PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RUÍDO
DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
REPOUSO E QUALIDADE DE VIDA
DIREITO AO EXERCÍCIO DE UMA ATIVIDADE COMERCIAL
Sumário


I – Quando está em causa, por um lado, o direito à integridade física, ao repouso e à qualidade de vida e, por outro lado, o exercício de uma atividade comercial, a solução legal e abstrata contida no art. 335º do CC é a seguinte: os primeiros- os direitos de conteúdo pessoal prevalecem sobre os segundos- os direitos patrimoniais.
II- Mas, decidir da igualdade ou prevalência dos direitos colidentes só pode sê-lo em concreto, avaliando os interesses tutelados por cada um dos direitos em concreto.
III- O autor é dono de um prédio onde se encontra implantado um edifício destinado a habitação permanente e onde reside com o agregado familiar e é confinante ao prédio onde a requerida faz a exploração dos mirtilos e onde o equipamento dos espanta pássaros produz o ruído para além dos limites legais, durante cerca de três meses ( de Maio a Julho), desde as 6h às 21h, pelo que o interesse subjacente ao seu direito é permanente, para além de que o seu dano é essencial ainda que seja apenas diurno e sazonal ( durante 3 meses) porquanto estamos perante uma atividade ruidosa permanente.
II- Ainda que se trate de uma atividade económica e sazonal e aquele ruído do espanta pássaros seja o método mais eficaz e economicamente mais viável encontrado pela requerida, aquele ruído não obedece à lei geral do ruído, nos termos do art. 13º. al. b) da LGR e não obedece aos critérios de incomodidade, para aquela zona -equiparada a “ zona sensível ou zona mista”, o que sempre impediria a ponderação e compatibilização dos direitos e destes equipamentos na exploração da Requerida, pois qualquer medida de redução de ruído ou dos meios de propagação, sempre teriam de ser aplicadas pela entidade emissora caso pretenda o licenciamento.

Texto Integral


Relatora: Anizabel Sousa Pereira
Adjuntos:  Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes
           

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório ( que se transcreve):

AA, NIF ..., residente na Rua ..., ..., veio intentar procedimento cautelar comum contra BB, residente em Guimarães, pedindo, a final:
- ser o Requerido compelido à cessação de produção de ruído na sua plantação; - ser o Requerido condenando no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória à razão diária de EUR. 50,00 por cada dia de atraso na cessação dos ruídos.
Requer ainda a inversão do contencioso e a dispensa de contraditório do Requerido.
Para tanto alega, em síntese, que em maio de 2022 o Requerido instalou na plantação de mirtilos que explora e que confina com a sua residência, um dispositivo sonoro para afugentar pássaros, que emite sons de aves de rapina e de disparos de armas e que se encontra ligado todo o dia, desde as 06:00 horas. Este dispositivo ultrapassa os limites de ruído e atinge o sossego e bem-estar do Requerente e seu agregado familiar, bem como os restantes moradores, verificando-se esta situação regularmente desde 2018.
Atendendo ao requerido, e após pronúncia do Requerente, seguiram os autos os termos do processo especial da Tutela da Personalidade.
Foi designada data para a realização da audiência de julgamento, tendo sido junta CONTESTAÇÃO do Requerido. Este alega, em síntese, e antes de mais, que quem explora a produção de mirtilos é a esposa, CC. Admite a existência dos referidos aparelhos, que se encontram certificados, licenciados e utilizados para o fim específico, apenas durante a 4 a 5 semanas por ano, entre maio e junho. Acrescenta que a paralisação das máquinas, neste período, inviabilizaria a produção.
Em sede de audiência, foi admitida a Intervenção principal espontânea de CC, que fez sua a contestação apresentada. Nesta sede foi obtido um acordo provisório, suspendendo-se os autos até à junção do relatório de ruído da Câmara Municipal ....
Juntou o estudo acústico, foi designado dia para a continuação da Audiência de Julgamento, que se realizou segundo o formalismo legal.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

 “Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a Requerida CC à cessação dos dispositivos sonoros para espantar pássaros existentes na sua plantação agrícola de cultivo de mirtilos, sita no ..., freguesia ... e no local ..., em ..., até à obtenção de licença de ruído com avaliação acústica dentro dos limites legalmente fixados, ficando sujeita ao pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de não cumprimento do determinado.
Absolvo o Requerido.
Custas pela Requerida (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.), que deu causa à ação. Valor da causa: 30.000,01 €.
Registe e notifique... ”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pela R, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

