ii) Pravastatina 20mg (0+0+1); (iii) Mirtazapina 15 (0+0+1); (iv) Pantoprazol 20 mg (1+0+0); (v) Gabapentina 300mg (0+0+1); (vi) Tramadol 50mg (1+1+0); (vii) Diclofenac 50mg (1+1+1); (viii) Paracetamol 1g (1cp de 5/8h em SOS).
gg) Nesta data, o Autor (AA) foi avaliado clinicamente nos seguintes termos: “Refere dor fantasma, de grau 3/5 segundo escala de faces, que surge repentinamente, mas com boa tolerância com a terapêutica instituída. Apresenta coto de amputação com boa evolução cicatricial. Apresenta na extremidade interna um ponto de sutura exteriorizado. Sutura cicatrizada, contudo apresenta pequena solução continuidade junto a sutura no terço medial com tecido de epitelização. Apresenta excerto de pele no membro amputado, região receptora apresenta pequena porção com tecido de epitelização e região dadora com diâmetro de cerca de 2cm apresenta tecido de granulação viável. Em todas as feridas tem indicação para se realizar tratamento com gaze gorda de compressas com betadine, sendo que o coto e região receptora realiza tratamento de 3/3 dias e região dadora de 7/7 dias. Apresenta equilíbrio na posição sentando sem alterações. Assume bipedismo com recurso aos membros superiores. Assim que se levanta encontra-se estável desde que com apoio bilateral ou andarilho e supervisão. Quando se senta realiza um movimento brusco. Tinetti para a marcha apresenta um score de 6. Realiza marcha com andarilho com necessidade de supervisão e pontualmente de apoio humano. Inicia marcha com hesitação, por vezes o pé direito arrasta no chão. Deambula por uma distância de cerca de 20 metros. Para deslocações usa cadeira de rodas. Assim apresenta um score de 3 na escala de Tinetti para a valoração da marcha. Usa fralda de protecção por incontinência urinária após ter sido desalgaliado. Tem agendada consulta de urologia. Apresenta autocuidados vestir e despir abaixo da cintura, transferir e uso de sanitário comprometidos. Carece de assistência moderada e reduzida. Independente no alimentar-se e em cadeira de rodas. Assim sendo, a sua autonomia traduz-se nas seguintes escalas: Barthel: 60, MIF: 81, Ktaz: F. (…) Mantém queixas ocasionais no MIE na porção amputada com queixas de parestesias que reverte espontaneamente, no momento desta avaliação, sem outras queixas no membro inferior esquerdo; cumpre medicação instituída. Apresenta queixas álgicas no MID anca e bacia com dor residual em repouso que agrava à mobilização e carga até 4/5 segundo o doente no momento desta avaliação. Mantém cuidados de penso na face interior do coto de amputação, evolução lenta, mas favorável, mantém forma rectangular, apresenta tecido Hipergranulado, com exsudado seroso em quantidade reduzida, realizou tratamento com gaze gorda e compressas com betadine 08/09, renova penso de 3 em 3 dias ou sos. No dia 06/06, durante uma transferência autónoma para a cadeira de rodas fez ferida no coto (na parte mediana), apresenta tecido de granulação, formato redondo, cerca de 2cm de diâmetro. Realiza tratamento conforme supracitado. Está com compressas e rede tubular uma vez que os adesivos maceram a pele do coto provocando anteriormente pequenas lesões. Suspensa moldagem do coto de amputação por hipovascularização com interferência na evolução da ferida. Assume a posição bípede com recurso aos membros superiores, única tentativa de levante; assim que se ergue encontra-se estável com suporte; estável de olhos fechados com suporte, mantém-se instável quando aplicadas forças externas e girando 360º; sentando recorre aos membros superiores e tem um movimento suave. Mantém um score de 8 na escala de Tinetti para o Equilíbrio. Mantém treino de marcha no ginásio por indicação de Fisiatria devido a achatamento acetabular da anca direita. Mantém, pela escala Tinetti, score 3. Mantém-se autónomo em cadeira de rodas no Serviço. Mantém reforço muscular dos MS’s com push up’s + Teraband para o MID que cumpre conforme tolerância. Mantém risco de queda, score 50 na escala de Morse, mantém medidas preventivas, cumpre indicações. Quanto à satisfação dos autocuidados, mantém-se autónomo para se alimentar (refeição é providenciada), continente de esfíncteres e autónomo no uso do sanitário, realiza transferências sob supervisão, autónomo para se vestir/despir mantendo necessidade esporádica para acabamentos e supervisão para o banho. Assim sendo a sua autonomia traduz-se nas seguintes escalas: Barthel: 80%, MIF:116, Katz: B. Refere sono contínuo e restaurador. Transito intestinal regularizado”;
hh) Nesta unidade, o Autor (AA) foi submetido a tratamento com objectivos analgésico, anti-inflamatório, miorrelaxante, reeducação funcional, fortalecimento muscular global, treino de equilíbrio e marcha com evolução favorável.
ii) Em 08.09.2015, o Autor (AA) tinha dor na coxa direita, em carga, apresentava boa evolução do coto, com boa evolução da FM e amplitude (sem contracturas musculares), boa evolução das cicatrizes, tinha eventuais dores fantasma no membro inferior esquerdo, lograva posição ortostática com recurso a apoio externo e deslocava-se autonomamente em cadeira de rodas.
jj) O Autor (AA) teve alta da unidade de convalescença de ... em 09.10.2015, tendo sido transferido para a unidade de cuidados continuados de ..., onde permaneceu até 07.12.2015.
kk) Em 12.10.2015, o Autor (AA) foi submetido a cirurgia na Unidade Local de Saúde ... durante a qual foi aplicada prótese total da anca direita por fractura do acetábulo com luxação póstero-lateral da cabeça do fémur e cerclage justaprotésica.
ll) o Autor (AA) teve alta em 16.10.2015 após um internamento sem intercorrências, com cadeira de rodas, sendo novamente transferido para a unidade de cuidados continuados de ....
mm) O Autor (AA) foi seguido em consultas externas de fisiatria da Unidade Local de Saúde ..., sendo que recebeu em 06.07.2016 a primeira prótese transtibial, tendo sido necessário realizar treino pós-protésico devido a mau padrão de marcha difícil de corrigir.
nn) O Autor (AA) foi acompanhado neste serviço de consultas até 18.01.2017, tendo, nesse dia sido prescrito novo encaixe rígido.
oo) O Autor (AA) apresenta as seguintes sequelas: (i) no membro inferior direito: cicatriz de características cirúrgicas, linear, vertical, rosada, não hipertrófica e não aderente aos planos profundos, ao nível da anca, com 9 centímetros; sem referência a queixas subjectivas ao toque; a anca apresenta limitação ligeira nas rotações (30º para a rotação interna e 35º para a rotação externa), estando as restantes mobilidades dentro dos parâmetros da normalidade; referência a queixas álgicas nos graus máximos de amplitude para a abdução, flexão e rotações; (ii) no membro inferior esquerdo: amputação da perna a 25 centímetros da interlinha do joelho, com coto bem almofadado; cicatriz rectangular, rosada, não hipertrófica, nem aderente aos planos profundos, no terço médio da face anterior da coxa, com 10 centímetros por 4,5 centímetros de maiores dimensões (referido como local dador de enxerto); complexo cicatricial, rosado, não hipertrófico e não aderente aos planos profundos, no terço inferior da face anterior da coxa, com 15 centímetros por 11 centímetros de maiores dimensões; complexo cicatricial, ligeiramente hipertrófico, no terço superior da face anterior da perna, com 20 centímetros por 10 centímetros, sobre este complexo assenta uma tumefacção dura ao toque, com 4 centímetros de diâmetro; unicamente refere queixas subjectivas (por diminuição de sensibilidade) no último complexo cicatricial, o qual forma parte do coto de amputação anteriormente descrita; joelho com mobilidades dentro dos parâmetros da normalidade.
pp) As sequelas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual do Autor (AA) (pintor de automóveis), bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, podendo realizar actividades para as quais possa permanecer sentado ou em pé, por curtos períodos de tempo.
qq) As lesões sofridas pelo Autor (AA) determinaram-lhe:
• Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 201 dias;
• Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 371 dias;
• Um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 572 dias;
• Um quantum doloris fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7;
• Um Dano Estético Permanente fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
• Uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
• Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 36 pontos.
rr) O Autor (AA) obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 12.12.2016.
ss) O Autor (AA) passou a depender de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, nomeadamente, consultas de medicina física e reabilitação, e os tratamentos prescritos pelos respectivos médicos especialistas, incluindo cirurgias e tratamentos de fisioterapia.
tt) O Autor (AA) passou a depender de ajudas técnicas, através do recurso à tecnologia, para prevenir, compensar, atenuar e neutralizar o dano pessoal nas actividades diárias, nomeadamente, do uso de ortótese na perna esquerda, do uso de uma canadiana e de uma prótese na anca direita, que deverão ser renovadas periodicamente, conforme o normal uso e desgaste.
uu) O Autor (AA) deverá ser sujeito a nova cirurgia para substituição da prótese da anca, atendendo ao período de duração média deste tipo de material que se cifra nos 15 anos.
vv) O Autor (AA) passou a depender da adaptação do domicílio, do local de trabalho ou do veículo, nomeadamente, do uso de um banco a colocar no prato do duche para tomar banho sentado.
ww) O Autor (AA), em consequência do acidente e das lesões e sequelas com que ficou a padecer, sente-se desgostoso, triste, frustrado e deprimido.
xx) Com a prótese colocada e com a ajuda da canadiana, o Autor (AA) consegue caminhar no máximo cerca de 40 minutos, devido às dores e incómodo que sente, sendo que, quando chega a casa, retira a prótese e desloca-se aí de cadeira de rodas.
yy) Antes do acidente, o Autor (AA) fazia caminhadas frequentemente e sem limitações, desfrutando do ar livre.
zz) Antes do acidente, o Autor (AA) ia à praia; e, agora, sente-se inibido e deixou de ir à praia.
aaa) O Autor (AA) vive em apartamento, no ... andar, com elevador, necessitando de transpor sete degraus, até à porta de entrada do prédio.
bbb) O Autor (AA) nasceu no dia .../.../1949, conforme se retira da certidão da sentença proferida no âmbito do processo que, com o número 3001/15...., correu termos no Juízo do Trabalho ..., junta aos autos de fls. 233 a 238 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
ccc) À data do acidente, o Autor (AA) encontrava-se reformado da sua actividade profissional de pintor de automóveis, por velhice, através da Segurança Social.
ddd) Todavia, o Autor (AA) continuava a laborar ao serviço da sua entidade patronal, no exercício da sua actividade habitual de pintor de automóveis.
eee) À data do acidente, o Autor (AA) auferia a retribuição anual de € 10.077,29, correspondente ao salário mensal de € 604,00 x 14 meses + € 60,45 de subsídio de almoço x 11 meses + € 80,81 de diuturnidades x 14 meses.
