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DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
Sumário
1 – O titular do direito de opção, verificada que esteja uma violação da sua posição privilegiada, fundada na omissão ou no cumprimento defeituoso do dever de informação, pode intentar uma acção judicial tendente a ocupar, numa relação intersubjectiva, a posição jurídica do adquirente, substituindo-se a este na titularidade do bem alienado. 2 – Na acção de preferência, prevista no artigo 1410.º do CC, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: (i) interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; (ii) depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção. 3 – O direito de preferência consagrado no artigo 1380.º visa permitir o emparcelamento de terrenos rústicos com área inferior à unidade de cultura, com o objectivo de garantir a melhor rentabilidade e sustentabilidade da exploração agrícola. 4 – É consensual na jurisprudência nacional o entendimento que o prédio será rústico ou urbano, conforme a sua essencial finalidade seja a exploração agrícola ou se circunscreva tendencialmente à habitação familiar. 5 – O destinação do imóvel à exploração agrícola é uma condição imprescindível para promover o emparcelamento agrícola e assim preencher os requisitos constitutivos necessários ao sucesso do exercício da acção de preferência. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 1321/19.4T8OLH.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão – J1
* Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção declarativa com processo comum proposta por (…) contra (…), (…) e (…), a Autora veio interpor recurso da sentença final.
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A Autora pedia que os Réus:
a) fossem condenados a reconhecer que a Autora tem direito a haver para si, livre de ónus ou encargos, o prédio rústico identificado na matriz predial rústica de (…), concelho de Olhão, sob o artigo (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), da freguesia de (…), com a área de 4.000 m2, alienado pelas 1.ª e 2.ª Rés ao 3.º Réu, através de escritura pública notarial de compra e venda outorgada a 04-12-2018 e registada a sua aquisição através da Ap. (…) livre de ónus ou encargos e pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros) acrescido dos encargos legais de IMT correspondente a 5% do valor no montante de € 900,00 (novecentos euros) e de Imposto de Selo 0,80 % no montante de € 144,00 (cento e quarenta e quatro euros), num total de € 19.044,00 (dezanove mil e quarenta e quatro euros).
b) fossem condenados a entregarem o referido prédio à Autora livre e desocupado.
c) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 3.º Réu, comprador, venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.
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Para tanto, a Autora alega que é dona de um prédio rústico, que confronta com o prédio transacionado no dia 04/12/2018, pelas segundas Rés ao terceiro Réu pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros). Mais invoca que não teve conhecimento da referida venda e que não lhe foi dado o direito de preferência. E, termina, dizendo que a área dos referidos terrenos é inferior à unidade de cultura a que se reporta o n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil.
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Devidamente citadas, as Rés (…) e (…) invocaram a ilegitimidade activa da Ré (…) e afirmaram que a parte rústica que confina com o prédio vendido ao Réu (…) não é mais do que um logradouro e que a Autora não se dedica à agricultura.
Em benefício da sua posição, as Rés sustentam que o prédio vendido ao Réu (…) teve aposta uma placa de venda desde 2015 razão e que o Réu (…) as informou que a Autora não pretendia adquirir o prédio.
Além disso, em 13/11/2018, as Réus (…) e (…) comunicaram a intenção de venda, concedendo o prazo de 8 dias para o exercício do direito de preferência e que a Autora não procedeu ao levantamento da carta.
Adicionalmente, ao invocarem que esta teve conhecimento da projectada venda, defendem que se mostra caduco o exercício do direito de preferência.
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Na sua contestação, o Réu (…) defende igualmente a ilegitimidade da Autora, bem como a caducidade do direito ao exercício da preferência.
O Réu pede ainda a condenação da Autora como litigante de má fé.
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Por decisão proferida em 10/11/2020, (…) e (…) foram habilitadas em substituição de (…).
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Devidamente citada, a habilitada (…) declarou aderir de forma integral à contestação apresentada por (…) e (…).
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Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa deduzida, seguido do despacho de fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
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Realizada a audiência final, o Tribunal a quo decidiu:
a) absolver os Réus (…), (…) e (…), bem como a chamada (…) do pedido.
b) julgar improcedente o pedido de condenação da Autora (…) como litigante de má-fé.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentava as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença, que determinou a improcedência da ação instaurada pela A. ora Recorrente nos seguintes moldes:
“a) Julgo a presente Acão improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo os Réus (…), (…) e (…), bem como a chamada (…) do pedido.
2. Não pode, sob pena da maior injustiça, a ora Recorrente concordar com Absolvição dos RR. do pedido, com efeito, atenta a prova provada e o depoimento da testemunha (…), sempre se verificariam os pressupostos estabelecidos no artigo 1380.º do Código Civil, devendo ser reconhecido o direito da preferência legal a exercer pela confinante e ora Recorrente, acrescendo que, os próprios réus (…) e (…), remeteram inclusivamente e conforme resultou provado em sede de audiência de discussão e julgamento, a comunicação da preferência lega à ora Recorrente em 13/11/2018, (a qual nunca por esta foi recepcionada) por reconhecerem que a ora Recorrente se encontrava na possibilidade legal de exercer o Direito Legal de Preferência face ao prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…), concelho de Olhão, sob o artigo (…), secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…).
