TAXA DE ALCOOLÉMIA
PROVA
PRESUNÇÃO
RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO DE REGRESSO
Sumário

I) Não é vedado, na sequência da prova produzida, densificar ou desdobrar, na exposição factual, certos pontos da matéria invocada nos articulados, desde que tal se contenha nos limites alegados, não equivalendo isso a acrescentar ou substituir um facto por outro ou outros.
II) Se nada é oposto quanto à efectiva colheita de sangue, à cadeia de custódia até exame, à realização de exame pelo IML e à conclusão desse exame pela taxa de 1,29 g/l, pode o tribunal considerar provada a taxa de alcoolemia embora o relatório não esteja junto aos autos; a existência nos autos do relatório pericial mas apenas da sua conclusão não pode considerar-se indispensável num contexto em que ninguém contesta nem o resultado nem o procedimento da perícia.
III) Encontrando-se provado que o Réu conduzia seguindo pela meia faixa de rodagem direita do seu sentido de marcha e aí embateu noutro veículo que circulava em sentido contrário ao seu, está infirmada a presunção legal de imputação do acidente ao condutor que conduzia com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.

Texto Parcial

Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO[1]

COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., veio instaurar a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo comum contra F…, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €24.790,25 (vinte e quatro mil setecentos e noventa euros e vinte e cinco euros), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a data da interpelação, até efetivo e integral pagamento, custas judiciais e respetivas custas de parte.
Alegou para tanto, em síntese, que celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel com o réu, referente ao veículo automóvel ligeiro de passageiros que interveio em acidente de viação cuja produção é imputável ao réu que no momento da ocorrência conduzia o referido veículo embriagado; do acidente sobrevieram danos que a autora em cumprimento do contrato de seguro indemnizou e que por via desta acção pretende ressarcir-se nos termos da alínea c), do artigo 27.º, do DL 292/2007.
Citado, o réu defendeu-se por excepção, invocando que a autora não devia ter ressarcido os danos porque fazendo-o violou a lei e o contrato de seguro, e, além disso, fê-lo à revelia e contra a vontade do réu, sabendo que se estava perante direitos litigiosos; por outro lado, a autora não esclareceu o réu do teor do artigo 27.º, do DL 292/2007, nunca o tendo informado que poderia vir a reclamar-lhe a título de direito de regresso o pagamento de quaisquer responsabilidades emergentes de acidentes de viação, fosse por que motivo fosse, sendo certo que tal deveria de constar do contrato de seguro. Não tendo sido observada tal diligência obrigatória, verifica-se uma nulidade contratual, não sendo válida nem aplicável à relação contratual entre autora e réu a possibilidade de direito de regresso agora suscitada; por outro lado, tratando-se de um direito litigioso, já que o julgamento no processo penal que a autora identifica ainda não foi realizado, nada estando pois provado nem o réu condenado, estaríamos quando muito perante uma cedência de créditos, mas sem conhecimento nem consentimento do réu; os mesmos argumentos são válidos, defende, no tocante à sub-rogação, feita à revelia do réu, sendo no entanto de destacar que há pagamentos, como os feitos à PSP, em relação aos quais a autora nem sequer foi sub-rogada, nunca podendo assim integrar o pedido formulado; defendeu-se ainda por impugnação, impugnando a dinâmica do acidente, imputando a responsabilidade na produção do mesmo ao outro condutor.
A autora respondeu à matéria da excepção, defendendo a sua improcedência.
Cumprido o demais legal, houve audiência de discussão e julgamento após a qual foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção.
O Réu interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
A) Tal como se invocou na contestação, não assiste à A., ora recorrida, o direito de demandar o ora R., seu segurado e tomador de seguro, a título de direito de regresso, como melhor se explana no ponto V supra das alegações e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
B) Desde logo porque assim viola garantias legais e contratuais, além de que a seguradora A., à revelia absoluta do R., assumiu a responsabilidade por um sinistro em relação ao qual ainda pende o processo de natureza penal que apurará as exactas causas e culpas na sua produção.
C) Na verdade, o n.º 2 do art.º 27.º, do DL 292/2007 impõe como condicionante da aplicabilidade do direito de regresso, que a A., enquanto seguradora, antes da celebração do contrato de seguro de responsabilidade automóvel tivesse esclarecido especial e devidamente o eventual cliente acerca do teor de tal artigo.
D) Essa adstrição está em consonância com a exclusão prescrita no art.º 8.º do DL 446/85, de 25 de outubro.
E) Nunca o R. foi informado de que a A., sua seguradora, lhe poderia vir a reclamar a título de direito de regresso o pagamento de quaisquer responsabilidades emergentes de acidentes de viação, fosse por que motivo fosse, sendo certo que tal deveria constar do contrato de seguro e que tivessem sido dados ao R. a devida informação e esclarecimentos, nomeadamente quanto ao seu alcance, e, após explicação, obter a aceitação deste.
F) Ora, a A. nunca prestou a mínima informação a esse respeito, nunca advertiu o R., enquanto tomador do seguro, de que poderia ser demandado pela sua própria seguradora, e em que circunstâncias, nem alcançou a concordância deste para tal desiderato.
G) Aliás, nunca lhe foram explicadas a extensão e complexidade das cláusulas do contrato de seguro, de modo a torná-lo ciente de forma completa e efectiva do clausulado contratual, sendo certo que o R. jamais aceitaria o teor de uma cláusula igual à que sustenta a demanda da A..
H) Não tendo sido observada tal diligência obrigatória, verifica-se uma nulidade contratual, o que expressamente se argui, não sendo válida nem aplicável à relação contratual entre A. e R. a possibilidade de direito de regresso agora suscitada.
I) Na fundamentação de facto o tribunal “a quo” deu como provado no ponto 39. que conclui o seguinte: “Aquando da celebração do contrato, não foi o réu informado de que a autora, sua seguradora, lhe poderia vir a reclamar a título de direito de regresso o pagamento de quaisquer responsabilidades emergentes de acidentes de viação, fosse por que motivo fosse.”
J) A despeito disso, o tribunal “a quo” não acolheu os argumentos invocados pelo ora rte. considerando que a apólice em causa foi celebrada em data anterior ao início de vigência do Decreto-Lei 292/2007 e que, ainda que se aplicasse, não prevê o seu art.º 27.º, n.º 2 qualquer consequência para o incumprimento do dever de informação.
K) Sucede que tal entendimento viola a lei.
L) É certo que assiste razão ao tribunal quando refere que o contrato de seguro é anterior ao início de vigência da apólice. Mas sucede que um contrato de seguro, ainda que de carácter obrigatório, como é o de responsabilidade civil automóvel, não deixa de ser um contrato de adesão, com cláusulas contratuais gerais e, como tal, está sujeito à disciplina do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.06.2018, tirado por unanimidade no proc. n. 6369/17.9YIPRT.C1, relatado pelo Senhor Desembargador Arlindo Oliveira (in dgsi), paradigmaticamente esclarece.
