Nos termos da lei do Estado da residência habitual das crianças (França), não se encontrando os progenitores casados, um progenitor não pode, sozinho, decidir pela mudança de residência dos menores, sem que tenha o consentimento do outro progenitor para o efeito, situação que se mantém ainda que os progenitores estejam separados e as responsabilidades parentais não estejam reguladas.
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
O Ministério Público, em representação do Estado Português/Direcção Geral de Reinserção Social (DGRS), ao abrigo do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, 1.º, alíneas a) e b), 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, alínea a), 6.º, 7.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980, veio propor contra (…), residente em (…), Portugal, uma Acção Tutelar Comum, de natureza urgente com vista ao regresso a França das crianças (…) e (…).
Alegou, em síntese, que as crianças nasceram em França, filhos de pais portugueses não casados entre si, que viviam em união de facto, residindo em França desde 2011.
A Requerida, mãe dos menores, acordou com o pai destes em viajar para Portugal com as crianças entre 24 de Maio e 5 de Junho de 2021.
Contudo, em vez de regressar a França com as crianças na data prevista, permaneceu em Portugal com os filhos, residindo na Rua (…), Lote 3, Fracção 3E-B, em (…), retendo-os cá contra a vontade do progenitor.
O progenitor formulou pedido de regresso dos menores junto da Autoridade Central francesa. A DGRS (Autoridade Central portuguesa para a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) recebeu da sua congénere francesa a pretensão apresentada pelo progenitor do regresso dos filhos a França, Estado da sua residência habitual.
A Autoridade Central portuguesa deu cumprimento ao disposto no artigo 7.º, alínea c), da Convenção de Haia de 1980, solicitando à mãe dos menores que se pronunciasse quanto à possibilidade de assegurar o regresso voluntário dos filhos a França, tendo a mesma respondido desfavoravelmente.
Citada para contestar a progenitora apresentou as alegações de fls. 38 e segs., opondo-se ao regresso das crianças a França, invocando que tal regresso poderá pôr seriamente em risco o bem-estar das mesmas, expondo-as a perigos psicológicos e físicos.
Juntou os documentos de fls. 45 a 50 (certidões de nascimento e de matrícula em escolas portuguesas).
A progenitora apresentou ainda o articulado de fls. 53 e segs., manifestando a sua oposição em levar os filhos para França alegando factos graves e perturbadores da sua vida e das crianças em casa, em França, perpetrados pelo progenitor das crianças.
Seguidamente, houve uma verdadeira movimentação da sociedade civil onde as crianças se inserem, vindo aos autos solicitar ao tribunal que não ordene o regresso destas crianças para junto do pai, invocando que isso será lesivo ao superior interesse destas crianças. Assim, a fls. 61, consta uma petição contendo 35 assinaturas pedindo o não regresso das crianças, e ainda, foram juntas as declarações abonatórias de … (fls. 59), … (fls. 60), … (fls. 63), … (fls. 66) e … (fls. 67 verso).
Foi apresentada uma declaração do Presidente da Junta de Freguesia da residência da progenitora e dos menores (fls. 70), onde atesta que as crianças quando chegaram eram introvertidos e assustados e que actualmente são crianças “alegres, educadas, desinibidas … enfim crianças felizes!”
A progenitora veio juntar a cópia de uma participação criminal que apresentou junto da justiça francesa contra o progenitor das crianças por maus tratos, datada de 21.12.21.
Em 5.2.22, foram juntos relatórios da escola da (…) e do (…) a dar conta de que os mesmos se encontram a integrar-se no sistema de ensino (fls. 84 e 85).
O progenitor veio apresentar alegações escritas em 26.7.22 (fls. 112 e segs.) e posteriormente juntar cópias de mensagens trocadas com a progenitora das crianças (fls. 120) e ainda uma declaração emitida por um médico francês que seguia a saúde das crianças e a declará-las saudáveis, datado de 21.6.22.
O Ministério Público pronunciou-se nos termos de fls. 74, no sentido de se informar, “com urgência, via Autoridade Central, a congénere francesa, esclarecendo que a progenitora informou que foi vítima de violência doméstica por parte do progenitor, e que alegou que este era também agressivo emocionalmente para com as crianças, razão pela qual se encontram em curso diligências no sentido de apurar se as crianças se encontrariam em perigo caso regressassem para junto do progenitor, tanto mais que a progenitora alega não poder regressar a França em segurança, pois que não teria outro sítio onde permanecer que não na casa do progenitor, temendo pela sua vida caso o fizesse.