3. O Tribunal a quo deu como provado que “A Autora é dona e legítima proprietária, com exclusão de outrem, de um prédio misto, constituído por 3 parcelas rusticas compostas de cultura arvense e horta (3720 m2) e uma parcela urbana composta de casas térreas destinada a habitação (388 m2), sito em (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo n.º (…), da secção (…), da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial, com uma área total de 4160 m2”.
4. Deu ainda como provado o facto 7 “A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer actividade agrícola”.
5. Ora, dispõe o artigo 1380.º do Código Civil. “1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (...)
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações”.
6. A Portaria 202/70, de 21 de Abril define as áreas de cultura para as diversas regiões do país, sendo que para o distrito de Faro, tal área mínima corresponde a 5 hectares.
7. A razão de ser do regime legal consagrado no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, ancora num propósito propiciador do emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente – cfr. inter alia, Ac. Deste STJ de 11/10/79, in BMJ 290-395; de 18/01/94, in CJSTJ, Tomo I, pág. 46 e, na doutrina, Antunes Varela, in RLJ 127-308 e segs. e 365 e segs.
8. O artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil confere um direito de preferência com eficácia “erga omnes”, que, segundo Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais” (pág. 225): “Não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo trata-se, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação”.
9. Dos requisitos legais citados apenas está em causa a natureza e qualificação do prédio da Recorrente.
10. Como se sabe o direito de preferência em apreço é concedido aos donos de prédios rústicos confinantes, desde que um deles tenha área inferior à unidade de cultura – artigo 18.º do DL. 348/88, de 25.10 “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.° do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”, já que o objectivo da lei é fomentar o emparcelamento com que é melhorada a rendibilidade fundiária.
11. Pelo supra explanado, e atenta a factualidade dada como provada, excecionando-se naturalmente o facto dado como provado a 7, designadamente “A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer atividade agrícola”, a Recorrente cumpre todos os requisitos para o exercício do direito de preferência consagrados no artigo 1380.º do Código Civil.
12. Com efeito, na motivação da decisão absolutória dos RR. a Meritíssima Juiz a quo foi perentória na sua apreciação e subsunção dos factos a Direito ao constatar: “Ora, tendo ficado provado que a Autora e o marido residem no prédio de que a Autora é proprietária e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola, torna-se evidente que a Autora utiliza o prédio em causa essencialmente para a sua habitação, sendo o núcleo essencial do “prédio misto” da autora, a sua destinação e afetação, próprias de um prédio urbano, não se alcançando, deste modo, os fins para que o legislador consagrou, no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, o direito de preferência.
13. E não podendo o prédio da Autora ser considerado prédio rústico, não fica demonstrado, desde logo, um dos requisitos do artigo 1380.º, n.º 1, do CC, o que conduz à improcedência da acção”.
14. Entendendo a Recorrente, com a devida vénia e salvo melhor opinião que existiu erro na apreciação da prova e na subsunção dos factos ao Direito, em virtude da incorreta apreciação da testemunha (…), o qual devidamente apreciado conduziria a uma conclusão inelutável, o prédio da Autora deveria ser considerado como rústico, pelo que se verificam como cumpridos todos os requisitos elencados no disposto no artigo 1380.º do Código Civil.
15. Com efeito no depoimento da testemunha (…), parece-nos inequívoco que o mesmo referiu que “não produzindo muito, tem semeado alguma coisa pelo que existe cultivo na propriedade da A. ora Recorrente, cultivo esse que continua a ser feito desde a época em que o seu sogro era vivo, ou seja anteriormente a 1996”.
16. Pelo que considera a Recorrente que o facto 7 a ser dado provado, deveria ter sido da seguinte forma “que existe actividade agrícola no prédio da Autora, ainda que a uma escala pequena de produção que tem vindo a ser realizada desde o óbito do pai desta, pelo seu marido”.
17. O que naturalmente influiria na decisão a final, o que se lhe impunha, pois para além do depoimento da testemunha (…), o Tribunal na figura da Meritíssima Juiz a quo, deslocou-se ao prédio da Autora, designadamente, no dia 20/04/2022 para inspeção ao local, cuja ata se encontra depositada no portal CITIUS, com a referência 124024276.
18. Ora, na fotografia n.º 9 da referida ata, é visível uma sementeira a qual tinha sido realizada na propriedade da A., assim como na fotografia n.º 2 são visíveis diversas arvores de fruto, designadamente, laranjeiras.
19. Assim e ao contrário do que a douta Sentença ora recorrida faz transparecer o prédio da Autora, não é utilizado única e exclusivamente para habitação da mesma, aliás como aflorado ao longo do decurso da produção de prova, a Autora, passou a residir no imóvel mercê das suas dificuldades de saúde e por se encontrar, lamentavelmente, circunscrita a uma cadeira de rodas.
20. Ora, nunca podendo o Tribunal descurar para a justa composição do litígio e boa decisão da causa, que o prédio da Autora ora Recorrente é composto por três parcelas rústicas compostas de cultura arvense e horta que totalizam 3 720m2, e uma parcela urbana composta por casas térreas destinada à habitação de 388 m2, com logradouro incluído, sendo que o imóvel não possui mais do que 52 metros quadrados! – facto dado como provado a 1.
21. Não se trata, pois, de uma habitação com um mero logradouro do qual se pretende fazer preferência, mas sim de propriedade rústica com uma pequena casa de 52 metros quadrados implantada no seu centro, a qual se estende a nascente e aponte como resulta do facto dado como provado em 5.