1.No ponto 6. do elenco dos factos provados, foi considerado provado que “os sons são emitidos com volumes elevados (…)”, expressão que não traduz qualquer facto, mas antes um conceito de direito que revela, desde logo, uma opção do julgador, pelo que não poderia ter sido acolhida no corpo deste item.
2.Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.9.2022,       proferido         no            processo         307/20.0T8CHV.G1,  relator  Alcides R odrigues, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados,
3.“devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (Cfr. Acs. do STJ de 9/09/2014, relatora Maria Clara Sottomayor; e de 1/10/2019, relator Fernando Samões, in www.dgsi.pt.
4.In casu, não haverá dúvidas de que é isso que acontece, pelo que deve aquela expressão “emitidos com volumes elevados” ser eliminada da redacção do ponto 6.
5.Entende a recorrente igualmente que o ponto 11. do mesmo elenco deveria ter sido dado como não provado.
6.O referido ponto tem a seguinte redacção (sublinhados nossos):
11. Neste processo foi realizado, a pedido da CM..., um estudo de medição dos níveis de pressão sonora, através do critério de incomodidade, tendo as medições sido efetuadas no exterior da habitação do Requerente, com conclusão de não conformidade com os limites regulamentares, atendendo aos valores medidos de 10 dB(A) para os períodos noturnos e diurnos e 14 dB(A) para o entardecer, nos termos do relatório que aqui se dá como reproduzido.
7. Compulsado o dito relatório, o mesmo apresenta na sua página 13 uma “matriz de resultados” que conclui pelo não cumprimento dos limites legais, quer no período diurno, quer no período do entardecer ou nocturno.
8.Como nota de rodapé a esse quadro matriz, ali se refere o seguinte: “As conclusões acima identificadas, referem-se em exclusivo à comparação dos resultados do ensaio com os limites legais impostos pela alínea b) do nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 9/2007, de 17 de Janeiro”.
9.Foi dado como provado no ponto 12. que “a zona da exploração não se encontra classificada nem delimitada pelo município”; com efeito, na douta sentença concluiu-se que “neste caso, a zona não se encontra delimitada nem definida pelo município, não tendo sido junto qualquer plano de ruído.Não obstante, nos termos do artigo 11.º, n.os 2 e 3, os recetores sensíveis isolados não integrados em zonas classificadas, por estarem localizados fora dos perímetros urbanos, são equiparados, a zonas sensíveis ou mistas, para efeitos de aplicação dos correspondentes valores limite fixados, aplicando-se os valores limite de L(índice den), Indicador de ruído diurno-entardecer- noturno, igual ou inferior a 63 dB(A) e L(índice n), Indicador de ruído noturno, igual ou inferior a 53 dB(A).”
10.Sucede que os limites utilizados para a realização do estudo não foram estes, mas sim os limites constantes da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Regulamento, que refere: “b) As zonas sensíveis não devem ficar expostas a ruído ambiente exterior superior a 55 db(A), expresso pelo indicador L (índice den), e superior a 45 db(A), expresso pelo indicador L (índice n)”
11.Isso é patente nos quadros de resultados constantes das páginas 12 e 13 do relatório, que antecedem o referido quadro-matriz, onde claramente se utiliza como critério os valores referidos na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Regulamento, isto é, “55 db(A), expresso pelo indicador L (índice den), e 45 db(A), expresso pelo indicador L (índice n)” cfr. o rel. cit.
12.Em virtude da não classificação do local em mapa de ruído, o requerente é considerado um receptor sensível isolado, aplicando-se-lhe os limites menos apertados dos nºs 2 e 3 do artigo 11º (e não os limites definidos no nº 1, alínea b), mais exigentes porque próprios de uma zona classificada), com as tolerâncias definidas na alínea b) do nº 1 do artigo 13º.
13.Sucede que para o estudo foram utilizados os limites do nº 1 alínea b) e não, como deveria, os limites dos nºs 2 e 3 do artigo 11º, o que determina que o ponto 11. do elenco dos factos provados deva ser dado como não provado, por manifestamente falseado em relação à situação concreta.
14.A douta sentença recorrida concluiu que “os níveis de incomodidade, resultantes da diferença entre o ruído residual e o ruído da atividade, foram largamente ultrapassados, a mais do dobro e até triplo dos já referidos”, conclusão que não é verdadeira e não encontra apoio no estudo de pressão acústica junto aos autos, dando-se aqui por reproduzidas as considerações acima expendidas a propósito da impugnação do ponto 11. do elenco dos factos provados.
15.Entende também a douta sentença que não existe qualquer hipótese de compatibilização entre o direito do requerente e o direito da requerida, por um lado pela falta de licença de ruído, e por outro lado pela alegada ultrapassagem dos limites de ruído (que, como alegado, não se verifica).
16.A este propósito convirá lembrar os pontos 3, 4 e 5 do elenco dos factos 15 provados (sublinhados nossos):
3. De modo a espantar os pássaros dentro da sua exploração agrícola, a Requerida utiliza, pelo menos desde 2018, dois canhões a gás e um afugentador áudio digital, que emite, respetivamente, som de disparo de armas e de aves de rapina.
4. A Requerida obteve licença do ICNF, pelo menos em 2021 e 2022, para utilização deste método durante a fase de frutificação, de maio a julho, sendo este o método mais eficaz e economicamente mais viável encontrado pela Requerida.
5. Os dispositivos estão ligados ininterruptamente desde o amanhecer até ao por do sol, normalmente por volta das 6:00 às 21:00 horas.
17.Daqui resulta – como aliás resulta do acordo temporário celebrado nos autos– que os ruídos de imitação de tiros e de aves de rapina são emitidos apenas na fase de frutificação, entre Maio e Julho de cada ano, destinando-se a evitar que os pássaros possam dizimar as colheitas, tratando-se de uma actividade sazonal, que não se repete em mais nenhum período do ano.
18.A recorrente obteve licença do ICNF para a emissão daqueles sons, sendo certo que não solicitou ainda às Câmaras Municipais de ... e Guimarães as respectivas licenças de ruído.      
19.A falta de licença não pode ser um factor impeditivo da ponderação dos direitos em jogo, na medida em que a decisão a proferir pode ficar – como efectivamente ficou na douta sentença recorrida – dependente da obtenção daquela licença, afigurando-se incorrecto à recorrente que o Tribunal possa deixar de se pronunciar, remetendo para as Câmaras Municipais essa responsabilidade.
20.Tanto mais que não ficou provado que os ruídos produzidos ultrapassem os limites estabelecidos no artigo 13º, nº 1 alínea b) se considerados os índices aplicáveis ao caso concreto, constantes do artigo 11º nºs 2 e 3 do DL 7/2009, e não os que foram incorrectamente considerados.
21.Como se refere no Acórdão do S.T.J de 10.09.2019, proferido no proc. 27564/16.4T8LSB.L1.S1, 1ª Secção, Relator Fátima Gomes, disponível em www.dgsi.com, “os direitos de personalidade não podem deixar de ser privilegiados no confronto com outros direitos, como são os conexos com o exercício de actividades lucrativas (…) quando o tribunal aprecia o conflito entre o direito da propriedade privada (art. 62.º n.º 1) e a liberdade de iniciativa privada (art. 61.º) e o direito à saúde e ao repouso, determinando a obtenção de uma solução em que um dos direitos prevalecerá sobre o outro. Para se determinar qual dos direitos deve “ceder”, impõe-se colher aspectos determinantes do valor relativo dos direitos em confronto, do sistema jurídico, nomeadamente da CRP e do CC, sendo de acompanhar – mais uma vez – o que se disse na sentença: “[a nossa] “CRP concede uma maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais, havendo uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles relativamente a estes. Por outro lado, a colisão de direitos está prevista no artigo 335.º do Código Civil, onde se dispõe que: “1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior”.
22.Entende a recorrente que o Tribunal deveria ter procedido à compatibilização dos direitos em confronto, estabelecendo os períodos de emissão e os horários em que tal seria permitido, de modo a compatibilizar o direito da recorrente com o direito do recorrido, ainda que condicionando a eficácia da decisão à obtenção da correspondente licença de ruído, assim se assegurando    a          resolução        equilibrada      do            dissenso e se  regulando definitivamente a questão, obviando a que no futuro, e ainda que venham a ser emitidas as licenças, se volte a discutir a questão que motivou o presente processo, já que os direitos do recorrido podem vir a ser invocados novamente, não obstante a actividade ruidosa se encontrar licenciada.
23.Pelas razões acima referidas, não se justifica a estipulação de uma sanção pecuniária compulsória “por cada dia de não cumprimento do determinado”, tal como fixada na douta sentença recorrida, o que, aliás, apenas vai aumentar a possibilidade de atritos e mais dissensões entre as partes.
24.Foram violadas as normas dos artigos 11º, nºs 2 e 3, e 13º nº 1 alínea b) do DL 7/2009..”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:

