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ACIDENTE DE VIAÇÃO
ESTADO ESTRANGEIRO
LEI APLICÁVEL
Sumário
– Deve ser julgado pelo direito espanhol, concretamente do Real Decreto Legislativo de 8/2004 de 29 de outubro (Ley sobre Responsabilidad Civil e Seguro em la Circulation de Vehiculos a Motor), o direito à indemnização por um acidente de viação ocorrido em Espanha em que o lesado tem nacionalidade portuguesa. - Apurando-se que o A., em virtude da aproximação em despiste do veículo segurado na Ré, para se desviar da sua trajetória, caiu numa ribanceira com a altura de dois metros, tendo essa queda provocado danos físicos ao A e, não obstante não ter havido embate entre o A. e esse veículo, tendo a referida queda do A. ocorrido unicamente como causa do despiste do veículo segurado na Ré, o acidente em análise cai na previsão do art. 1º da LRCSCVM.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório:
1. AA, casado, com o número de identificação civil ..., residente na Rua ..., ... ..., ..., intentou a presente ação declarativa contra “V... ASEGURADORA, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S. A., contribuinte fiscal (CIF) A-..., com sede na Calle ..., ... ..., Espanha, e representada em Portugal pela C..., UNIPESSOAL, LDA., com sede no Largo ..., ... ..., pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe:
(i) a quantia de € 162.730,00 (cento e sessenta e dois mil, setecentos e trinta euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar) e,
(ii) as despesas medicamentosas, médicas, de tratamento fisiátrico, que vierem a ser realizadas e que deverão ser suportadas pela demandada, ou
(iii) em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.
Alegou para o efeito em resumo que:
- no dia 22/02/2016, pelas 09:15 horas, na Estrada ... (Graus – ..., sentido ... (...), Espanha, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., com matrícula ..-LQ-.., propriedade do demandante e por si conduzido, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula espanhola .... F, propriedade e conduzido por BB e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula espanhola .... B;
- em resultado da existência de gelo no pavimento, o demandante perdeu o controlo sobre o veículo e, em despiste, o veículo “saiu de frente”, acabou por invadir a berma que, do lado esquerdo delimita a via, imobilizando-se numa pequena ribanceira;
- nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa, passageira, do despiste;
- decorridos mais de 10 minutos após o seu despiste, eis que o veículo de matrícula espanhola .... F, que antes circularia pela A-.... no mesmo sentido de marcha, também ele se despistou, invadindo a mesma berma, tendo atropelado/abalroado o demandante que estava ao lado da porta do condutor do seu veículo;
- decorridos alguns minutos após este último despiste seguido de abalroamento, o veículo de matrícula espanhola .... B, também ele se despistou e invadiu a mesma berma esquerda, colidindo no ... do demandante;
- como consequência do acidente descrito, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital ..., onde lhe foram detetadas múltiplas e graves lesões;
- apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente de sequelas;
- as sequelas incapacitam o demandante para qualquer atividade desportiva e de lazer; - atualmente, e desde que teve alta médica, mercê destas sequelas, o demandante não é mesma pessoa;
- o demandante necessitará no futuro, periodicamente, de acompanhamento e tratamento psiquiátrico e ortopédico, bem como medicamentoso;
- também teve um avultadíssimo dano patrimonial;
- sofre de uma incapacidade permanente parcial, que terá repercussões (negativas) na sua atividade profissional;
- no atropelamento, o demandante perdeu um relógio, para além do vestuário que trazia vestido que ficou destruído.
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A ré deduziu contestação, impugnando parcialmente o alegado, e invocando a prescrição do direito invocado pelo autor na presente ação.
Alegou, por sua vez, em resumo, que:
- o veículo do autor, para além de se despistar e invadir a berma que do lado esquerdo delimita a via, colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava;
- escassos momentos após aquele primeiro despiste, o autor viu o veículo espanhol da marca ... a despistar-se, vindo na sua direção, e nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e lançou-se por uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras;
- as lesões de que padeceu o autor não podem ser imputadas àquele, mas ao impacto causado pelo embate frontal do seu veículo ... na árvore;
- o autor teve alta médica em 22.6.2016.
Conclui que a exceção deduzida pela ré deve ser julgada procedente e, caso assim se não entenda, deve a presente ação ser julgada em função da prova que vier a produzir-se.
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O autor apresentou resposta à exceção deduzida, alegando que: - apenas no dia 24 de agosto de 2016 obteve alta;
- o demandante, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a C..., de 21 de Novembro de 2016, reclamou em 15 de Dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando outros danos, dado que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico;
- reclamação esta que foi novamente dirigida àquela representante portuguesa C..., agora por advogado, ora mandatário, com data de 20 de Janeiro de 2017.