Os progenitores e a criança (…) prestaram declarações perante o tribunal em 17 de Outubro de 2022 e o (…) na data designada para a continuação, em 28.10.2022, tendo as crianças sido ouvidas sem a presença dos I. mandatários dos progenitores e devidamente acompanhado por técnica especialmente habilitada para o efeito.
Os Ilustres mandatários das partes proferiram alegações orais e a Digna Procuradora da República pugnou pelo não regresso das crianças a França.
Foi proferida decisão de não ordenar o regresso das crianças (…) e (…), a França, país da sua residência habitual antes da retenção ilícita, com fundamento no artigo 13.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980.
Inconformado recorreu o progenitor tendo concluído nos seguintes termos:
I- O ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de fato;
II- Com efeito, salvo o devido respeito, atento o objeto dos presentes autos, o alegado pelas partes e a globalidade da prova produzida nos presentes autos, verifica-se que na decisão sobre a matéria de fato, a Meritíssima Juiz a quo dá como provados fatos alegados que não têm qualquer assento probatório, nem documental, nem testemunhal;
III- O ponto 10 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado;
IV- Tal ponto resulta apenas provado com base nas declarações da progenitora, sem qualquer apoio documental ou sem outras declarações, depoimento esse completamente imparcial, infundado e falso;
V- Impondo-se assim que o ponto 10 da matéria de facto não fosse considerado como provado;
VI- O ponto 11 da matéria de facto, dada como provada na douta sentença, não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado;
VII- Mais uma vez, tal ponto foi considerado provado pelas declarações da Progenitora e da menor (…);
VIII- Não tendo sido considerado a parte das declarações da menor (…), onde em instâncias do Digníssimo Magistrado do Ministério Público (sessão de dia 17/10/2022, minutos 00:24.12 – 00:24.23), sem que ninguém tivesse perguntado, a mesma rapidamente utiliza a expressão “A mãe não gosta dele, mas ela não quer outro homem...”;
IX- Demonstrando claramente foi uma expressão que a Progenitora instruiu a menor (…) para dizer;
X- Assim sendo, impunha-se que o ponto 11 da matéria de facto não fosse considerado como provado;
XI- O ponto 14 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado, não tendo sido considerada a parte da audição da menor (…) em que a Meritíssima Juiz (sessão de dia 17/10/2022, minutos 00:03.59 – 00:04.14), faz referência ao facto de irem amigos lá a casa;
XII- Ou seja, é falso que os menores “não tinham contactos com crianças da sua idade fora do estabelecimento escolar”, pois a própria menor diz “(…) quando tinha um amigo meu que ia à minha casa (…)”;
XIII- Assim, no ponto 14 impunha-se que apenas fosse dado como provado que “Os menores frequentavam a escola” não se verificando o resto do ponto como provado;
XIV- O ponto 15 da matéria de facto dada como provada na douta sentença não apresenta o suporte probatório necessário para ser dado como provado, sendo que os menores também brincavam com o Progenitor, conforme refere o menor (…), na sua audição, em instâncias da Sra. Psicóloga (sessão de dia 28/10/2022, minutos 00:19.45 – 00:20.33):
XV- Pelo que deveria ter sido dado como provado, no ponto 15 que o Progenitor, para além da Progenitora, também brincava com os menores;
XVI- Em relação ao ponto 25 da matéria de facto provada, mais uma vez importa referir que os menores se encontram há 17 meses a residir apenas com a Progenitora e a sua família, tendo muito pouco contacto com o progenitor;
XVII- Os menores têm 6 e 9 anos, pelo que estão numa fase do seu desenvolvimento em que são facilmente influenciáveis, não foi realizada uma perícia para averiguar a maturidade dos mesmos, nem foi avaliado se os menores têm maturidade suficiente para poder tomar livremente a decisão de permanecer em Portugal;
XVIII- Não existe qualquer prova documental que possa sustentar os pontos 10 a 11, 14, 15 e 25 como factos provados;
XIX- As pessoas que subscreveram os diversos depoimentos juntos aos Autos pela Progenitora, são subscritores com residência em Portugal, mais em concreto, perto do local de residência atual da progenitora e com conhecimentos extremamente indiretos e parciais em relação aos factos e que nunca conviveram com os menores ou com os progenitores em França;
XX- O Tribunal a quo ignorou por completo o teor da declaração emitida pelo médico francês que seguia e acompanhava a saúde das crianças, enquanto residiam em França, e em que declara que as mesmas eram saudáveis, declaração essa junto aos Autos e que consta a fls. 121;
XXI- Pelo que, de tal prova documental, não se percebe como é que o Tribunal a quo possa dar como provado os supra referidos factos;
XXII- Termos em que o Tribunal ad quem deverá alterar a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo da seguinte forma:
a) O Ponto 10 dever ser considerado como facto não provado;
b) O Ponto 11 dever ser considerado como facto não provado; o Ponto 14 apenas deve ser considerado como provado que “Os menores frequentavam a escola”;
c) No Ponto 15 apenas deve ser considerado como provado que “Os menores brincavam com ambos os progenitores”;
d) O Ponto 25 deve ser considerado como facto não provado.
