MASSA INSOLVENTE
EXCLUSÃO DE BENS
ILEGITIMIDADE
Sumário

- nos termos do disposto no artigo 43.º/4 do RJEU, reiterando o regime que resultava já do anterior diploma, os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos arts. 1420.º a 1438.º-A do Código Civil;
- o que tem aplicação a loteamentos já implementados à data da respetiva entrada em vigor;
- o prédio urbano composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos afetos a uso comum dos proprietários dos lotes de terreno não é suscetível de propriedade individual cindível dos direitos de cada proprietário dos lotes.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Reclamada: Massa Insolvente de (…), SA
Recorrida / Reclamante: Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…), NIPC (…), representada por (…) dos Condomínios, Lda.

Fazendo apelo ao regime inserto nos artigos 141.º e seguintes do CIRE, foi apresentada reclamação com vista a ser declarada a exclusão da massa insolvente do lote de terreno composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, com a área de 52.861 m2, denominado “(…), Sub-Zona 4.3.1.”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, já que são espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, de natureza privada, dos prédios sucessivamente desanexados dos prédios descritos na mesma Conservatória sob os números (…) e (…), os quais constituem no seu conjunto o loteamento denominado “(…)”, Sub-Zona 4.3.1. Mais foi peticionado o cancelamento do registo de apreensão em favor da massa insolvente.
Para tanto, a Reclamante invocou ter sido constituído o aldeamento denominado “(…)” por via da operação de loteamento s/n de 22 de novembro de 1967 da qual resultou, entre muitos outros, o prédio descrito sob o n.º (…), na Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, cujo registo de aquisição consta em favor da Insolvente (…), SA e que foi apreendido para a massa insolvente. Trata-se de lote de terreno com a área de 52.861 m2, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, integralmente afeto a uso comum do aldeamento, que vem sendo administrado pela Reclamante mediante comparticipação dos proprietários dos lotes que compõem o aldeamento. Os referidos proprietários dos prédios são donos, em comum, do mencionado prédio, na medida em que este constitui área de utilização coletiva dos mesmos, tendo aplicação o regime atinente à propriedade horizontal, nomeadamente o disposto no artigo 1420.º, n.º 1, do CC. Por conseguinte, não pode a Insolvente ter-se como proprietária desse prédio, não podendo o mesmo ser apreendido para a massa.
Subsidiariamente, pretende a Reclamante que se reconheça que o mencionado prédio foi adquirido por usucapião por aqueles proprietários das frações imobiliárias que integram o denominado “(…)”, atenta a ocupação por mais de vinte anos, mantendo-se sempre a utilização como partes comuns daqueles prédios.
Em sede de contestação, a Reclamada invocou a falta de legitimidade da Reclamante porquanto não existe propriedade horizontal, nem forma de os vários proprietários de edifícios integrados na denominada “(…)” mandatarem uma administradora das partes comuns. Pugnou pela improcedência da reclamação, já que o direito de propriedade sobre o mencionado lote se encontra inscrito a favor da Insolvente, tendo esta realizado melhorias nesse prédio e suportado os respetivos impostos, pelo que seria a Insolvente quem poderia ter adquirido por usucapião.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade da Reclamante.
Decorridas as pertinentes diligências, veio a ser proferida sentença julgando totalmente procedente a reclamação, determinando a separação da massa insolvente do lote de terreno composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, com a área de 52.861 metros quadrados, denominado “(…), Sub-Zona 4.3.1”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, por constituir espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias, de natureza privada, dos prédios sucessivamente desanexados dos prédios descritos na mesma Conservatória sob os números (…) e (…), os quais constituem no seu conjunto o loteamento denominado “(…)”, Sub-Zona 4.3.1, ordenando o consequentemente cancelamento do registo de apreensão.
Inconformada, a Reclamada apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedente a reclamação. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1ª - A A. não tem legitimidade substantiva para propor esta ação.
2ª - Onde não existe uma propriedade horizontal não pode haver uma sua administradora.
3ª - A A. também não tem legitimidade substantiva para reclamar o prédio apreendido pela Massa em nome de todos os proprietários a título de usucapião, já que isso implicaria a intervenção de todos os proprietários de todos os lotes.
4ª - Dessa ilegitimidade deve decorrer a absolvição da Massa aqui Ré.
5ª - Estando o prédio dos autos registado a favor da insolvente, o registo faz presumir a sua propriedade a favor daquela.
6ª - Ainda que assim não fosse, resulta dos factos provados que a insolvente adquiriu o prédio pela usucapião, pois soma a sua posse à das anteriores proprietárias, sendo que todas foram públicas, pacíficas, em boa fé, na convicção de serem proprietárias do prédio apreendido e se prolongaram, consecutivamente, por bem mais de 20 ou 30 anos.
