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PROCESSO DE INVENTÁRIO
HABILITAÇÃO DE SUCESSORES
Sumário
No incidente de habilitação de herdeiros em processo de inventário, na falta de impugnação da legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça-de-casal ou na improcedência da impugnação, tem lugar decisão a julgar a habilitação. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Proc. n.º 577/20.4T8BJA-A.E1
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
1. No processo especial de inventário para partilha de bens comuns do casal, em que é requerente e cabeça-de-casal (…), residente em 73 Boulevard (…), St. Nazaire, França e requerida (…), residente que foi em 8 Rue de (…), Saint-Nazaire, França, falecida a requerida, citado (…) como seu sucessor “para impugnar, querendo, a legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça-de-casal sob pena de, nada fazendo, terem-se como habilitadas as pessoas indicadas” e não tendo o citado deduzido impugnação, foi proferido despacho a designar data para a realização de audiência prévia, “com vista à tentativa de conciliação das partes e obtenção de acordo sobre a partilha”.
2. O interessado citado, menor, representado por seu tio-avô paterno, (…), reclamou do despacho e pediu (i) a anulação dos “atos praticados após a decisão de suspensão, excetuando-se os atinentes à tramitação da habilitação”, (ii) a prolação de decisão que “julgue habilitado (…) a ocupar a posição da falecida interessada (…)” e (iii) a prolação de despacho que ordene “a sua notificação para efeitos do disposto no artigo 275.º, n.º 2, do CPC.”
Em requerimento autónomo, deduziu reclamação contra a relação de bens e requereu o reconhecimento de créditos.
3. O Cabeça-de-Casal respondeu à reclamação apresentada contra a relação de bens concluindo pela sua parcial improcedência.
4. Houve lugar ao seguinte despacho: “1. Vistos os autos. 2. Nestes autos de inventário para partilha de meações exerce as funções de cabeça-de-casal/requerente (…), sendo interessada/requerida (…). Na pendência dos autos veio o interessado (…) invocar a nulidade do processado até que seja proferida decisão que o habilite como sucessor da sua falecida avó (…), cfr. ref.ª 2199743. Apreciando, (…) foi citada para os termos do processo em 02 de Novembro 2020, cfr. ref.ª 1858456, e porque foi citada no estrangeiro (em França, onde residia) acrescia ao prazo de 30 dias para reclamar da relação de bens e impugnar o passivo e créditos, uma dilação de 30 dias. A 13 de Janeiro de 2021 a requerida solicitou prorrogação de prazo por mais 30 dias, o que lhe veio a ser deferido, cfr. ref.ª 31538803. Atento o prazo inicial, a dilação e a posterior prorrogação o termo do prazo para a interessada reclamar da relação de bens terminaria a 28 de Abril de 2021, já contando com a suspensão imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que determinou a suspensão dos prazos processuais, relativamente a processos não urgentes, entre 22 de Janeiro de 2021 e 06 de Abril de 2021. Porém, a requerida (…) veio a falecer a 06 de Abril de 2021, e após indicação pelo cabeça-de-casal dos herdeiros da falecida, foi o menor (…) citado, na pessoa do seu legal representante, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1089.º do Código de Processo Civil, da indicação pelo Cabeça de Casal dos sucessores do interessado falecido, bem como dos documentos juntos ao processo. Mais foi citado para, no prazo de 10 dias, finda a dilação de 30 dias, contados da data da assinatura do aviso de receção impugnar, querendo, a legitimidade do sucessor indicado pelo Cabeça de Casal, sob pena de, nada fazendo, terem-se como habilitadas as pessoas indicadas, cfr. ref.ª 32313345. Ora, decorre do regime jurídico do inventário que existem normas especiais relativas ao modo como se processa a habilitação dos sucessores do interessado na partilha, falecido durante a pendência do processo de inventário, seguindo regime bastante diverso das regras gerais. Prescreve o artigo 1089.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sobre esta matéria, do seguinte modo: «1 - Se falecer algum interessado direto na partilha antes de concluído o inventário, o cabeça de casal deve indicar os sucessores do falecido e juntar os documentos necessários. 2 - A indicação realizada pelo cabeça de casal é notificada aos outros interessados e procede-se à citação das pessoas indicadas. 