22. Assim e na nossa modesta opinião, não é o terreno que integra a componente do prédio urbano, mas sim o inverso o prédio urbano atenta a sua dimensão e a capacidade de cultivo existente, assume-se como componente do prédio rústico como resulta da sua inclusão como parcela num artigo rústico cadastral, isto é o artigo (…), da secção (…), da freguesia de (…), no concelho de Olhão, pelo que não se pode verificar a excepção do regime de preferência plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 1381.º do Código Civil, como conclui a Meritíssima Juiz do Tribunal de Primeira Instância.
23. Na verdade, a Recorrente possui no seu prédio e em horta e terreno de cultivo uma dimensão aproximada de 3.720 metros, aos quais pretende por meio do exercício da preferência na compra do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo (…), secção (…), da freguesia de (…), seu confinante a nascente, incrementar a área de cultura para quase 8.000 metros quadrados de terra de cultivo.
24. O que releva para a eficácia impeditiva prevista no n.º 1, a), do artigo 1381.º do Código Civil é a subordinação funcional do terreno rústico ao prédio urbano ao qual adjaz.
25. Assim, não tendo sido demonstrada essa dependência funcional ou afetação da parte rústica do prédio à sua parte urbana – ou, nas palavras do artigo 1381.º, n.º 1, a), do Código Civil, que o terreno que constitui essa parte rústica seja parte componente do prédio urbano – nada impede o reconhecimento do direito de preferência, prova que cabia aos Réus em virtude do ónus probatório estabelecido no artigo 342.º do Código Civil.
26. Constatando a Recorrente com duas notas finais, a primeira é de que no primeiro critério, designadamente em termos fiscais e ao abrigo do disposto no artigo 5.º do CIMI, o prédio da Autora, foi classificado como rústico, motivo pelo qual o mesmo está inscrito na matriz da freguesia de Pechão, por uma caderneta rústica, em virtude de ter sido este o desiderato considerado pela Administração Tributária como natureza principal do Prédio (artigo 5.º, n.º 1, CIMI “Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal”).
27. Já no que diz respeito ao critério da afetação económica como ponto de partida para a qualificação do prédio, no seguimento do aresto do Acórdão do Supremo Tribunal de 31/01/1991, in BMJ 403, 41, como supra aflorado, seguimos na integra o entendimento de que nunca “se pode dizer que um prédio tenha deixado de ser um prédio rústico porque não perdeu a sua destinação autónoma para fins agrícolas com a construção de uma habitação que constitui não uma alteração da destinação económica do prédio mas antes a conjugação dos interesses habitacionais dos proprietários com os interesses económicos da exploração agrícola do prédio”.
28. O que se assume precisamente, atenta a configuração e natureza do prédio da Recorrente subsumível in casu concreto, o facto de existir uma habitação com 52 metros quadrados, que surge como meio habitacional da Recorrente, atento o seu estado de saúde após ter sofrido um AVC e se deslocar em cadeira de rodas, sendo que o seu domicílio fiscal localiza-se em Faro, não pode, por si, afastar a capacidade natureza rústica do prédio em que foi implantada a referida casa. Estaríamos inteiramente de acordo com a valoração do Tribunal a quo, caso o prédio rústico tivesse 800 metros de dimensão, com uma implantação de um imóvel de 200 ou 300 metros, todavia, no caso concreto e olhando para o Espírito do Legislador, que ao conferir o direito à preferência legal ao confinante de prédio rústico para fomentar o emparcelamento com que é melhorada a rendibilidade fundiária.
29. Motivo pelo qual se considera, com a devida vénia, que deve face ao depoimento da testemunha (…), face ao auto de inspeção ao local, assim como à caderneta predial rústica do prédio da Autora, ser ao invés do facto dado como provado a 7, ser dado como provado que “que existe actividade agrícola no prédio da Autora, ainda que a uma escala pequena de produção que tem vindo a ser realizada desde o óbito do pai desta, pelo seu marido”.
30. Da mesma forma, dever ser dado como provado que pese embora a classificação como prédio misto, a qual se assume como ficção jurídica para o Direito Civil, o prédio inscrito na matriz sob o n.º (…), da freguesia de (…) o qual é propriedade da Autora/Recorrente, se assume como tendo uma natureza rústica, pelo que deve o pedido formulado pela Autora/Recorrente, vir a ser julgado procedente por provado.
Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado, sendo em consequência, revogada a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, condenando-se os Réus nos precisos moldes peticionados, designadamente, a reconhecerem que a Autora tem direito a haver para si, livre de ónus ou encargos, o prédio rústico identificado na matriz predial rústica de (…), concelho de Olhão, sob o artigo (…), Secção (…) e descrito na Conservatória do Registado Predial de Olhão sob o n.º (…), da freguesia de (…), com a área de 4000 m2, alienado pela 1.ª e 2.ª Rés ao 3.º Réu, através de escritura pública notarial de compra e venda outorgada a 04/12/2018 pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros), acrescido dos encargos legais de IMT correspondente a 5% do valor do montante de € 900,00 (novecentos euros) e de imposto de selo de 0,80% no montante de € 144,00 (cento e quarenta e quatro euros), num total de € 19.044,00 (dezanove mil e quarenta e quatro euros)»
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Houve lugar a resposta, que sustenta que deve ser negado provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser confirmada na sua integralidade.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
* II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
(i) existência de erro na apreciação da prova.