DO DIREITO
XXIII- Entendeu o Tribunal a quo, na sentença que aqui se recorre, em suma, que se verificavam as exceções legais que impedem que seja ordenado o imediato regresso dos menores (…) e (…) ao país que era o da sua residência habitual antes da retenção ilícita em Portugal, isto é, a França;
XXIV- Salvo o devido respeito, mas, com este entendimento não podemos concordar;
XXV- A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia, em 25 de outubro de 1980, foi criada com o objetivo de combater o rapto parental de crianças, criando um sistema de cooperação entre os Estados e um procedimento rápido para o regresso da criança ao país de residência habitual;
XXVI- O rapto internacional de crianças tem, com efeito, consequências graves para a criança e para o progenitor excluído;
XXVII- O Tribunal a quo entendeu, erradamente, que o Progenitor não exercia, de facto, o direito de custódia e a guarda dos menores (…) e (…);
XXVIII- Assim, importa verificar, à Luz do direito francês, quem é que exercia a guarda dos menores na data em que viajaram para Portugal;
XXIX- No âmbito do direito francês, estabelece o artigo 372.º, primeira parte, do Código Civil Francês que o pai e a mãe exercem conjuntamente a autoridade paternal, sendo esta, nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do mencionado diploma legal, definida como “A autoridade parental é um conjunto de direito e deveres cuja finalidade é o interesse da criança”;
XXX- Complementarmente, esclarece-se no artigo 373.º, n.º 2, do Código Civil Francês que a separação dos pais não afeta as regras de devolução do exercício da autoridade parental;
XXXI- Quanto à residência da criança, o artigo 373.º, n.º 2-9, do Código Civil Francês estabelece que a residência da criança poderá alternar entre o domicílio de cada um dos pais ou no domicílio de um deles;
XXXII- Assim, de acordo com a lei francesa, o exercício das responsabilidades parentais incumbe a ambos os progenitores, o que não se altera ainda que sobrevenha a separação entre ambos;
XXXIII- No âmbito do exercício da regulação das responsabilidades parentais insere-se a determinação do local de residência da criança;
XXXIV- Impõe-se assim concluir que o direito de custódia se encontrava atribuído, de pleno direito – à luz do direito francês – a ambos os Progenitores dos menores (…) e (…), no entanto, o Tribuno a quo teve outro entendimento;
XXXV- Tal não nos parece ser o melhor entendimento, até porque resulta dos factos provados que os menores e os Progenitores, todos residiam na mesma habitação, em França, pelo que não se entende como o direito de custódia não estivesse a ser exercido, em conjunto, por ambos os progenitores;
XXXVI- Salvo o devido respeito, mas não pode o Tribunal a quo entender que o Progenitor não era titular do direito de custódia, única e simplesmente porque a Progenitora brincava com os menores e lhes lia histórias antes de dormir;
XXXVII- Assim, pode concluir-se que, de acordo com a matéria de facto provada, que os menores, (…) e (…) foram deslocados, pela Progenitora, de França para Portugal em 24 de maio de 2021, e ainda, resulta da matéria provada que os menores e os Progenitores residiam todos na mesma habitação, o que configura o exercício efetivo do direito de custódia e de guarda;
XXXVIII- Ora, conclui-se assim, que o direito de guarda apenas cessou por via da deslocação dos menores (…) e (…), operada pela Progenitora, bem como ao facto de esta fixar a sua residência e a dos menores em Portugal, a qual não foi precedida de autorização do Progenitor;
XXXIX- Como tal, nos termos do disposto no artigo 3.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, estamos perante uma deslocação e retenção ilícita dos menores para Portugal;
XL- A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças prevê exceções ao regresso imediato das crianças em situação de deslocação ou retenção ilícitas, sendo que apenas nestas situações pode ser recusado o regresso das crianças ao seu país de residência habitual;
XLI- Tais exceções são as previstas nos seus artigos 12.º, 13.º e 20.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças;
XLII- Assim, apenas e quando se verificarem alguma das exceções supra elencadas é que pode haver lugar a uma decisão de recusa de regresso da criança;
XLIII- Neste caso concreto, os menores viajaram para Portugal com a Progenitora a 24 de maio de 2021;