7ª - A existência desse direito de propriedade a favor da insolvente afasta o direito invocado pela A.
8ª - O loteamento não é um modo de constituição de Propriedade Horizontal e esta só pode constituir-se nos termos do artigo 1417.º do Código Civil.
9ª - Mesmo aceitando o princípio de que, na resolução dos conflitos entre particulares relacionados com o aproveitamento das zonas comuns, se deve lançar mão das regras da PH, daí não resulta que o legislador do DL 448/91 ou do DL 555/99, tenha querido criar um novo modo de constituição de propriedade horizontal para além dos que a lei civil já consagrava.
10ª – De qualquer modo, atenta a data em que ocorreu o loteamento dos autos, em 24 de março de 1972, não pode dizer-se que lhe são aplicáveis as regras do DL 448/91 ou do DL 555/99.
11ª - Entre 1965 e 1973, vigorou o DL 466673, de 29 de novembro, que não tinha qualquer regra semelhante.
12ª - Não existindo a norma, não pode dizer-se que foi por força do loteamento que aquelas parcelas ficaram sujeitas ao regime da Propriedade Horizontal.
13ª - Considerar que o DL 448/91 e/ou o DL 555/99 se aplicam aos loteamentos concluídos vinte anos antes de serem publicados seria atropelar a previsão do artigo 12.º/1, do Código Civil que estabelece que a lei só dispõe para o futuro.
14ª - A situação não se alterou por força da existência de um Alvará do turismo, ou de um regulamento interno que disciplinava o funcionamento do estabelecimento hoteleiro que aquele autorizou a funcionar.
15ª - Nenhum desses instrumentos é um modo legal de transmissão de propriedade imobiliária, ou de constituição de Propriedade horizontal.
16ª - Nada justifica a apropriação do prédio apreendido – e a dos demais elementos nele introduzidos e propriedade da insolvente – pela A. ou pelos proprietários dos demais lotes que se veriam enriquecidos injustificadamente à custa dos credores que a Massa representa.
17ª - Violou a decisão recorrida, na interpretação e aplicação que deles fez ao caso, as normas dos artigos 7.º do Código de Registo Predial, 1256.º/1, 1316.º e 1417.º do Código Civil, 73.º do DL 448/91 e 128.º do DL 555/99.»
A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que a legitimidade processual foi já objeto de decisão e que a legitimidade substantiva contende com a decisão de mérito. Quanto aos mais, invoca que o prédio em causa, atenta a finalidade das parcelas que o compõem, não pode ser objeto de propriedade singular, separado dos prédios que constituem o aldeamento.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
- da ilegitimidade da Reclamante;
- do direito de propriedade da Insolvente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…).

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância:
1.º A sociedade (…) – Empreendimentos Imobiliários e (…), S. A. desenvolveu, a partir de 1967, o projeto de urbanização de Vilamoura, composto por vários setores, com projetos urbanísticos autónomos, no qual se incluía a zona 3, do Sector 4.
2.º Da memória descritiva e justificativa do projeto urbanístico referido em 1.º resultava que se pretendia construir no Sector 4.3 um conjunto de aldeamentos do tipo vulgarmente chamado de “aldeamento turístico”, constituído por um conjunto habitacional, envolvido por área arborizada, associado a equipamentos, como piscina de recreio, restaurante e supermercado, prevendo-se ainda que a Zona 3, constasse de duas sub-zonas 3.1 e 3.2.
3.º A Zona 3 teria uma área total de 108.010 m2, com uma área total de lotes de 39.812 m2, 29.712 m2 da Sub-Zona 4.31 e 10.100 m2, da Sub-Zona 4.32, sendo as restantes, áreas comuns próprias das sub-zonas e áreas públicas exteriores às sub-zonas.
4.º Foi realizado o loteamento do Sector 4, Zona 3, Subzona 1, inserido no alvará de loteamento n.º 67, de 22 de novembro, emitido em nome da dita (…), S. A., que constituiu o aldeamento turístico denominado “(…)”.
5.º A (…), SA cedeu os respetivos lotes que constituíam o Sector 4.31 a “(…), Portugal, Urbanização (…) do Algarve, Limitada”.
6.º Esta última veio a requerer diversas alterações ao projeto de licenciamento na (…), em 1972, nomeadamente, procedendo à reorganização da distribuição das moradias, suprimindo os respetivos logradouros, de forma a obter um espaço arborizado homogéneo de utilização coletiva e piscina.
7.º Previu-se expressamente que “Beneficiações Propostas I) Supressão da delimitação de logradouros das habitações – os espaços envolventes passam a ter função comunitária, com tratamento paisagístico adequado”.