fff) O Autor (AA) despendeu, em consequência do embate com o autocarro de matrícula ..-..-DR, das lesões e sequelas que sofreu e de que ficou a padecer, em consultas e tratamentos, € 18,00 em consultas no Centro de Saúde, € 506,02 em produtos ortopédicos, € 715,00 na substituição dos óculos que usava no dia do evento e que se partiram, € 912,45 ao Centro Paroquial de Promoção Social e Cultural de ..., € 514,29 à Santa Casa da Misericórdia ... e € 280, 35 ao Hospital ... e à Unidade Local de Saúde ..., num valor global de € 2.946,11.
ggg) Mercê dos factos aqui em causa, correu termos um processo de acidente de trabalho, sob o número 3001/15...., pelo Juízo do Trabalho ..., vindo a ser proferida sentença em 31 de Dezembro de 2018, transitada em julgado em Fevereiro de 2019, cuja cópia foi junta aos autos de fls. 233 a 238, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê: «(…)
II - Factos apurados
Resultaram provados os seguintes factos: (…) 6. O A. despendeu a quantia de Euros 20,00 em deslocações da sua residência sita em ..., ao Tribunal e ao Instituto de Medicina Legal. 7. O A., em resultado dos factos referidos em 1º, despendeu as quantias de: - Euros 18,00 em consultas no Centro de Saúde; - Euros 30,00 em produtos ortopédicos; - Euros 912,45 no Centro Paroquial de Promoção Social e Cultural de ...; - Euros 514,29 na Santa Casa da Misericórdia ...; - Euros 39,10 no Hospital ...; - Euros 91,65 no Hospital ...; - Euros 476,02 em ortopedia ...; - Euros 715,00 em óculos. 8. O A. auferia a retribuição anual de Euros10.077,29 (salário mensal de Euros 604,00 x 14 meses + Euros 60,45 x 11 meses + Euros 80,81 x 14). (…)
III - Direito (…) Resulta da factualidade provada que o Autor auferia anualmente Euros 10.077,29/ilíquido. Ora, tendo em atenção que o A. é portador de uma incapacidade total para o exercício da sua profissão habitual e de uma IPP de 99,00% para as restantes profissões e que se encontra clinicamente curado desde 12 de Dezembro de 2016, o valor da pensão a que tem direito é de Euros 7.033,95 [(10.077,29 x 50% = 5.038,65) (10.077,29 x 70% = 7.054,10) (7.054,10 – 5.038,65 = 2.015,45 x 99,00% = 1.995,30 + 5.038,65)], com início no dia seguinte ao da alta. Tem ainda o A. direito a ser indemnizado pelas incapacidades temporárias, no montante de Euros 11.321,71 [(ITA 571 dias) (10.077,29 x 70% : 365 x 365 = 7.55,45) + (10.077,29 x 75% : 365 x 365 x 206 dias = 4.266,26)]. Tem ainda direito ao montante de Euros 2.796,51 a título de despesas com consultas médicas, produtos ortopédicos e óculos que viu destruídos em resultado do acidente. Mais tem direito ao montante de Euros 20,00 a título de despesas com deslocações ao tribunal. Tem ainda direito à ortótese da perna direita e às canadianas. (…)
IV -Decisão
Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide:
1 - Condenar a ré “ Auto Viação C..., Limitada” a pagar ao autor as seguintes prestações reparatórias: 1.1 - a pensão anual e vitalícia de Euros 7.033,95, com início em 12 de Dezembro de 2016, sendo actualizada em 2017 para o valor de Euros 7.069,12 e em 2018 para o valor de Euros 7.070,92; 1.2 - a título de subsídio de elevada incapacidade, o valor de Euros 5.517,10; 1.3. - a título de incapacidade temporária absoluta, o valor de Euros 11.321,71; 1.4 - a título de despesas com consultas médicas, produtos ortopédicos e óculos que viu destruídos em resultado do acidente, o valor de Euros 2.796,51; 1.5 - a título de despesas com deslocações ao tribunal e ao GML., o valor de Euros 20,00; 1.6 - aos juros de mora contados à taxa civil legal em vigor sobre: - a pensão anual e vitalícia nos termos do artigo 72º do RRATDP; - o montante do subsídio de elevada incapacidade desde a data da alta até à entrega efectiva deste; - o montante das despesas com consultas médicas, produtos ortopédicos, óculos e deslocações desde a data da citação até à entrega efectiva deste; 2 - Condenar a ré “Auto Viação C..., Limitada” a fornecer ao autor: 2.1 - ortótese da perna direita; 2.2 - canadianas; 3 - Mais decide absolver a ré “A... - Companhia de Seguros, SA” de todos os pedidos contra si formulados, por improcedentes e não provados. (…)» ggg’) Na sequência da decisão proferida no âmbito do processo de acidente de trabalho referido no facto anterior, o Autor (AA), até 27.05.2021, e no âmbito das execuções que se seguiram à referida decisão, recebeu a quantia de € 63.755,77 (sessenta e três mil, setecentos e cinquenta e cinco euros, e setenta e sete cêntimos), relativa a tudo quanto já se encontrava discriminado na dita sentença e às pensões anuais dos anos de 2019 e 2020, devidamente actualizadas.
hhh) Em 21 de Maio de 2015, a aquisição do direito de propriedade incidente sobre o autocarro com a matrícula ..-..-DR encontrava-se registada a favor de Auto-Viação ..., Limitada (aqui 3.ª Interveniente Principal, como respectiva Massa Falida).
iii) Em data que não se logrou apurar, A... - Companhia de Seguros, S.A. (aqui Ré) (então Ap... - Companhia de Seguros, S.A.) e T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada (aqui 1.ª Interveniente Principal) celebraram um contrato de seguro de frota, titulado pela apólice nº ...72.
jjj) A 21 de Maio de 2015, encontrava-se emitida a carta verde relativamente ao veículo automóvel pesado de passageiros com a matrícula ..-..-DR e à apólice nº ...72 (seguro de frota), válida para o período de 30.04.2015 a 30.08.2015, e nela figurando como tomador do seguro a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), conforme cópia que se encontra junta aos autos a fls. 128, rosto e verso, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Recibo de Prémio de Seguro Automóvel (…)»
kkk) O autocarro com a matrícula ..-..-DR foi incluído no seguro a que se refere a apólice supra-referida no dia 29.01.2015.
lll) A carta verde supra-referida foi entregue à tomadora, 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), pela mediadora da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), G..., Limitada, pela mão de DD.
mmm) O prémio relativo à supra-referida apólice de frota n.º ...72 ascendia, em Abril de 2015, ao montante de € 2.973,93 e era de pagamento mensal.
nnn) A tomadora do referido seguro, a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), pagava os prémios do seguro à mediadora da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), G..., Limitada.
ooo) O autocarro com a matrícula ..-..-DR era utilizado pontualmente pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) para a sua actividade.
ppp) A 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) recebeu a missiva datada de 13 de Março de 2015, enviada pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) cuja cópia consta de fls. 103, verso, dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Estimado/a Cliente: Muito obrigado pela sua preferência. Informamos que se encontra a pagamento o recibo da apólice acima referenciada. Agradecemos que proceda à liquidação do valor a pagar através de uma das modalidades indicadas no verso. (…) Data de Vencimento: 30-04-2015 Data de Caducidade/Resolução do Contrato: 30-04-2015 Período do Recibo: 30-04-2015 a 30-05-2015 (…)» ppp’) A 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) recebeu a missiva datada de 06 de Agosto de 2015, enviada pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), cuja cópia consta de fls. 105 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Na sequência da participação efectuada, informamos que de acordo com os nossos registos o presente contato encontra-se anulado e sem efeito. Desta forma, lamentamos informar que declinamos toda e qualquer responsabilidade no presente caso. (…)»
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3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou como não provados os seguintes factos:
Da petição inicial do Autor (AA): artigos 2.º, segunda parte, artigo 3.º (quanto à propriedade do autocarro com a matrícula ..-..-DR), 6.º, 8.º (quanto à distância concreta), 11.º, 13.º a 15.º, 16.º a 20.º (sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas i) a k)), 41.º a 101.º (sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas n) a aaa)), 114.º-A), e 115.º a 163.º (sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas a) a aaa)).
Da contestação da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.): artigo 2.º («O referido veículo era à data do acidente propriedade de T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada»), quanto à propriedade do autocarro de matrícula ..-..-DR; artigo 4.º («O contrato de seguro em causa iniciou os seus efeitos em 04/02/2005, com a duração de 1 ano, renovável sucessivamente por iguais períodos») e 9.º, primeira parte («O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago»), quanto à falta de pagamento.
Da contestação doRéu (Fundo de Garantia Automóvel): inexistem enunciados a que cumpra responder.
Da contestação da 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada): artigo 34.º, segunda parte («No dia do evento dos autos, e apesar da viatura em causa se encontrar na posse da Interveniente, a mesma não era detentora da sua direcção efectiva, que se manteve com a sua proprietária, que era quem sempre decidia os destinos e a utilização a conferir ao veículo»), artigo 35.º («Não obstante a utilização do veículo pela Interveniente ocorrer apenas de forma pontual, pretendendo acautelar eventuais riscos da circulação do mesmo, aquela optou por incluí-lo no seguro de frota por si contratado») e artigo 70.º («A Interveniente liquidou o prémio respectivo, do contrato de seguro»).
Da contestação do 2.º Interveniente Principal (BB): artigos 4.º (quanto ao retrovisor esquerdo), 6.º, 8.º, 9.º, 10.º (sem prejuízo do que se deu por provado na alínea i)), e 12.º a 21.º (sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas i) a m)).
Da contestação da 3.ª Interveniente Principal (Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada): artigos 60.º a 67.º.
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto 3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal -Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art. 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art. 389.º (para a prova pericial), art. 391.º (para a prova por inspecção) e art. 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º, do CPC citado).
Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º, do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova 3.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
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3.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdiçãoem sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com ageneralidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [7] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causapelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).
De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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3.2.2.3. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
Concretizando, considera-se que, quer a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), no recurso de apelação que interpôs, quer a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), na subsidiária ampliação do seu objecto, cumpriram o ónus de impugnação que lhes estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).
Com efeito, indicaram, no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso: os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados (a Ré, o artigo 9.º, primeira parte, da sua contestação, e a 1.ª Interveniente Principal parte do facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea i)); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação de parte da prova pessoal produzida os autos); as exactas passagens das gravações dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância; e a decisão que, no seu entender, se impunha (o dar-se como demonstrado o artigo 9.º, primeira parte, da contestação da Ré, e o dar-se como não demonstrado o segmento «porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito» do facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea i)).
Já relativamente ao juízo crítico próprio:da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF (seu trabalhador), DD (mediador de seguros) e EE (trabalhador administrativo da entidade patronal do Autor - Auto Viação C..., Limitada - , realizando porém trabalho administrativo a favor da 1.ª Interveniente Principal, por esta ter escritório nas instalações daquela); e da 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), assentou o mesmo na alegada ausência de produção de qualquer prova sobre o facto impugnado.
Recorda-se, a propósito, que os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Ora, no caso dos autos, a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) recorrente fê-lo de forma deficiente, limitando-se grosso modo a reiterar o teor dos depoimentos prestados pelas três testemunhas que elegeu para este efeito, já considerados pelo Tribunal a quo; e a concluir (subjectiva e genericamente) pela sua suficiência para o sucesso da respectiva tese.
Contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Assim, está este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto sindicada pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) e, sendo caso disso, pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada).