XLIV- Em 17 de setembro de 2021, foi iniciado, pelo Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Faro, uma Ação Tutelar Comum, de Natureza Urgente, com vista ao regresso a França dos menores (…) e (…);
XLV- Pelo que, desde já, não se verifica a exceção prevista no artigo 12.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças;
XLVI- Está em causa, segundo o Tribunal a quo, a existência de um risco grave para os menores (…) e (…), com o seu regresso a França;
XLVII- Entende o Tribunal a quo que o superior interesse dos menores impõe que estes não regressem a França;
XLVIII- Ora, com tais conclusões também não se pode concordar;
XLIX- Desde logo porque o Tribunal a quo considera que o Progenitor não exercia nem era titular do Direito de Custódia;
L- No entanto, e como supra já se explicou, não se percebe tal entendimento por parte do Tribunal a quo, uma vez que os menores residiam, desde que nasceram, com ambos os progenitores;
LI- De acordo com a matéria de facto provada, que os menores, (…) e (…) foram deslocados, pela Progenitora, de França para Portugal em 24 de maio de 2021, e ainda, resulta da matéria provada que os menores e os Progenitores residiam todos na mesma habitação, o que configura o exercício efetivo do direito de custódia e de guarda;
LII- Concluindo-se, que o direito de guarda apenas cessou por via da deslocação dos menores (…) e (…), operada pela Progenitora, bem como ao facto de esta fixar a sua residência e a dos menores em Portugal, a qual não foi precedida de autorização do Progenitor;
LIII- Como tal, não está assim preenchida a exceção do artigo 13.º, alínea a), da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, uma vez que ambos os Progenitores exerciam o direto de custódia dos menores (…) e (…), à data de início da retenção ilícita;
LIV- Face à matéria carreada para os Autos, também não se verifica os pressupostos do artigo 13.º, alínea b), da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, não tendo sido carreada para os Autos qualquer prova que permita concluir que o regresso dos menores a França, os coloque em grave risco de ficarem sujeitos a perigos de ordem física ou psíquica;
LV- Aliás, enquanto residiu em França, a Progenitora nunca recorreu às Autoridades competentes no sentido de afastar os menores a qualquer perigo que estivessem a ser expostos;
LVI- Inclusive, a Progenitora junta cópia de uma queixa apresentada junto das autoridades francesas, data de 21 dezembro de 2021 (fls. 121);
LVII- Para começar, tal queixa foi arquivada por falta de prova;
LVIII- Em segundo lugar, a queixa foi apresentada 7 meses após a Progenitora viajar com os menores para Portugal e 3 meses após o início do presente processo;
LIX- O que claramente revela que apenas o fez no sentido de obter uma vantagem no presente processo, face ao progenitor excluído;
LX- Sendo que, o facto de o Progenitor solicitar beijos e abraços aos menores não pode ser suficiente para que estes corram grave risco no regresso ou de ficarem sujeitos a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável;
LXI- Para mais, as autoridades francesas podem tomar medidas para afastar as crianças do perigo, conforme as mesmas vieram informar ao processo, por email datado de 22 de março de 2022, junto ao presente processo com a referência Citius n.º 9924557;
LXII- É verdade que os menores têm uma vida estável e estão inseridos socialmente;
LXIII- No entanto, e salvo o devido respeito, é preciso não esquecer que tal se deve em muito à atuação do Tribunal a quo;
LXIV- O presente processo teve início em 17 de setembro de 2021;
LXV- O Tribunal a quo proferiu a sentença, que aqui se recorre, em 31 de outubro de 2022, isto é, 13 meses após o início do presente processo;
LXVI- Mais uma vez, e salvo o devido respeito, mas tal comportamento de omissão, pelo Tribunal a quo revelou um enorme desrespeito pelos princípios de cooperação entre os vários sujeitos processuais e os deveres de cooperação internacional do estado português para com estados estrangeiros, tendo sido conivente com uma situação contra legem, beneficiando o Progenitor infrator;
LXVII- O que claramente se espelha na douta sentença que aqui se recorre;
LXVIII- Relativamente ao entendimento do Tribunal a quo de que o afastamento dos menores (…) e (…) da progenitora iria contra o bem-estar destes;