A) Saber da impugnação da matéria de facto.
B) saber se o tribunal aplicou a lei que ao caso cabia.

III-
Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

Factos Provados

1. A Requerida explora uma plantação agrícola de cultivo de mirtilos no ..., freguesia ... e no local ..., em ..., Guimarães.
2. O Requerente reside na Rua ..., num prédio confinante à exploração.
3. De modo a espantar os pássaros dentro da sua exploração agrícola, a Requerida utiliza, pelo menos desde 2018, dois canhões a gás e um afugentador áudio digital, que emite, respetivamente, som de disparo de armas e de aves de rapina.
4. A Requerida obteve licença do ICNF, pelo menos em 2021 e 2022, para utilização deste método durante a fase de frutificação, de maio a julho, sendo este o método mais eficaz e economicamente mais viável encontrado pela Requerida.
5. Os dispositivos estão ligados ininterruptamente desde o amanhecer até ao por do sol, normalmente por volta das 6:00 às 21:00 horas.
6. Os sons são emitidos com volumes elevados, sentidos nas habitações próximas à exploração, perturbando o requerente e o seu agregado familiar, e os restantes moradores confrontantes.
7. A repetição dos sons durante todo o dia afeta o quotidiano de todos os moradores, no seu repouso e descanso, na capacidade de realização de tarefas que exigem concentração, como estudar, e na possibilidade de aproveitar o exterior das habitações nas proximidades.
8. Ao ser ligado pelas 6:00 horas da manhã perturba o descanso, impossibilitando as pessoas de dormir, o que se reflete na saúde dos moradores.
9. O Requerente e demais habitantes já denunciaram esta situação, quer aos Requeridos, quer às autoridades, sem lograr obter uma solução.
10. A Requerida não obteve licença de ruído, correndo termos na Câmara Municipal ... processo de contraordenação.
11. Neste processo foi realizado, a pedido da CM..., um estudo de medição dos níveis de pressão sonora, através do critério de incomodidade, tendo as medições sido efetuadas no exterior da habitação do Requerente, com conclusão de não conformidade com os limites regulamentares, atendendo aos valores medidos de 10 dB(A) para os períodos noturnos e diurnos e 14 dB(A) para o entardecer, nos termos do relatório que aqui se dá como reproduzido.
12.A zona da exploração não se encontra classificada nem delimitada pelo município.

Factos não provados:

Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, sendo como facto essencial não provado que o Requerido estivesse registado como titular da atividade.
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-Da apreciação da impugnação da matéria de facto:

O recorrente pretende impugnar a factualidade dada como provada no ponto nº6 e 11º.
No ponto nº6 entende que contém expressão conclusiva quando alude a “ “os sons são emitidos com volumes elevados (…)” e que deverá ser eliminada.
Uma vez que esta matéria poderá ser respondida com alusão ao ponto 11 dos factos provados e caso o ponto 11º dos factos provados se mantenha, iremos analisar em primeiro lugar tal impugnação.
No ponto 11º provou-se o seguinte:
Neste processo foi realizado, a pedido da CM..., um estudo de medição dos níveis de pressão sonora, através do critério de incomodidade, tendo as medições sido efetuadas no exterior da habitação do Requerente, com conclusão de não conformidade com os limites regulamentares, atendendo aos valores medidos de 10 dB(A) para os períodos noturnos e diurnos e 14 dB(A) para o entardecer, nos termos do relatório que aqui se dá como reproduzido.”.
A recorrente pretende que se dê como não provado apenas invocando o que ressuma do que foi colhido do relatório mas dando-lhe outro enquadramento, ou seja, entende que não poderá ser enquadrado no âmbito do art. 13º da Lei do Ruído como fez o autor do relatório, e acolhido pelo tribunal, mas sim deverá ser enquadrado no âmbito do art. 11º do mesmo diploma legal.
O Tribunal a quo justificou a sua convicção nos seguintes termos: “ A convicção do Tribunal, que permitiu concluir pela prova dos factos que antecedem, tomou por base a ponderação crítica e confronto entre os meios de prova produzidos, as regras da experiência e o senso comum, tendo em conta as regras próprias da repartição do ónus da prova. Por acordo resultaram provados os factos relativos à utilização dos dispositivos, sendo ainda atendido o relatório junto, que foi explicado pelos técnicos que o realizaram.
Os níveis de incomodidade foram explicados e a forma como foram obtidos, nos termos regulamentares, atendendo ainda à informação da CM....
A Requerida, em declarações de parte, admitiu os termos da utilização, explicou a escolha deste método, apesar de ser incomodativo, quer para moradores, quer para trabalhadores da exploração. Admitindo ainda que o Requerente, que mudou para lá já depois do início da exploração, já se tinha queixado.
A testemunha DD, vizinha do Requerente e também da exploração, confirmou o ruído e o estado do Requerente, do seu agregado familiar e restantes habitantes, que se queixam de um modo geral e que resultam da experiência comum.
De acordo com estes depoimentos, não se levantam dúvidas que o Requerente reside no local, não sendo necessário qualquer documento que o ateste.
Os restantes factos não resultaram provados por ter resultado prova do contrário.”.
Vejamos.
A respeito do ponto 11 dos factos provados a questão sub judicio é trazida pela recorrente não como resposta contendo matéria de facto de direito ou conclusiva mas sim como contendo matéria de facto errada em face do enquadramento dado pelo signatário do relatório acolhido pelo tribunal e que no entendimento da recorrente deveria ser outro, de tal forma que deveria ser matéria dada como não provada.
Porém, não tem razão.
Com efeito e à parte da questão de ser resposta que não deixa de conter um juízo inevitavelmente jurídico, mas que não é obstáculo à sua existência atenta a temática em causa, na verdade, a convicção da julgadora assentou no documento junto aos autos-relatório de avaliação de ruído mandado fazer pelo Município ..., entidade absolutamente alheia a estes autos de processo de tutela de personalidade e que portanto confere isenção e objetividade ao veredito nele inserido por um engenheiro acreditado pelo Instituto de Acreditação Português, nos temos do qual ali fez consignar , além do mais que “ Os resultados obtidos e apresentados no relatório acústico em anexo, demonstram a conformidade dos itens ensaiados, com os critérios gerais de amostragem para ensaios e medições acústicas, definidas pelo LNEC e legislação aplicável, designadamente, o Regulamento Geral do Ruído - Decreto-Lei nº 9/2007 de acordo com os critérios de amostragem da APA de Julho de 2020.”
E ainda que as conclusões da matriz de resultados referem-se à “ comparação dos resultados do ensaio com os limites legais impostos pela al. b) do nº1 art. 13 do DL 9/2007”.
E é aqui que a recorrente discorda e entende que a matriz terá de ser entendida e enquadrada no art. 11º daquele citado diploma legal.
Contudo, sem razão.
Diga-se, desde já, que apesar de estarmos no âmbito da matéria de facto, na verdade é matéria de facto com carácter jurídico pois que contende, desde logo, com o cumprimento ou não dos parâmetros do critério da incomodidade previstos na regulação geral do ruído e se o foco da recorrente é apenas o art. 11º , preceito mais geral e que visa apenas a regulação dos valores limite da exposição ao ruído “ em função da classificação de uma zona como mista ou sensível”, já o signatário daquele relatório visou o art. 13º daquela lei que tem que ver com “atividades ruidosas permanentes em zonas mistas, nas envolventes das zonas sensíveis ou mistas ou na proximidade dos receptores sensíveis isolados e estão sujeitos:
a) Ao cumprimento dos valores limite fixados no artigo 11.º; e