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3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto 3.2.1. Falta de pagamento do prémio de seguro mensal
Veio a Recorrente (Ré) defender que a prova produzida impunha que se desse como provado que não ocorreu o pagamento do prémio mensal do contrato de seguro de frota que incluía o autocarro de matrícula ..-..-NR, vencido a 30 de Abril de 2015, a que a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) deveria ter procedido até então (com a consequente e automática, na mesma data, resolução do dito contrato).
Esta matéria encontra-se vertida nos factos não provados enunciados na sentença, resultando do artigo 9.º, primeira parte, da contestação da própria Ré - «O recibo de prémio mensal vencido em 30/04/2015 não foi pago».
Invocou para o efeito uma outra valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF (seu trabalhador), DD (mediador de seguros) e EE (trabalhador administrativo da entidade patronal do Autor - Auto Viação C..., Limitada -, realizando porém trabalho administrativo a favor da 1.ª Interveniente Principal, por esta ter escritório nas instalações daquela).
Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Ré).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes): «(…) A convicção do Tribunal fundamentou-se, primordialmente e relativamente à matéria de facto dada por provada, na conjugação de todos os depoimentos testemunhais, na sua depuração pelas regras da lógica e da experiência, e na conjugação destes com os teores dos documentos supra referidos. (…) A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada nas alíneas iii) a ppp) assentaram na valoração dos documentos juntos aos autos de fls. 102v a 105, 128v a 129v, nos depoimentos das testemunhas FF, funcionário da Ré A... que, quanto a estes factos logrou explicar e relatar, ainda que parcialmente, o que se referia à execução do contrato celebrado entre esta Ré e a Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, ao longo do tempo, DD, mediador da Ré A..., a quem a Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada efectuava os pagamentos dos prémios dos seguros celebrados com aquela seguradora e de quem a Chamada recebia as cartas verdes relativamente aos autocarros segurados, e EE, gestor de recursos humanos na Auto Viação C..., Limitada, prestador de serviços de ordem administrativa na Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada e que admitiu que esta recebeu as missivas que constam de fls. 103v e 105. No que concerne à matéria de facto dada como não provada, a convicção do Tribunal assentou na falta de prova credível e na total ausência de prova. Neste âmbito, cumpre, ainda, referir duas notas. Em primeiro lugar, para referir que produzidos todos os elementos de prova não foi possível afastar a dúvida razoável, quer relativamente à concreta entrega do montante do prémio referido no aviso/recibo de fl. 103v (€ 2.973,93) pela tomadora à seguradora (formulação positiva), quer relativamente à não entrega do montante do prémio referido no aviso/recibo de fl. 103v pela tomadora à seguradora (formulação negativa) – a primeira formulação foi alegada pela Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada; a segunda formulação foi alegada pela Ré A.... Com efeito, e quanto à tomadora, nestes autos Chamada, a prova produzida, neste âmbito, redundou nas declarações do seu representante legal, que afirmou que o prémio foi pago, no depoimento da testemunha EE que afirmou que não sabia se o prémio estava ou não pago, mas que julgava que sim, na circunstância de a Ré A... ter emitido a correspondente Carta Verde com início de vigência coincidente com a data de vencimento do aviso de fl. 103v (30.04.2022), e no depoimento da testemunha DD, mediador da Ré A... e a quem a Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada pagava os prémios e de quem recebia as Cartas Verdes, que afirmou, peremptoriamente, que não entregava Cartas Verdes sem ter os recibos pagos, apesar de não se recordar em concreto do recibo e da Carta Verde em causa, atento o lapso de tempo já decorrido. Quanto à seguradora, nestes autos Ré, a prova produzida, neste âmbito, cingiu-se às impressões (print screens) do sistema interno constante de fls. 102v e 103, ao depoimento da testemunha FF que não se cansou de afirmar, lendo as informações fornecidas pelo sistema informático interno da Ré, que o seguro foi anulado por falta de pagamento do prémio em 07.06.2015, com efeitos retroactivos, de toda a apólice, a ...15, afirmando, igualmente, que o DR voltou a estar segurado a partir de 24.07.2015, mas sem esclarecer em que termos é que tal sucedeu, quem foi o responsável pela inserção dessas informações no sistema, em que data é que constataram a falta de pagamento do prémio ou se foi só em 07.06.2015, ou seja, e nesta parte, sem qualquer conhecimento directo dos factos e, fundamentalmente, sem esclarecer, qual a relação entre a tomadora, a mediadora (G..., Lda.) e a seguradora. Ou seja, da prova produzida – documentos e depoimento referido – não é possível concluir, igualmente, pela não entrega do montante do prémio referido no aviso/recibo de fl. 103v pela tomadora à seguradora. (…) A conjugação dos depoimentos testemunhais supra mencionados com o acervo documental supra referido e com os relatórios periciais produzidos resultou, depois de uma última e inevitável depuração pelas regras da lógica e da experiência, na convicção final do Tribunal. (…)»
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo.
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Com efeito, começando pela prova documental, e conforme resulta dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob as alíneas iii), jjj), kkk) e lll) foi emitida pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), e entregue à 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), como tomadora do seguro respectivo, pelo mediador daquela (DD), a Carta Verde relativa ao autocarro depois atropelante, com um período de vigência de 30.04.2015 a 30.08.2015 (sendo que o acidente em causa nos autos ocorreu em 21.05.2015).
Ora, funcionando nomeadamente a mesma (e tal como do seu próprio teor consta) como recibo de pagamento, e dispondo necessariamente qualquer seguradora de dimensão económica capaz de viabilizar um adequado nível de organização e controlo administrativo do seu negócio[8], justifica-se o entendimento de que a emissão do certificado internacional do seguro automóvel (vulgo carta verde, embora hoje já branca) constitui presunção natural de que foi antecipadamente pago o prémio do seguro a que corresponda [9].
Admitindo a dita presunção (assente no facto base da emissão da carta verde) prova em contrário do facto presumido (de que foi pago o prémio de seguro a que aquela diz respeito), passa, então, a caber à seguradora o ónus respectivo (isto é, de demonstrar que, não obstante a emissão daquele documento, não ocorreu o pagamento do prémio por ele devido), conforme arts. 349.º e 351.º, ambos do CC [10].
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Assente a presunção juris tantum de ter ocorrido o pagamento do prémio de seguro em causa, importa agora considerar se a prova pessoal produzida (nomeadamente, a eleita pela Ré para o efeito) a ilidiu, isto é, demonstrou que a efectiva falta de pagamento do dito prémio.
Ora, se é facto que a testemunha FF (trabalhador da Ré) confirmou que o prémio em causa não foi pago, certo é igualmente que reconheceu que a sua cobrança era feita pelo mediador de seguros (no caso, a testemunha DD), que até 29 de Abril de 2015 foi tudo pago e que ele próprio apenas depôs de acordo com as informações constantes do sistema da Ré, que não foram por si introduzidas no mesmo.
Já a testemunha DD (mediador de seguros da Ré), confirmando que foi ele quem entregou a carta verde em causa à 1.ª Interveniente Principal, manteve que apenas o faria quando o prémio se encontrasse pago, por ser sempre esse o seu procedimento (embora reconhecesse que não se recordava do recibo e da carta verde em causa, atento o lapso de tempo já decorrido).
Por fim, a testemunha EE (que ocasionalmente prestava apoio administrativo à 1.ª Interveniente Principal) confirmou que o pagamento dos prémios era feito através do mediador, que também era quem entregava a carta verde, indispensável para o veículo circular e ir à inspecção; e estar convencido (mas sem certeza) que o pagamento do prémio teria ocorrido, não só mercê da emissão daquele documento, como ainda por não se recordar de qualquer reclamação do mediador por este pagamento se encontrar em atraso.
Dir-se-á que, não obstante todas as testemunhas em causa tenham reconhecido a existência de atraso habituais da 1.ª Interveniente Principal, no pagamento dos prémios de seguro por ela devidos, nenhuma delas atestou, com conhecimento pessoal e directo, ter sido esse o caso do prémio em discussão, resultando inclusivamente dos depoimentos das duas últimas indícios do respectivo pagamento (mercê do comportamento regra de DD, de só entregar a carta verde após o mesmo, e do convencimento de EE, surpreendido com a anulação posterior da apólice).
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Tudo sopesado, dir-se-á que a prova pessoal efectivamente produzida e eleita pela Ré para fundar a sua sindicância, com as insuficiências já apontadas (conhecimento vago dos factos concretos, afirmações imprecisas e hesitantes), nomeadamente aquela que elegeu como base da sua sindicância, não deixou que se quedasse, pelo menos, duvidosa a realidade afirmada no artigo 9.º, primeira parte, da sua contestação, e cujo ónus de demonstração lhe pertencia, sendo que tanto bastava para a improcedência da sua pretensão (conforme art. 346.º, do CC).
Recorda-se, a propósito, que «o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe a prova do facto, como de determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 306).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o ónus da prova comporta necessariamente uma prévia dimensão fáctica (pertinente ao processo interior do julgador, quanto ao convencimento sobre a ocorrência do facto), que impõe que a dúvida sobre a realidade de um facto» se resolva «contra a parte a quem o facto aproveita» (art. 414.º do CPC).
Ora, face ao exposto, não logrou a Ré atingir o standard (suficiência) de prova exigível para a demonstração da falta de pagamento do prémio de seguro em causa [11].
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Recorda-se, por fim, que, mesmo em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 609).
Com este último entendimento se deixa intocado o facto não provado enunciado na sentença recorrida como resultante do artigo 9.º, primeira parte, da contestação da Ré.
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Mostra-se, assim, improcedente o recurso sobre a matéria de facto interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.); e, por isso, mantem-se como não provado o artigo 9.º, primeira parte, da sua contestação.
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3.2.2. Matéria de facto sindicada em sede de ampliação do objecto do recurso - Conhecimento prejudicado
Tendo a 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada) vindo impugnar parte do facto provado vertido na alínea i) da sentença recorrida, pedindo que se eliminasse do mesmo a expressão «porque do lado esquerdo do DR havia menos espaço do que do lado direito», certo é que o fez a título subsidiário, isto é, apenas pretendendo que fosse apreciado em caso de procedência do prévio recurso sobre a matéria de facto interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.).
Ora, não tendo esta tido êxito na sua pretensão (conforme resulta do ponto anterior), ficou prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso por aquela interposto, pedida cautelarmente pela 1.ª Interveniente Principal (T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada), o que aqui se declara, nos termos do art. 608.º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663.º,n.º 2, in fine, e do art. 636.º, n.º 2, todos do CPC.
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Tendo, assim, ficado inalterada a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo, ficou o remanescente objecto do conhecimento deste Tribunal ad quem limitado à concreta medida das indemnizações arbitradas pelo mesmo, no sentido da respectiva redução e simultânea consideração dos valores já recebidos pelo Autor (AA) em sede de processo por acidente de trabalho originado pelos mesmos factos, conforme impetrado pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Danos - Natureza 4.1.1.1. Danos patrimoniais
O dano é a perda in natura que o lesado sofre, em consequência de um certo facto, nos interesses - materiais, espirituais ou morais - que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea (v.g. é a morte ou são os ferimentos causados à vítima; é a perda ou a afectação do seu bom nome ou reputação; são os estragos causados no veículo; as fendas abertas num edifício por uma explosão; a destruição de coisa alheia).