(ii) Erro na aplicação do direito.
* III – Dos factos apurados: 3.1 – Factualidade provada:
1. A Autora é dona e legítima proprietária, com exclusão de outrem, de um prédio misto, constituído por 3 parcelas rusticas compostas de cultura arvense e horta (3720 m2) e uma parcela urbana composta de casas térreas destinada a habitação (388 m2), sito em (…), freguesia de (…), inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo n.º (…), da secção (…), da freguesia de (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial , com uma área total de 4160 m2.
2. A Autora adquiriu ½ do supra referido prédio rústico, na qualidade de herdeira legitimária, por mortis causa, designadamente, por óbito do seu pai (…) que ocorreu no dia 29 de Junho de 2008, tendo participado o óbito ao competente serviço de finanças e liquidado o imposto de selo.
3. A outra metade, chegou à sua esfera jurídica por morte da sua mãe (…), que ocorreu a 10 de Agosto de 2015, tendo sido o seu óbito participado ao serviço de finanças competente e liquidado o respectivo imposto de selo.
4. O prédio da Autora confronta com um prédio de natureza rústica, composto por terra de semear com árvores, inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), secção (…), freguesia de (…), Concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º (…), com área total de 4000 m2.
5. A parte rústica do prédio da Autora descrito em 1 divide-se a nascente e poente e tem a parte urbana no centro do mesmo.
6. A Autora reside com o marido no prédio de que é proprietária (prédio descrito em 1) desde 1979.
7. A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer actividade agrícola.
8. O marido da Autora deslocou-se ao escritório do Solicitador Dr. (…), em Olhão, no mês de Julho de 2019 por causa da venda ao Réu (…) do prédio rústico descrito em 4 e 9.
9. As 1.ª e 2.ª Rés venderam ao 3.º Réu o prédio rústico sito em (…), freguesia de (…), concelho de Olhão, inscrito na Matriz sob o artigo (…), secção (…), confinando a poente com o prédio da Autora inscrito na matriz sob o artigo (…), pelo preço de € 18.000,00 (dezoito mil euros) no dia 04 de dezembro de 2018.
10. A área do terreno do prédio misto da Autora (4160m2) bem como a área do terreno do prédio rústico (4000m2) vendido pelas 1.ª e 2.º Rés ao 3.º Réu são inferiores à unidade de cultura a que se reporta o n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil.
11. As Rés (…) e (…) remeteram uma missiva registada com aviso de recepção dirigida à Autora para a morada do prédio descrito em 1 em 13/11/2018, com indicação do preço de venda, identificação do comprador, dia da escritura de compra e venda e prazo de exercício da preferência, concedendo à Autora o prazo de 8 dias para o exercício do direito de preferência.
12. Tal missiva foi devolvida com a informação de “não reclamado”.
13. Em Julho de 2019, o Réu (…) deslocou-se ao prédio da Autora com duas testemunhas e duas cópias da escritura de compra e venda do prédio referido em 4 e 9, de 04 de dezembro de 2018, tendo o marido da Autora, assinado como tinha recebido uma cópia da escritura, na presença das duas testemunhas.
14. A presente acção foi instaurada a 19/12/2019.
15. A Autora procedeu ao depósito de € 18.000,00 à ordem dos presentes autos.
* 3.2 – Factualidade não provada[1][2]:
a) A parte do prédio da Autora que confina com o prédio rústico do Réu (…) descrito em 4 e 9 é a parte urbana.
b) Na parte rústica do prédio da Autora apenas existem aproximadamente 5 árvores que aparentemente são oliveiras e arbustos.
c) A Autora e seu marido (…) tiveram oportunidade de adquirir o prédio descrito em 4 e 9, mas não quiseram.
d) O prédio descrito em 4 e 9 teve uma placa de venda afixada desde 2015.
e) Em Outubro de 2018 o Réu (…) informou as Rés vendedoras do prédio descrito em 4 e 9 que teria estado na casa de todos os confiantes. f) Todos os confinantes demonstraram ao Réu (…) que não pretendiam adquirir o referido prédio.
g) Tendo inclusivamente indicado ao Réu (…) as suas moradas de forma a se poder remeter a correspondência para exercício da preferência, a saber:
- (…) – (…), Caixa Postal (…), 8700-127 Olhão;
- (…) – (…), Caixa Postal (…), 8700-127 Olhão.
h) O Réu (…) foi informado pelas Rés (…) e (…), de que a missiva remetida para a Autora teria sido devolvida por não terem procedido ao seu levantamento nos CTT.
i) Por esse motivo o Réu (…) dirigiu-se a casa da Autora em (…), tendo-lhe sido dito pelo Sr. (…), que soube do aviso da missiva mas que não procedeu ao seu levantamento porque a Autora não tinha interesse na compra do prédio descrito em 4 e 9.
j) O Réu (…), dias após a celebração da escritura, dirigiu-se novamente a casa da Autora sita em (…) e informou-a e ao seu marido que já era o proprietário do prédio descrito em 4 e 9.
k) A partir do dia 13 de Julho de 2019 … (marido da Autora) apercebeu-se de movimento na propriedade confinante bem como da colocação de novas vedações delimitadoras dos prédios confinantes.
l) A Autora foi informada em Outubro de 2018 da intenção de venda do prédio das Rés.
m) E teve conhecimento em Novembro de 2018 que lhe foi remetida uma missiva.
n) Em Dezembro de 2018 teve conhecimento da escritura de compra e venda entre as Réus e o Réu (…).