b) Ao cumprimento do critério de incomodidade, considerado como a diferença entre o valor do indicador L(índice Aeq) do ruído ambiente determinado durante a ocorrência do ruído particular da actividade ou actividades em avaliação e o valor do indicador L(índice Aeq) do ruído residual, diferença que não pode exceder 5 dB(A) no período diurno, 4 dB(A) no período do entardecer e 3 dB(A) no período nocturno, nos termos do anexo I ao presente Regulamento, do qual faz parte integrante.”
Assim sendo, ressuma daquele relatório de ensaio – Avaliação dos Níveis de Pressão Sonora – Incomodidade exterior, datado de 30.-06.2022, a conclusão de que os níveis de ruido provocado pelo espanta pássaros naqueles três meses que a requerida explora a exploração agrícola dos mirtilos não se encontra dentro dos limites legalmente estabelecidos na lei geral dos ruídos para aquela zona.
Além do mais a avaliação em causa ainda que não tenha sido feita por nenhuma entidade oficial, tem o valor de documento particular, sujeito, como tal, à livre apreciação do tribunal.
E não tendo sido infirmado por qualquer outro meio de prova, bem pelo contrário tendo sido corroborado e confirmado por toda a prova produzida, nomeadamente testemunhal no que diz respeito ao barulho produzido e audível e horas do mesmo, o tribunal entendeu e bem ter sido dado como provado e nos moldes em que o foi.
Na verdade, a recorrente parece ter olvidado que mais do que olhar apenas à não classificação do solo e considera-lo “ um recetor isolado” e como tal apenas suscetível ser utilizado o critério do art. 11º, na verdade terá de se ter em consideração a alínea b) do art. 13º atenta a atividade ruidosa permanente, ainda que sazonal, consubstanciada na fonte ruidosa conferida por aquele equipamento em causa e que igualmente foi analisada na sentença e com o que se concorda.
Diga-se, a respeito, que ainda que o nível sonoro fosse inferior ao limite máximo legal, porém, o direito de oposição à emissão de ruídos subsistiria, sempre que haja ofensa de qualquer direito de personalidade de um terceiro (Ac. STJ 2-07-2009, in CJ online; Ac. RL de 7-02-08 e de 15-01-08, in www.dgsi.pt; Ac RC de 16.5.2000 e de 19-02-04 in CJ online; e Ac RP de 27-04-95, in CJ online e citados in AC da RG de 14-04-2016, Proc. 599/15, relatora Maria Amália Santos).
O mesmo é dizer que a ilicitude dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais, vetor que interessa somente para o direito da comunidade ao ambiente e qualidade de vida.
No caso sub judicio, o documento em causa tem a virtualidade acrescida de corroborar a restante prova produzida e de fixar os valores dos níveis de ruídos de tal forma e em concreto que se retiram conclusões em termos do critério de incomodidade, pelo que o recorrente não tem qualquer argumento válido a retirar do documento em termos de êxito da ação.
Concluímos de todo o exposto que perante a prova produzida – quer testemunhal, quer documental -, é de manter a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo com base nela que as restantes questões irão ser decididas.
Obviamente que o ponto 6º dos factos provados contém matéria conclusiva na expressão “ sons com volumes elevados”.
É entendimento pacífico da jurisprudência do STJ que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado apenas na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova - cfr. Acórdão do STJ de 28.09.2021, proc. 344/18.5T8AVR.P1.S1 e AC do STJ de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1; AC dos STJ de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1; AC do STJ de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1; AC DO STJ de 29/04/2015, Proc .º 306/12. 6TTCVL.C1.S1; Ac do STJ de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR .P1.S1; Ac do STJ 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1 todos in dgsi.
Com uma formulação que reúne a síntese significativa de todos eles, e ali citados o ac. do STJ de 12-03-2014, afirmou expressamente que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” – proc. 590/12.5TTLRA. C1. S1, in dgsi.
É por esta razão que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado – ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, in dgsi.
Quando a sentença fixou como provado no ponto 6 que os sons têm volumes elevados contém uma conclusão, pelo que aquela expressão deverá ser substituída por “ sons emitidos com volumes previstos no ponto 11 dos factos provados”.
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Analisemos agora a questão suscitada pela recorrente da compatibilização entre o direito do requerente e o direito da requerida. A recorrente entende que a sentença não a fez quer por falta da licença de ruído, quer porque entendeu que foram ultrapassados os limites do ruídos, quando deveria ter feito tal compatilização “ estabelecendo os períodos de emissão e os horários em que tal seria permitido, de modo a compatibilizar o direito da recorrente com o direito do recorrido, ainda que condicionando a eficácia da decisão à obtenção da correspondente licença de ruído, assim se assegurando a resolução       equilibrada      do            dissenso          e          se        regulando definitivamente a questão, obviando a que no futuro, e ainda que venham a ser emitidas as licenças, se volte a discutir a questão que motivou o presente processo, já que os direitos do recorrido podem vir a ser invocados novamente, não obstante a actividade ruidosa se encontrar licenciada.