Logo, ao lado do dano real, existe o seu reflexo na situação patrimonial do lesado, falando-se por isso em danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
Lê-se no art. 564.º, n.º 1 do CC que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Logo, nos danos patrimoniais a lei contempla quer os danos emergentes, isto é, a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado, quer os lucros cessantes, isto é, os benefícios que este deixou de obter em consequência da lesão, o acréscimo patrimonial frustrado.
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4.1.1.2. Danos patrimoniais futuros
Lê-se no art. 564.º, n.º 2 do CC que, na «fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis».
Precisa-se, antes de mais, que nestes «danos futuros» tanto se contêm os danos emergentes como os lucros cessantes.
Precisa-se ainda que, tal como resulta expressamente da letra da lei, a indemnização respectiva depende de duas condições cumulativas: a respectiva previsibilidade e determinabilidade [12].
Como exemplo frequente de dano patrimonial futuro encontramos a perda da capacidade de ganho, resultante de dano biológico, entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, aqui por dele decorrer precisamente perda ou diminuição de proventos laborais [13].
Contudo, a jurisprudência vem entendendo que esta perda da capacidade de ganho que se pretende valorar, nem mesmo depende da efectiva perda ou diminuição de remuneração por parte do lesado (v.g. por ser menor, ou se encontrar desempregado, ou não exercer qualquer profissão remunerada), compreendendo antes este dano patrimonial uma ideia de frustração de utilidades futuras e de frustração de expectativas de aquisição de bens [14].
Daí que mesmo que não haja retracção salarial, a incapacidade permanente parcial dá lugar a indemnização pelos danos sofridos, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar (físico e psíquico) para obter o mesmo resultado do trabalho. Ora, é precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de quaisquer funções que impliquem a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Estes lucros cessantes - correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho -, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho.
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4.1.1.3. Danos não patrimoniais
Já os danos não patrimoniais são os não susceptíveis de avaliação pecuniária (numa definição negativa), porque se reportam a valores ou interesses da personalidade física, moral, espiritual ou ideal.
Por outras palavras, danos não patrimoniais «são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» (Ac. do STJ de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RC, de 03.02.2010, Brízida Martins, Processo n.º 276/03.1GBOBR.C1).
Logo, o dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo n.º 5981/12.0TBVCT.G1).
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4.1.1.4. Dano biológico
Conforme já aflorado, o dano corporal «constitui um “tertium genus”, ao lado do dano patrimonial e do dano moral, distinguindo-se o dano biológico e o dano moral subjetivo, assentes na estrutura do facto gerador da diminuição da integridade bio-psíquica, constituindo o dano biológico o evento do facto lesivo da saúde, e o dano moral subjetivo, tal como o dano patrimonial, o dano consequência, em sentido estrito» (Ac. do STJ, de 12.1.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15.6T8GMR.S1).
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais» (Maria da Graça Trigo, «Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Volume VI, Coimbra Editora, 2012, pág. 653).
Logo, o «dano biológico, tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade» (Ac. do STJ, de 12.01.2017, Hélder Roque, Processo n.º 1292/15.6T8GMR.S1).
Quando o dano biológico não determine perda ou diminuição dos proventos profissionais (isto é, a lesão traduz apenas uma afectação da potencialidade física, psíquica ou intelectual da vítima, para além do agravamento natural resultante da idade, mas que não originará no futuro - durante o período activo do lesado ou da sua vida -, e só por si, uma perda da capacidade de ganho),o mesmoserá indemnizável autonomamente em sede de danos não patrimoniais.
Quando, pelo contrário, o dano corporal se repercuta na capacidade de produzir rendimentos (existindo um nexo de causalidade entre a afectação da integridade físico-psíquica e a redução da capacidade laboral), a indemnização a arbitrar deverá ter «como base e fundamento»: «quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas» (Ac. do STJ, de 10.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/2001.G1.S1, com bold apócrifo).
Ora, nesta segunda perspectiva (de repercussão do dano corporal na capacidade de produzir rendimentos), «deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal».
Contudo, esta «outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu “quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha, Processo n.º 1315/14.6TJVNF.G1).
No cálculo da respectiva indemnização podem (outros dirão, devem) ter-se em conta, como instrumentos auxiliares para este efeito, as tabelas financeiras ou as fórmulas matemáticas que veem sendo consideradas na jurisprudência [15].
Contudo, também aqui se entende que esta indemnização não se destina a repor o «status quo ante» (inviável, em casos de danos que atingem a saúde e a integridade física do lesado), mas antes a consubstanciar uma compensação susceptível de minorar ou atenuar os efeitos da lesão sofrida [16].
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4.1.2.Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, atenta a matéria definitivamente assente nos autos, está agora submetido à apreciação deste Tribunal da Relação o concreto montante da indemnização a arbitrar ao Autor, pelas diversas despesas suportadas e perdas salariais registadas, pela perda da futura capacidade de ganho, pelo défice físico-psíquico, pelo sofrimento físico e psicológico e pelo défice estético.
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4.2. Critérios de determinação da indemnização por danos patrimoniais 4.2.1.1. Danos patrimoniais em geral
Lê-se no 562.º, do CC, que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». Logo, haverá que indemnizar o lesado dos danos experimentados e advindos do evento que obriga à reparação, de forma a reconstituir-lhe a situação que existiria se não houvesse ocorrido o facto lesivo.
Assim, e quanto aos danos patrimoniais (susceptíveis de avaliação pecuniária, porque incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado), sendo possível a reposição natural, será por ela que se deverá optar, uma vez que mais cabalmente assegura a reparação devida.
«O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.
Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente. (…)
Note-se que a lei (art. 562º) manda reconstituir, não a situação anterior à lesão, mas a situação (hipotética) que existiria, se não fora o facto determinante da responsabilidade. Aplicando este pensamento à solução da reconstituição natural, dir-se-á, consistindo a lesão na destruição de certos animais (…) ou de certas plantas em viveiro, que a reconstituição se há-de operar tendo em conta a idade (o desenvolvimento e, por consequência, o valor) que os animais ou as plantas teriam, se não tivessem sido destruídos, à data em que a substituição é efectuada» (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, 1991, págs. 903 e 904).
Mas, sendo a reconstituição natural impossível de efectivar, há que lançar mão do que promana da teoria da diferença, contida nos arts. 562.º e 566.º, n.º 2, do CC, segundo a qual a indemnização deve concretizar-se pela diferença entre a situação actual hipotética do património do lesado (no momento em que se efectiva a operação diferencial e a situação real), e a situação em que o seu património se encontraria se a conduta que obriga à reparação não tivesse sido praticada.
Assim, a indemnização operar-se-á mediante a entrega duma quantia em dinheiro, equivalente ao valor em que o património atingido diminuiu em consequência do dano sofrido, sem culpa do demandante.
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4.2.1.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável) 4.2.1.2.1. Despesas suportadas (com consultas, tratamentos, próteses, óculos e transportes)
Concretizando, e tal como decidido pelo Tribunal a quo, quanto às despesas suportadas pelo Autor (AA) com consultas, tratamentos, próteses, óculos e transportes, «existe factualidade que sustenta parcialmente o peticionado (com exclusão do valor de € 20,00 em transportes que corresponde a matéria de facto não provada), pelo que o valor devido é de € 2.946,11. São danos emergentes e, como tal indemnizáveis (cfr. artigo 564º, nº 1, do Código Civil, e alínea fff), do ponto II.1.)».
Precisa-se, porém, que estes mesmíssimos danos foram invocados no processo por acidente de trabalho (nos artigos 35.º a 37.º da respectiva petição inicial, que é fls. 55, verso, a 62, rosto, destes autos), tendo depois sido considerados provados e condenada a entidade patronal do ali e aqui Autor (Auto Viação C..., Limitada) a indemnizá-los, o que a mesma já fez integralmente.
4.2.1.2.2. Perdas salariais registadas
Concretizando, e tal como decidido pelo Tribunal a quo, quanto às perdas salarias suportadas pelo Autor (AA) no período que mediou entre o acidente que sofreu (21 de Maio de 2015) e a sua alta clínica (12 de Dezembro de 2016), «existe factualidade dada por provada que sustenta o peticionado. Atento o que se deu por provado nas alíneas qq) e eee), do ponto II.1., é devido o valor de € 11.037,43».
Precisa-se, porém, que este mesmíssimo dano foi invocado no processo por acidente de trabalho (nos artigos 33.º a 35.º da respectiva petição inicial, que é fls. 55, verso, a 62, rosto, destes autos), tendo depois sido considerado provado e condenada a entidade patronal do ali e aqui Autor (Auto Viação C..., Limitada) a indemnizá-lo, o que a mesma já fez integralmente.
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4.2.2. Danos patrimoniais futuros 4.2.2.1.Rebate patrimonial do dano biológico
Em sede de reparação do dano patrimonial, importa pormenorizar a forma de cálculo pertinente ao dano patrimonial futuro, nomeadamente o pertinente à perda de ganho.
Com efeito, um «os casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado perdeou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral». Entende-se, então, que «a indemnização a pagar ao lesado deve, neste caso, representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganhos» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 580, com bold apócrifo).
Contudo, torna-se necessário proceder ao cálculo de redução do benefício que normalmente advém do facto de se receber de uma só vez o capital correspondente a prestações mensais que se iria recebendo, proteladas no tempo, sabida a remuneração paga hoje por aquele capital (o que se traduziria num enriquecimento injustificado).
Nessas situações, defende-se a atribuição de «uma quantia em dinheiro que produza o rendimento [fixo] mensal mas que, ao mesmo tempo, lhe [ao lesado] não proporcione um enriquecimento injustificado à custa do lesante, isto é, é necessário que, na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída. Conseguir-se-á isso se as prestações mensais - que serão sempre iguais - forem constituídas quer pelos rendimentos produzidos pela quantia atribuída (juros), quer pela sucessiva e progressiva amortização desta. Assim, no início - no ano 1 - a maior parte do montante da prestação será constituída por juros e a menor parte dela pela parcela de amortização; esta aumentará progressivamente na medida em que sucessivamente vai diminuindo a parcela relativa aos juros de tal modo que, no fim do período - no último ano - a realização da prestação esgotará o capital atribuído» (Ac. do STJ, de 02.02.1993, CJSTJ, Ano I, Tomo I, pág. 130) [17].
Para isto, e a acrescer às condicionantes da vida activa - ou da esperança de vida à nascença - da vítima e da maioridade dos filhos (quanto os mesmos reclamem alimentos), haverá ainda que considerar uma outra: a taxa de juro líquida e inalterável que deverá ser tida em conta (normalmente feita coincidir com a taxa de aplicações financeiras de um particular, por exemplo para depósitos a prazo de três a seis meses, ou para aplicações em Fundos de Investimento Mobiliário com baixo grau de risco, compostos, essencialmente, por títulos de Dívida Pública).