* IV – Fundamentação: 4.1 – Erro na avaliação da matéria de facto: 4.2.1 – Considerações gerais e quadro legal aplicável:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos (e como não demonstrados outros) pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
A recorrente pretende a alteração do ponto 7[3] dos factos provados, passando a ficar demonstrado que a Autora e o marido desenvolvem no referido prédio a actividade agrícola[4].
Em abono da sua proposta a Autora socorre-se do testemunho prestado por (…) e, numa segunda linha, na inspecção ao local e na fotografia n.º 9 da referida acta, em que diz ser visível uma sementeira e diversas árvores de fruto.
Por seu turno e em sentido contraditório, na parte mais decisiva, a decisão de facto relativamente ao ponto 7 funda-se igualmente na interpretação do depoimento prestado pelo marido da Autora, a testemunha (…).
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O sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada[5].
A jurisprudência mais avalizada firma o entendimento que a «prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»[6].
Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade[7].
Nesta dimensão, apartando-nos agora das situações de prova legal[8], como já deixou expresso, no ordenamento jus-processual civil vigora o princípio da livre apreciação da prova, que admite o uso, pelas instâncias – in casu, pela primeira instância – de regras de experiência comum, as quais configuram um critério de julgamento, como meio de descoberta da verdade apenas subordinado à razão e à lógica e condicionado à sua motivação e objectivação externa.
Por força das regras adjectivas aplicáveis, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o Tribunal recorrido teve acesso[9].
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E, nesta dimensão, da análise do referido depoimento resulta que a Autora não se dedica ao cultivo desde que foi acometida de um acidente vascular cerebral ocorrido em 1996 e que, desde a morte do sogro, tem «semeado algumas coisas mas não muito».
Aliás, este alheamento da prática agrícola é patente na afirmação da testemunha quando assegura que tinha em mente a concretização de um projecto para a instalação de uma estufa há 3 ou 4 anos, mas sem tempo para o concretizar.
Na óptica do Tribunal de Recurso daqui resulta que o exercício da agricultura do local é meramente esporádico, essencialmente centrado na apanha de fruta de algumas árvores ali presentes e que o destino do prédio não é a actividade agrícola.
Embora não seja exigível que o exercício da actividade agrícola seja praticado de forma profissional, neste domínio é necessário que à propriedade seja dado um destino que revele que a sua aptidão agrícola não é meramente ocasional e que as eventuais actuações agrárias não são de mero entretenimento.
Aliás, também consta do texto da decisão que as testemunhas (…) [10] e (…) [11] também reconhecem que o terreno não é cultivado. Estas testemunhas, ao contrário do marido da Autora, não têm qualquer interesse directo na causa e as suas declarações deram assim conforto à tese que acabou por ficar fixada nos factos provados.
Nesta lógica, não merece assim reparo a conclusão da Meritíssima Juíza de Direito quando aponta que a Autora «utiliza o prédio em causa essencialmente para a sua habitação» e a reavaliação dos restantes elementos de prova não infirma aquela asserção, designadamente a análise da acta 20/04/2022 e das fotografias nela incluídas não suportam uma versão distinta.
E recorrentemente este colectivo de Juízos do Tribunal da Relação de Évora tem vindo a assumir o entendimento de que a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova[12]. E este não é o caso.
Nestes termos, não existe qualquer erro na avaliação da prova e esta mostra-se assim perfeitamente consolidada e é com base na matéria de facto apurada na Primeira Instância que será realizada a operação de subsunção ao direito. * 4.2 – Erro na aplicação do direito:
Para além da preferência de origem negocial, a lei concede a certos titulares de direitos reais ou pessoais de gozo sobre determinada coisa a preferência na venda ou dação em cumprimento da coisa objecto desse direito.
Na visão de Carlos Lima «estamos, nessa situação, perante o que se denomina de preferências legais, as quais se caracterizam por terem sempre eficácia real, permitindo aos que dela disfrutam exercer o seu direito de preferência, mesmo perante o terceiro adquirente»[13].
De forma então inovadora, João Redinha salientava que «estando em causa uma preferência legal ou uma preferência convencional real, por efeito da realização da previsão da norma legal que estabelece a preferência ou por ter sido atribuída ao contrato eficácia real, nos termos do artigo 421.º, havia-se constituído na titularidade do preferente, ao lado do efeito obrigacional, um direito potestativo de se substituir ou sub-rogar ao adquirente do bem no contrato por este celebrado com o vinculado preferência, para cujo exercício dispõe da acção comum de preferência consagrada no artigo 1410.º, aplicada directamente ou por meio das remissões feitas em local próprio, nomeadamente no artigo 421.º, n.º 2, para as preferências convencionais reais. Tal acção, que se traduz numa verdadeira execução específica[14], da prestação devida exercida contra terceiro, tem por fim colocar retroactivamente o preferente na posição do adquirente, tudo se passando como se o negócio tivesse sido originariamente celebrado com ele»[15][16].