Antes porém, e tentando contextualizar, convém relembrar que no uso do princípio da adequação, após ter sido intentada uma providência cautelar comum, o tribunal proferiu despacho a determinar se seguissem os termos formais da ação especial de tutela da personalidade, tudo após audição das partes.
A doutrina e a jurisprudência divide-se quanto ao que esteve por detrás da mudança sistemática da tutela da personalidade:
- para uns a ação especial do art. 878º do CPC sê-lo-ia no objeto, no procedimento e, bem assim, na configuração dos poderes do juiz quanto ao objeto processual ( neste sentido A.Geraldes, Remédio Marques e Luís Pires de Sousa, AC STJ 30-05-2019, Catarina Serra);
- para outros, como Rui Pinto e Maria dos Prazeres Beleza, em síntese, o tribunal passa a condenar no pedido e deixa de decretar medidas[i].
Ou seja, estes últimos defendem que o tribunal está sujeito ao disposto no art. 609º, nº1 do CPC, não podendo condenar em medida diversa da pedida, por a entender mais adequada. O que deve julgar é (i) se a medida proposta vai mesmo obter o efeito que se pretende de prevenção ou de remoção do ilícito e (ii) se o faz com respeito pelos limites do substantivo às restrições do réu. Quanto aos segundos, o tribunal usará de critérios substantivos para decidir da adequação: o critério que decorre do art. 18º da Constituição ( a medida que deve ser adequada e proporcional) e o critério que decorre do art. 335º do CC. Em resumo, como bem sumariam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, o objetivo último das decisões a proferir pelos tribunais, no âmbito desta ação especial, é o que os juízes, nas suas decisões “ concretizam medidas que promovam a modelação da ordem relacional futura das partes, na medida necessária e proporcional à tutela do direito de personalidade exercido" ( in ob cit, p. 69).