LXIX- Quanto a isto, cumpre dizer que, a jurisprudência e a doutrina (conforme supra transcrito) consideram que as exceções no âmbito da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, devem ser interpretadas em sentido restritivo de modo a salvaguardar os fins da convenção, bem assim como a não permitir que, no presente procedimento de entrega menores (…) e (…) se discuta a matéria que constitui o objeto da ação de regulação das responsabilidades parentais ou premiar o progenitor infrator;
LXX- Na verdade, não se pode ignorar que o presente procedimento é distinto do fundo do direito em questão, não contendendo com a definição das responsabilidades parentais dos progenitores, mas visando apenas sancionar o caráter ilícito da deslocação dos menores, evitando que a passagem do tempo venha a consolidar as situações constituídas em violação de direitos dos progenitores ou de terceiros, e procurando neutralizar uma via de facto;
LXXI- Ainda, no que diz respeito ao facto de os menores se terem manifestado no sentido de permanecer em Portugal;
LXXII- Mais uma vez importa referir que os menores se encontram há 17 meses a residir apenas com a Progenitora e a sua família, tendo muito pouco contacto com o Progenitor;
LXXIII- Os menores têm 7 e 9 anos, pelo que estão numa fase do seu desenvolvimento em que são facilmente influenciáveis e manipuláveis;
LXXIV- Apesar de estar presente uma psicóloga no momento da sua Audição, a realidade é que não foi realizada uma perícia para averiguar a maturidade dos menores, bem como se os mesmos têm maturidade suficiente para poder tomar livremente tal decisão;
LXXV- Também não foi realizada perícia no sentido de entender qual o impacto de estarem apenas e só sob influência da Progenitora nos últimos 17 meses;
LXXVI- Aliás, ouvindo as declarações dos menores e da Progenitora, facilmente se percebe que estes foram instruídos esta para dizer que gostam de estar em Portugal e que o Progenitor era “mau”;
LXXVII- Assim, face a tudo o supra exposto, e face a todo o enquadramento fáctico e jurídico, mostrasse que não se encontram verificadas nenhuma das exceções que impusessem uma decisão de não regresso a França, artigos 12.º, 13.º e 20.º da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças;
LXXVIII- Em contrapartida, estão preenchidos todos os pressupostos para ser ordenado o regresso imediato dos menores (…) e (…) a França;
LXXIX- Termos em que deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por outra, que ordene o regresso imediato dos menores (…) e (…) a França, para junto do seu Progenitor.
A progenitora e o Exmo. Magistrado do Ministério Público apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. A menor (…) nasceu em (…), França, a 4 de Junho de 2013, e é filha de (…) e de (…).
2. O menor (…) nasceu em (…), França, a 3 de Abril de 2015, e é filho de (…) e de (…).
3. Os pais dos menores não são casados entre si, e residem em França desde 2011, juntamente com os referidos filhos, ali nascidos.
4. A Ré, mãe dos menores, acordou com o pai destes em viajar para Portugal com as crianças em 24 de Maio de 2021.
5. A Ré permanece desde então em Portugal com os filhos, residindo na Rua (…), Lote 3, Fracção 3E-B, em (…), retendo-os contra a vontade do progenitor.
6. O progenitor formulou pedido de regresso dos menores junto da Autoridade Central francesa e mantém essa pretensão.
7. Em meados de Junho último, a ora requerida manifestou ao requerente a sua intenção de permanecerem Portugal e de aqui fixar a sua residência.
8. Desde essa data a requerida tem tentado chegar a um acordo com o requerido, para a regulação das responsabilidades parentais sobre os menores (…) e (…), já melhor identificados nos autos.
9. Tentativas essas que se frustraram e que culminaram com este pedido para regresso dos menores a França, formulado pelo ora requerente junto das autoridades Francesas.
10. Desde a altura do nascimento da menor (…) que as relações entre ambos, requerente e requerida, começaram a deteriorar-se.
11. O requerido começou a manifestar o seu carácter possessivo e ciumento relativamente à relação dos menores seus filhos, com a própria mãe, com familiares e com terceiros.
12. Os menores não têm mais família, a não ser dois tios que residem também em França, mas com os quais não têm qualquer contacto.
13. Requerente e requerida não mantinham qualquer contacto social com outras pessoas, não tendo estabelecido quaisquer laços de amizade no local onde habitavam.
14. Os menores frequentavam a escola, mas não tinham contactos com crianças da sua idade fora do estabelecimento escolar.