3 - Qualquer interessado ou citado pode impugnar a legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça de casal. 4 - Na falta de impugnação, nos termos no número anterior, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas. 5 - Pode ainda promover a sua habilitação: a) Qualquer sucessor de um interessado direto que não tenha sido indicado pelo cabeça de casal; b) Qualquer herdeiro de um legatário, credor ou donatário que tenha sido citado para o inventário; c) O cessionário de quota hereditária e os subadquirentes dos bens doados, sujeitos ao ónus de redução, nos termos gerais do incidente de habilitação.» Prevê o preceito a habilitação incidental, através do qual se vai proceder à habilitação dos sucessores do interessado falecido para se poder partilhar o seu quinhão na meação, devendo interpretar-se a expressão “antes do concluído o inventário” no sentido de tal momento se situar antes da sentença homologatória da partilha transitada em julgado. Resulta, assim, deste regime que a habilitação dos herdeiros dos interessados diretos na partilha, falecidos antes de concluído o inventário, faz-se pela forma estabelecida no n.º 1 do artigo 1089.º do CPC e não de outro modo, não se aplicando, nesta situação, a norma geral prevista no artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, com o sentido interpretativo propugnado pelo requerente. De facto, a cessação da suspensão da instância ocorre, desde logo, com o termo do prazo concedido sem que tenha existido qualquer impugnação, o que sucedeu no caso em apreço, tendo-se por habilitadas as pessoas indicadas, no caso o aqui requerente, sem que se tenha por inutilizado o prazo anterior, já que a norma excecional do artigo 275.º, n.º 2, do Código de Processo Civil não tem aplicação no caso concreto, aceitando o sucessor, o processo, no estado em que se encontrar. Do exposto resulta que, o prazo para deduzir oposição/reclamação à relação de bens terminou no dia 7 de Março de 2022, não tendo sido praticado, entretanto qualquer ato passível de constituir nulidade processual. Razão pela qual não se indefere a arguição de nulidade, e ainda se considera extemporânea a reclamação à relação de bens apresentada pelo interessado em 7 de Abril de 2022.
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Custas do incidente pelo interessado, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
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Notifique, e após trânsito conclua os autos com vista ao agendamento de audiência prévia.”
5. O interessado (…) recorre deste despacho e conclui assim a motivação do recurso:
“1.ª - O prazo para o exercício das faculdades previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 1104.º do Código do Processo Civil (CPC), que se encontrava em curso quando a interessada (…) faleceu em 06-04-2021, sem que as tivesse exercido, interrompeu-se com a prolação do despacho ref.ª 31538803, a declarar suspensa a instância, proferido “nos termos conjugados do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º do Código de Processo Civil” (sic).
2.ª – O que acarreta que, a suspensão inutiliza a parte do prazo que decorreu anteriormente, benefício que também aproveita à parte sobreviva e sucessor – neste sentido cfr. a jurisprudência citada no corpo das alegações.
3.ª - O Tribunal a quo, ao decidir que ocorre apenas a suspensão do referido prazo do contraditório, não se inutilizando a parte do prazo que decorreu antes da suspensão da instância, viola o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 275.º do CPC.
4.ª - A norma do n.º 2 do artigo 275.º do CPC não é uma norma excecional, tem plena aplicação no caso presente, não é afastada pelas regras especiais do incidente de habilitação do processo de inventário.
5.ª – Ao não ter decidido assim, como se propugna – descuidando até o disposto no artigo 1092.º, n.º 1, do mesmo diploma, que é perentório quanto ao facto das regras gerais sobre suspensão da instância não serem prejudicadas pelo regime especial do processo de inventário – o Tribunal a quo comete erro na aplicação do direito (error juris), em que o decidido não corresponde à realidade normativa.
6.ª- As regras especiais do incidente de habilitação no processo de inventário não se encontram numa relação de especialidade para com a norma do artigo 275.º, n.º 2, do CPC, ou para com as demais normas do regime da suspensão da instância por falecimento ou extinção de parte, contidas no capítulo II do Título II do CPC: artigos 269.º a 276.º do referido diploma.