8.º Submetidas as respetivas alterações a licenciamento camarário, através de retificações ao alvará 67, o mesmo foi deferido, em 24 de março de 1972 e com pequenas alterações posteriores constitui o conjunto urbanístico da “(…)”, existente na atualidade, incluindo as áreas que constituem as atuais zonas ajardinadas, estacionamentos e arruamentos, que se encontravam já previstas no loteamento, para tal finalidade, na sequência do que foi desenvolvido o loteamento que se denominou “(…)”, no complexo urbanístico de Vilamoura, construídas as edificações hoje aí existentes.
9.º Inicialmente a manutenção das partes comuns incluindo zonas ajardinadas, arruamentos, iluminação, redes de eletricidade, de água, de esgotos domésticos e pluviais e a conservação da pintura exterior das moradias corria por conta da dita “(…) Holst”, conforme previsões constantes das diversas escrituras de compra e venda das moradias, que eram celebradas, para o que os respetivos compradores se comprometiam a liquidar uma quantia fixada nas mesmas escrituras.
10.º No dia 27 de dezembro de 1979 a dita “(…), Portugal, Urbanização (…) do Algarve, Limitada”, em escritura de cessão das respetivas quotas, alterou a sua denominação para “(…) – Algarve Empreendimentos Turísticos, Limitada”.
11.º A zona 4.3.1 tinha a área total de 86.000 m2 e era constituída pelos prédios descritos em Livro sob os números (…), originalmente com 74.000 m2 e o prédio (…) com 12.000 m2, ambos desanexados do prédio (…).
12.º Ao prédio (…) foram desanexados os prédios (…), com a área de 19.000 m2, (…), com a área de 18.000 m2 e (…), com a área de 18.000 m2.
13.º Ao prédio (…) foram ainda desanexados os prédios (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…).
14.º Ao prédio (…), desanexado que havia sido do prédio (…), foram por sua vez desanexados os seguintes prédios: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…).
15.º Ao prédio (…), desanexado que havia sido do prédio (…), foram por sua vez desanexados os seguintes prédios: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…). 16.º Ao prédio (…), desanexado que havia sido do prédio (…), foram, por sua vez, desanexados os seguintes prédios: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…).
17.º Ao prédio (…), desanexado que havia sido do prédio (…), foram, por sua vez, desanexados os seguintes prédios: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…). 18.º Ao prédio (…), desanexado que havia sido do prédio (…), e que constituía conjuntamente com o prédio (…) o conjunto Sub-Secção 4.3.1, foram sucessivamente desanexados os seguintes prédios: (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…).
19.º As partes remanescentes dos prédios (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…) foram anexadas, formando o prédio (…), ficando por isso inutilizadas as descrições originais dos prédios.
20.º Ao prédio (…), originalmente com a área de 57.361 m2, foi desanexado o prédio, restando com a área de 52.861 m2.
21.º O prédio n.º (…) encontra-se atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, como lote de terreno, com a área de 52.861 m2, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos e encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 350.630,00, como terrenos situados dentro de aglomerados urbanos onde não é permitido construir e sem afetação agrícola e a propriedade do mesmo encontra-se inscrita a favor da Insolvente “(…) – Empreendimentos Turísticos, Limitada”, conforme Ap. (…), de 22 de julho de 1999.
22.º Por despacho do Secretário de Estado do Turismo n.º 13, de 1994 foi concedido ao denominado aldeamento “(…)” o licenciamento a título de “Aldeamento Turístico de 1.ª Classe”, constando que seria regido pelo estabelecido no Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de setembro e Decreto Regulamentar n.º 8/89, regimes legais dos denominados “aldeamentos turísticos”.
23.º O Aldeamento Turístico “(…)” tinha uma área total de 109150 m2 e provinha dos destaques sucessivos suprarreferidos aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob os números (…), (…) e (…), os quais haviam sido destacados originalmente do prédio descrito na mesma Conservatória sob o número (…).
24.º No instrumento referido em 22.º encontrava-se estabelecido que constituem partes comuns do aldeamento:
a. Frações imobiliárias, definidas como conjunto de todos os arruamentos, ajardinados, porque infantil e parques de estacionamento, ocupando, no terreno, uma área de 78.348,40 m2;
b. Infraestruturas:
i. Rede interna de distribuição de água e respetiva ligação à rede geral;
ii. Rede interna de fornecimento de gás e respetiva ligação à rede geral;
iii. Rede interna de distribuição de eletricidade e respetiva ligação à rede geral;
iv. Rede interna de esgotos e respetiva ligação à rede geral, incluindo estações de tratamento e bombagem;
v. Posto de transformação privativo do aldeamento;
c. Serviços:
i. Recolha de lixos;
ii. Conservação, manutenção e limpeza das infraestruturas de utilização turística.