15. É com a mãe que os menores habitualmente brincam, com quem fazem os trabalhos de casa e é ainda ela que todas as noites lhes lê uma história antes dos menores irem dormir.
16. Pelo que, os menores demonstram perante a figura da mãe constantes manifestações de afecto, traduzidas em beijos e abraços.
17. Tais demonstrações de afecto dos menores geram ciúmes ao seu progenitor, que em tom zangado e intimidatório dirige-se aos menores dizendo, "eu também sou teu pai e também quero".
18. Forçando-os a demonstrar carinho por ele, tendo uma vez, na sequência de uma cena de ciúmes, obrigado o menor (…) a permanecer abraçado a ele no sofá.
19. Todas estas situações têm agravado a convivência entre requerente e requerida, gerando discussões entre ambos, em que o requerente não se coíbe de que as mesmas sejam presenciadas pelos menores.
20. Os menores e a requerida estão a viver na casa dos avós maternos em (…).
21. A menor (…) está matriculada e frequenta o quarto ano da Escola (…), em (…).
22. O menor (…) está matriculado e frequenta o segundo ano na Escola EB n.º (…), de (…).
23. Os menores já estabeleceram relações de amizade entre o núcleo escolar e o núcleo de vizinhos.
24. Passeiam com a requerida, avós e amigos, sem repressões.
25. Gostam de estar em Portugal e dizem que não querem voltar a França.
26. Os menores estão longe do país que nasceram e que sempre conheceram.
27. Os menores estão longe das suas habituais rotinas.
28. Os menores estão afastados da sua normal habitação.
Não Provado:
a) A Ré, mãe dos menores, acordou com o pai destes em viajar para Portugal com as crianças entre 24 de Maio e 5 de Junho de 2021.
b) Os menores estão longe dos seus amigos de infância.
c) O Requerido passava grande parte do tempo com os jogos electrónicos, que jogava no ecrã do seu computador, nomeadamente o jogo "Call of Duty", jogo interdito a menores pelo seu carácter extremamente violento.
d) Várias vezes o Requerido incitava o menor (…) a jogar com ele, em cenas de lutas, facadas e tiros.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC).
Invoca o recorrente erro na apreciação a prova que determina alteração dos pontos 10, 11 e 25 dos factos provados que em seu entender deveriam ter sido julgados não provados.
Quanto aos pontos 14 e 15 dos factos provados deveria ter sido julgado provado apenas que os menores frequentavam a escola (ponto 14) e que o progenitor, para além da progenitora, também brincava com os filhos (ponto 15).
Discute ainda o recorrente a verificação, in casu, das excepções legais que impedem que seja ordenado o imediato regresso dos menores a França, país que era o da sua residência habitual, antes da retenção ilícita em Portugal.
O Tribunal recorrido julgou provado que
Ponto 10. Desde a altura do nascimento da menor (…) que as relações entre ambos, requerente e requerida, começaram a deteriorar-se.
Ponto 11. O requerido começou a manifestar o seu carácter possessivo e ciumento relativamente à relação dos menores seus filhos, com a própria mãe, com familiares e com terceiros.
Ponto 25. Gostam de estar em Portugal e dizem que não querem voltar a França.
Sustenta o recorrente que esta factualidade deveria ter sido julgada não provada, sendo que a convicção do Tribunal a quo assenta apenas nas declarações da progenitora e da menor inexistindo qualquer outra prova que a corrobore, designadamente documental.
Os factos constantes dos pontos 10 e 11 dos factos provados resulta não só das declarações da progenitora, e dos menores, mas também do teor das declarações do ora recorrente quando refere o episódio de separação do casal ocorrido em 2013.
De acordo com as suas declarações, no ano de 2013 deixou a sua companheira vir a Portugal na companhia dos filhos apenas porque esta lhe pediu muito e a chorar, que assim fosse.
Uma vez em Portugal, a recorrida manifestou vontade de não voltar a França com os filhos e foi o recorrente que veio a Portugal convencê-la a regressar a França.
A deterioração da relação entre ambos parece, pois, ser bem anterior a 2021.
Não deixa de ter grande importância probatória acerca da dinâmica das relações familiares a descrição que o recorrente faz da sua atitude «magnânima» ao deixar a companheira deslocar-se a Portugal no ano de 2013.
Que os menores gostam de estar em Portugal e não querem voltar a França resulta, desde logo das suas próprias declarações, sendo que ao contrário do que é referido pelo recorrente foi avaliada a maturidade das crianças por parte do Sr. Psicólogo Dr. (…), tal como decorre do apenso de promoção e protecção.