7.ª - O campo ou âmbito de aplicação de umas e de outras é diverso, pois regulam incidentes diferentes: as regras dos artigos 269.º a 276.º do CPC contém o regime da suspensão por falecimento ou extinção de parte, as normas do artigo 1089.º do CPC o incidente de habilitação por falecimento de interessado em sede de inventário.
8.ª – Este regime do artigo 1089.º do CPC é indiscutivelmente um regime especial face ao regime geral da habilitação constante dos artigos 351.º a 357.º do mesmo diploma.
9.ª – Mas, as normas do regime da suspensão da instância por falecimento ou extinção da parte não se encontram, por relação às normas reguladoras do incidente de habilitação em sede de inventário, numa situação de conflito entre uma norma geral e uma norma especial, em que esta deve prevalecer e aplicar-se o critério da especialidade ou lex specialis derogat legi generali.
10.ª – Se assim se decidisse – o que se admite por mera hipótese académica mas não se aceita – os sucessores do interessado falecido na pendência do inventário encontrar-se-iam numa posição de tal modo gravosa e desigual perante os demais sucessores da parte falecida noutros processos (declarativos, especiais e executivos), sem razão séria para tal enquadramento discriminatório, que viola o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), o que não pode deixar de invocar-se por mera cautela.
11.ª – O Tribunal a quo viola a norma de carácter imperativo prevista no artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do CPC, desaplicando-a com o fundamento de não seguir o sentido interpretativo propugnado pelo requerente.
12.ª - O sentido interpretativo propugnado pelo requerente é o de que o prazo para o exercício das faculdades previstas no n.º 1 do artigo 1104.º do CPC, só se inicia(rá) após a notificação do despacho que julga habilitado o recorrente (…) no lugar da falecida, sentido este que, na modesta opinião do recorrente, é o mais à fiel e consentâneo com a realidade normativa, obtido pela interpretação sistemática dos preceitos aplicáveis, tendo sempre como pressuposto o ordenamento jurídico como um todo unitário.
13.ª – O Tribunal a quo ao decidir que a cessação da suspensão ocorre, desde logo, com o termo do prazo concedido para impugnar a legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça-de-casal sem que tenha existido qualquer impugnação, faz errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 1089.º do CPC, norma inaplicável ao caso.
14.ª - Esta norma estabelece unicamente o efeito cominatório pleno decorrente da falta de impugnação, não sendo defensável presumir dela outros efeitos que não estão ali previstos de forma inequívoca e expressa.
15.ª – Quando, em razão das erradas interpretação e aplicação da norma em causa, o Tribunal recorrido decide que a reclamação à relação de bens e impugnação dos créditos apresentada pelo recorrente em 07-04-2022, é extemporânea, também comete erro de julgamento, sem prejuízo para o que vai alegado mais adiante.
16.ª - A eventual extemporaneidade da reclamação à relação de bens e impugnação dos créditos, apresentada pelo recorrente em 07-04-2022, tão só pode decorrer de ter sido apresentada antes de iniciado o prazo estabelecido para o efeito, que tem o seu termo inicial com o trânsito em julgado do despacho que julgue habilitado o sucessor da interessada (…), o que não obsta a que, no momento oportuno, possa e venha a ser apresentada novamente.
17.ª – Tendo omitido ato que, no modesto entendimento do recorrente, a lei impõe seja praticado – a prolação de despacho ou sentença confirmando a habilitação do recorrente como sucessor da falecida interessada Domingas de Almeida (vide artigo 276.º, n.º 1, alínea a), artigo 295.º, aplicável por força da remissão do n.º 1 do 1091.º, todos do CPC e artigo 8.º do CPC1961) – o Tribunal a quo cometeu nulidade processual que influi no exame ou na decisão da causa – artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
18.ª – O recorrente arguiu a nulidade perante o Tribunal recorrido, este veio a indeferir a arguição, passando a infração praticada a estar coberta pela decisão proferida de modo explícito, pelo que deve segue-se o regime do erro de julgamento – cfr. neste sentido, J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, págs. 384-385.