25.º Foi elaborado um denominado “Regulamento Interno da (…)” prevendo-se, no que para estes autos releva:
a. No artigo 1.3 que “Nos contratos de transmissão, sob qualquer forma, de direitos relativos às unidades e frações que integram a (…), deve constar a aceitação, por parte do contratante que os assume, daquilo que este Regulamento estabelece.”
b. No artigo 1.4 – 1 que “Às relações entre os proprietários das várias unidades e ou frações imobiliárias é aplicável o regime da propriedade horizontal, com as necessárias adaptações resultantes das características do Aldeamento e do disposto nos diplomas legais e regulamentares que vigorarem no sector (DL 328/86, artigo 46.º-1)”;
c. No artigo 1.4 – 2 que “Assumem particular relevância nesta matéria os DL n.º 328/86, de 30 de Setembro e DR 8/89, de 21 de Março, com base nos quais a administração da (…) se identifica como a administração de um condomínio, onde há a considerar: a) a equiparação das unidades de alojamento e de outras frações imobiliárias às frações autónomas do regime da propriedade horizontal; b) Uma Entidade Exploradora, proprietária das unidades e ou frações imobiliárias que não são unidades de alojamento nem partes comuns e comproprietária destas últimas; c) Os proprietários das unidades de alojamento, também comproprietários das partes comuns”;
d. No artigo 1.5 – 1 que “O Título Constitutivo (ANEXO I) contém a composição da (…), evidenciando as áreas da propriedade e da compropriedade através da discriminação das partes comuns, das unidades de alojamento e das partes pertencentes à Entidade Exploradora; dos dois últimos destes grupos discriminam também as permilagens que relacionam os valores individuais dos seus componentes com o valor total de ambos. (…)”
e. No artigo 1.5 – 4 que “Os arruamentos, passagens, acessos e demais espaços exteriores destinados a uso exclusivo e comum dos utentes constituem uma única fração imobiliária. (…)”.
26.º Pela apresentação 6, de 7 de fevereiro de 1996, foi averbado à descrição de cada um dos prédios supra aludidos, resultantes das sucessivas desanexações aos prédios (…) e (…), que os mesmos faziam parte integrante do aldeamento turístico de 1.ª classe “(…)”.
27.º Após levantamento topográfico realizado em novembro de 2014 apurou-se que a área total do terreno da “(…)”, subseção 4.3.1, é de 88.781 m2, compreendendo os lotes e as áreas comuns e que estas últimas somavam a área real de 55.483 m2.
28.º O conjunto urbanístico “(…)” encontra-se delimitado, em toda a sua extensão, por gradeamento que o separa dos prédios e espaços circundantes, bem como existem portões automáticos para saída e entrada, de acesso à via pública, que o separam dos demais, pelo que os espaços que integram o prédio 4069 apenas são utilizados pelos proprietários de prédios ou frações integradas naquele conjunto ou por quem estes permitem.
29.º A Câmara Municipal de Loulé certificou, em 2 de julho de 2015, que o “lote de terreno, em nome de ‘(…) – Empreendimentos Turísticos, S. A.”, prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), sito em Vilamoura, lote 4.3.1., descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, é uma área privada de uso e fruição comum de prédios que constituem o aldeamento turístico denominado “(…)”, inserto no alvará de loteamento s/n.º de 67, de 22 de novembro, sector 4, zona 3, subzona 1, em Vilamoura, emitido em nome de (…) – Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, S.A..
30.º Desde 1992 até ao presente que os proprietários dos diversos prédios que constituem o “Aldeamento (…)” vêm participando nas assembleias de proprietários, constituíram a “Associação de Proprietários” prevista no título constitutivo, pagam as comparticipações decorrentes das despesas necessárias à manutenção e fruição das partes comuns, na permilagem fixada no respetivo título constitutivo.
31.º No dia 8 de abril de 1999 “(…), Empreendimentos Turísticos Limitada” vendeu a “(…), Empreendimentos Turísticos Limitada”, o “Lote de Terreno pelo preço de vinte e cinco milhões de escudos, composto por zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos da “Urbanização (…)”, com a superfície total de cinquenta e dois mil oitocentos e sessenta e um metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…)”, tendo a compradora inscrito a aquisição a seu favor.
32.º A compra referida em 31.º inseriu-se em escritura de trespasse do estabelecimento industrial similar de hotelaria (conjunto turístico) denominado “Aldeamento Turístico (…)”.
33.º A compradora, atualmente Insolvente “(…) S.A.”, na qualidade de entidade exploradora do complexo urbanístico passou a contratar funcionários para assegurarem a manutenção do aldeamento, custeando as obras no mesmo realizadas, contratando fornecimento de bens para o mesmo, cobrando as comparticipações aos proprietários.