Depois, na determinação do capital necessário para, nos termos referidos, produzir as diferentes rendas periódicas utilizou-se inicialmente a seguinte fórmula C = P x [ 1 / t - 1+t / (1+t)^n x t] + P x (1 + t) ^-n
em que .C - Representa o capital (total) a depositar no ano 1 .P - Representa o valor da prestação mensal a pagar ao lesado .t - Representa a taxa de juro mensal considerada .n - Representa o número de meses em que as prestações se manterão
Contudo, a mesma pressupunha que o valor da remuneração mensal perdida se manteria, ao longo de todo o período de tempo a considerar, inalterável. Defende-se, por isso, que importará introduzir naquele cálculo uma taxa do crescimento previsível da prestação no período considerado, sendo preferível adoptar a seguinte fórmula : (proposta como «Anexo III – Método de cálculo do dano patrimonial futuro», na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio - depois actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho -, recorda-se que diploma previsto desde logo no art. 39.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a 5.ª Directiva Automóvel - Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio).
DPF = {[(1 – ((1 + k)/(1 + r))^n)/(r -k)] × (1+r)} × p
em que
. p - Representa o valor das prestações (rendimentos anuais) da vítima . r - Representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, de 5% ao ano .k - Representa a taxa anual de crescimento da prestação, de 2% .n - Representa o número de meses em que as prestações se manterão
A mesma Portaria fornece depois um quadro listagem de factores multiplicativos, que nos dão o resultado do cálculo da fórmula para diferentes horizontes temporais, sempre baseados numa taxa de juro de 5%, e numa taxa de inflação de 2%, que - à data da sua publicação - eram pressupostos razoáveis.
Precisa-se o funcionamento da taxa de desconto - correspondente à taxa de juro que se irá aplicar à indemnização a arbitrar -, para produzir o rendimento pretendido: se a taxa for muito alta, não se torna necessário depositar um capital elevado; mas se a taxa for muito baixa, torna-se necessário depositar muito mais capital, para se vir a obter o rendimento desejado. Portanto, quanto mais baixa for a taxa de desconto, maior será de facto o valor da indemnização a arbitrar.
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Dir-se-á, porém, que os pressupostos referidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, se vieram a encontrardesactualizados: (i) por um lado, a taxa de inflação foi-se mantendo, duradoura e claramente, abaixo do referido valor de 2% (embora no último ano e no presente tenha subido acima dele, e sem que neste momento se possa antecipar - de forma segura - os termos do seu futuro comportamento); e (ii) durante muito tempo tornou-se impossível colocar dinheiro a render, sem risco, a 5% ao ano (conforme é considerado na fórmula de cálculo da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio), funcionando então como termo de comparação mais adequado as Obrigações do Tesouro, que apresentaram rentabilidade que variava entre os 0,7% (a 5 anos) e cerca de 3% (a 30 anos) (o que igualmente se alterou em 2022/2023).
Dir-se-á, ainda, que hoje se encontra estabilizado o entendimento de que a dita Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não é vinculativa para os tribunais, devendo «os valores propostos (…) ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para a quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo», assumindo um carácter instrumental (Ac. do STJ, de 25.02.2009, Raul Borges, Processo n.º 3459/08, com bold apócrifo) [18].
Contesta-se, sobretudo, que se visse ali a imposição aos tribunais de limites máximos coincidentes com os resultantes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, reafirmando-se que o único critério legal a observar, pela instância judicial, é o resultante do Código Civil: entendimento contrário «traduziria um insustentável retrocesso na protecção devida aos lesados, voltando-se a um “miserabilismo” indemnizatório há muito justificadamente derrogado pelos critérios jurisprudenciais dominantes, de modo a afastar decididamente o arbitramento de montantes indemnizatórios irrisórios, desproporcionadamente exíguos perante a gravidade das lesões sofridas» (Ac. do STJ, de 01.07.2010, CJ, Tomo II, pág. 139) [19].
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Compreende-se, assim, que a Jurisprudência tenha vindo a estabelecer de forma autónoma «critérios de apreciação e de cálculo do dano biológico (quer ele se reconduza, no concreto, a um dano patrimonial - quando há perda/diminuição dos rendimentos profissionais -, ou a um dano não patrimonial - quando não ocorra essa perda/diminuição) com o objectivo de reduzir o mais possível a margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e por forma a que haja uma maior uniformidade na sua quantificação» (Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1, com bold apócrifo).
Os ditos critérios são os seguintes: «(i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; (ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; (iii) os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; (iv) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado; (v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora; (vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma» (Ac. do STJ, de 05.07.2007, Nuno Cameira, Processo n.º 07A1734).
Com efeito, defende-se que o «número de anos que importa ter em conta não é o número de anos que falta atingir para a idade da reforma, mas sim para a idade correspondente à esperança média de vida da vítima» (Ac. da RP, de 03.02.2014, Carlos Gil, Processo nº 2138/10.7TBPRD.P1, com bold apócrifo) [20].
Em Portugal, neste momento - e segundo dados publicados pela Pordata -, a esperança média de vida é, com tendência para aumentar: dos homens, de 77,7 anos [21]; e das mulheres, de 83 anos [22].
Por fim, tem-se ainda presente que sempre será «tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório deste dano, já que, tirando a idade das vítimas e a incapacidade que as afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos. Daí que, nos termos do n° 3 do art. 566° do Código Civil, a equidade deverá funcionar “com maior peso” ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos» (Ac. da RC, de 28.05.2013, José Avelino Gonçalves, Processo nº 1721/08.5TBAVR.C1, com bold apócrifo) [23].
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4.2.2.2. Caso concreto (subsunção do Direito aplicável)
Concretizando, e relativamente à determinação do montante de indemnização pela perda de futura capacidade ganho do Autor (AA), verifica-se que o Tribunal a quo considerou que, tomando «como base um rendimento anual do demandante de € 10.077,29 cfr. alínea eee), do ponto II.1.)), ter-se-á que calcular uma indemnização que assuma o tempo provável da sua vida activa, de forma a obter-se um capital produtor desse mesmo rendimento perdido, de tal modo que, no fim dessa vida activa, esse capital se esgote. Calcular-se-á tal perda de rendimento desde 12.12.2016 (consolidação médico-legal), na altura o Autor já contava 67 anos, até 2026 (10 anos). Além do rendimento anual exposto consideraremos uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano, uma taxa inflação de 1% ao ano, uma taxa de 1% para os ganhos de produtividade e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional. Assim, a fórmula a utilizar traduzir-se-á no seguinte enunciado: C = (1+i)n – 1 x P (1+i)n x i Sendo P = a prestação anual = € 10.077,29; C = capital a depositar no primeiro ano; n = anos de expectativa de vida activa (10 anos); i = taxa de juro nominal (actualizada nos 10 anos seguintes) que se obtém com o desenvolvimento da seguinte fórmula: i = (1+r) : (1+K); em que r é a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras e k a taxa anual de crescimento da prestação. Défice permanente da integridade físico-psíquica: 36 pontos (36%). Deste modo, o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho seria, no caso, de € 34.360,23».
Ao fazê-lo, e tal como referido antes, teria aparentemente concretizado os critérios jurisprudenciais vigentes nesta matéria, ao contrário da Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) recorrente, que defende no recurso interposto a redução daquele valor a singelos € 15.000,00, apenas e precisamente por directa aplicação dos critérios contidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (aqui já afastada).
Dir-se-á, porém, que os ditos critérios precisam de maior adequação na sua aplicação ao caso concreto, face às especificidades do mesmo, nomeadamente no que tange à pessoa do Autor (AA).
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Com efeito, e não se confundindo os índices de incapacidade geral permanente com os índices de incapacidade profissional, podem contudo vir a coincidir nos seus resultados práticos (não obstante serem distintos), face às circunstâncias do caso concreto.
Melhor precisando, ficou assente nos autos que, não obstante ter sido atribuído ao Autor (AA) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 36 pontos, as sequelas por ele registadas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual de pintor de automóveis, assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação profissional.
Ora, sendo reconhecida a cada vez maior competitividade do mercado de trabalho (onde são crescentes as exigências de juventude e de diferenciação académica, profissional e tecnológica), discorda-se do Tribunal a quo, quando não considerou no seu cálculo de perda de capacidade futura de ganho um comprometimento definitivo para o Autor (AA) exercer uma outra qualquer profissão. É que, se em abstrato e formalmente parece poder fazê-lo (face aos remanescente 64% da sua capacidade geral permanente), certo é que a sua idade à data da alta (67 anos) e o baixo nível de diferenciação académica e de formação profissional (consentâneo com a sua actividade de pintor de automóveis), não lhe permitem uma oportuna e real reconversão, idónea a viabilizar o exercício de tarefas que pudesse realizar sentado, e para as quais sempre concorreria com outros cidadãos mais novos, mais preparados e não afectados na sua integridade física [24].
Logo, é razoável e verosímil o juízo, que aqui se faz, de que a perda da sua capacidade de ganho não ficou limitada aos 36% do seu défice funcional permanente, abrangendo toda a sua aptidão profissional, face à efectiva incapacidade definitiva de exercício das únicas profissão e tarefas para as quais possuía habilitações e preparação técnica [25].
Terá, assim, que se considerar como prestação anual perdida todo o rendimento que, antes do sinistro, auferia, isto é, € 10.077,29 (e não apenas 36% do mesmo).
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Dir-se-á, ainda,que, se no cálculo da perda de capacidade futura de ganho se deve atender, não à idade legal de reforma, mas ao termo expectável da esperança de vida (por até à sua morte o ser humano possuir capacidade de ganho), poderá contudo este segundo termo sofrer alguma adequação, nomeadamente quando seja previsível que a actividade produtora de rendimento não coincida com a esperança de vida, por prévias e antecipáveis limitações físicas ou psíquicas do trabalhador. Deverá, então, relevar o que seja o previsível termo da concretavida activa em causa.
Com efeito, é expectável que profissões de maior exigência física, com tarefas muito repetitivas, começadas a exercer, e exercidas durante largos anos, sem as actuais preocupações de higiene e segurança no trabalho, tenham importado para os respectivos executantes um maior e mais rápido desgaste das suas capacidades e aptidões, nomeadamente daquelas que reiteradamente foram sendo solicitadas.
Ora, e no caso concreto, tendo o Autor (AA) nascido em 1949, exerceu como profissão a de pintor de automóveis, a qual consabidamente implica: a adopção de exigentes posturas físicas (v.g. baixar-se, acocorar-se, levantar-se, ou inclinar-se, de forma constante, trabalhando nessas posições em tensão); a descompensada solicitação de um preferencial membro superior (direito ou esquerdo, consoante se seja destro ou canhoto); ou os frequentes manuseio de, e exposição a, produtos químicos (como diluentes e tintas).
Logo, é razoável e verosímil o juízo, que aqui se faz, de que o termo da sua esperança de vida activa para o exercício da actividade de pintor de automóveis ou congénere coincidisse com os 72 anos de idade, por se ter esse como limite máximo da sua capacidade física eficiente para ela [26].
Terá, assim, que se considerar que a prestação anual perdida - de € 10.077,29 - se prolongou desde 12 de Dezembro de 2016 (data da consolidação médico-legal definitiva) até 06 de Dezembro de 2021 (data em que o Autor completou 72 anos de idade), isto é, por 5 anos.