19.ª – Invoca a prática de erro de julgamento na decisão que indeferiu a arguição da apontada nulidade processual, pois a omissão do despacho ou sentença a confirmar a habilitação do sucessor da falecida interessada (…) – ato que é imposto por lei, vejam-se o disposto nos artigos 276.º, n.º 1, alínea a), o artigo 295.º, aplicável por força da remissão do n.º 1 do 1091.º, todos do CPC, até mesmo o artigo 8.º do CPC1961 – é nulidade processual que influi decisivamente na decisão da causa.
20.ª – Em consequência do que, o despacho recorrido (ref.ª 32702719) deve ser revogado e substituído por outro que ordene a prolação de decisão/sentença que recaia sobre o incidente da habilitação de herdeiros da interessada (…), acaso este Alto Tribunal entenda não dever substituir-se ao Tribunal recorrido na decisão do incidente de habilitação de herdeiros.
21.ª - Se assim se não decidir, deve tomar-se conhecimento da nulidade nesta sede, declarando-se procedente, por provada, a arguição, deixando o despacho recorrido de poder subsistir.
22.ª - Ora, se apesar da omissão indevida de um ato, o Tribunal a quo conheceu na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do ato omitido, essa decisão é também nula por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, conforme à doutrina e jurisprudência citadas no corpo das alegações.
23.ª – Quando o Tribunal a quo decidiu ser extemporânea a reclamação à relação de bens e impugnação dos créditos apresentada pelo recorrente em 07-04-2022, decidiu de algo de que não podia conhecer sem a realização do ato omitido.
24.ª - Esta decisão é, por isso mesmo, nula por excesso de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC – vício que aqui se argui para conhecimento nesta sede de recurso.
25.ª – Declarada nula a decisão por excesso de pronúncia, a mesma não pode manter-se na ordem jurídica.
26.ª - Também devem julgar-se feridos de nulidade os atos praticados na vigência da suspensão – excetuando-se naturalmente, os relativos à habilitação – como sucede com o despacho que designou data para a audiência prévia com vista a tentativa de conciliação e a obtenção de acordo sobre a partilha e todos os demais que venham a ser proferidos.
27.ª – Por último, é caso para aflorar a questão de saber se o recorrente pode considerar-se citado na pessoa do seu legal representante para os termos do processo de inventário, a que tem de dar-se resposta negativa face ao teor da nota de citação por registo postal datado de 21-12-2021, que versa unicamente o incidente da habilitação, prazos e cominações do mesmo.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve a final, dar-se inteiro provimento ao presente recurso, julgando-se o mesmo procedente, por provado, e, consequentemente, anular e/ou revogar-se o despacho recorrido com a ref.ª 32702719, e, substituído por outro que ordene a prolação de decisão/sentença que recaia sobre o incidente da habilitação de herdeiros da interessada (…) – acaso este Alto Tribunal decida não dever substituir-se ao Tribunal recorrido – tudo sem prejuízo para, se não ficar prejudicado, admitir-se a reclamação à relação de bens e impugnação dos créditos que, com a ref.ª citius 2202730 o recorrente apresentou em 07-04-2022 ou, em alternativa, determinar que, após trânsito em julgado da decisão/sentença a proferir no incidente da habilitação de herdeiros da interessada (…), seja concedido ao recorrente o prazo de que dispõe para exercer, querendo, as faculdades previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 1104.º do CPC, prosseguindo depois o processo a tramitação processual subsequente que se imponha.
Só assim se realizando a habitual e tão necessária … JUSTIÇA!”
Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, cumpre decidir: (i)se a habilitação em inventário carece de decisão judicial (ii)se a reclamação contra a relação de bens está em tempo.