34.º A exploradora separou, como empreendimento autónomo, uma zona denominada “Secção 4.3.2”, que constitui um prédio autónomo relativamente à zona da “Secção 4.3.1”, deixou ainda de manter o número mínimo de 50% das unidades de alojamento em regime de exploração turística, por ter alienado grande parte das frações imobiliárias de que inicialmente era proprietária, nomeadamente, o edifício da administração, o restaurante e a piscina e extinguiu parte dos serviços como a limpeza das unidades de alojamento, o transporte de clientes, deixando de exercer atividade turística, restando a utilização pelos proprietários das moradias que fazem um uso das habitações essencialmente para férias.
35.º O denominado “Aldeamento Turístico (…)” foi desclassificado pelo Turismo de Portugal, I.P., de aldeamento turístico, caducando a autorização de utilização para fins turísticos, nos termos do disposto no artigo 33.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 39/2008, por despacho datado de 18 de novembro de 2014, obrigando ao encerramento do empreendimento pela entidade exploradora.
36.º Em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade comercial (…), S.A., de 1 de março de 2015, foi deliberada a respetiva apresentação à insolvência.
37.º No dia 22 de maio de 2015 foi realizada assembleia geral de proprietários os quais deliberaram, conforme ponto 2 da respetiva ata, a “eleição de nova administração do Aldeamento da (…)”, cessando a administração pela sociedade “(…), S.A.” e mais se deliberando nomear para a administração das zonas comuns a “Bolsa de Condomínios, Lda.”, para o exercício de administração de 2015, deliberação que não foi objeto de qualquer impugnação.
38.º Atualmente e desde a data referida em 37.º é a “Bolsa dos Condomínios” quem, na qualidade de “administradora das partes comuns do aldeamento”, assegura a respetiva administração, cuida dos espaços de utilização coletiva, através dos seus funcionários rega e mantém os jardins, limpa os espaços verdes, mantém e assegura a manutenção da piscina, contrata e paga a empresa de segurança, assegura a limpeza dos esgotos, paga a eletricidade para os equipamentos de apoio aos portões e bombas de rega, assegura a manutenção e reparação dos equipamentos e trata de todo o expediente relativo à administração como emissão e envio de notas de pagamento aos proprietários, contrata e assegura o pagamento de serviços jurídicos, nomeadamente, com vista à cobrança das comparticipações.
39.º A assembleia de proprietários realizada em 2 de maio de 2015 deliberou o registo da “Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…)” no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, como entidade equiparada, sendo-lhe atribuído o NIPC (…).
40.º Os proprietários dos prédios que integram o complexo urbanístico “(…)” deliberaram ainda aprovar um “Regulamento da Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…)”, no qual se prevê e regula os termos da gestão dos espaços comuns e se estabeleceram as permilagens de cada prédio integrado naquele complexo urbanístico, considerando os respetivos valores patrimoniais tributários.
41.º Decretada a insolvência da “(…), S.A.” foi apreendido, entre outros, o lote de terreno correspondente ao mencionado prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, conforme Ap. (…), de 29 de janeiro de 2016.
42.º A presente ação foi registada por Ap. (…), de 29 de março de 2022.

B – O Direito
Da ilegitimidade da Recorrida
No âmbito do despacho saneador, foi proferida decisão que julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa.
O que, por via do disposto no artigo 644.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, não transitou em julgado, podendo aquela decisão ser colocada em causa nos termos do n.º 3 do citado normativo legal.
A decisão proferida em 1.ª Instância assentou na consideração de que, tal como a Reclamante configura a ação, o imóvel é composto por partes comuns dos lotes resultantes das operações de loteamento. O fundamento jurídico consiste na aplicação das regras relativas à propriedade horizontal; o fundamento de facto consiste na afirmação de que a assembleia dos proprietários mandatou a Administração das Partes Comuns para propor ações judiciais com vista a defender a propriedade das partes comuns do aldeamento, ratificando o que tinha já sido processado nestes concretos autos.
Ora, a Recorrente invoca que não se reconduzindo a situação ao instituto da propriedade horizontal, não pode a Recorrida assumir-se como um condomínio e reclamar o prédio apreendido para a massa, nem pode fazê-lo sem intervenção de todos os proprietários de todos os lotes.
Afigura-se que a questão suscitada contende com a personalidade judiciária da Recorrida. Personalidade essa que resulta afirmada nos termos do disposto no artigo 12.º, alínea e), caso venha a considerar-se que a Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…), NIPC (…), tem a natureza de condomínio.