Obtém-se, deste modo, o valor global de € 50.386,45.
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Dir-se-á, por fim, que atenta a idade que o Autor (AA) já possuía à data do sinistro (65 anos), a sua condição de reformado (por velhice) e o tempo remanescente da sua expectável vida activa (72 anos), não se creem previsíveis quaisquer ganhos de produtividade, nem qualquer progressão profissional (que se devesse aqui considerar).
Já quanto a aumentos de salário (em regra anuais), não foram referidos nos autos, como podiam e deviam tê-lo sido (nomeadamente, em sede de articulado superveniente apresentado pelo Autor), caso tivessem ocorrido.
Relativamente à inflação registada no período em causa (2017 a 2021), foi a respectiva taxa média de 0,8[27].
Aplicada sobre o montante global de € 50.386,45, obtém-se como valor de perda de rendimento resultante do aumento generalizado de preços a quantia de € 403,09.
Logo, a indemnização a atribuir ao Autor (AA) por perda da sua capacidade futura de ganho deverá corresponder a € 50.789,54.
Devendo o mesmo já ter recebido esta quantia (não fosse o sinistro de que foi alvo), não resulta para ele qualquer benefício da sua entrega global neste momento (e não fraccionada nos anos de 2017 a 2021), por não ser antecipada; e, por isso, não há que aplicar ao montante de capital apurado (de € 50.789,54) qualquer outro desconto (nomeadamente, pela consideração de uma qualquer taxa de juro destinada a remunerá-lo no futuro).
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Altera-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, reduzindo-se a indemnização arbitrada por perda da futura capacidade de ganho, de € 70.000,00 para €50.789,54 (pela procedência parcial, nesta parte, do recurso de apelação interposto pela Ré).
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Precisa-se, porém, que este mesmíssimo dano foi invocado no processo por acidente de trabalho (nos artigos 33.º a 35.º da respectiva petição inicial, que é fls. 55, verso, a 62, rosto, destes autos), tendo depois sido considerado provado e condenada a entidade patronal do ali e aqui Autor (Auto Viação C..., Limitada) a indemnizá-lo, o que a mesma já fez quanto a parte significativa do montante total de € 50.789,54agora arbitrado para o efeito.
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4.3. Critérios de determinação da indemnização por danos não patrimoniais 4.3.1. Enunciação dos critérios (de determinação)
Lê-se no art. 496.º, n.º 1, do CC, que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Compreende-se esta exigência de «gravidade», já que a reparação aqui em causa pretende «dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que, sendo esta uma ofensa moral, não é susceptível de equivalente» (Vaz Serra, BMJ, n.º 83, pág. 83).
Contudo, essa exigível gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Volume I, 7.ª edição, Livraria Almedina, pág. 576).
Lê-se ainda, no n.º 4, do art. 496.º citado, que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade.
Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Volume II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2.ª edição, Almedina, pág. 24).
Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.
Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com bold apócrifo).
Com efeito, «não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Ac. do STJ, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 2025/04.8, com bold apócrifo).
O recurso à equidade, imposto pelo art. 496.º, n.º 4 do CC, «não afasta», assim, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 07B4242, com bold apócrifo). Com efeito, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05.7TBILH.CV1.S1).
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Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496.º, n.º 4 do CC, ao «grau de culpabilidade do agente»).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496.º com o 494.º para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo n.º 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ, n.º 406, pág. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, pág. 182, com bold apócrifo) [28].
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1) [29].
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, e relativamente à determinação do montante de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor (AA), verifica-se que o Tribunal a quo ponderou para o efeito que (citado com bold apócrifo): . a «jurisprudência nacional tem fixado, recentemente e em sede de danos não patrimoniais, valores entre € 100.000,00 e € 150.000,00 para casos de amputação de membros inferiores, atendendo-se mais à concreta condição do lesado e às repercussões das sequelas e incapacidade no dia-a-dia deste. Podem referir-se, a título exemplificativo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 09.01.2018 (proc. nº. 275/13.5TBTVR.E1.S1) onde se decidiu que “tendo o lesado sofrido, e para além da amputação do membro e da respectiva intervenção cirúrgica, uma outra intervenção cirúrgica, internamento hospitalar, dano estético permanente de grau 6 (numa escala de 7), quantum doloris de grau 6 (numa escala de 7), e vários outros graves danos somáticos e psíquicos (nomeadamente stress pós-traumático crónico e quadro depressivo, inclusivamente com ideação suicida)” foi arbitrado € 125.000,00; o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14.02.2019 (proc. nº. 8964/15.3T8STB.E1) no caso de um lesado que “sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível dos membros inferiores com amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna, que lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sequelas que são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual, após reconversão e uso de próteses, sem redução de vencimento, mas que implicam elevados esforços suplementares, assim como no seu quotidiano, tendo 35 anos de idade, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5/7 e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, necessitando permanente e periodicamente de fazer fisioterapia, de ajudas técnicas permanentes, como próteses e respectivos acessórios e cadeira de rodas, cadeira de banho, necessitar do apoio de terceira pessoa”, e considerou-se adequadas as quantias de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico e de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pelos restantes danos morais». . «o número de dias em que o Autor esteve com um défice funcional temporário total (201 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (371 dias)», e o «período de repercussão temporária na actividade profissional total (572 dias)»; . o «défice permanente (36 pontos)», as «doressofridas (5/7)», o «dano estético permanente (4/7)» e a «repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que praticava (2/7)», sublinhando, «entre as várias circunstâncias que passaram a limitar o Autor até ao fim da vida, as dores, a marcha claudicante, a necessidade de sempre que se quiser deslocar ter de o fazer com uma canadiana e não sem antes de colocar a prótese no coto da perna esquerda, o número de cirurgias, e a penosa recuperação».
Considerou, por isso, «justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 100.000,00 (quantia que se deve entender actualizada na presente data)».
Ao fazê-lo, e tal como referido antes, concretizou adequadamente os critérios jurisprudenciais vigentes nesta matéria.
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Insurgiu-se, porém, a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) recorrente, defendendo a redução deste montante para € 40.000,00, já que seria superior «às indemnizações que vêm sendo fixadas relativamente ao direito à vida», sendo este «um direito absoluto» e «o bem supremo».
Dir-se-á, porém, que, não obstante se reconheça que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vem sendo fixada entre € 50.000,00 e € 120.000,00[30], estes valores, serão apenas mais um dos factores de ponderação em causa.
Com efeito, o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação» (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05.1TBSTS.P1).
Não raro, em quadros de maior gravidade, poder-se-á mesmo admitir que o decurso do tempo, em vez do funcionar como factor de atenuação do dano (ou da forma como ele é percepcionado pelo lesado), actua reiterando e agravando o sofrimento (físico e/ou psíquico) dele resultante, quer para a própria vítima, quer para os seus cuidadores informais e/ou familiares próximos (como os termos do recente - e ainda pendente - processo legislativo sobre a morte medicamente assistida parece confirmar).
Considera-se, por isso, inexistir qualquer imposição legal, ou de outra ordem, que obrigue a que a indemnização pelas lesões sofridas pelo Autor (AA), as sequelas delas resultantes e as repercussões que umas e outras tiveram e terão na sua remanescente vida, seja inferior aos € 100.000,00 que lhe foram arbitrados pelo Tribunal a quo (montante de todo o modo ainda menor do que os € 120.000,00 com que o dano morte já foi indemnizado pela nossa instância superior, nomeadamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Fevereiro de 2018, relatado pelo Juiz Conselheiro Manuel Braz, no processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1).
Tem-se, ainda, presente que cadacaso tem as suas particularidades; e que a jurisprudência vem reflectindo de forma indubitável uma cada vez maior valorização social dos danos infligidos à integridade física e psíquica[31]
Mantem-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, isto é, a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais em €100.000,00 (pela improcedência parcial, nesta parte, do recurso de apelação interposto pela Ré).
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4.4. Consideração dos valores indemnizatórios já arbitrados em sede de processo por acidente de trabalho 4.4.1. Regime legal (solidariedade imperfeita ou imprópria)
Lê-se no art. 17.º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais), no seu n.º 1, que quando «o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos gerais».
Logo, reconhece-se aqui a existência de um concurso de responsabilidades para ressarcimento dos mesmos danos, em que existe uma pluralidade de responsáveis, a título solidário.
Mais se lê, no mesmo art. 17.º citado, que se «o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respectiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistrado das quantias que tiver pago ou despendido» (n.º 2), enquanto que se «a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante» (n.º 3).
Logo, reconhece-se aqui que a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil (quer com fundamento na culpa, quer com base no risco), podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado (pelo que, o referido concurso de responsabilidades não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos).
Reconhece-se ainda que o regime legal desta concreta concorrência de responsabilidades configura uma solidariedade imprópria ou imperfeita dos respectivos titulares: se o responsável a título laboral pode efectivamente fazer repercutir no terceiro responsável a totalidade da responsabilidade que lhe cabe, não se permite porém (atento o n.º 2, do art. 17.º citado) fazer o abatimento imediato à indemnização que impende sobre o responsável civil pelo acidente dos valores entretanto já pagos ao sinistrado pela entidade patronal e/ou seguradora na sequência da decisão laboral [32].
Actuando processualmente este regime, lê-se no art. 17.º, Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que o «empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente pode sub-rogar-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente» (n.º 4); e que o «empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo» (n.º 5).
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Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria.
Assim, e «no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional - art. 523º do CC ) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veículo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10/10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito ( cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1)».
Já «no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor» - actualmente, o art. 17.º, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro -, «sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas:
- substituindo-se ao lesado na propositura da acção indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;
- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efectivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas;
- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral» (Ac. do STJ, de 11.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, com bold apócrifo).
Contudo, o que o regime legal exposto indubitavelmente não permite é que, na acção de responsabilidade civil movida contra terceiro, após o processo laboral e em que o aí definido e condenado como responsável não intervenha, se proceda ao imediato abate das quantias indemnizatórias, pelos mesmíssimos danos, que já tenham sido efectivamente atribuídas à vítima.
Compreende-se que assim seja, já que o «interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral». Logo, «não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado - sendo antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido (traduzida, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprio lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito)» (Ac. do STJ, de 11.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, com bold apócrifo).
Precisa-se, ainda, que «o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a excepção peremptória de recebimento da indemnização laboral - alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respectiva seguradora - sempre teria de depender de uma condição fundamental: ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efectivá-lo no confronto do lesante ou respectiva seguradora; é que, a não se entender assim, o regime legal conduziria a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado pelo lesado acabar por reverter em benefício do próprio lesante, autor do facto ilícito».
Com efeito, são «factos impeditivos da procedência total da pretensão do lesado, profundamente diferentes no seu significado jurídico, a mera invocação do recebimento pelo lesado de indemnização laboral que se pretende abater ao valor global da indemnização civil peticionada e a invocação do efectivo reembolso ao responsável pelo acidente de trabalho das quantias que este pagou adiantadamente ao sinistrado, já que, nesta situação, está obviamente excluída a possibilidade de a entidade patronal vir ulteriormente pedir qualquer reembolso ao lesado, nos termos do art. 31º do Lei n.º 100/97 [hoje, art. 17.º, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, de idêntica redacção], pelo que a desconsideração deste facto - extintivo do direito ao reembolso concedido à entidade patronal - conduziria inelutavelmente a efeito manifestamente incompatível com o princípio fundamental, vigente nesta sede, da não duplicação ou acumulação material de indemnizações» (Ac. do STJ, de 11.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1) [33].