III. Fundamentação
1. Factos
Relevam os factos constantes no relatório supra e ainda o seguinte:
Em 10/5/2021 foi proferido o seguinte despacho: “1. Vistos os autos. 2. Constatando-se pela análise do documento junto com o requerimento com a ref.ª 1964957, que (…) faleceu, em 6 de Abril de 2021, suspendo a instância, nos termos conjugados do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea a) e 270.º do Código de Processo Civil. Notifique. 3. Aguardem os autos sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
2. Direito
2.1. Se a habilitação de interessados em inventário carece de decisão judicial
Na essencial consideração que o incidente do inventário, destinado à habilitação de interessados por falecimento de algum interessado direto na partilha no decurso do inventário, deve ser concluído com decisão a julgar habilitado o sucessor do interessado falecido, notificação a partir da qual cessam os efeitos da suspensão da instância decretada com vista à habilitação, o Recorrente, notificado do despacho que designou dia para a realização de audiência prévia “com vista à tentativa de conciliação das partes e obtenção de acordo sobre a partilha”, sem antes haver sido notificado da decisão de habilitação, suscitou a nulidade decorrente da omissão de decisão a julgá-lo habilitado para a causa e veio reclamar contra relação de bens, alegando que a interessada originária, sua falecida avó, ainda estava em prazo para o fazer.
A decisão recorrida indeferiu a nulidade suscitada pelo ora Recorrente e julgou extemporânea a reclamação contra a relação de bens por ele apresentada, em 7/4/2022, por considerar, em resumo, que na habilitação de interessados em processo de inventário, citados os sucessores indicados pelo cabeça-de-casal e não impugnando os citados ou outros interessados, a legitimidade dos sucessores indicados pelo cabeça-de-casal, a cessação da suspensão da instância ocorre com o termo do prazo das impugnações, termo que julgou verificado no dia 7 de Março de 2022 [De facto, a cessação da suspensão da instância ocorre, desde logo, com o termo do prazo concedido sem que tenha existido qualquer impugnação, o que sucedeu no caso em apreço, tendo-se por habilitadas as pessoas indicadas, no caso o aqui requerente, sem que se tenha por inutilizado o prazo anterior, já que a norma excecional do artigo 275.º, n.º 2, do Código de Processo Civil não tem aplicação no caso concreto, aceitando o sucessor, o processo, no estado em que se encontrar, consignou-se].
Não se colocam, no caso, dúvidas que o Recorrente intervém no inventário como sucessor da sua falecida avó ocupando a posição processual desta, com os respetivos direitos e obrigações e sujeito à sua atuação processual, apenas impulsionando o processo para o futuro e que à data do falecimento da interessada originária se encontrava em curso o prazo para a reclamação de bens [o termo do prazo para a interessada reclamar da relação de bens terminaria a 28 de Abril de 2021 (…) a requerida (…) veio a falecer a 6 de Abril de 2021, consigna-se na decisão recorrida], questiona-se se a investidura na dita posição processual ocorre por efeito do termo do prazo da impugnação da sua legitimidade para o inventário, como se ajuizou na decisão recorrida, ou por efeito de decisão a julgá-lo habilitado para os termos do inventário, como se sustenta no recurso.
Sobre a habilitação de interessados no processo especial de inventário os números 1 a 4 do Código de Processo Civil (CPC) dispõem o seguinte:
“1 - Se falecer algum interessado direto na partilha antes de concluído o inventário, o cabeça de casal deve indicar os sucessores do falecido e juntar os documentos necessários. 2 - A indicação realizada pelo cabeça de casal é notificada aos outros interessados e procede-se à citação das pessoas indicadas. 3 - Qualquer interessado ou citado pode impugnar a legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça de casal. 4 - Na falta de impugnação, nos termos no número anterior, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas. (…)”
É a redação deste número 4 que serve de fundamento à decisão recorrida; o cabeça-de-casal indicou o Recorrente como sucessor da falecida (…), interessada direta na partilha, o indicado sucessor foi citado e não deduziu oposição, logo tem-se por habilitado, considerou-se.
A estrita leitura da letra da lei permite, é certo, a solução, mas a interpretação da lei não pode cingir-se à sua letra e deve considerar, designadamente, a unidade do sistema jurídico e não olvidar o dever que recaí sobre o intérprete de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º do Código Civil).
A habilitação de interessados no inventário é um incidente do inventário e aos incidentes do inventário “aplica-se, salvo indicação em contrário, o disposto nos artigos 292.º a 295.º” [artigo 1091.º, n.º 1, do CPC], remissão que só pode significar, sem bem vemos e outras razões minguassem, que o incidente de habilitação se concluiu com “uma decisão por escrito a que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607.º” [artigo 295.º do CPC], uma vez que é assim que a lei prevê a conclusão dos incidentes.