Já no que diz respeito à possibilidade de a Recorrida atuar na defesa de direito de propriedade que cabe, em comum, a todos os proprietários a discussão tem lugar no âmbito da legitimidade do administrador (cfr. artigo 1437.º do CC, na versão original e vigente à data da propositura da reclamação) ou da representação do condomínio em juízo (cfr. artigo 1437.º do CC, na versão decorrente da Lei n.º 8/2022, de 10/01). Independentemente da redação acolhida numa e noutra versão do preceito, que releva para efeitos de determinação de quem é parte na causa e de quem atua como representante da parte (questão não suscitada neste recurso), certo é que a intervenção judiciária da entidade representativa de todos os proprietários apenas pode ter lugar relativamente às partes comuns, no exercício das funções que lhe competem nesse âmbito ou, estando em causa outras questões, designadamente relativas à propriedade ou posse de bens comuns, desde que haja expresso mandato conferido pela assembleia de proprietários para o efeito – cfr. n.º 3 da versão original e n.º 2 na versão atual.
Uma vez que está demonstrado, e não foi impugnado em sede de recurso, que a assembleia dos proprietários mandatou a Administração das Partes Comuns para propor ações judiciais com vista a defender a propriedade das partes comuns do aldeamento, ratificando o que tinha já sido processado nestes concretos autos, resulta afirmada a regularidade da intervenção da referida entidade na questão relativa à propriedade de bens comuns.
O que, claro está, permanece dependente da questão a apreciar subsequentemente, atinente à aplicabilidade ao caso presente do regime da propriedade horizontal.

Do direito de propriedade da Insolvente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número (…)
Está em causa uma situação fáctica decorrente de operações de loteamento processadas no âmbito do projeto de urbanização de Vilamoura conforme alvará de loteamento s/n de 22 de novembro de 1967, com as retificações deferidas a 24 de março de 1972 pelos respetivos serviços municipais. Deu origem ao complexo urbanístico de Vilamoura, designado de (…).
Nos termos do DL 466673, de 29 de novembro de 1965 (diploma que então regulava os meios legais de intervenção nas operações de loteamento urbano), entende-se por loteamento urbano, para os efeitos deste diploma, a operação ou o resultado da operação que tenha por objeto ou tenha tido por efeito a divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários, situados em zonas urbanas ou rurais, para venda ou locação simultânea ou sucessiva, e destinados à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais – cfr. artigo 1.º. Ali se previa que a licença de loteamento será titulada por alvará do qual constarão as prescrições a que o requerente fica sujeito, e designadamente os condicionamentos de natureza urbanística, entre eles o traçado da rede viária, espaços livres e arborizados, parques de estacionamento, zonas comerciais ou industriais e desportivas, e as obrigações que, em face do estudo económico, deve assumir, tais como o encargo de mais-valia, ou a execução direta, sob fiscalização da câmara municipal, dos trabalhos de urbanização e cedência de terreno para equipamento urbanístico – cfr. artigo 6.º, n.º 1.
Tal diploma veio a ser revisto pelo DL n.º 289/73, de 6 de junho, o qual, por sua vez, foi revogado pelo DL n.º 400/84, de 31 de dezembro, diploma que estabeleceu o novo regime jurídico das operações de loteamento urbano.
Revogando aquele, seguiu-se o DL n.º 448/91, de 29 de novembro, aprovando o regime jurídico dos loteamentos urbanos. No respetivo preâmbulo consta o seguinte:
«Uma das grandes preocupações do presente diploma foi proporcionar um conjunto de instrumentos que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações residentes nas urbanizações resultantes de operações de loteamento.» Nesta senda, o artigo 15.º contemplava a seguinte redação:
Terrenos para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos
1 - As parcelas de terreno destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos ou os parâmetros para o dimensionamento de tais parcelas são os que estiverem definidos nos planos municipais de ordenamento do território ou, quando os planos não os tiverem definido, os constantes da portaria a que se refere o artigo 45.º.
2 – (…)
3 - Os espaços verdes privados constituem partes comuns dos edifícios a construir nos lotes resultantes da operação de loteamento e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º do Código Civil.
Revogando aquele regime jurídico, seguiu-se então o DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), diploma atualmente em vigor.
Operações de loteamento, nos termos do RJUE, são as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento – cfr. artigo 2.º, alínea i), do RJUE.
O artigo 43.º/4, do RJEU, reiterando o regime que resultava já do anterior diploma, determina que os espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil.
Trata-se de disciplina normativa que se enquadra na previsão do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC, relativa à aplicação das leis no tempo, nos termos da qual quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. Por força deste regime legal, quer o artigo 15.º do RJLU aprovado pelo DL n.º 448/91, de 29/11, quer o artigo 43.º/4, do RJUE aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, se aplicam aos loteamentos já implementados, regulando os espaços privados de utilização comum pelos titulares dos lotes resultantes das operações de loteamento. Assim se logrou prosseguir a pretendida e anunciada “melhoria da qualidade de vida das populações residentes nas urbanizações resultantes de operações de loteamento” – cfr. preâmbulo do DL n.º 448/91, de 29/11.