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4.4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, e relativamente à consideração nestes autos a prévia indemnização obtida pelo Autor (AA) no processo de acidente de trabalho por parte dos mesmos danos aqui em causa (nomeadamente, os patrimoniais), verifica-se que o Tribunal a quo, com apoio nos mesmos arestos referidos supra e de forma correcta, julgou serem «jurisprudência que, s.m.o., não merece contestação e à qual aderimos sem reservas, pelo que os valores já recebidos não devem ser deduzidos na presente acção».
Mantem-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, isto é, a não consideração nestes autos da indemnização já arbitrada ao Autor (AA) no prévio processo de acidente de trabalho (assim também aqui se registando improcedência parcial, nesta parte, do recurso de apelação interposto pela Ré, sem prejuízo da operância dos efeitos referidos em 4.4.1. supra).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência parcial e pela procedência parcial do recurso de apelação da Ré(A... - Companhia de Seguros, S.A.).
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente, e parcialmente procedente, o recurso de apelação interposto pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), e, em consequência, em
· Revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando agora a Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.) a pagar ao Autor (AA) a quantia global líquida de € 164.773,08 (sendo € 2.946,11 a título de indemnização por despesas suportadas, € 11.037,43 a título de indemnização por perdas salarias, € 50.789,54 a título de indemnização por perda de capacidade futura de ganho e € 100.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal (actualmente de 4% ao ano), contados desde a citação sobre a quantia de € 64.773,08 e desde o trânsito em julgado desta decisão sobre a quantia de € 100.000,00.
· Confirmar o remanescente da sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo Autor (AA) e pela Ré (A... - Companhia de Seguros, S.A.), na proporção dos respectivos decaimentos (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 02 de Fevereiro de 2023.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
[1] Nos concretos minutos que se mostram devidamente indicados no corpo das alegações [2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - inwww.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [3]Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [4]Precisa-se, a propósito, que apesar «da citada disposição legal não referisse direta e expressamente sobre» preposições de «matéria de facto que fossem vagas, genéricas ou conclusivas o certo é que na jurisprudência consolidou-se o entendimento de que tal disposição legal era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendu, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objeto de alegação e prova» (Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1). [5]Neste sentido: . na doutrina - António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, onde se lê que terão de ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».
Ainda Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312, onde se lê que a matéria de facto «não pode conter qualquer apreciação de direito», ou seja, «qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica». . na jurisprudência, entre muitos - Ac. da RG, de 20.09.2018, Vera Sottomayor, Processo n.º 778/16.0T8BCL.G1, onde se lê que, não tendo o «Código do Processo Civil de 2013» reproduzido o art. 646.º, n.º 4, do CPC de 1961, «no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta».
«Importa ainda salientar que apesar de só os factos concretos poderem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, desde que não integrem o conceito do próprio objeto do processo ou seja não constitua a sua verificação o conteúdo do objeto de disputa das partes.
Por outro lado, são também de afastar as expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio». [6]Precisa-se, a propósito, que apenas na contestação do 2.º Interveniente Principal (BB) se refere a problemática do ângulo morto do autocarro de matrícula ..-..-DR, e da forma como ele próprio foi afectado por ele, nada, porém, se afirmando quanto ao conhecimento que o Autor (AA) teria igualmente dessa circunstância.
Com efeito, lê-se nos artigos 10.º a 25.º, do referido articulado: «Dada quantidade de autocarros ali estacionados/parados, quer paralelos ao DR, quer perpendiculares ao mesmo, a manobra de ir virando o rodado para a direita tinha de ser efetuada muito lentamente»; e, a «partir do momento em que o chamado iniciou a sua marcha para a frente, e com a atenção que teve de dirigir para o seu lado direito e esquerdo, em ordem a não colidir com qualquer outro veículo, dos muitos que estavam parados de um lado e de outro», perdeu «o contacto visual com o A.», julgando «que este tivesse ficado no local onde estava posicionado aquando da ajuda prestada na manobra de marcha à rectaguarda do DR.».
Ora, «atendendo à altura do rodado do autocarro» e à «posição do posto de condução, onde o ora chamado se encontrava», sempre «seria, a qualquer cuidadoso motorista de pesados de passageiros, impossível visionar, pelo retrovisor direito, o A. junto ao rodado». «Em suma, para além do pleno convencimento de que o A. aguardaria a conclusão da manobra e deslocação do DR para a saída do parque», para «além de toda a atenção que colocou na execução da manobra naquele local exíguo», era-lhe «impossível visionar o A. encostado ao autocarro, atrás da roda direita, já virada para fora».
Precisa-se, ainda, que só na contestação da 3.ª Interveniente Principal (Massa Insolvente de Auto-Viação ..., Limitada) se refere a problemática da eventual culpa do Autor (AA) na produção do acidente, mas de forma genérica e conclusiva, nada se afirmando quanto ao seu conhecimento de que o veículo atropelante só poderia retomar a sua marcha para a respectiva direita, devido à existência de um outro autocarro estacionado à sua esquerda.
Com efeito, lê-se nos artigos 77.º a 84.º, do referido articulado: «Mau grado o infortúnio e sem prejuízo da prova que se venha a realizar, parece subsistir, pelo menos, negligência grosseira do próprio A. na produção do acidente. É que» verifica-se «que o local do sinistro é uma via “pública” (…), mais concretamente no espaço de logradouro para parqueamento e movimentação de veículos/autocarros», pelo que «esse logradouro destinar-se-á à circulação de veículos e não de peões», sem «que seja conhecida sequer a existência de passadeiras, sinalização vertical ou horizontal para peões». «Deste modo, exigia-se do A. cuidados e atenção redobrada na sua movimentação entre veículos/autocarros circulantes», pelo que tal «omissão, em função das condicionantes supra enunciadas, determinará a verificação de, pelo menos, negligência grosseira do próprio A. na produção do acidente», o «que exclui a responsabilidade dos demais intervenientes». [7] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso». [8]Recorda-se, a propósito, que a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, na sua página da internet - in https://www.asf.com.pt/NR/exeres/B3A21200-AB6C-4A38-9766-B192795EE492.htm -, adverte inclusivamente que «as empresas de seguros devem assegurar que os documentos comprovativos da validade do seguro não sejam emitidos sem que o pagamento do prémio se tenha verificado, mediante a implementação de procedimentos rigorosos que permitam controlar essa emissão». [9]Neste sentido, Ac. da RC, de 09.11.2021, Avelino Gonçalves, Processo n.º 36/20.5T8CBR.C1;. [10]Do mesmo modo o considerou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, lendo-se nomeadamente na mesma: «Consideramos que esta é a melhor jurisprudência a enquadrar a emissão da Carta Verde. Com efeito, e apesar de ser certo que a emissão da Carta Verde não demonstra, por si só, o pagamento do prémio do seguro e, como tal, não consubstancia uma circunstância extintiva do direito de resolução automática do seguro, não podemos cair no extremo oposto, considerando a emissão de um documento pela própria seguradora como uma circunstância inócua e sem qualquer efeito jurídico. A consideração do princípio constitucional da proporcionalidade, da justa medida das coisas e da correcta distribuição dos ónus probatórios leva-nos a acompanhar a jurisprudência citada». [11] Do mesmo modo o considerou o Tribunal a quo, na sentença recorrida, lendo-se nomeadamente na mesma: «No nosso caso, incumbia à seguradora - Ré A... -, querendo fazer valer o direito à resolução automática do seguro, alegar e provar, porque emitiu a Carta Verde com um início de vigência coincidente com a data de vencimento do pagamento do prémio fraccionado, que a tomadora, aqui Chamada T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, não tinha procedido ao pagamento do valor do referido prémio. Não o tendo feito, como vimos que não fez, a resolução é ilícita e, como tal, deve concluir-se que, em 21 de Maio de 2015, o seguro de frota celebrado entre a A... – Companhia de Seguros, S.A. e a T... - Transportes Colectivos de ..., Limitada, titulado pela apólice nº ...72 encontrava-se em vigor. Consequentemente, e em face da transferência da responsabilidade, é a Ré A... responsável civilmente pelas consequências do evento em causa nos presentes autos». [12]Neste mesmo, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 8.ª edição, Almedina, Abril de 2009, pág. 336. [13]Neste sentido, Ac. do STJ, de 20.05.2010, Lopes do Rego, Processo n.º 103/2002.L1.S1, e Ac. do STJ, de 26.01.2012, João Bernardo, Processo n.º 220/2001.L1.S1, onde se faz uma resenha histórica do surgimento do conceito dano biológico e da sua construção. [14]Neste sentido, Ac. do STJ, de 10.10.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 632/2001.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.06.2016, Tomé Gomes, Processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, ou Ac. do STJ, de 08.01.2019, Catarina Serra, Processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1. [15] Neste sentido, Ac. da RP, de 20.03.2012, M. Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1. [16]Confirmando a ressarcibilidade do dano biológico, grosso modo nos termos expostos, e para além dos já citados, Ac. do STJ, de 19.05.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 298/06.0TBSJM.S1, Ac. do STJ, de 23.11.2010, Hélder Roque, Processo n.º 456/06.8TBVGS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10.9TBPVL.S1, Ac. do STJ, de 02.12.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 1110/07.9TVLSB.L1.S1, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, e Ac. do STJ, de 04.06.2015, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1. [17]No mesmo sentido: Ac. da RP, de 06.11.1990, CJ, Tomo 5, págs. 185 e 186; ou Ac. do STJ, de 10.05.1994, CJSTJ, Ano II, Tomo II, pág. 86. [18]No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 07.07.2009, Pires da Graça, Processo n.º 205/07.3GTLRA.C1; Ac. do STJ, de 18.03.2010, Santos Carvalho, Processo n.º 1786/02.3SILSB.L1.S1; Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo n.º 797/05.1TBSTS.P1; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 48/2002.I.2.S2; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1; Ac. da RP, de 20.03.2012, Manuel Pinto dos Santos, Processo n.º 571/10.3TBLSD.P1; Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.P1; e Ac. da RG, de 12.01.2012, Manuel Bargado, Processo nº 282/09.2TCGMR-A.G1.
Com efeito, pondera-se nesse sentido: . natureza do diploma - tratando-se de uma portaria (mero diploma regulamentar, publicado no exercício de competências administrativas do Governo), hierarquicamente inferior a uma lei ou a um decreto-lei, não os pode revogar, derrogar ou alterar (nomeadamente, restringindo direitos que a lei civil - tal como vem sendo jurisprudencialmente interpretada - confere aos lesados); . âmbito de aplicação - a portaria tem um âmbito institucional específico de aplicação, relativo à fase pré ou extrajudicial, e às relações internas estabelecidas entre as vítimas e as empresas seguradoras, limitando-se a estabelecer critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de viação de proposta razoável para indemnização (em ordem a prevenir, e limitar o mais possível, a pura discricionariedade em tal domínio, e a prevenir os litígios). Visa-se, tão só e apenas, o estabelecimento de regras/princípios que visam agilizar a apresentação de propostas razoáveis de indemnização, numa fase pré-judicial.