No mesmo sentido aponta a sua boa integração na escola conforme consta dos relatórios de fls. 84 e 85 e depoimento escritos de pessoas que privaram com os menores desde a sua chegada a Portugal, momento em evidenciavam angústia profunda e tristeza, o que veio a alterar-se de forma positiva desde que passaram a residir em (…).
Os factos provados constantes dos pontos 14 e 15 resultam do teor das declarações da progenitora e dos menores, sendo que quanto a estes não é de questione a sua maturidade ou instrumentalização para tais declaração, considerando os relatórios e informações periciais em sentido contrário. Valem ainda nesta sede as considerações supra reveladoras da dinâmica familiar.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Não se conforma o recorrente com a aplicação do regime de excepção à ordem de regresso dos menores ao país da residência habitual.
Mais sustenta que que à luz do direito Português e Francês, pai e mãe exercem em conjunto as responsabilidades parentais e daí que o tribunal recorrido tenha erradamente entendido que o ora recorrente não exercia efectivamente a custódia dos menores
Sufragamos na íntegra a exausta fundamentação constante da decisão recorrido.
«A situação retratada nos autos encontra-se juridicamente enquadrada como uma matéria de rapto parental regulada pela Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de Outubro de 1980 e complementada pelo novo regulamento (UE) relativo a competência jurisdicional em matéria matrimonial, e em matéria de responsabilidade parental (2019/1111, de 25 de junho). Este regulamento reformula o regulamento 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, consagrando regras para dirimir litígios em matéria de responsabilidade parental que impliquem um elemento internacional.
Dispõe o artigo 26.º do Reg. 2019/1111, sob a epígrafe «Direito de a criança expressar a sua opinião num processo de regresso»: “O artigo 21.º do presente regulamento aplica-se igualmente ao processo de regresso ao abrigo da Convenção da Haia de 1980.”
Por seu turno o artigo 21.º sob a epígrafe «Processo de regresso da criança»: estabelece que: “1. O tribunal não pode recusar o regresso da criança, exceto se a pessoa que pretende o regresso da criança tiver tido oportunidade de ser ouvida.
2. Em conformidade como artigo 15.º, o tribunal pode, em qualquer fase do processo, examinar se o contacto entre a criança e a pessoa que pretende o regresso da criança deverá ser ou não assegurado, tomando em consideração o superior interesse da criança.
3. Se um tribunal ponderar recusar o regresso de uma criança apenas com base no artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980, não pode recusar o regresso da criança se a parte que pretende o regresso da criança der garantias ao tribunal, apresentando meios de prova suficientes, ou se o tribunal tiver de outro qualquer modo essa convicção, de que foram tomadas providências adequadas para garantir a proteção da criança após o seu regresso.
4. Para efeitos do n.º 3 do presente artigo, o tribunal pode comunicar com as autoridades competentes do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, quer diretamente, em conformidade com o artigo 86.º, ou recorrendo à assistência das autoridades centrais.
5. Se decretar o regresso da criança, o tribunal pode tomar, se for caso disso, medidas provisórias e cautelares, em conformidade com o artigo 15.º do presente regulamento, a fim de proteger a criança do risco grave a que se refere o artigo 13.º, primeiro parágrafo, alínea b), da Convenção da Haia de 1980, desde que a análise e tomada de tais medidas não atrase desnecessariamente o processo de regresso.
6. Uma decisão que ordene o regresso da criança pode ser declarada executória a título provisório, não obstante qualquer recurso, se o regresso da criança antes da decisão sobre o recurso for exigido pelo superior interesse da criança.”
Dispõe o artigo 3.º da Convenção de Haia de 25.10.1980 (Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças) que: A deslocação ou retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de guarda atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou organismo individual ou conjuntamente pela Lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
Não será ordenado o regresso do menor caso se verifique alguma das circunstâncias previstas nos termos do artigo 13.º (n.º 1) da mesma Convenção, a saber: - a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção ou que havia consentido ou concordando posteriormente com esta transferência a retenção; ou - Existência de um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável, ou: - se verificar que a criança se opõe ao regresso e a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto (artigo 13.º, n.º 2).
Nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Convenção de Haia o afastamento ou a retenção da criança será considerado ilícita, quando se verificar
a) violação dos direitos de custódia atribuída a uma pessoa, instituição ou qualquer outro organismo, conjunta ou independentemente, ao abrigo da lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual antes do seu afastamento ou retenção e
b) no momento do afastamento ou retenção, esses direitos serem efetivamente exercidos, tanto conjunta como independentemente, ou teriam sido exercidos se tal afastamento ou retenção não tivesse acontecido.