Fechado este parêntesis e volvendo ao caso sub judicio, temos o seguinte quadro:

Na decisão recorrida enuncia-se o direito a um “ ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, consagrado constitucionalmente. É depois elencado o conjunto de instrumentos legislativos que têm vindo a densificar no ordenamento jurídico o direito a um ambiente sadio, na vertente do controlo do ruído.
Procede-se depois a considerações sobre o ruído ser algo inerente à sociedade atual moderna e a uma análise da incomodidade associada ao ruído, nomeadamente no caso da atividade ruidosa permanente, ainda que sazonal e faz a análise à zona em que está instalada a exploração de mirtilos, a qual não estando classificada, é considerada legalmente como “sensível ou mista”, pois que tem habitações à volta e o que está em causa na presente ação, não sendo ação popular, mas ação de tutela da personalidade do autor, é o direito do requerente ao seu sossego e descanso na sua habitação, o que ficou provado ter sido violado.

Conclui-se, depois, assim, que o ruído constitui uma violação ao direito à integridade física, ao repouso e à qualidade de vida do autor.
Cotejados estes direitos com os do exercício de atividade comercial e económica da requerida, a qual tem a exploração dos mirtilos no prédio confinante, nos termos do art. 335º do CC, conclui a sentença que aqueles são prevalecentes e nem admitem qualquer compatibilização pois como ali se lê “ A falta desta licença, desde logo, e a violação dos limites legais deste critério de incomodidade, impede a utilização destes equipamentos na exploração dos Requeridos.
Não existe aqui qualquer valoração possível entre esta atividade e a existência de habitações, sendo que, neste caso, não se afigura como possível, atendendo à finalidade, qualquer medida de redução de ruído ou dos meios de propagação, que sempre teriam de ser aplicadas pela entidade emissora caso pretenda o licenciamento.”.
Salvo o devido respeito tendemos a concordar com a decisão recorrida, atento o caso concreto.
Vejamos.

A questão essencial neste processo centra-se na ponderação entre direitos fundamentais: entendeu-se que, por um lado, se encontravam o direito à integridade física, ao repouso e à qualidade de vida e, por outro lado, o direito ao exercício de uma atividade comercial e a decisão recorrida considerou que os primeiros prevalecem sobre os segundos nos termos do artigo 335º , seguindo jurisprudência largamente definida nos tribunais superiores.
Mas fê-lo na ponderação do caso concreto, aliás como deve ser feito, pois decidir da igualdade ou prevalência dos direitos colidentes nem sempre é fácil de resolver e quase só pode sê-lo em concreto.
“ Sem apreciar, além dos interesses tutelados por cada um dos direitos, o interesse do exercício de cada um em concreto, dificilmente se poderá, as mais das vezes, decidir, se algum deles deve prevalecer sobre o outro. E, nesta ponderação vai contida ( não raro), a dos prejuízos ( em sentido amplo), que o não exercício de um deles em causa, apreciação que, muitas vezes, será realizada por um juízo de probabilidade daquela ocorrência.
Dai que “ grande parte da doutrina afirma, sem mais, que os direitos de conteúdo pessoal são sempre mais valiosos do que os de conteúdo patrimonial. Ora, julgamos que, em concreto, pode assim não ser…”[ii]
Ou, como ensina Pessoa Jorge[iii], quando se reporta ao art. 335º do CC “…No nº 2 desse normativo estabelece-se, na hipótese de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, a prevalência do que se considerar superior, a definir em concreto”.
Caso a caso, importa averiguar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, certo que o sacrifício e compressão do direito inferior deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante.