Compreende-se, por isso, que se afirme que parte «significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia-se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros» (6.º § do Preâmbulo da Portaria).
Mais se compreende que a proposta razoável, e a rapidez da sua apresentação, consubstanciem deveres gerais próprios das empresas de seguros (arts. 36.º e 38.º, ambos do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de Agosto), e deveres particulares das mesmas na regularização de sinistros que envolvam danos corporais (arts. 37.º e 39.º do último diploma citado). Logo, os números propostos pelas seguradoras (que se impõem às mesmas como valores mínimos) valerão nesse específico quadro de procura de uma solução consensual do litígio.
Compreende-se, por fim, que se defenda que, passando-se para um quadro de resolução judicial de litígio sobre valores, os constantes da Portaria em análise deverão ser objecto de um agravamento de 20%, já que, «apesar dela, não se evitou o litígio nem as despesas, demoras e maçadas inerentes» (conforme Ac. do STJ, de 18.03.2010, Santos Carvalho, Processo n.º 1786/02.3SILSB.L1.S1, com bold apócrifo); . a letra da lei - o art. 1.º, n.º 2 desde logo afirma que as disposições constantes da portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.
Por outro lado, resulta do 4.º § do preâmbulo da Portaria que, o regime que consagra, relativo aos prazos e às regras de proposta razoável, tem em vista facilitar a tarefa «de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações», retirando-se dessa passagem que o próprio diploma prevê que seja declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.
Por fim, do art. 38.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21 de Agosto, resulta que possa ser considerado manifestamente insuficiente o montante proposto em termos da proposta razoável (caso em que são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial).
Resta apenas acrescentar que, se o facto lesivo de que emerge o dano pretendido indemnizar ocorreu em data anterior à da entrada em vigor da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio - 27 de Maio de 2008, conforme o seu art. 14º -, nunca a mesma poderá ter aplicação, por força do disposto no art. 12º, nº 1 do C.C. (conforme, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, e Ac. da RG, de 12.01.2012, Manuel Bargado, Processo nº 282/09.2TCGMR-A.G1); e se não tiver sido realizada a avaliação médico-legal do dano corporal, também não será a mesma passível de aplicação, já que a pressupõe (nomeadamente, pela valorização em pontos das sequelas, conforme «Instruções gerais» do «Anexo II – Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil»). [19] No mesmo sentido: Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704; Ac. da RC, de 03.12.2008, Fernando Ventura, Processo n.º 33/07.6PTCBR.C1; ou Ac. da RP, de 15.01.2013, Vieira e Cunha, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.P1. [20] No mesmo sentido, considerando a esperança média de vida e não a esperança de vida activa: Ac. do STJ, de 31.03.2004, Ferreira Girão, Processo n.º 04B497; Ac. do STJ, de 02.12.2008, Salazar Casanova, Processo n.º 07A2237; ou Ac. do STJ, de 07.02.2013, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1. [22]Os dados da Pordata relativos à esperança média de vida de pessoas nascidas em 2020, com última actualização em 09-08-2022, encontram-se inhttps://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418-5193. [23]No mesmo sentido, mas para o particular caso da redução do valor da indemnização em função do benefício resultante do recebimento antecipado, e de forma global, do que se receberia ao longo de um período de tempo, e de forma fraccionada (exigindo a consideração do quadro económico actual e das circunstâncias do caso concreto, que inclusivamente poderão justificar a sua eliminação, ou uma singela taxa de desconto de 1,5%): . Ac. do STJ, de 25.05.2017, Lopes do Rego, Processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1 - onde se lê que a «regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade».
Assim, o «dito benefício nunca poderia actualmente corresponder – perante o quadro económico actual e face às perspectivas razoáveis de rentabilização do montante indemnizatório recebido – aos pretendidos 20% - sendo, quando muito, equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir à autora a título de indemnização pela perda de rendimentos do correspondente a uma taxa na ordem de 1,5%». . Ac. do STJ, de 12.11.2019, Acácio das Neves, Processo nº468/15.0T8PDL.L1.S1 - onde se propôs uma redução de 10% na contabilização da indemnização por danos futuros de auxílio de uma terceira pessoa. [24]Reforçam este juízo as queixas generalizadas (e os programas estatais que lhes tentam fazer face) dos desempregados de longa duração (afectando sobretudo trabalhadores acima dos 50 anos) e dos portadores de qualquer tipo de deficiência. [25]Neste sentido: . Ac. do STJ, de 01.03.2018, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1 - onde se lê que, na «fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2, do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC)», para os quais «relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro (39 anos); (ii) a sua esperança média de vida que, para homens nascidos em 1964, se situará, no ano de 2004 – ano do acidente – entre 64 e 75 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente (53%); e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado (sendo que, no caso, este deixou de poder caminhar, levantar-se ou baixar-se normalmente, só o podendo fazer com canadianas e a sua formação/preparação técnico-profissional corresponde à de um electricista de redes de distribuição, assentando as suas competências na destreza, mobilidade e força)».
Assim, é «de concluir que a afectação dos referidos parâmetros terá consequências extremamente negativas na possibilidade efectiva de o lesado vir a exercer actividade profissional alternativa, aproximando-se a sua situação de uma incapacidade total permanente para o trabalho, pelo que, ponderando os enunciados factores e comparando o caso com outras decisões do STJ, afigura-se justa e adequada a fixação da indemnização, a título de dano patrimonial futuro por perda da capacidade de ganho desde a data do sinistro, em € 400 000 (ao qual se deduzirá o valor já pago) e não em € 280 000 como fez a Relação». . Ac. da RC, de 15.02.2022, Vítor Amaral, Processo n.º 1455/18.2T8GRD.C1- onde se lê que, no «cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros, na situação de incapacidade em relação à profissão habitual do lesado, não releva a possível capacidade laboral indiferenciada remanescente». . Ac. do STJ, de 17.02.2022, Fátima Gomes, Processo n.º 2712/18.3T8PNF.P1.S1 - onde se lê que, na «determinação do valor do dano biológico na vertente patrimonial relativa à perda da capacidade de ganho, o recurso à equidade implica a consideração da especificidade de cada caso concreto».
Assim, e porque «os valores a atribuir não devem ser arbitrados apenas com base nos elementos objectivos, não totalmente provados, e por não se conseguir apurar o valor exacto do dano, determinando a lei que o juiz se socorra da equidade, não pode deixar de se tomar em consideração que o acidente provocou ao A. uma incapacidade para a sua profissão habitual e para outras compatíveis com os seus conhecimentos, mas sem que existam elementos nos autos relativos a esse ponto; que o A. tinha 37 anos à data do acidente e hoje terá 46; que não sendo velho para efeitos de reconversão profissional não é jovem e não se afigura fácil obter emprego, mas não é de todo impossível que se dedique a alguma actividade profissional da qual possam provir proventos económicos; que a situação do A. não é equivalente à de alguém que ficou paraplégico ou acamado e sem alternativas; que as indemnizações arbitradas pelos tribunais superiores em Portugal procuram a justiça e equidade mas a mesma só se obtém se os parâmetros decisórios tomarem em consideração casos “paralelos” (na medida em que esse paralelismo se possa identificar em situações tão casuísticas); que há um dever de proporcionalidade e igualdade no recurso à equidade, entende-se que o valor justo deve ser 400.000,00 euros». [26]O juízo exposto, de que teria já exercido a sua profissão de pintor de automóveis por múltiplos anos, e de que se presume um desgaste a ela inerente, justificam que, à data do sinistro, já se encontrasse reformado por velhice (conforme facto provado enunciado sob a alínea ccc)). [27]Os dados da Pordata relativos à taxa de inflacção nos anos de 2017 a 2021, com última actualização em 11-01-2023, encontram-se in https://www.pordata.pt/portugal/taxa+de+inflacao+(taxa+de+variacao+do+indice+de+precos+no+consumidor)+total+e+por+consumo+individual+por+objetivo-2315. [28]No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo n.º 08P3704, com extensa indicação de outros arrestos. [29]No mesmo sentido, Ac. da RG, de 30.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 1760/16.2T8VCT.G1, onde expressamente se lê que, numa «interpretação atualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações». [30] Documentando a evolução de valores indemnizatórios por dano morte: Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo n.º 08P1853; Ac. do STJ, de 13.09.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 1026/07.9TBVFX.L1.S1; Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1; Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1; Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1; e, mais recentemente, Ac. do STJ, de 08.06.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 2261/17.7T8PNF.P1.S1.
Particularizando as indemnização por dano morte mais elevadas e actuais: de € 80.000,00, ATCAS, de 24.09.2020, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 38/10.0BEBJA; de € 85.000,00, Ac. da RP, de 17.06.2021, Filipe Caroço, Processo n.º 137/19.2T8VFR.P1 e Ac. da RP, de 24.02.2022, Judite Pires, Processo n.º 2374/20.8T8PNF.P1; de € 90.000,00, Ac. da RE, de, 24.09.2020, Albertina Pedroso, Processo n.º 3710/18.2T8FAR.E1 e Ac. da RP, de 27.04.2021, Rodrigues Pires, Processo n.º 1123/19.8T8PVZ.P1; de € 100.000,00, Ac. do STJ, de 21.03.2019, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 20121/16.7T8PRT.P1.S1 e Ac. do STJ, de 11.02.2021, Abrantes Geraldes, Processo n.º 625/18.8T8AGH.L1.S1; e de € 120.000,00, Ac. do STJ, de 22.02.2018, Manuel Braz, Processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1 e Ac. da RL, de 16.11.2021, Agostinho Torres, Processo n.º 48/18.9PHSXL.L1-5. [31] No sentido da elevação progressiva dos montantes indemnizatórios do dano biológico: Ac. do STJ, de 21.03.2013, Salazar Casanova, Processo n.º 565/10.9TBPVL.S1; Ac. do STJ, de 24.04.2013, Pereira da Silva, Processo n.º 198/06TBPMS.C1.S1; Ac, da RL, de 16.01.2014, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 9347/11.0 T2SNT.L1-6; Ac. da RG, de 10.04.2014, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 320/12.1TBVCT.G1; Ac. do STJ, de 24.11.2014, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1; Ac. da RC, de 10.11.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 55/12.5TBOFR.C1; Ac. da RP., de 11.10.2016, Rui Moreira, Processo n.º 805/15.8T8PNF.P1; Ac. do STJ, de 03.11.2016, Lopes do Rego, Processo n.º 1971/12.0TBLLE.E1.S1; Ac. da RL, de 22.11.2016, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 1550/13.4TBOER.L1-7; ou Ac. da RC, de 14.03.2017, Vítor Amaral, Processo n.º 595/14.1TBCBR.C1. [32] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 11.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1 (com bold apócrifo), onde se lê, a propósito desta solidariedade imprópria ou imperfeita, que, «no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações».
Já «no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente». [33]No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 11.07.2019, Henrique Araújo, Processo n.º 1456/15.2T8FNC.L1.S1, onde se lê que, em «caso de acidente de viação e de trabalho, as respectivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário»; e na «condenação da seguradora no pagamento da indemnização devida por acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho».