SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
REVOGAÇÃO
PROCESSO ABREVIADO
Sumário


Em processo abreviado, o arguido que pretenda reagir contra o despacho do MP que revogue a suspensão provisória do processo e deduz acusação, tem de suscitar expressamente tal questão, de forma a que a mesma seja avaliada aquando do julgamento.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. A decisão
No Processo Abreviado ... do Juízo Local Criminal ..., submetido a julgamento, foi o arguido AA, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1, do C.P.:
- na pena principal de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00 € (dez euros), perfazendo o montante global de 600,00 € (seiscentos euros).
- na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados na via pública pelo período de 5 (cinco) meses.

2. O recurso
2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

II.1. A douta sentença judicial não deve prosperar, visto ser direito subjetivo do arguido a manutenção suspensão provisória do processo.
II.2. Acresce que é inequívoco cariz de prejudicialidade do “suposto” delito de desobediência do arguido em conduzir veículo automotor com a licença suspensa, devendo ser julgado primeiro, concedendo todos os meios de defesa ao réu.
II.3. Apesar da revogação da suspensão provisória do processo ter sido precedida da audição do arguido (artigos 498.º, n.º 3 e 495.º, n.º 2 do CPP), deveria também guardar respeito ao contraditório e ampla defesa do réu, o que não ocorreu.
II.4. A revogação da suspensão do processo foi adotada por despacho fundamentado e baseado em dois meios de prova: a) o depoimento dos dois oficiais da GNR (sem o devido contraditório), e b) o auto de reconhecimento pessoal por mídia fotográfica (de pessoa já conhecida pelos policiais).
II.5. Resulta evidente que o ato de reconhecimento pelos Cabos da GNR através do auto de visionamento fotográfico do arguido e sua testemunha se torna inócuo, uma vez que os próprios policiais declararam em depoimento que já conheciam o arguido e, inclusive, sabiam o sítio de morada dele, perdendo todo o sentido da prova.
II.6. O "reconhecimento" do arguido, e que no fundo sustentou a sua condenação por revogação do benefício de suspensão provisória do processo, se baseou exclusivamente nas declarações dos oficiais da GNR sem qualquer contraditório e sem qualquer outro meio de prova que corroborasse para tal entendimento.
II.7. Encerra-se, referindo-se que apesar da presunção de relativa de veracidade conferida às declarações dos Cabos da GNR, elas não deveriam ser adotadas de forma isolada em prejuízo direto ao arguido e sem que ele pudesse contraditá-las.
II.8. Com efeito, restou violados nestes termos os direitos de defesa do arguido consagrados no art° 32°, n°1 da CRP, designadamente o princípio in dúbio pro reo.
II.9. Pelo exposto, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos para revogação da suspensão provisória do processo, pelo que não poderia a factualidade descrita ser subsumida como provada, impondo-se se não a absolvição do Recorrente, a anulação do ato de revogação enquanto não comprovados os atos de incumprimento das injunções.
II.10. Alternativamente, caso V/ Exas. entendam que a sentença atacada deve ser mantida, pugna-se pela detração da pena acessória já cumprida.
II.11. O Recorrente já cumpriu parte da pena acessória determinada em sentença, sendo certo que dia 17/12/2021 (data que o arguido entregou na Secretaria do Juízo a sua carta de condução) e o dia 30/03/2021 (data da restituição da carta de condução pela Secretaria do Juízo), computa-se 03 (três) meses e 12 (doze) dias de pena acessória cumprida.
II.12. Portanto, deve ser descontado na pena acessória o tempo em que o arguido já cumpriu da medida de proibição estabelecida, adequando-se o tempo de pena acessória com o abatimento de pena já realizado.
Nestes termos, requer-se a V/ Exas. que ordenem a anulação do despacho de revogação da suspensão provisória do processo e, a determinação de suspensão do processo enquanto não for devidamente provada a factualidade de incumprimento de injunção por condução de veículo automotor com a licença suspensa, em que conste a indicação especificada da prova fundamentadora da convicção e o exame crítico das provas, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a).
Alternativamente, requer-se a V/ Exas. no caso de manutenção da condenação do Recorrente, que seja o desconto da pena acessória já cumprida pelo Recorrente (detração), no montante de 03 (três) meses e 12 (doze) dias de pena acessória cumprida.

2.2. Da resposta do Ministério Público
O Ministério Público, em primeira instância, respondeu, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª) Não tem qualquer razão o arguido quando pretende questionar nesta fase o despacho que revogou a suspensão provisória do processo, alegadamente porque deveria “aguardar” o trânsito em julgado da sentença pelo suposto “delito de desobediência por conduzir veículo automotor com licença suspensa”.
2.ª) Desde logo, não estava em causa a prática de qualquer crime, porquanto o arguido violou uma injunção e não uma pena acessória de proibição de conduzir. Por essa razão, o Inquérito n.º 17/22.... acabou por ser arquivado (como se impunha!), já que tal auto de notícia não pretendia denunciar a prática pelo arguido de qualquer crime, destinando-se simplesmente a dar a conhecer ao Tribunal a violação da injunção que condicionara a suspensão provisória do processo. Portanto, não tinha o Tribunal que aguardar o “trânsito” do que quer que fosse.
3.ª) Em segundo lugar, mesmo que se tratasse da violação de uma pena acessória de proibição de condução, estaria em causa a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto no artigo 353.º do Código Penal e não de um crime de “desobediência”.
4.ª) Em terceiro lugar, não foi postergado qualquer direito de defesa do arguido, tanto mais que lhe foi dada a oportunidade de apresentar prova e de prestar todos os esclarecimentos que entendeu por adequados. Não tinha é o Ministério Público de acreditar no arguido, como não acreditou!
5.ª) Em quarto lugar, dir-se-á que, nesta fase, o arguido não pode vir questionar o despacho que ordenou o prosseguimento do processo, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, do CPP. Quando muito, se pretendesse demonstrar que não houve da sua parte incumprimento das injunções, deveria ter requerido a abertura da instrução, conseguindo, por esta via – caso se comprovasse a inexistência de incumprimento – obter decisão de não pronúncia (neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/05/2010, Proc. n.º 107/08.6GACCH.L1-5).
6.ª) A tudo acresce não ser admissível recurso de despachos do Ministério Público, já que, como bem se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/02/2022 (Proc. n.º 255/20.4PALSB-A.L1-9), “recorríveis são apenas os acórdãos, as sentenças e os despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei [artigo 399.º do Código de Processo Penal] - acórdãos, sentenças e despachos (óbvia e naturalmente, dir-se-ia) judicialmente proferidos, na medida em que apenas as decisões judiciais admitem recurso [n.º 1 e 2 do artigo 97.º do Código de Processo penal; n.º 1 do artigo 627.º do Código de Processo Civil]”.
7.ª) Também não assiste qualquer razão ao arguido quando pretende que na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados na via pública seja “descontado” o período em que o arguido esteve privado da carta de condução em cumprimento da injunção.
8.ª) Na verdade, tal pretensão colide frontalmente com o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2017, de 16-06-2017, segundo o qual: «tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art.º 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art.º 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar». (sublinhado e negrito nossos)
Termos em que deverá essa Veneranda Relação negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, assim se fazendo JUSTIÇA.

2.3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no seguinte sentido :
a) O recurso do arguido deverá ser julgado improcedente porquanto a questão prévia por si avançada no seu recurso e relativa à revogação da suspensão provisória do processo e do prosseguimento do processo com a dedução de acusação contra aquele por parte do MºPº, revogação precedida do exercício do contraditório, é questão colocada a destempo pois que podendo prefigurar-se uma nulidade relativa, nunca ela foi arguida pelo recorrente no tempo em que o deveria fazer, ou seja, até ao início da audiência, pois que se estava perante um processo abreviado – art.º 120, n.º2, al. d) e n.º3, al. d) do CPPenal, não sendo, por isso, nula a decisão recorrida por omissão de pronúncia – art.º 379, n.º1, al. c) do art.º 379 do CPPenal; e
b) O recurso do arguido deverá ser julgado improcedente quanto à sua pretensão de desconto do período de privação da carta de condução no decurso da suspensão provisória do processo na fixada pena acessória de proibição de conduzir, pois que a tal obsta o determinado no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2017.

2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso que, no caso em apreço, não se suscitam.
Assim, examinadas as conclusões do recurso, são duas asquestões que importa conhecer :
- anulação do acto de revogação da suspensão provisória do processo;
- desconto no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados do período de 17/12/2021 a 30/3/2022.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que resulta da análise dos autos com interesse para a respectiva decisão:

1 – Em 29/11/2021, após concordância do Juiz de instrução criminal, o Ministério Público, entendendo que o arguido havia incorrido na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) do C.P, determinou a suspensão provisória do processo sumário, pelo período de 5 meses, mediante a sujeição do arguido às seguintes injunções cumulativas :
a) neste período, entregar a quantia de 550,00 € (quinhentos e cinquenta euros) afavor do Banco Alimentar contra a F..., comprovando no mesmoprazo tal pagamento nos autos através de recibo do qual conste a menção“injunção aplicada no âmbito do Processo n.º ...1...”; e
b) não conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 3 (três) meses e 15(quinze) dias, entregando na Secretaria destes Serviços, no prazo de 10 diascontados da notificação do despacho determinativo da suspensão, todos os títulosde condução de que seja titular.
2 –Em 17/12/2021 o arguido entregou a sua carta de condução .
3 –Em 7/1/2022 foi junto aos autos um auto de notícia, dando conta de que o arguido teria conduzido um veículo automóvel no dia 4/1/2022.
4 – Na sequência, foi o arguido interrogado, em 24/1/2022, tendo negado o que consta do ponto anterior, afirmando ter sido o seu irmão o condutor da viatura.
5 – Foi inquirido o irmão do arguido e os militares da GNR subscritores do auto de notícia.
7 – Por despacho de 7/3/2022, o Ministério Público, por o arguido ter incumprido a injunção de não conduzir quaisquer veículos a motor pelo período de 3 meses e 15 dias, determinou o prosseguimento dos autos, tendo deduzido acusação em processo abreviado, imputando-lhe a práticade um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) doC.P..
8 – Em 30/3/2022 foi entregue ao arguido a sua carta de condução.
9 – Em 3/5/2022 foi o arguido julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 292.º, n.º 1, do C.P., na pena principal de 60 dias de multa, à taxa diária de 10,00 €, perfazendo o montante global de 600,00 €, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados na via pública pelo período de 5 meses.

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1. Anulação do acto de revogação da suspensão provisória do processo:
O recorrente começa por se insurgir contra o despacho do Ministério Público que, em 7/3/2022, determinou o prosseguimento dos autos e deduziu acusação contra si em processo abreviado, com base no incumprimento de uma das injunções que lhe haviam sido impostas em 29/11/2021, aquando do despacho que determinou a suspensão provisória do processo.
De acordo com os artigos 381º e ss do C.P.P., em processo sumário, o Ministério Público, nomeadamente depois de interrogar sumariamente o arguido, apresenta-o no tribunal competente para julgamento, determina o arquivamento do processo nos termos do artigo 280º ou suspende provisoriamente o processo nos termos do artigo 281º - cfr. o artigo 384º do C.P.P..
A suspensão provisória do inquérito, pese embora depender da concordância do juiz de instrução criminal e estar subordinada à verificação dos requisitos previstos no nº 1 do mencionado artigo 281º, é uma decisão do Ministério Público, de tal modo que não é susceptível de impugnação – cfr. o seu nº 8.
Como ensina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1994, III, p. 109-110, «A suspensão provisória do processo assenta essencialmente na busca de soluções consensuais para a protecção dos bens jurídicos penalmente tutelados e a ressocialização dos delinquentes, quando seja diminuto o grau de culpa e em concreto seja possível atingir por meios mais benignos do que a pena criminal os fins que presidiram à incriminação, em abstracto dos factos».
Nas palavras de Maia Costa, in Código de Processo Penal comentado, 4ª edição revista, p. 950, «A suspensão provisória constitui uma forma alternativa de processamento do inquérito, na sua fase final, sendo, por isso, um caso de «diversão». Constatada a existência de indícios suficientes do crime e da identidade do seu autor, o inquérito não desemboca numa acusação com vista ao julgamento do arguido, antes fica suspenso, pelo prazo previsto no art. 282º, ficando o arguido sujeito a «injunções e regras de conduta» decretadas pelo Ministério Público.»
O Ministério Público é o titular da acção penal – cfr. o artigo 263º, nº 1 do C.P.P. -, pelo que, além de ser ele que pode decidir suspender provisoriamente o processo, é ao Ministério Público que cabe fiscalizar o cumprimento das injunções e regras de conduta por parte do arguido.
O artigo 282º do C.P.P., estabelece a duração e os efeitos da suspensão provisória do processo, e determina no seu nº 4 (aplicável ao processo sumário por força do nº 4 do artigo 384º) o seguinte :
«O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.»
Assim, se o arguido não cumprir as injunções ou regras de conduta – juízo a efectuar, como se afirmou atrás, pelo Ministério Público -, o processo prossegue, necessariamente com a dedução de acusação em processo abreviado, como sucedeu no caso em apreço !
O recorrente pretende reagir contra o despacho do Ministério Público que, afirmando ter o arguido violado uma das injunções que lhe foi imposta aquando da suspensão provisória do processo, determinou o prosseguimento dos autos e deduziu acusação contra aquele. Dito de outra forma, o recorrente pretende, por esta via, a «anulação do acto de revogação da suspensão provisória do processo».
Ora, tal acto – o despacho de 7/3/2022, proferido pelo Ministério Público – não é impugnável por via do recurso !
Na verdade, conforme resulta do disposto no artigo 399º do C.P.P., apenas as decisões judiciais (sentenças, acórdãos e despachos) admitem recurso.
Os actos decisórios do Ministério Público (cfr. o nº 3 do artigo 97º do C.P.P.) são impugnáveis mediante a intervenção hierárquica – cfr. o artigo 278º do C.P.P. - ou através do requerimento para a abertura da instrução - cfr. o artigo 287º do mesmo código.
Dir-se-á que no caso concreto nenhuma destas vias era acessível ao arguido, a primeira por ser privativa do assistente e do denunciante com a faculdade de se constituir assistente; a segunda por inexistir a fase da instrução nos processos especiais, como acorre com o processo sumário – cfr. o artigo 286º, nº 3 do C.P.P..
Já em processo comum deveria o recorrente ter requerido a abertura da instrução para o fim que agora visa . Neste sentido, ver o Acórdão desta Relação de 6/11/2017, processo 258/14.8gdgmr-A.G1, relatado por Armando Azevedo, in www.dgsi.pt.
Neste tipo de situações, quando muito, poderia entender-se – como faz o acórdão da Relação do Porto de 15/6/2016 (processo 391/14.6piprt.P1, relatado por Ana Bacelar) – que deve ser no julgamento que se avalia a decisão do Ministério Público de deduzir acusação, pondo termo à suspensão provisória do processo : «A não se entender assim, impede-se a sindicância da opção do Ministério Públicode deduzir acusação em vez de arquivar o processo, violando grosseiramente o direito de defesa do Arguido, sendo que, no limite, se aceita, em simultâneo, o cumprimento de todos os deveres impostos no processo suspenso e a condenação nesse mesmo processo, que se considerou – incorrectamente – não dever ser arquivado».
Contudo, ao contrário do que sucede na situação analisada pelo acórdão acabado de citar, nos presentes autos, o arguido, não se pronunciou e nada requereu após ter sido notificado da acusação, na contestação que apresentou limitou-se a oferecer o merecimento dos autos e, em sede de julgamento, quando foi interrogado, confessou os factos de forma integral e sem reservas.
Isto é, a posição processual assumida pelo arguido após a dedução da acusação permite concluir de forma inequívoca que aceitou que incumpriu as injunções impostas no âmbito da suspensão provisória do processo e, por isso, ser submetido a julgamento.
Assim, não se pode acompanhar o arguido quando afirma terem sido violados os seus direitos de defesa e o princípio in dúbio pro reo.
Em primeiro lugar, o despacho acusatório foi precedido de audição do arguido, ou seja, com respeito pelo princípio do contraditório.
Depois, o princípio in dubio pro reo funciona aquando da análise da prova, isto é, no processo abreviado, na fase de julgamento. E actua quando o julgador está perante uma dúvida insanável no que toca à fixação da matéria de facto, altura em que deve decidir a favor do arguido.
Nesta medida, não se impõe ao Ministério Público aquando da decisão de deduzir acusação !
Em suma, é indefensável pretender agora, como quer o recorrente, impugnar o juízo efectuado pelo Ministério Público em 7/3/2022, tanto mais que, caso estivéssemos perante uma nulidade, a mesma não foi tempestivamente arguida no prazo previsto no artigo 120º, nº 3, al. c) do C.P.P., e caso estivéssemos perante uma mera irregularidade, a mesma não foi arguida no prazo previsto no artigo 123º, nº 1 do mesmo código.

4.2. Desconto no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados do período de 17/12/2021 a 30/3/2022 :
O recorrente entende que o período em que ficou privado da sua carta de condução deve ser descontado no cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por cinco meses, em que veio a ser condenado por sentença de 3/5/2022.
Efectivamente, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução em 17/12/2021, que veio a recuperar em 30/3/2022. Ou seja, o recorrente esteve 3 meses e 13 dias privado da carta de conduzir.
Se é verdade que em determinado período esta pretensão mereceu acolhimento por parte da Jurisprudência, embora de forma não unânime; também é certo que, por força dessa divergência jurisprudencial, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2017 –in Diário da República n.º 115/2017, Série I, de 16/5/2017, que uniformizou a seguinte Jurisprudência :
«Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.».
Esta Jurisprudência teve por base a diferente natureza da injunção fixada aquando da suspensão provisória do processo, e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a que alude o artigo 69º do C.P.; a circunstância de a suspensão provisória do processo ter na sua base, necessariamente, a aceitação voluntária das injunções; e o facto de, ao contrário do que sucede com o desconto da prisão preventiva, o legislador não o ter previsto expressamente, pelo que não foi intenção do legislador tal desconto .
Apesar da mencionada decisão do Supremo Tribunal de Justiça não constituir jurisprudência obrigatória – cfr. o nº 3 do artigo 445º do C.P.P. -, não vemos razões para a afastar no caso concreto, razão pela qual improcede também nesta parte a pretensão do recorrente.

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.

Guimarães, 23 de Janeiro de 2023

(Helena Lamas - relatora)
(Cruz Bucho)
(Teresa Baltazar)