Os direitos legais de preferência destinam-se, na maioria dos casos, a facilitar a extinção de situações que não são as mais consentâneas com a desejável exploração dos bens, como sejam a comunhão de direitos (artigos 1409.º e 2130.º do Código Civil), a propriedade onerada com direitos reais limitados de gozo (artigos 1535.º e 1555.º, n.º 1) e a existência de terrenos agrícolas com área inferior à unidade de cultura (artigo 1380.º), bem como a proporcionar o acesso à propriedade de quem está a fruir os bens ao abrigo de um direito de gozo tendencialmente duradouro (artigo 1117.º, n.º 1).
Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente de direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil). Também o proprietário de prédio onerado com uma servidão legal de passagem tem direito de preferência nos mesmos termos, de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 1555.º do Código Civil.
Em ambas as hipóteses é aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações (artigos 1280.º, n.º 4 e 1555.º, n.º 3, do Código Civil).
Ultrapassada uma fase em que no domínio da legislação anterior se entendia que a preferência era um direito meramente obrigacional[17], este direito é actualmente encarado pela maioria dos doutrinadores como um direito real de aquisição [18][19][20][21][22][23][24][25][26].
Neste domínio, por entender que não se está no domínio dos direitos reais de aquisição, Henrique Mesquita avança que a preferência consiste numa faculdade complexa (integrada por direitos de crédito), conferida ao titular, que se assume como um verdadeiro potestativo dotado de eficácia erga omnes[27].
O titular do direito de opção, verificada que esteja uma violação da sua posição privilegiada, fundada na omissão ou no cumprimento defeituoso do dever de informação, pode intentar uma acção judicial tendente a ocupar, numa relação intersubjectiva, a posição jurídica do adquirente, substituindo-se a este na titularidade do bem alienado.
Independentemente da natureza obrigacional ou real do direito de preferência, o exercício do direito de prelação por via da acção tem como escopo primordial a substituição do adquirente pelo preferente numa determinada relação jurídica, justificando-se esta alteração na titularidade de uma posição privilegiada concedida por lei ou contrato e na violação da preferência por acto do anterior proprietário.
É aceite de modo generalizado na doutrina e na jurisprudência que são pressupostos do direito legal de preferência previsto no n.º 1 do artigo 1380.º do Código Civil:
a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico.
b) que o preferente seja dono de um prédio rústico confinante com o prédio alienado.
c) que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura.
d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
O critério fundamental para a classificação do prédio como rústico ou urbano é a prevalência da destinação do prédio e o facto de o terreno ser apto para cultura não é suficiente para a verificação da preponderância do rústico sobre o urbano. É necessário que exista efectivamente uma exploração agrícola.
Por outras palavras, é consensual na jurisprudência nacional o entendimento que o prédio será rústico ou urbano, conforme a sua essencial finalidade seja a exploração agrícola ou se circunscreva tendencialmente à habitação familiar[28].
Na situação concreta, a Autora não comprovou que o seu prédio rústico se destinava a cultura nos termos exigidos pelo artigo 1381.º[29] do Código Civil. E o direito de preferência consagrado no artigo 1380.º visa permitir o emparcelamento de terrenos rústicos com área inferior à unidade de cultura, com o objectivo de garantir a melhor rentabilidade e sustentabilidade da exploração agrícola.
Por isso, a Juíza de Direito «a quo» conclui com toda a razoabilidade que se não se demonstrou que o prédio se destinasse à cultura agrícola e isso constitui facto impeditivo do direito de preferência. Com efeito, tal como é asseverado na decisão, «tendo ficado provado que a Autora e o marido residem no prédio de que a Autora é proprietária e nele não desenvolvem qualquer atividade agrícola, torna-se evidente que a Autora utiliza o prédio em causa essencialmente para a sua habitação, sendo o núcleo essencial do “prédio misto” da autora, a sua destinação e afetação, próprias de um prédio urbano, não se alcançando, deste modo, os fins para que o legislador consagrou, no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, o direito de preferência».
A demonstração de que os Autores não cultivam o prédio rústico com carácter de habitualidade e que não exerciam ali a agricultura no desenvolvimento de uma actividade económica típica é impeditiva do exercício da preferência sobre prédio confinante.
Na verdade, no quadro dos factos provados, resulta inevitavelmente que não destinariam o imóvel à exploração agrícola, estando a situação na esfera de protecção do 1381.º do Código Civil. E esta é uma condição imprescindível para promover o emparcelamento agrícola e assim preencher os requisitos constitutivos necessários ao sucesso do exercício da acção de preferência. E mesmo que se tivesse provado, como proposto, que era exercida a agricultura «ainda que a uma pequena escala de produção» não estava presente o critério da finalidade da destinação a exploração agrícola.
E, nesse cenário, ainda que exista uma relação de confinância entre os prédios e que, pelo menos, um daqueles imóveis tem uma área inferior à unidade de cultura, estaríamos perante um caso em que não existe o direito de preferência e, assim, nunca subsiste fundamento para julgar procedente o recurso interposto.
*
No entanto, ainda que assim não se entendesse, a título secundário, sem embargo do Tribunal a quo ter optado por não decidir a questão da caducidade, também por esta via não se verificariam os requisitos necessários à procedência da acção.
Por força do disposto no artigo 416.º do Código Civil, dispositivo que é aplicável quer às vinculações de preferência negociais, quer a casos de obrigações legais de preferência, a comunicação para o exercício da preferência pode ser efectuada por via judicial ou por meio extrajudicial. Na acção de preferência, prevista no artigo 1410.º do CC, são dois os ónus que recaem sobre o preferente: (i) interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação; (ii) depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção[30].
O prazo previsto nesta norma é um prazo de caducidade. É o que decorre do artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil e é essa a opinião expressa de doutrina autorizada[31]. E a caducidade é impedida pela prática do acto a que a lei atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1, do Código Civil), acto que, no caso vertente, não é outro senão a propositura da acção de preferência.
É ao réu na acção de preferência que caberá provar o decurso daquele prazo de 6 meses[32][33], dado que o conhecimento dos elementos essenciais da alienação constitui um facto extintivo do direito de acção[34].
Tomando como base um aresto do Supremo Tribunal de Justiça[35], tudo se poderá resumir na seguinte fórmula:
i) Se, após a verificação de todos os pressupostos do direito real de preferência, o preferente vender o seu prédio antes de exercer o direito, este transmite-se ao adquirente, que poderá fazê-lo valer nas mesmas condições, enquanto não decorrer o prazo que a lei fixa para o respectivo exercício.
ii) A realização da comunicação para preferir, aliada ao não exercício tempestivo do respectivo direito, constituem factos extintivos do direito invocado pelo preferente, como tal, a sua prova cabe ao transmitente.
iii) A acção de preferência a que se refere o artigo 1382.º do Código Civil deverá ser intentada, sob pena de caducidade no prazo de seis meses, a contar da data em que o titular do direito de preferência tenha tido conhecimento dos elementos essenciais da alienação efectuada a terceiro.
iv) É ao réu transmitente que cabe provar o decurso daquele prazo, isto é, demonstrar que há mais de seis meses o titular do direito de preferência teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.
v) A comunicação – que pode ser efectuada tanto por via judicial como por via extrajudicial – deve referir o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato e implica necessariamente a indicação clara e precisa do objecto e do preço pretendido pelo obrigado à preferência.
vi) Não basta indicar os elementos gerais do negócio, mas terão também de ser indicadas todas as estipulações particulares que sejam relevantes para a decisão de exercício de preferência, inclusive a identidade do terceiro a quem se pretende vender o prédio.
A prova da efectivação da comunicação para preferir cabe ao réu, sendo ainda sobre este que impende o ónus da prova do conhecimento, pelo preferente, dos elementos essenciais da alienação efectuada a terceiro [36][37][38][39].
E, neste particular, atendendo à factualidade impressa em 11[40], 12[41] e 13[42], à data da propositura da acção[43], o exercício do direito de preferência tinha caducado. Neste caso, o não levantamento sem justificação da carta constituiu uma opção da Autora e, por outro, a entrega dos elementos essenciais da venda ao marido desta, a quem incumbia a transmissão dos dados à respectiva consorte, implicava que se considerasse que a parte activa tivera conhecimento da declaração recepienda.
Da interpretação integrada das regras relativas à perfeição da manifestação negocial, a declaração recipienda torna-se apta a produzir os efeitos intencionados pelo emissor (i) logo que é efectivamente conhecida pelo destinatário (ou seja, logo que este toma conhecimento do respectivo conteúdo), (ii) quando chega ao poder do destinatário em condições de ser por ele conhecida ou (iii) a partir do momento em que, normalmente, teria sido recebida pelo destinatário, caso este não tivesse obstado, com culpa, à sua oportuna recepção.
Se a declaração negocial for efectivamente conhecida, nada mais se torna necessário averiguar – impõe-se a teoria do conhecimento ou da percepção, aquela que, como regra, se afigura mais justa, dado ser a que melhor salvaguarda o destinatário de uma declaração: esta só produzirá efeitos quando a pessoa a quem vai endereçada acede ao respectivo conteúdo. Para a lei, basta, no entanto, que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efectivo conhecimento do respectivo conteúdo. Consagra-se, portanto, um desvio a favor da teoria da recepção, que se mostra totalmente razoável: trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique apenas a depender de acto do destinatário entrar no seu conhecimento.
De acordo com o propósito da lei, a declaração chega ao poder do destinatário quando atinge a sua esfera pessoal, ficando ao seu alcance, de modo a que, em condições normais e segundo as regras da experiência comum, o destinatário possa, por actos que dependam dele próprio (e que se espera que ele pratique nessas circunstâncias), tomar conhecimento da vontade manifestada pelo declarante. Deve, pois, a recepção fazer-se em termos tais que se possa contar com o conhecimento, que seja legítimo esperá-lo de acordo com aquilo que é normal acontecer e as condições efectivamente conhecidas pelo declarante[44].
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela «basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure».
Isto é, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 224.º do Código Civil, a eficácia de uma declaração receptícia não exige o efectivo conhecimento desta pelo destinatário, bastando a sua cognoscibilidade, traduzida na circunstância de lhe ser possível apreender o conteúdo da declaração, por haver ela chegado à sua esfera de conhecimento ou de controlo.
A acção de preferência deve ser intentada, sob pena de caducidade, no prazo de seis meses, a contar da data em que o titular do direito de preferência teve tido conhecimento dos elementos essenciais da alienação efectuada a terceiro.