Por isto que a cominação segundo a qual “na falta de impugnação, nos termos no número anterior, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas” tem o sentido de dispensar a produção de outras provas sobre a legitimidade do habilitando [artigo 293.º do CPC], para além dos documentos juntos pelo cabeça-de-casal e de dispensar alegações [artigo 295.º, 1.ª parte, do CPC], mas não o sentido de dispensar a decisão a habilitar o sucessor do falecido interessado direto na partilha.
Solução que não representa novidade com o regime pregresso [cfr. designadamente, o artigo 1390.º, n.º 1, do CPC de 1961] relativamente ao qual Lopes Cardoso ensinava que “tem de haver sentença julgando a habilitação”[1]
Assim e em resposta a esta primeira questão conclui-se que no incidente de habilitação de herdeiros em processo de inventário, na falta de impugnação da legitimidade do sucessor indicado pelo cabeça-de-casal ou na improcedência da impugnação, serão julgados habilitadas as pessoas indicadas.[2]
2.2 Se a reclamação contra a relação de bens está em tempo
Decisão com efeitos processuais relevantes uma vez que é a partir da sua notificação ao habilitado e aos demais interessados que cessa a suspensão da instância do inventário [artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do CPC] e se reiniciam, por inteiro, os prazos judiciais que estavam em curso à data da suspensão da instância [artigo 275.º, n.º 2, do CPC] por efeito do falecimento, de um interessado direto na partilha antes de concluído o inventário[artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do CPC], aplicáveis ao processo especial de inventário [artigo 549.º, n.º 1, do CPC]. “(…) passando o processo de inventário a situar-se sistematicamente no âmbito do CPC, é evidente que a este processo especial serão plenamente aplicáveis os princípios gerais do Código, bem como o regime do processo comum de declaração, com as adaptações necessárias.”[3]
No caso, ainda não foi proferido despacho a habilitar o Recorrente como sucessor da interessada (…) para ocupar no processo de inventário o espaço processual que a esta competia e, assim, os prazos que deixaram de correr com a declaração da suspensão da instância ainda não se reiniciaram, reinicio que só terá lugar – com a inutilização da parte do prazo que tiver decorrido anteriormente à suspensão da instância – com a notificação da decisão de habilitação, o que supõe e exige a prolação desta.
Assim e em resposta à segunda questão colocada no recurso, concluiu-se que a reclamação contra a relação de bens apresentada pelo Recorrente não é extemporânea, uma vez que à data do falecimento da sua falecida avó o prazo para o exercício de tal direito – reclamar da relação de bens – ainda não se tinha completado, não se questiona, o prazo já decorrido foi inutilizado com o despacho que decretou a suspensão da instância [cfr. ponto 1 supra] e só voltará a correr com a notificação da decisão que considere habilitado o Recorrente para os termos do inventário [artigos 275.º, n.º 2, 2.ª e 276.º, n.º 1, alínea a), do CPC]
Havendo sido outro o entendimento da decisão recorrida, resta revogá-la e determinar a sua substituição por outra que julgue habilitado o Recorrente como sucessor da interessada (…), prosseguindo depois os autos com a reclamação contra a relação de bens por este apresentada, caso não venha a apresentar nova reclamação contra a relação de bens no prazo a que se reporta o artigo 1104.º do CPC.
Procede o recurso.
3. Custas
Configurando-se o Recorrente parte vencedora no recurso, sem oposição de qualquer interessado e não permitindo os autos formular um juízo quanto ao proveito que deste lhe resulta (artigos 527.º, nºs 1 e 2, a contrario, do CPC), as custas correm por quem a final as houver que pagar.
Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)
IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso em revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que julgue habilitado (…) como sucessor da interessada (…), prosseguindo depois os autos em conformidade com o supra exposto.
Custas pelo vencido a final.
Évora, 25/1/2023
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. 3º, pág. 179.
[2] Cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC anotado, vol. II, 2ª ed., pág. 572.
[3] Lopes do Rego, A recapitulação do inventário, revista Julgar online.