Deste modo, ao conjunto urbanístico denominado Aldeia do Golfe aplica-se o regime atinente aos direitos e encargos dos condóminos, entendidos como os proprietários dos lotes que beneficiam dessas partes comuns (artigos 1420.º a 1429.º-A do CC) e à administração das partes comuns do edifício, entendido como lotes (artigos 1430.º a 1438.º-A do CC). É que, nos termos do disposto no artigo 1438.º-A do CC, o regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem.
Se bem que não se trate da constituição da propriedade horizontal, não lhe sendo aplicável o regime notarial da sua constituição, certo é que a lei estabelece o aproveitamento de um regime legal pré-definido que já deu mostras de idoneidade na resolução dos litígios surgidos entre privados no aproveitamento das zonas comuns.[1] A inexistência de um título constitutivo da propriedade horizontal não afasta, por isso, a aplicação do disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do CC, ex vi do artigo 43.º/4, do RJUE.[2]
O DL n.º 267/94, de 25/10 alterou o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil e o Código do Registo Predial. Fez constar do seu preâmbulo, designadamente, que se decidiu estender o âmbito de incidência do instituto, por forma a ser possível submeter ao respetivo regime conjuntos de edifícios. Salvaguardou-se, porém, a interdependência das frações ou edifícios e a dependência funcional das partes comuns como características essenciais do condomínio. Então, aditou ao Código Civil o artigo 1438.º-A, supratranscrito. Em consonância com tal regime legal, o DL n.º 555/99 fez incluir no artigo 43.º/4 o artigo 1438.º-A do Código Civil.
No caso em apreço, resultou provado que, inicialmente, a manutenção das partes comuns eram suportadas pelos compradores dos lotes, conforme fixado nas escrituras celebradas (cfr. n.º 9 dos factos provados); os proprietários dos lotes, reunidos em assembleias gerais, aprovaram o Título Constitutivo do Aldeamento Turístico (…) e o Regulamento Interno da … (cfr. n.ºs 22 a 25 dos factos provados); desde 1992 até ao presente, os proprietários dos diversos prédios que constituem o “Aldeamento (…)” vêm participando nas assembleias de proprietários, constituíram a “Associação de Proprietários” prevista no título constitutivo, pagam as comparticipações decorrentes das despesas necessárias à manutenção e fruição das partes comuns, na permilagem fixada no respetivo título constitutivo (cfr. n.º 30 dos factos provados); em maio de 2015 foi realizada assembleia geral de proprietários os quais deliberaram a “eleição de nova administração do Aldeamento da (…)” (cfr. n.º 37 dos factos provados) e o registo da “Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…)” no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, como entidade equiparada, sendo-lhe atribuído o NIPC … (cfr. n.º 39 dos factos provados); os proprietários dos prédios que integram o complexo urbanístico “(…)” deliberaram ainda aprovar um “Regulamento da Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…)”, no qual se prevê e regula os termos da gestão dos espaços comuns e se estabeleceram as permilagens de cada prédio integrado naquele complexo urbanístico, considerando os respetivos valores patrimoniais tributários (cfr. n.º 40 dos factos provados).
O que, manifestamente, evidencia a adesão do regime legal da propriedade horizontal consagrado nos artigos 1420.º e seguintes do CC, de aplicação facultativa – cfr. artigo 1438.º-A do Código Civil.
Por via disso, para efeitos de aplicação do regime legal atinente à propriedade horizontal (com exceção das normas relativas à respetiva constituição), passa a considerar-se condomínio a realidade decorrente das referidas operações de loteamento. As atas das reuniões das assembleias dos proprietários dos lotes são tidas como atas de assembleias de condóminos que obrigatoriamente têm de ser redigidas para contemplar as deliberações tomadas, tal como impõe o artigo 1.º/1, do DL n.º 268/94, de 25/10.
Resulta, assim, improcedente a pretensão recursória no que respeita à exceção da ilegitimidade, questão que tinha ficado pendente e que agora alcança desfecho pela aplicação das regras atinentes ao regime da propriedade horizontal.
No que respeita ao mais, constata-se que a Recorrente sustenta a respetiva oposição à reclamação com fundamento na sua qualidade de proprietária, quer com base na presunção registral quer com recurso ao instituto da usucapião.