*
Em conclusão, relativamente à parte do objecto que conheceu, a sentença recorrida fez a adequada subsunção dos factos ao direito e, consequentemente, é de manter integralmente o silogismo judiciário realizado, julgando-se, por conseguinte, improcedente o recurso interposto.
* V – Sumário:
(…)
* VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se manter a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto.
Custas a cargo da apelante, atento o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 09/02/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
__________________________________________________
[1] Foi alterada a ordem sequencial numérica e passou à identificação dos factos não provados através do recurso a letras.
[2] Ficou consignado na sentença recorrida que: «não se respondeu à demais matéria alegada pelas partes por se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito, argumentativa, repetida ou ainda por não corresponder à aplicação das regras do ónus da prova».
[3] (7) A Autora e o marido não desenvolvem no referido prédio qualquer actividade agrícola.
[4] Na seguinte formulação: “que existe actividade agrícola no prédio da Autora, ainda que a uma escala pequena de produção que tem vindo a ser realizada desde o óbito do pai desta, pelo seu marido”.
[5] Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 435-436.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência de 21/06/2016, in www.dgsi.pt.
[7] Sobre esta matéria ver, em sentido próximo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/05/2016, in www.dgsi.pt, que realça que «a prova dos factos assenta na certeza subjectiva da sua realidade, ou seja, no elevado grau de probabilidade de verificação daquele, suficiente para as necessidades práticas da vida, distinguindo-se da verosimilhança que assenta na simples probabilidade da sua verificação».
[8] De harmonia com o princípio da prova livre, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
[9] Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2012, in www.dgsi.pt.
[10] Disse que «a Autora há mais de 20 anos que é paraplégica, quem cultivava o terreno era o marido, mas que actualmente não é cultivado».
[11] Esta testemunha «limitou-se a referir que nunca viu nada cultivado no terreno da Autora, mas que o terreno é apto para cultura».
[12] Por todos podem ser consultados os acórdãos de 30/01/2020, 13/02/2020, 04/06/2020, 08/10/2020, 03/12/2020, 13/05/2021 e 30/06/2021, entre muitos outros disponíveis na plataforma www.dgsi.pt.
[13] Carlos Lima, Direitos Legais de Preferência, Revista ad Ordem dos Advogados, ano 65º (2005), vol. III, págs. 599 a 624.
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/11/1994, in CJ STJ II-III-121.
[15] João Redinha, Natureza Jurídica da Obrigação de Preferência e as Consequências do seu Incumprimento, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. II, pág. 623.
[16] No sentido de classificar a acção de preferência como um tipo de execução específica da prestação também se pronuncia Henrique Mesquita, in Obrigações e Ónus Reais, págs. 226-228.
[17] Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência.
[18] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 53.
[19] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 387.
[20] Vaz Serra, “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/69”, RLJ 103-471.
[21] Mota Pinto, Direitos Reais, pág. 138.
[22] Oliveira Ascensão, Reais, pág. 582.
[23] Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pág. 774.
[24] Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 283.
[25] Orlando Carvalho, Direito das Coisas, págs. 18-19.
[26] Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, pág. 149.
[27] Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 189 e seguintes.
[28] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/04/2004, 27/01/2010, 21/01/2016 e 14/01/2021, do Tribunal da Relação do Porto de 21/10/2019 e 21/02/2022, Tribunal da Relação de Coimbra de 07/05/2013 e do Tribunal da Relação de Évora de 14/04/2005 e 28/06/2018, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[29] Artigo 1381.º (Casos em que não existe o direito de preferência):
Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:
a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.
[30] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2015, in www.dgsi.pt.
[31] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra, pág. 372.
[32] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25\11\86, BMJ 361-539, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07\07\87, CJ XII-IV-201.
[33] Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra, pág. 306.
[34] Carlos Lacerda Barata, Obrigação de Preferência, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 158.
[35] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/05/2010, in www.dgsi.pt.
[36] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19\01\84, BMJ 333-369; de 04\12\84, BMJ 342-351; e Tribunal da Relação de Évora de 09\05\91, BMJ 407-642.
[37] Vaz Serra, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28\07\72, in RLJ 106-315.
[38] Carlos Barata, ob. cit., pág.158.
[39] Batista Lopes, Do contrato de compra e venda no direito civil, comercial e fiscal, Almedina, Coimbra, 1971, págs. 327 e 348.
[40] (11) As Rés (…) e (…) remeteram uma missiva registada com aviso de recepção dirigida à Autora para a morada do prédio descrito em 1 em 13/11/2018, com indicação do preço de venda, identificação do comprador, dia da escritura de compra e venda e prazo de exercício da preferência, concedendo à Autora o prazo de 8 dias para o exercício do direito de preferência.
[41] (12) Tal missiva foi devolvida com a informação de “não reclamado”.
[42] (13) Em Julho de 2019, o Réu (…) deslocou-se ao prédio da Autora com duas testemunhas e duas cópias da escritura de compra e venda do prédio referido em 4 e 9, de 04 de dezembro de 2018, tendo o marido da autora, assinado como tinha recebido uma cópia da escritura, na presença das duas testemunhas.
[43] (14) A presente acção foi instaurada a 19/12/2019.
[44] Fernando Ferreira Pinto, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pág. 506.