A Convenção tem por objeto, além do mais, assegurar o reconhecimento e a execução de medidas orientadas à proteção da pessoa ou bens da criança em todos os Estados Contratantes; podendo essas medidas envolver, nomeadamente, o direito de custódia, incluindo os direitos de cuidar da criança e, em particular, o direito de determinar o local de residência da criança – artigos 1.º, alínea d) e 3.º, alínea b).
Verificada a retenção ilícita, o tribunal deve determinar a entrega imediata da criança, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas previstas no artigo 13.º da Convenção.
Nos termos da lei do Estado da residência habitual das crianças (França), não se encontrando os progenitores casados, um progenitor não pode, sozinho, decidir pela mudança de residência dos menores, sem que tenha o consentimento do outro progenitor para o efeito, situação que se mantém ainda que os progenitores estejam separados e as responsabilidades parentais não estejam reguladas.
De acordo com a lei francesa (artigos 372.º e 373.º-2 do Code Civil), o exercício das responsabilidades parentais cabe a ambos os progenitores, e, em caso de separação e na falta de acordo, deverá ser objecto de decisão judicial.
À data da retenção ilícita as responsabilidades parentais eram exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, de acordo com a Lei francesa, pelo que, aparentemente o pai era titular do direito de custódia. Por outro lado, face à Lei Portuguesa, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os progenitores, tendo ambos igual capacidade de exercício desse poder, no qual se inclui o direito e a obrigação de determinar a educação, a guarda e a residência da criança – cfr. artigos 1878.º e seguintes, 1901.º a 1904.º e 1911.º, todos do Código Civil.
«Pese embora serem ambos os progenitores co-titulares das responsabilidades parentais (“direito de custódia”) para com as crianças e cabendo a ambos a decisão acerca da fixação ou mudança do domicílio das crianças, e não podendo a mãe decidir de modo unilateral reter as crianças em Portugal, a verdade é que não restam dúvidas – após a análise do processo e da audição dos progenitores e dos menores - de que era apenas a mãe dos menores que exercia “efectivamente”, na prática, a “custódia de facto”.
O artigo 13.º da Convenção refere: “no momento do afastamento ou retenção, esses direitos serem efetivamente exercidos, (…)” ou seja, parece resultar do texto da Convenção de Haia de 1980 uma diferença entre ser o titular do direito e exercer esse direito de facto.
Ora, o que se apurou é que a figura parental e primária de referência para estas duas crianças é a mãe, sendo a participação do pai limitada aos castigos e em levá-los à escola, onde as crianças eram proibidas de ter amigos. Concorda-se, pois, com a argumentação da mãe de que seria de uma extrema violência penalizar os menores, separando-os da figura materna e obrigando-os ao seu regresso a França, vitimizando quem menos capacidade tem de se fazer ouvir e de se defender.
Em segundo lugar, e ainda que se entendesse não se verificar a excepção da alínea a) do artigo 13.º da Convenção de Haia para não se ordenar o regresso das crianças, o certo é que também se indicia que estamos perante a situação prevista na alínea b), do mesmo preceito legal.
Sendo certo que as autoridades francesas podem tomar medidas para afastar as crianças do perigo, não pode deixar de se entender que nos parece não corresponder aos superiores interesses destas crianças retirá-los de Portugal onde têm uma vida emocionalmente estabilizada, onde estão inseridos socialmente, fizeram amigos, convivem com familiares e até já se adaptaram à escola, e enviá-los para França onde apenas os espera o progenitor, ainda que as autoridades possam tomar as diligências necessárias e adequadas para as remover do perigo indiciado.
Quanto à questão de saber se com o regresso das crianças estas poderão ficar expostas a perigos de ordem física ou psíquica ou numa situação intolerável o entendimento deste tribunal é que sim, e que isso obsta ao seu regresso».
Está também verificada a excepção prevista no n.º 2 do artigo 13.º da Convenção de Haia.
Na verdade, os menores opõem-se ao seu regresso a França, sendo certo que a sua opinião deve ser levada em conta dado que não se questione a sua maturidade ou instrumentalização para uma tal declaração, considerando os relatórios e informações periciais em sentido contrário.
Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Sem custas.
Évora, 09 de fevereiro de 2023
Jaime de Castro Pestana
Rosa Barroso
Francisco Matos