Está em causa o prédio n.º (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, como lote de terreno, com a área de 52.861 m2, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), com o valor patrimonial de Euros 350.630,00, cuja propriedade se encontra inscrita a favor da Insolvente “(…) – Empreendimentos Turísticos, Limitada” – cfr. n.º 21 dos factos provados. O conjunto urbanístico “(…)” encontra-se delimitado, em toda a sua extensão, por gradeamento que o separa dos prédios e espaços circundantes, bem como existem portões automáticos para saída e entrada, de acesso à via pública, que o separam dos demais, pelo que os espaços que integram o prédio (…) apenas são utilizados pelos proprietários de prédios ou frações integradas naquele conjunto ou por quem estes permitem – cfr. n.º 28 dos factos provados. Desde 1992 até ao presente que os proprietários dos diversos prédios que constituem o “Aldeamento (…)” vêm participando nas assembleias de proprietários, constituíram a “Associação de Proprietários” prevista no título constitutivo, pagam as comparticipações decorrentes das despesas necessárias à manutenção e fruição das partes comuns, na permilagem fixada no respetivo título constitutivo – cfr. n.º 30 dos factos provados. (…), S.A., na qualidade de entidade exploradora do complexo urbanístico, passou a contratar funcionários para assegurarem a manutenção do aldeamento, custeando as obras no mesmo realizadas, contratando fornecimento de bens para o mesmo, cobrando as comparticipações aos proprietários – cfr. n.º 33 dos factos provados. No dia 22 de maio de 2015 foi realizada assembleia geral de proprietários os quais deliberaram, conforme ponto 2 da respetiva ata, a “eleição de nova administração do Aldeamento da (…)”, cessando a administração pela sociedade “(…), S. A.” e mais se deliberando nomear para a administração das zonas comuns a “(…) de Condomínios, Lda.”, para o exercício de administração de 2015, deliberação que não foi objeto de qualquer impugnação – cfr. n.º 37 dos factos provados. Desde então, é a “Bolsa dos Condomínios” quem, na qualidade de “administradora das partes comuns do aldeamento”, assegura a respetiva administração, cuida dos espaços de utilização coletiva, através dos seus funcionários rega e mantém os jardins, limpa os espaços verdes, mantém e assegura a manutenção da piscina, contrata e paga a empresa de segurança, assegura a limpeza dos esgotos, paga a eletricidade para os equipamentos de apoio aos portões e bombas de rega, assegura a manutenção e reparação dos equipamentos e trata de todo o expediente relativo à administração como emissão e envio de notas de pagamento aos proprietários, contrata e assegura o pagamento de serviços jurídicos, nomeadamente, com vista à cobrança das comparticipações – cfr. n.º 38 dos factos provados. O que é prosseguido em conformidade ao
Regulamento da Administração das Partes Comuns do Aldeamento (…) – cfr. artigo 40.º dos factos provados.
Tal factualidade revela que as parcelas e equipamentos que integram o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…) constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento versada nos autos e dos edifícios neles construídos, regendo-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do CC. Assim o impõe o artigo 43.º/4, do RJEU. Constitui direito de compropriedade de cada titular dos lotes, incindível do direito de propriedade de cada titular sobre o respetivo lote – artigo 1420.º/1 e 2, do Código Civil.
Termos em que, por força da lei, não podem as parcelas e equipamentos que integram o referido prédio n.º (…) constituir prédio autónomo.
Assim o entendeu a Câmara Municipal de Loulé, já que certificou, em 2 de julho de 2015, que o “lote de terreno, em nome de (...) – Empreendimentos Turísticos, S.A., prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), sito em Vilamoura, lote 4.3.1., descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, composto de zonas ajardinadas, parques de estacionamento, passeios e arruamentos, é uma área privada de uso e fruição comum de prédios que constituem o aldeamento turístico denominado “(…)”, inserto no alvará de loteamento s/n.º de 67, de 22 de novembro, sector 4, zona 3, subzona 1, em Vilamoura, emitido em nome de (…) – Empreendimentos (…) e Turísticos, S.A. – cfr. n.º 29 dos factos provados.
Acresce que a utilização que vem sendo feita daquelas parcelas e equipamentos, ainda que mediante intervenção da (…), S.A. (na qualidade de entidade exploradora do complexo urbanístico e antes de maio de 2015, cobrando as comparticipações nas despesas aos proprietários dos lotes), traduz a atuação em moldes correspondentes ao exercício do direito de compropriedade, como se de um condomínio se tratasse. O que foi reforçado a partir 22 de maio de 2015, atento o que foi deliberado em assembleia geral de proprietários. Nestes termos, a posse que vem sendo exercida corre em benefício do direito de compropriedade dos proprietários dos lotes, e não já em favor da usucapião da Recorrente, conforme por esta invocado – cfr. artigos 1251.º e 1287.º do Código Civil.
Improcedem as conclusões da alegação do recurso, acompanhando-se a decisão proferida em 1.ª Instância no sentido da procedência da reclamação, julgando-se verificado o direito de restituição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…).

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.

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Évora, 9 de fevereiro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Fernanda Oliveira, Maria Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Anotado, 3.ª ed., págs. 374 e 375.
[2] Ac. TRE de 08/06/2017 (Manuel Bargado).