Revertendo ao caso dos autos, está assente que o autor tem a sua habitação onde reside permanentemente ao longo de todo o ano no prédio confinante ao prédio onde a requerida faz a exploração dos mirtilos e onde o equipamento dos espanta pássaros produz o ruído para além dos limites legais, durante cerca de três meses ( de Maio a Julho), desde as 6h às 21h, pelo que o interesse subjacente ao seu direito é permanente, para além de que o seu dano é essencial ainda que seja apenas diurno e sazonal ( durante 3 meses) porquanto estamos perante uma atividade  ruidosa permanente, ainda que sazonal.
Do ponto de vista da requerida ainda trata-se de uma atividade económica e sazonal e é o método mais eficaz e economicamente mais viável encontrado pela requerida, pelo que no seu entendimento deveria o tribunal ter feito uma ponderação e limitar um período de funcionamento do equipamento, resolvendo assim situações futuras como se impõe aos tribunais.
Mas, prover o recurso conforme a recorrente pretende é deixar entrar pela janela o que o legislador não deixou entrar pela porta, isto é, seria deixar fazer o que a lei proíbe!
Ou seja, fazer uma ponderação de compatibilização dos direitos pressupõe, desde logo, que o direito económico em causa da requerida possa ser exercido em conformidade com a lei.
No caso sub judicio tal não pode ter lugar, porquanto não obedece à lei geral do ruído, nos termos do art. 13º. al. b) da LGR e não obedece aos critérios de incomodidade, para aquela zona que, conforme já vimos é equiparada a “ zona sensível ou zona mista”.
Assim sendo, concordamos com a decisão recorrida quando conclui que “ critério de incomodidade, impede a utilização destes equipamentos na exploração dos Requeridos.
Não existe aqui qualquer valoração possível entre esta atividade e a existência de habitações, sendo que, neste caso, não se afigura como possível, atendendo à finalidade, qualquer medida de redução de ruído ou dos meios de propagação, que sempre teriam de ser aplicadas pela entidade emissora caso pretenda o licenciamento”.
Daí que não concordamos com a recorrente quando alega que a sentença deixou de se pronunciar sobre a ponderação concreta da compatibilização. Bem pelo contrário.
Em verdade, não deixamos inicialmente de ressalvar, invocando um trabalho de colegas nossos, que “ o objetivo último das decisões a proferir pelos tribunais, no âmbito desta ação especial, é o que os juízes, nas suas decisões “ concretizam medidas que promovam a modelação da ordem relacional futura das partes, na medida necessária e proporcional à tutela do direito de personalidade exercido”, mas desde que tal seja legalmente admissível, o que não é o caso concreto, quanto à pretensão da recorrente na atualidade e com aqueles níveis de ruído.
Pelo exposto, improcede, neste particular, o recurso.
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Da sanção compulsória:
A recorrente insurge-se contra a fixação da sanção compulsória invocando as razões apontadas nas conclusões anteriores, ou seja, a sua não concordância com a decisão de condenação ao cumprimento da decisão ( conclusão 23º), pelo que valem, mutatis mutandis, as mesmas razões supra explanadas para o efeito a respeito da manutenção da decisão da primeira instância.
 
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Por tudo o exposto, entendemos ser de manter o decidido improcedendo, assim, e na íntegra, a presente apelação.
As custas são da responsabilidade da Recorrente em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código Civil).
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V- Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida ( apenas corrigida no ponto 6 dos factos provados).
Custas pela R/recorrente.
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Guimarães, 19 de janeiro de 2023

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Jorge dos Santos
Margarida Pinto Gomes


[i] Vide “ Processos Especiais”,  “ Tutela da Personalidade”, Rui Pinto/ Saulo Chanoca, p. 68, ed. 2020
[ii] In CC Anotado Ana Prata e outros, p. 445, 2ª ed.
[iii][iii] Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 201.