M) Em anotação ao n.º 2 do art.º 27.º do DL 292/2007, o Professor José António de França Pitão, escreveu o seguinte sob a anotação 11.: “O n.º 2 do preceito em anotação estabelece o dever de informação da seguradora relativamente às cláusulas do contrato de seguro e bem assim das cláusulas de exclusão da responsabilidade decorrentes das ocorrências enumeradas no n.º 1 do artigo. Tal princípio decorreria já do disposto no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (Cláusula contratuais gerais), como um dos princípios basilares dos direitos dos consumidores...”.
N) Mas há que atentar no vício donde radica o pensamento da A., ora recorrida e acomodado na sentença recorrida, qual seja o de confundir a figura de “tomador do seguro” com o de “condutor do veículo”.
O) A lei distingue essas duas figuras jurídicas hoje, como já distinguia no âmbito do DL 522/85, de 31 de dezembro e nas apólices uniformes do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel emanadas do Instituto de Seguros de Portugal.
P) No art.º 14.º, n.º 2 do DL 291/2007, por exemplo, excluem-se da garantia quaisquer danos materiais causados às seguintes pessoas: a) Condutor do veículo responsável pelo acidente; b) Tomador do seguro...
Q) E percebe-se bem a distinção. É que o condutor do veículo pode não ser o tomador do seguro, mas um qualquer detentor legítimo. E a esse condutor-detentor, nada tendo contratado com a Seguradora nem beneficiando das garantias inerentes, a lei aplica-se sem restrições. Porém, ao tomador de seguro, ainda que seja o condutor, apenas se aplicam as cláusulas isentas de qualquer ilegalidade ou que não se considerem excluídas.
R) Repare-se que o intuito do legislador é o de restringir o direito de regresso das empresas de seguros quando no n.º 1 do art.º 27.º exara que: << Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso...>> e enumera várias situações e figuras, como o condutor e o responsável civil em determinadas situações. Em nenhuma delas é mencionado o tomador de seguro.
S) O propósito do legislador foi o de responsabilizar apenas o condutor que não seja o tomador de seguro, porque em relação a este presidem as cláusulas vinculísticas.
T) Que assim é resulta inequívoca e postumamente do disposto no artigo 144.º do sobreveniente DL 72/2008, de 16 de abril (vulgo Regime Jurídico do Contrato de Seguro), que em matéria de direito de regresso do segurador passou a distinguir as duas figuras jurídicas nos seguintes termos:
1 - Sem prejuízo de regime diverso previsto em legislação especial, satisfeita a indemnização, segurador tem direito de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o tomador do seguro ou o segurado que tenha causado dolosamente o dano ou tenha de outra forma lesado dolosamente o segurador após o sinistro.
2 - Sem prejuízo do disposto em legislação especial ou convenção das partes, não tendo havido dolo do tomador do seguro ou do segurado, a obrigação de regresso só existe na medida em que o sinistro tenha sido causado ou agravado pelo facto que é invocado para exercer o direito de regresso.
U) O direito de regresso promovido pela A., ora rda., não tem assim fundamento legal e sempre se estribaria numa cláusula excluída e inaplicável ao R., devendo assim soçobrar in toto a presente acção, absolvendo-se o R..
V) Conforme se narra no ponto II, a) das alegações e aqui se dá, brevitatis causa, por reproduzido, a redacção dada ao ponto 5. da fundamentação de facto deve ser modificada para passar a conter o seguinte:
“A faixa de rodagem no local do acidente configura uma via com inclinação ascendente até atingir uma lomba e logo após esta uma inclinação descendente, descrevendo a poucos metros uma curva em cotovelo à direita, atento o sentido de marcha do ora réu”.
W) Por outro lado, não foi feita qualquer medição ao local, nem isso foi escrutinado em julgamento, pelo que a alusão à distância de 50 metros calculada por exclusiva iniciativa do tribunal em sede de prolação da sentença, constitui um excesso de pronúncia, que tinge de nulidade a sentença, de harmonia com o art.º 615.º, n. 1, d) do CPC, o que expressamente se suscita.
X) O ponto 10. da fundamentação de facto deve ser dado como não provado, atentas as razões e transcrições que se aduzem supra sob o ponto II, b) e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Y) Da mesma forma, os pontos 17. e 18. da fundamentação de facto devem ser dados como não provados, atentas as razões e transcrições que se aduzem supra sob o ponto II, c) e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Z) E em coerência, considerando as mesmas razões e transcrições que se aduzem supra sob o ponto II, c), devem recuperar-se, dando-os como provados, os factos descritos sob as alíneas c., e. e g. da matéria não provada.
AA) Os agentes policiais, a quem a A. pagou os invocados danos e lesões sofridos, posicionando o seu veículo na diagonal na via da esquerda de forma a barrar a circulação do veiculo conduzido pelo réu, ocupando o sentido de trânsito por onde o veículo conduzido pelo réu circulava, como se escreve na motivação da matéria de facto, isso significa que a Mma. Juíza “a quo” concluiu inequivocamente que o veículo policial estava em contramão, barrando o sentido de marcha do R., ora recorrente.
BB) E podia fazê-lo como o fez? Não, não podia. Desde logo porque não foi apresentada qualquer justificação legal para o efeito. Depois porque se está no domínio de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, como a garantia do direito à vida e à integridade (art.ºs. 24.º e 25.º da CRepP); o princípio da liberdade e da segurança pessoal (art.º 27.º da CRepP); o princípio da defesa da legalidade e da garantia da segurança interna e dos direitos dos cidadãos (art.º 272.º, n.º 1 da CRepP), e os princípios da necessidade, da adequação e da proibição do excesso (art.º 272.º, n.º 2 da CRepP).
CC) Ou seja, se por mero exercício de raciocínio, sem conceder, se tivesse tratado de uma barreira como alega a A., na esteira dos agentes policiais com interesse na matéria, então constata-se que os próprios agentes concorreram para as lesões e danos sofridos, por inobservância das regras aplicáveis ao uso de meios coercivos, e por violação do disposto no art.º 49.º, n.º 1, b), e 50.º, n.º 1, a) do Código da Estrada.
DD) Mas a verdade é que o veículo policial não estava parado; estava em andamento, como resulta de forma clara e serena do depoimento isento da testemunha T.. - registado no sistema de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal, de 09:55:05 a 10:00:12 - que supra se transcreveu e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, por economia de meios.
EE) O ponto 20. da fundamentação de facto deve ser dado como não provado, atentas as razões e transcrição contidos no ponto II, d) das alegações e que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
FF) Na sua motivação, a Mma. Juíza “a quo” sustenta o seguinte: “O ponto 20 resultou provado da conjugação de depoimento da testemunha B…, que referiu que na sequência do embate o réu foi sujeito ao teste de álcool no sangue e acusou 1,62 g/l com a participação, onde se menciona que o réu foi sujeito a recolha de amostra sanguínea e o aditamento da participação datado de 03.05.2017 (fls. 15 verso) onde se escreveu que após «exames toxicológicos efecutados ao condutor do veículo de matrícula 50-BT-28, F… No Instituto de Medicina Legal para determinação de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas e etanol, tiveram como resultado POSITIVO na quantificação de etanol no valor de pelo menos 1, 12 g/l, correspondente a uma TAS de 1,29 g/l registada, deduzindo o erro máximo admissível de 0,17 g/l (conforme relatório do INML n.º 170008551 – identificação do IML n.º 2017/000855/LX-T-AR, que se junta». O referido teste não foi junto a estes autos (ou a certidão judicial do referido teste), contudo, da conjugação dessa prova com a testemunhal, sendo a participação o relato do que se verificou, ficámos convencidas da veracidade da alegação da autora e daí considerarmos tal facto provado.”
GG) Ora, o tribunal “a quo”, perante um facto impugnado pelo réu (art.º 48.º da contestação), e apesar de reconhecer não existir junto aos autos qualquer teste ou a certidão judicial de um alegado teste positivo do INML, menção que integra o documento 2 junto pela A. com a p.i. (o tal impugnado pelo R.), ainda assim lhe bastaram as declarações do condutor policial, B…, cujo depoimento sobre este ponto em concreto é tudo menos categórico.
HH) Ora, a fiscalização da condução sob a influência do álcool rege-se pelo disposto no Decreto Regulamentar n.º 24/98, de 30 de outubro e pelo regulamento do controlo metrológico dos alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007. Esta matéria não se pode fundar na convicção. De harmonia com o art.º 607.º, n.º 5, segundo segmento do CPC, a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, como é o caso, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou em que haja acordo entre as partes.
II) No processo inexiste qualquer talão aferindo a TAE ou a TAS, medido por aparelho que satisfizesse todos os requisitos de aprovação e de verificação, e também inexiste qualquer documento autêntico ou autenticado da lavra do Instituto Nacional de Medicina Legal comprovando o que quer que seja – uma omissão que não pode ser suprida <<... por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior >> (ex vi do art.º 364.º, n.º 1 do CC).
JJ) E assim, como diz o velho brocardo latino, “quod non est in actis non est in mundo”.
KK) Por outro lado, o processo de natureza penal ainda está pendente pelo que inexiste matéria de caso julgado que pudesse ter repercussão nos presentes autos.
LL) Na inexistência de tal prova, o referido ponto 20. deve ser dado como não provado, assim como todos os demais com ele associados, designadamente os pontos 21. a 23. da fundamentação de facto.
MM) Do mesmo passo desenha-se um excesso de pronúncia, na medida em que a Mma. Juiz “a quo” conhece uma questão de que não podia tomar conhecimento. E ainda que assim não se entendesse, sempre se verificaria uma contradição entre os fundamentos e a decisão. Estão assim configuradas as nulidades de sentença que expressamente se arguem, previstas no art.º 615.º, n.º 1, d) ou c) do CPC.
NN) Nos pontos 35. e 36. da fundamentação de facto, o tribunal dá como provado danos sofridos pelo veículo policial (ponto 35.) e que a A., ora rda., liquidou o montante dos prejuízos, não à PSP, a proprietária do veículo, mas à oficina R…, Lda. (ponto 36.).
OO) Não consta dos autos qualquer documento da PSP que autorize esta empresa a reparar o veículo; nem nenhuma declaração a reclamar qualquer verba à A. seguradora; nem nenhum título da PSP subrogando os seus créditos a favor daquela empresa.
PP) Dá-se ainda a circunstância de o R. ter impugnado no art.º 50.º da sua contestação quase todos os documentos juntos pela A., incluindo os docs. 13 e 14, e nenhuma testemunha, fosse da PSP, fosse da aludida empresa, compareceu para tentar reverter tal impugnação. E não compareceu porque também nenhuma foi indicada no momento próprio – ut art.º 445.º do Código de Processo Civil e art.º 374.º, n.º 2 do CC.
QQ) Ora, a Mma. Juíza “a quo” não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão de ignorar a impugnação deduzida e a ilegitimidade daquela empresa para receber um montante em nome da PSP, infectando de nulidade a sentença, por força do estabelecido no art.º 615.º, n.º 1, b) do CPC.
RR) Se a A. procedeu ao pagamento, fê-lo indevidamente e por isso jamais se poderia reembolsar do correspondente montante.
SS) Atendendo ao que se narra no ponto II supra das alegações, a resposta à matéria de facto deveria conter as alterações ali assinaladas.
TT) Ao não entender assim, o tribunal “a quo” cometeu um erro de julgamento e violou a lei UU) Nos termos do art.º 662º/1 e 2, c) e d) do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto quando a prova produzida impuser uma solução diversa –como é o caso e de acordo com o que se narra no ponto III supra e aqui se dá por reproduzido.
VV) Alteradas que sejam nos termos propugnados as respostas aos pontos supra referidos, decorrerá daí, sem mais considerandos, a absolvição do ora rte..
Nestes termos e nos melhores de Direito com que V.Exas. sempre suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos supra preconizados;
b) serem conhecidas as invalidades e nulidades suscitadas; e,
c) revogar-se a sentença proferida e absolver-se o recorrente, por ser da mais elementar JUSTIÇA!
Foram apresentadas contra-alegações defendendo o bem fundado do julgado, concluindo como segue:
A. O Apelante começa por alegar a existência de uma contradição, relativamente à matéria do acidente dada como provada, com a redação do facto 5 dado como provado na Sentença a quo.
B. Não se vislumbra qualquer contradição entre a prova testemunhal e documental com a caracterização do local feita no ponto 5 da matéria de facto.
C. No depoimento prestado na sessão de 12/11/2021, gravado sistema habilus a testemunha J… no trecho da passagem com início a 10:31:19 e termo a 10:54:27, refere desde o minuto 00:12:19 ao 00:13:07, que a via pela qual circulava o Apelante se tratava de uma via ascendente que culminava no ponto mais alto, no qual se deu o embate com o veículo policial.
D. O sinistro ocorre no topo da via ascendente pela qual o Apelante circulava, que configura uma única lomba, começando, imediatamente, a descer, não sendo referida a existência de nenhuma outra lomba no local, nem tão pouco se vislumbra das imagens juntas pela Apelada a presença de mais que uma lomba.
E. Desta forma, torna-se evidente que a matéria de facto do ponto 5, não merece reparo, por em nada contradizer a prova testemunhal e documental valorada na douta Sentença a quo.
F. Em seguida, o Apelante coloca em crise o ponto 10 da matéria de facto, que refere existir boa visibilidade, na medida em que é possível avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de pelo menos, 50 metrosG. Tanto a testemunha B…o, como a testemunha J.. esclareceram o Tribunal, mais que uma vez, através dos seus depoimentos que o veículo policial era visível para quem circulasse pela Rua Fernando Pereira Monteiro, a qual teria, segundo a testemunha F… pelo menos 30 metros de distância, desde o início até à lomba.
H. De facto, a testemunha B…, no seu depoimento prestado na sessão de 12/11/2021, gravado sistema habilus no trecho da passagem com início a 09:41:25 e termo a 10:30:31, sempre que confrontada com a visibilidade do local, mencionou existir (minuto 00:04:04 ao 00:20:34).
I. Foi baseado nos depoimentos destas testemunhas, e com o auxílio do Google Maps, que calculou a distância desde o início da rua até ao local do sinistro de 54 metros, que o Tribunal a quo formou a sua convicção acerca da boa visibilidade do local do sinistro, de pelo menos, 50 metros.
J. A Mm.ª Juiz encontra-se vinculada ao princípio da livre, e crítica, apreciação da prova, tendo decidido corretamente à luz dos princípios elencados e da prova documental e testemunhal produzida.
K. A sentença não está ferida de qualquer nulidade, designadamente a prevista no art.º 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil.
L. O disposto no art.º 615.º n.º 1 al d) do CPC, incide apenas e só sobre temas/questões sobre as quais o decisor se debruce e sobre as quais não o deveria fazer.
M. No que ao presente processo diz respeito, esta questão, a da visibilidade, foi não só alegada pela Apelada na sua petição inicial, como foi amplamente discutida em sede Julgamento.
N. Desta forma, deve manter-se a matéria de facto dada como provada no ponto 10, já que do seu teor não resulta não resulta qualquer nulidade, por excesso de pronuncia.
O. No que diz respeito à legitimidade da PSP, colocada em causa pelo Apelante, para efetuarem uma barreira impedindo a passagem do mesmo, há que referir que o veículo da PSP, se encontrava na via da esquerda, imobilizado, com o objetivo de impedir a passagem do veículo BT, aguardando que, o Apelante, imobilizasse o veículo assim que os visse.
P. Decorre da Lei orgânica da PSP n.º 53/2007, de 31 de agosto de 22, no artigo 3.º n.º 2 que: “Constituem atribuições da PSP: b) Garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e dos bens;”
Q. Mais, “No âmbito das suas atribuições, a PSP utiliza as medidas de polícia legalmente previstas e nas condições e termos da Constituição e da lei de segurança interna, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente necessário.”
R. Os Srs. Agentes da Polícia, tinham legitimidade para se colocaram de forma estratégica, no topo da via, devidamente identificados, a formar uma barreira, para impedir a passagem do veículo BT tendo sido surpreendidos, quando se aperceberam que o mesmo não iria imobilizar a marcha, provocando o inevitável embate entre os veículos intervenientes.
S. Nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos Srs. Agentes da Polícia, que nada mais fizeram que agir no âmbito das suas competências.
T. Não se bastando com a tentativa de ilegitimar as ações dos Srs. Agentes da Polícia, o Apelante insiste que o veículo policial não se encontrava parado, mas sim, em andamento, em contramão.
U. Resulta dos depoimentos dos Srs. Agentes da Polícia, que o veículo no qual circulavam, estava parado, no topo da via.
V. Concretamente, no depoimento do Sr. Agente B…, à pergunta se estavam a andar ou parados respondeu ao minuto 00:02:52, que estavam parados.
W. Também a prova documental, os danos dos veículos e as próprias leis da física sugerem que o veículo da PSP estava imobilizado.
X. A única explicação para que os danos na viatura policial sejam na frente esquerda e, para que a mesma após o embate tenha recuado, é que se encontrava parada, na diagonal, com a frente virada para a direita, como referido pelos Srs. Agentes da Polícia.
Y. A viatura da PSP era mais pesada que o veículo do Apelante, sendo lógico que num embate entre ambos os veículos em movimento, tivesse sido o veículo policial a exercer maior força contra o veículo JZ, obrigando o mesmo a recuar, o que não aconteceu.
Z. O veículo policial recuou porque estava no topo da via ascendente, imobilizado, mas não com o travão de mão acionado, como explicado pelo condutor do veículo ZT, do minuto 00:10:11 ao minuto 00:10:30, que tinha o pé no pedal do travão, que levantou ao sofrer o embate, levando o veículo a recuar.
AA. Devem manter-se os pontos 17 e 18 da matéria de facto, por serem os mesmos conformes à prova produzida.
BB. Relativamente à prova do facto do ponto 20, colocada em causa pelo Apelante, teve a douta Sentença a quo em consideração, a conjugação do depoimento da testemunha B… que recorda que o Apelante circulava com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida de 1,62g/l (minuto 00:14:46), com a participação de acidente e o seu aditamento de onde resultou que o Apelante circulava com uma TAS de 1,29g/l deduzindo o erro máximo admissível.
CC. Segundo o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/06/2022, com o nº de processo 2734/19.7T8ACB.C1, disponível em www.dgsi.pt, o auto de participação de acidente de viação faz prova plena, quanto a tudo o que foi diretamente percecionado pelo documentador.
DD.Ora, “Os factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico ficam por ele plenamente provados e esta prova só é ilidível mediante a arguição e prova da falsidade (C.Civil, art.º 372º, nº 1).” Ac. do STJ de 09/02/2006 com o nº de processo 05B3177, disponível em www.dgsi.pt.
EE. A Participação de Acidente enquanto documento autêntico, faz prova plena de tudo á exceção da dinâmica do acidente, por não ter sido presenciada pelo autuante, não podendo ser colocada em causa por mera impugnação, carecendo de arguição e prova da falsidade.
FF. Deve manter-se a matéria de facto dada como provada no ponto 20, já que do seu teor não resulta não resulta qualquer nulidade, por excesso de pronuncia prevista no artigo 615.º n.º 1 al d) ou c) do CPC.
GG. É incongruente alegar um excesso de pronuncia, numa questão não só trazida à discussão pelas partes, como absolutamente basilar para o direito que a Apelada se arroga detentora.
HH. De igual modo a Autora, não consegue perceber e enquadrar a existência de uma contradição entre os factos e os fundamentos da decisão, porque se encontram devida e fundadamente enquadras, não se vislumbrando qualquer mérito na alegação de que a sentença padece dos vícios elencados no artigo 615.º n.º 1 al d) ou c) do CPC.
II. Em virtude do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado com o Apelante, foi transferida para a Apelada, a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo BT.
JJ. Tendo a Apelada assumido a responsabilidade pela regularização do sinistro, e se encarregado de ordenar a peritagem ao veículo terceiro JZ, para averiguar a extensão dos danos e, posteriormente, solicitar a sua reparação.
KK. A Apelada, tem a direção efetiva da reparação do veículo danificado, a partir do momento que o lesado lhe entrega o veículo e não coloca objeções à oficina escolhida para peritar o mesmo, podendo a Apelada, para efeito de pagamento da indemnização, liquidar diretamente ao terceiro prestador de serviços.
LL. Desta forma, bastava à Apelada demonstrar a correspondência entre o valor peritado pela oficina, conjugado com a ordem de pagamento à oficina e o recibo emitido por esta, para prova dos factos dos pontos 35 e 36 da Sentença a quo.
MM.Sustenta o Apelante que existe nulidade, já que a MMª Juiz não justificou a razão pela qual ignorou a impugnação deduzida pelo mesmo.
NN. O decisor não tem obrigação de se pronunciar especificamente sobre todos os factos, muito menos tem obrigação de pronunciar sobre as razões pelas quais não foi atendida uma impugnação.
OO. Ao abrigo do disposto no art.º 615º, nº 1, al. b), lido à contrário, o Juiz tem o dever de fundamentar as decisões de facto tomadas, ou seja, tem de justificar a razão pela qual considerou tal facto provado o que é o mesmo que justificar a razão pela qual não se concordou com a impugnação ao mesmo.
PP. Assim, não se vislumbra qualquer omissão do dever de fundamentar a decisão quanto á matéria de facto veja o alegado estribado na sentença:
QQ. “Os pontos 35 e 36 resultaram provados do relatório de peritagem constante do documento 13, que orçamentou as despesas em €6429,03 conjugado como documento 14, ordem de pagamento de €6429,03 à ordem da oficina R… e o recibo emitido com o timbre dessa oficina e carimbo da gerência, presumindo-se a emissão por esta, no valor atrás referido”.
RR. Desta forma, deve improceder a nulidade suscitada pelo Apelante, e manter-se a matéria de facto dada como provada nos pontos 35 e 36 da Sentença a quo.
SS. O dever previsto no n.º 2, do artigo 27.º, do DL 291/2007, de 21.08 é um dever de esclarecimento por parte da empresa de seguros, o qual não prevê qualquer consequência se a seguradora não cumprir esse dever se esclarecimento.
TT. A assim não ser, ter-se-ia por revogado o preceituado no artigo 6.º do CC, nos termos do qual, o “desconhecimento da lei não aproveita a ninguém”.
UU. Do não cumprimento do dever de informação previsto no n.º 2, do artigo 27.º do DL 291/2007, de 21.08, não resulta que a seguradora fique impedida de exercer o direito de regresso, nem tão pouco que dessa omissão resulte uma nulidade contratual.
VV. À data de celebração do contrato de seguro referente ao veículo BT, 14/08/2006, encontrava-se em vigor o DL 522/85, de 31 de Dezembro, o qual, não contemplava qualquer obrigação de informação.
WW. O Apelante foi demandado ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual, o que torna absolutamente estéril e inócua a exclusão de qualquer clausula do contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a Apelada e o Apelante.
XX. Não existe fundamento jurídico para alterar a matéria de facto ou de direito.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências, doutamente suprirão, deve o a Douta Sentença recorrida ser mantida na íntegra, como é de inteira e esperada, JUSTIÇA!
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, em face da não prestação da caução que havia sido requerida. O tribunal pronunciou-se pela não verificação das nulidades arguidas.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões do Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar as seguintes questões:
1) Das nulidades
2) Da impugnação da decisão de facto
3) Dos requisitos do direito de regresso
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. DAS NULIDADES
1. O Recorrente argui a nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, contradição e falta de fundamentação (cf. conclusões W), LL), MM) e QQ).
2. No que se refere ao excesso de pronúncia alega que a alusão à distância de 50 metros calculada por exclusiva iniciativa do tribunal em sede de prolação da sentença, constitui um excesso de pronúncia, que tinge de nulidade a sentença, de harmonia com o art.º 615.º, n. 1, d) do CPC, o que expressamente se suscita.
A nulidade a que se refere a norma citada decorre de a decisão arguida apreciar e decidir questões que as partes não lhe submeteram e que não eram de conhecimento oficioso, ou seja, em violação do princípio do dispositivo – artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil – e do disposto no artigo 609.º do mesmo Código: a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Ou seja, sempre com a ressalva das questões de conhecimento oficioso, as citadas normas impedem que a decisão se pronuncie sobre questão não submetida à apreciação do tribunal. O artigo 615.º, n.º 1, alínea d), comina a violação destes preceitos com a nulidade da decisão.
Esta nulidade decorre assim da violação da delimitação pelas partes do objecto do processo, estabelecido no artigo 609.º, do Código de Processo Civil, com o âmbito delimitado nos termos dos artigos 3.º, 5.º e 608.º do mesmo Código.
Em consequência, o excesso verifica-se quando a decisão proferida, não os seus fundamentos de facto, caso em concreto colocado, exorbita do objecto processual.
Sempre se diga que, de todo o modo, não estava vedado ao tribunal a utilização do facto concretizado dos metros de visibilidade do condutor do que ocorria na via, atenta a alegação da situação de boa visibilidade.
Na verdade, não é vedado, na sequência da prova produzida, densificar ou desdobrar, na exposição factual, certos pontos da matéria invocada nos articulados, desde que tal se contenha nos limites alegados, não equivalendo isso a acrescentar ou substituir um facto por outro ou outros[2].
Improcede a arguição.
2. Entende o Recorrente que a decisão recorrida ao julgar provada a taxa de alcoolemia sem que dos autos conste o exame respectivo incorre em nulidade por excesso de pronúncia ou contradição entre os fundamentos e a decisão.
Que se não verifica excesso de pronúncia decorre da caracterização da figura acima feita.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No caso, foi julgado provado que o Réu conduzia com taxa de alcoolemia superior à legal e foi julgada procedente a acção entre o mais com esse fundamento. Nenhuma contradição, portanto, entre o decidido e o constante da fundamentação de facto.
Pelo exposto, improcede a nulidade invocada sob arguição de contradição entre os fundamentos e a decisão.
4. Por fim, o Recorrente defende que a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua decisão de ignorar a impugnação deduzida [quanto aos pagamentos feitos pela seguradora] e a ilegitimidade daquela empresa para receber um montante em nome da PSP, infectando de nulidade a sentença, por força do estabelecido no art.º 615.º, n.º 1, b) do CPC.
O artigo 615º, nº 1, alínea b), determina que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Este o enquadramento normativo que permite abordar a questão suscitada.
Os fundamentos de facto que fundam a decisão constam da sentença, por nela estarem indicados quais os factos que julgou provados e não provados.
A não consideração de meios de prova na decisão quanto a algum facto, funda a impugnação da decisão, mas não a fere de nulidade, antes encontra o seu regime no disposto no artigo 662.º, do mesmo Código.
Assim, improcede a arguição de nulidade com este fundamento.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.1. Impugnação
O Recorrente impugna a decisão de primeira instância na parte em que julgou provados os pontos de facto sob 5, 10, 15, 17 e 18, relativos ao local e à dinâmica do acidente, 20 a 23, relativos à taxa de alcoolémia apresentada pelo Réu, 35 e 36, quanto a pagamentos efectuados, e não provados os pontos de facto sob as alíneas c), e) e g), relativos também à dinâmica do acidente.
1.2. Apreciação
1.2.1.
(…)
Assim, de acordo com a prova produzida, entendemos estar provado o seguinte, assim alterando a decisão quanto ao ponto 5:
A faixa de rodagem da rua onde ocorreu o acidente configura uma recta com inclinação ascendente até atingir uma lomba seguindo-se uma curva à direita em grau situado entre 130 e 150 e, após esta, configura uma recta com inclinação descendente, tudo atento o sentido de marcha do réu.
1.2.2.
(…)
Assim, de acordo com a prova produzida, entendemos que não se encontra provado o facto constante da sentença sob o ponto 10.
1.2.3.
(…)
Assim, altera-se a decisão de facto em termos de, da matéria em análise se julgar provado apenas o seguinte não se provando o demais:
Os agentes da PSP B…, condutor do veículo JZ, e J… circulavam naquela viatura na Rua Professor Fernando Eduardo Pereira Monteiro, vindos da Avenida Padre Alberto Neto, em marcha de emergência, sinalizada com efeitos sonoros e luminosos, ou seja em sentido contrário ao da viatura BT.
As viaturas JZ e BT embateram na Rua Professor Fernando Eduardo Pereira Monteiro na meia faixa de rodagem direita, após a lomba existente, considerado o sentido de marcha do Réu.
1.2.4.
(…)
Assim, improcede neste ponto a impugnação da decisão de facto quanto ao ponto 20 e identicamente quanto aos pontos 21 a 23 impugnados apenas por dele dependerem.
1.2.5.
(…)
Assim, improcede a impugnação da decisão de facto nesta parte.
1.3. Da fixação da matéria de facto
Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância com as alterações decididas como segue (renumerados face à supressão e aditamento):
1. No exercício da sua atividade, em 14.06.2006 a autora celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel com o réu, a que corresponde a apólice n.º …, relativo ao veículo automóvel, da Marca BMW, Modelo 320 D, com a matrícula …, doravante também designado por BT.
2. Em virtude da celebração do referido contrato de seguro foi transferida para a autora, a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo supra identificado.
3. No dia 17 de Março de 2017, pelas 20:40 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros BT, conduzido pelo ora réu e o veículo …, doravante designado JZ, conduzido pelo Exmo. Senhor B…, estiveram envolvidos em acidente de viação que desencadeou o acionamento do contrato de seguro.
4. O sinistro em apreço ocorreu na Rua Fernando Eduardo Pereira Monteiro, sito na freguesia da Rio de Mouro, concelho de Sintra.
5. A faixa de rodagem da rua onde ocorreu o acidente configura uma recta com inclinação ascendente até atingir uma lomba onde forma uma curva à direita em grau situado entre 130 e 150 e, após esta, configura uma recta com inclinação descendente, tudo atento o sentido de marcha do réu.
6. O piso é asfaltado.
7. A faixa de rodagem é composta por duas vias de circulação, uma para cada sentido de trânsito.
8. Do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do ora réu, existe um parque de estacionamento pertencente à estação de comboios da CP.
9. A velocidade máxima permitida no local é de 50km/h.
10. O condutor do veículo JZ é Agente da Polícia de Segurança pública com o nº … que se encontrava no exercício de funções profissionais.
11. Foram rececionadas na Divisão Policial de Sintra – Esquadra de Trânsito, denúncias referentes ao veículo BT, em virtude da ocorrência de dois sinistros alegadamente provocados pelo mesmo, seguido de fuga.
12. No cumprimento das suas funções profissionais, o condutor do veículo JZ procurou este veículo, deslocando-se a vários locais onde sabia que o mesmo tinha estado.
13. A Polícia de Segurança Pública e bem assim o condutor do veículo JZ, tiveram conhecimento de que o ora réu estaria nas imediações do local onde ocorreu posteriormente o sinistro que ora nos ocupa, deslocando-se assim ao mesmo.
14. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, o veículo BT, conduzido pelo ora réu, circulava na Rua Fernando Eduardo Pereira Monteiro, em direção à Avenida Padre Alberto Neto.
15. Os agentes da PSP B…, condutor do veículo JZ, e J… circulavam naquela viatura na Rua Professor Fernando Eduardo Pereira Monteiro, vindos da Avenida Padre Alberto Neto, em marcha de emergência, sinalizada com efeitos sonoros e luminosos, ou seja em sentido contrário ao da viatura BT.
16. As viaturas JZ e BT embateram na Rua Professor Fernando Eduardo Pereira Monteiro na meia faixa de rodagem direita, após a lomba existente, considerado o sentido de marcha do Réu.
17. O réu foi transportado para o Hospital Amadora Sintra, onde foi submetido a análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool e substâncias psicotrópicas no sangue.
18. Nessa sequência, o réu acusou uma TAS de 1,29g/l.
19. O réu encontrava-se com as suas capacidades físicas e psíquicas diminuídas, pelo consumo do álcool.
20. O réu tinha conhecimento da ilicitude de toda a sua atuação culposa.
21. O réu não só podia, como devia ter agido de forma contrária, abstendo-se de consumir substâncias de teor alcoólico quando tencionava usar o veículo seguro.
22. Do sinistro supra descrito, em virtude do embate, resultaram lesões corporais no condutor do veículo JZ, bem como o passageiro do mesmo, Agente J….
23. O condutor do veículo JZ sofreu um traumatismo temporal esquerdo e ferida na região temporal esquerda, bem como trauma com escoriação no joelho direito.
24. O condutor do veículo JZ sofreu uma Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), pelo período de 216 dias, com perda de rendimentos, uma vez que neste período auferiu exclusivamente o seu vencimento base.
25. O condutor do veículo JZ apresenta ainda uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 2%, que se manifesta através de sequelas anatámo-funcionais, consubstanciando danos futuros.
26. A autora procedeu à liquidação do valor de 6.000€ (seis mil euros), a título indemnizatório a por danos morais e patrimoniais, passados presentes e futuros emergentes do sinistro dos autos que considerou devidas ao lesado B….
27. A autora liquidou ainda despesas decorrentes do período de incapacidade identificado, tendo pago o montante de 8.961,10€ (oito mil novecentos e sessenta e um euros e dez cêntimos).
28. O passageiro do veículo JZ, Agente J… sofreu um traumatismo frontal na região cervical, hematoma frontal e ainda trauma nos joelhos.
29. A autora liquidou também à PSP a quantia de €813,20 a título de ITA sofridas pelo agente J… e despesas médicas necessárias ao seu tratamento, conforme documento discriminativo, comprovativo de pagamento e respetivo recibo.
30. Tendo sido fixado o quantum doloris em 4 pontos em 7, conforme relatório de avaliação de dano corporal.
31. A autora liquidou o montante de 2.000€ (dois mil euros), a título de indeminização por todos os danos morais e patrimoniais emergentes do acidente, conforme comprovativo de pagamento e respetivo recibo de quitação.
32. O veículo policial JZ sofreu danos orçamentados no valor de 6.429,03€ (seis mil quatrocentos e vinte e nove euros e três cêntimos), nomeadamente ao nível do radiador, resguardo do ventilador, caixa de fusíveis, barra de direção.
33. A autora liquidou o montante de 6.429,03€ (seis mil quatrocentos e vinte e nove euros e três cêntimos) à oficina R…, Lda..
34. A autora despendeu ainda o montante de 55,35€ (cinquenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos) a título de peritagem ao veículo policial e 164,75€ (cento e sessenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) a título de averiguação.
35. O réu dominava o uso do veículo BT, praticando o exercício da condução de livre vontade.
36. Aquando da celebração do contrato, não foi o réu informado de que a autora, sua seguradora, lhe poderia vir a reclamar a título de direito de regresso o pagamento de quaisquer responsabilidades emergentes de acidentes de viação, fosse por que motivo fosse.
Não se provaram os seguintes factos:
a. A autora tenha pago a quantia de €481,80 ao Hospital Fernando Fonseca EPE e CVP Sociedade Gestão Hospitalar, S.A.
b. Em 22 de Novembro de 2019, a autora interpelou o réu para proceder ao reembolso do montante que havia despendido com a regularização do sinistro.
c. O R., no momento em que inicia o sentido descendente (sentido Rua Fernando Pereira Monteiro – Av. Padre Alberto), depara-se com um veículo circulando em sentido contrário e fora de mão que lhe bloqueou a marcha e colidiu com o veículo conduzido por si.
d. A existência de vários veículos ali estacionados no passeio e, antes disso, também no parque de estacionamento em terra batida ali existente do lado direito, considerando o seu sentido de marcha, retiravam visibilidade a quem circulava no mesmo sentido de trânsito do R..
e. Só quando ia iniciar o sentido descendente daquela artéria e a executar a curva é que o R. se apercebeu do veículo conduzido pelo condutor do JZ, totalmente fora de mão.
f. Em consequência disso, o veículo do R. sofreu uma colisão frontal.
g. A frente do seu veículo, em especial a parte esquerda, foi colidida pela frente esquerda do JZ.
h. O R. bateu violentamente com a cabeça no pára-brisas, que ficou fracturado.
i. O ofendido sofreu ferimentos graves na cabeça com perda de conhecimento de que lhe adveio uma amnésia lacunar grave, e que ainda hoje persiste, e ferimentos visíveis na mão esquerda, com sangramento, manifestando dores na coluna e na zona cervical.
j. Nem o agente da Polícia que o acompanhou, nem o pessoal médico e paramédico que o recebeu, fizeram qualquer outro exame ao R..
k. Ao condutor do JZ não tenha sido feito qualquer teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue.
l. Obrigaram o R., desacompanhado de quem quer que fosse, a assinar várias folhas, desconhecendo este o seu exacto teor e alcance.
m. Uns dias depois do sinistro, e uma vez que continuava com dores e com perda de conhecimento, o queixoso recorreu de novo ao Hospital Fernando da Fonseca, mas por sua livre iniciativa.
n. A amnésia lacunar persistia e as dores no corpo também.
o. O R. participação criminal contra o condutor do veículo JZ, que foi incorporada no processo identificado na p.i..
p. Não foi deduzida acusação mas, na sequência da decisão instrutória, o ora R. interpôs recurso - que se acha pendente.
3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. A Autora vem exercer direito de regresso relativamente aos pagamentos que fez de indemnizações em razão de acidente de viação cuja responsabilidade assaca ao Réu que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legal.
O artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) rege quanto ao direito de regresso da seguradora que satisfaça indemnização por danos causados no exercício da condução de veículos automóveis. Dispõe como segue, na parte pertinente ao presente recurso:
1 - Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
(…) c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.
(…) 2 - A empresa de seguros, antes da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade automóvel, deve esclarecer especial e devidamente o eventual cliente acerca do teor do presente artigo.
2. Pretende o Recorrente que o direito de regresso apenas pode ser exercido quando a Seguradora tenha dado cumprimento ao estatuído no n.º 2 da norma transcrita.
No que se refere ao cumprimento do disposto no n.º 2 referido, alega o Recorrente que o direito de regresso está dependente do seu cumprimento, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei 444/85, de 25 de Outubro. Ora, defende, estando provado nos autos que a seguradora não prestou tal informação ao Réu (ponto 36 supra), está-lhe vedado o exercício do direito de regresso.
No que respeita à argumentação da sentença recorrida de que o diploma em causa não se encontrava em vigor quando o contrato foi celebrado, entende o Recorrente que a norma agora expressa do artigo 27.º, n.º 2, transcrita, apenas explicita a obrigação que já decorria do diploma que rege sobre cláusulas contratuais gerais aplicável em sede de contrato de seguro.
Tem inteira razão a sentença recorrida quando afirma que o Decreto-Lei 291/2007 não se encontrava em vigor à data da celebração do contrato, ou seja, em 14 de Junho de 2006 (ponto 1 dos factos assentes supra). O Recorrente, aliás, veio a concordar com tal, defendendo agora a aplicação do Decreto-Lei 446/85 e a impossibilidade de exercício de direito de regresso por incumprimento de dever de informação.
A questão dilucida-se desde logo à luz do artigo 1.º do mencionado diploma que se transcreve:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 - O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
É sabido, e o seu preâmbulo bem o ilustra, que está em causa no mencionado diploma o equilíbrio do peso contratual das partes em confronto na negociação, alicerce do princípio da liberdade de contratação. Considerada a capacidade negocial superior de uma das partes o diploma protege a outra em termos de reequilibrar as suas posições relativas.
O ponto aqui é, portanto, o de as cláusulas contratuais previamente estabelecidas pela parte mais forte poderem ser invalidadas se determinados deveres não forem cumpridos (para além de poderem ser inválidas sem mais, o que não é o caso defendido pelo Recorrente).
Necessário à aplicação é a existência de cláusula contratual proposta. Não é disso que se ocupam os autos, nos quais está em causa uma norma legal que as partes não podem afastar na contratação, a do artigo 19.º do Decreto-Lei 522/85 e a actual do artigo 27.º do Decreto-Lei 291/2007. Excluir a aplicação por incumprimento do dever de a seguradora informar o tomador de qual a lei da República, implicaria ignorar o disposto no artigo 6.º do Código Civil, e colocar na disponibilidade das partes uma norma que pretende, sobretudo, dissuadir da violação do dever de respeitar a taxa de alcoolemia permitida, iludindo a vontade do legislador de reprimir essa mesma violação.
Aliás, apenas nessa vontade dissuasora, que convoca a seguradora para a tarefa de vencer a desconsideração do regime legal de condução, assenta o disposto no em concreto não aplicável artigo 27.º, n.º 2, por isso que nenhuma sanção estabeleça para o incumprimento.
3.[3] Na vigência do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, cujo artigo 19.º, alínea c), estabelecia:
Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso:
(…);
c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado; (…).
Foi uniformizada a jurisprudência pelo acórdão 6/2002 no sentido de ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a influência pelo álcool e a produção do acidente para que a seguradora lograsse a procedência do direito de regresso contra o condutor. É o seguinte o teor do segmento uniformizador:
A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.  
O Decreto-Lei 522/85 foi revogado pelo Decreto-Lei 291/2007, de 21/08, vigente na data do acidente, cujo artigo 27.º, n.º 1, alínea c), tem a redacção que antes se transcreveu. Novamente se colocou a questão, voltando a ser defendidas as mesmas duas posições: (i) a prova da condução com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida basta ao exercício do direito de regresso contra o condutor culpado do acidente ou (ii) o exercício do direito de regresso só logra procedência se a seguradora provar o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça segue maioritariamente a primeira posição. Vejam-se os acórdãos de 28 de Novembro de 2013 proferido no processo 995/10.6TVPRT.P1.S1 (Silva Gonçalves), de 9 de Outubro de 2014 proferido no processo 582/11.1TBSTB.E1.S1 (Fernando Bento), de 7 de Fevereiro de 2017 proferido no processo 29/13.9TJVNF.G1.S1(José Rainho), de 6 de Abril de 2017 proferido no processo 1658/14.9TBVLG.P1.S1 (Lopes do Rego), de 7 de Março de 2019, proferido no processo 248/17.9T8BRG.G1.S2 (Abrantes Geraldes), de 9 de Abril de 2019 proferido no processo 1880/16.3T8BJA.E1.S2 (Acácio das Neves), de 3 de Novembro de 2020 proferido no processo 2490/18.6T8PNF.P2.S1 (Fernando Samões), de 10 de Dezembro de 2020, proferido no processo 3044/18.2T8PNF.P1.S1 (Manuel Capelo) ou de 25 de Março de 2021 proferido no processo 313/17.2T8AVR.P1.S1 (Tomé Gomes).
Em sentido contrário, exigindo a prova da causalidade, o acórdão de 6 de Julho de 2011, proferido no processo 129/08.7TBPTL.G1.S1 (João Bernardo).
Também nesta Relação se encontram exemplos das duas posições com prevalência para a primeira. Nesta Secção, por exemplo, os acórdãos de 13 de Setembro de 2012 proferido no processo 5902/09.6TBALM.L1-6 (Maria de Deus Correia), de 14 de Março de 2019 proferido no processo 925/17.4T8MTJ.L1-6 (Manuel Rodrigues, aqui segundo Adjunto) e de 2 de Maio de 2019 proferido no processo 71/18.3T8AGH.L1-6 (Cristina Neves).           Em sentido contrário, os acórdãos de 17 de Maio de 2012 proferido no processo 897/10.6TBBNV-A.L1-6 (Aguiar Pereira), de 10 de Setembro de 2013, proferido no processo 1652/08.9TJLSB.L1-7 (Pimentel Marcos) ou de 12 de Julho de 2018, proferido no processo 1156/15.3T8LSB.L1-2 (Ondina Alves).
Entendemos que a diversa redacção da norma entre um e outro diploma legal determina a caducidade da anterior fixação de jurisprudência e a não exigência da prova do nexo de causalidade pela seguradora que exerce o direito de regresso.
Assim é que a norma do DL 522/85 previa o direito de regresso quando o condutor tivesse agido sob a influência do álcool enquanto o regime actual, vigente à data do acidente, exige que o condutor se encontre a conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. Enquanto a primeira norma colocava o acento na acção influenciada pelo álcool, a actual coloca-o na circunstância de o condutor apresentar uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida. Parece-nos assim que se basta com a verificação da taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, aliada à imputação do acidente ao condutor a título de culpa.
Assim, são requisitos do direito de regresso (i) a satisfação de indemnização, (ii) por danos resultantes de acidente de viação imputável ao condutor, (iii) apresentando o condutor uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.
4. O Recorrente conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida como resulta do facto provado em 18 supra e o que resulta do disposto no artigo 81.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada actualmente em vigor na redacção em vigor à data do acidente[4]:
1 - É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.
2 - Considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.
5. Importa avaliar se o acidente é imputável ao Réu, imputação que resulta de a acção do Réu ser causadora do acidente a título de culpa.
5.1. Recorrendo novamente ao acórdão 1658:
 O sentido a atribuir ao regime normativo introduzido pelo DL 291/07 será o de ter vindo estabelecer, afinal, uma presunção legal, assente nas regras ou máximas de experiência, na normalidade das situações da vida, segundo a qual o concreto erro ou falta cometido pelo condutor alcoolizado – e que consubstancia a responsabilidade subjectiva por facto ilícito que lhe é imputada - se deveu causalmente à taxa de alcoolemia verificada objectivamente por meios técnicos adequados e inteiramente fiáveis – deixando naturalmente a parte beneficiada pelo estabelecimento desta presunção legal de estar onerada com a prova efectiva do facto a que conduz a presunção, nos termos do art.º 350º, nº 1, do CC.
É certo que poderá discutir-se se, no regime actualmente vigente, passou a ser absoluta e totalmente irrelevante a existência de um concreto e efectivo nexo causal entre o estado de alcoolização do condutor, culpado na produção do acidente, e o erro ou falta censurável na condução que integra a respectiva culpa.
Na verdade, afigura-se que a dita presunção legal carece de ser interpretada e aplicada em consonância com os princípios fundamentais da culpa e da proporcionalidade, em termos de não criar uma responsabilização puramente objectivada, cega e absolutamente irremediável do condutor/segurado pelas indemnizações satisfeitas ao lesado, precludindo-se a garantia emergente do contrato de seguro sempre e apenas em função da verificação totalmente objectivada de uma situação de alcoolemia: representando esta preclusão da garantia do seguro a imposição ao condutor/segurado de um ónus gravoso, implicando uma responsabilidade patrimonial pessoal particularmente onerosa, é naturalmente indispensável que esta imposição de uma responsabilização definitiva pelas quantias satisfeitas pela seguradora aos lesados se possa conformar com os referidos princípios fundamentais , não traduzindo a imposição ao condutor de um ónus manifestamente excessivo e desproporcionado.
Assim, na acção de regresso, o Réu que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legal está vinculado a demonstrar que essa sua condição não lhe é imputável (princípio da culpa na terminologia do acórdão citado) ou que entre ela e o acidente não existe nexo causal (princípio da proporcionalidade).
5.2. A imputação ao condutor do facto a título de ilicitude e culpa implica que a sua conduta integre violação de normas destinadas a proteger o interesse alheio (artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil), como o são as normas estradais, e que outra conduta lhe era exigível e possível (artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil).
Encontrando-se provado apenas que o Réu circulava na via pública seguindo pela meia faixa de rodagem direita do seu sentido de marcha onde embateram os dois veículos, verifica-se face ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código da Estrada, que cumpria com a posição de marcha imposta por lei.
O embate na meia faixa de rodagem direita deve-se ao facto de aí se encontrar (em movimento ou parada a viatura JZ), contrariamente ao que um condutor medianamente prudente e diligente pode esperar. Nada se provou que permita concluir que o Réu viu ou devia ter visto a viatura JZ, sendo certo que nada se provou que indique que os sinais luminosos e sonoros que assinalavam a sua marcha davam ao Réu a possibilidade de ver, saber ou prever que se encontrava em circulação ou parada na meia faixa de rodagem direita.
Em suma, o acidente foi causado pela presença do JZ na meia faixa contrária à sua faixa de circulação, o que infirma a existência de nexo de causalidade entre o acidente e a condição do Réu de conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legal.
5.3. Entendemos, por isso, que se não verifica o requisito de imputação do acidente ao condutor que funda o direito de regresso, com o que improcede o recurso.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto nos termos expostos supra e em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo o Réu do pedido.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
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Lisboa, 26-01-2023
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Manuel Rodrigues
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[1] Beneficia do relatório da sentença recorrida.
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Novembro de 2022, proferido no processo 3311/16.0T8PDL.L2.S1 (Tibério Nunes da Silva).
[3] Seguimos anterior aresto deste Colectivo proferido em 30 de Novembro de 2022 no processo 4758/21.5 T8SNT.L1.
[4] É sem influência a alteração do Decreto-Lei 102-B/2020, de 9 de Dezembro de 2020.