Conclui pela improcedência da exceção de prescrição.
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Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final a apreciação da exceção de prescrição, bem como despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, que não foi objeto de qualquer reclamação.
Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A..
Inconformado veio o A. recorrer formulando as seguintes Conclusões:
I. O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, que declarou a ação improcedente, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e matéria de direito.
II. O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
III. Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente.
IV. O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
V. Assim, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal conclua que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
VI. O Recorrente considera incorretamente julgados e, por esse motivo impugna a decisão proferida quanto aos seguintes pontos da matéria de facto dada como não provada:
- que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem);
- que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;
- que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante;
- que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.;
VII. Ora, salvo melhor opinião, lavrou em erro o Tribunal ao considerar estes factos como não provados (“- que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem); que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;”).
VIII. Na verdade, quanto a este facto concreto, apenas duas pessoas poderiam descrever o que se passou, porque apenas duas pessoas se encontravam lá naquele momento, o próprio Autor e a sua Esposa CC.
IX. Nos termos do art. 466º nº 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
X. Inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações das partes e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados. Em caso de colisão, o julgador deve recorrer a tais critérios sopesando a valia relativa de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia.
XI. As corroborações periféricas consistem no facto das declarações da parte serem confirmadas por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da declaração. Esta corroboração vem da única testemunha que presenciou o facto, e que afirmou que nenhum dano adveio ao autor como consequência do embate contra árvore.
XII. Mesmo que assim não fosse, sempre se podem abarcar aqui os factos-bases ou indícios de presunções judiciais.
XIII. Ora, será de admitir que o Autor - após o embate com a árvore, e se o mesmo tivesse provocado as lesões supra descritas - fosse capaz de agarrar na esposa e, com a força e destreza que seria necessário, empurrá-la para fora de perigo e ainda saltar para se afastar do carro, como foi dado como provado? Entendemos que não.
XIV. E mais, como referem, quer o recorrente, quer a testemunha CC, o recorrente descarregou as malas e os sacos de skis do veículo, sacos e malas que pesam pelo menos 30,00 quilogramas cada.
XV. E de acordo com o depoimento prestado pela testemunha Dr. DD, médico ortopedista, produzido a 21/05/2021, com início às 14:10:00 e fim às 14:59:54, com a duração de 49 minutos e 54 segundos, quando questionado se: (Mandatário do A.): Uma pessoa com estas lesões todas, ao nível da grade costal, ao nível do sacro, ao nível da lombar, consegue pegar em pesos?
(Testemunha): Não, não consegue.
(Mandatário do A.): Qualquer peso?
(Testemunha): Sr. º Dr. º, a pessoa nem consegue andar.
XVI. E mesmo o Dr. EE, médico avaliador do dano corporal, produzido a 24/09/2021, com início às 10:50:57 e fim às 11:44:19, com a duração de 53 minutos e 21 segundos: Aos 44:31: (Mandatário do A.): (Impercetível) se alguém conseguiria, de imediato, num espaço de 10, 15, 20 minutos, carregar pesos? Transportar pesos? (Impercetível).
(Intérprete): Com estas fraturas não conseguiria.
XVII. E as declarações do A.:
Aos 40:20:
(Mandatário do A.): AA, diga-me só uma coisa: qual era o peso de cada mala?
(Autor): Vinte e três, vinte e quatro quilos, cada uma.
(Mandatário do A.): E dos skis?
(Autor): Mais vinte e tal quilos.
(Mandatário do A.): Pegou neles?
(Autor): Peguei.
(Mandatário do A.): E levou-os para onde?
(Autor): Para a berma da estrada.
(Mandatário do A.): Para junto de quê?
(Autor): Do rail.
(Mandatário do A.): Do rail de proteção. Quantos metros distavam do carro, tem ideia ou não tem?
(Autor): Deve ser uns dez metros.
(Mandatário do A.): Segundo. Chegou a metê-los novamente no carro? (Autor): Sim.
(Mandatário do A.): Antes de ser embatido? (Autor): Exatamente.
XVIII. Mas como veremos quanto aos factos seguintes, e escalpelizaremos melhor, a senhora juiz recorreu aos depoimentos de um médico, o Dr. EE e de
um engenheiro FF, que nunca viram o A., nem tão pouco o veículo, bem como pelo facto de o veículo ter ficado numa “perda total”, o que se irá dissecar melhor infra.
XIX. Assim, deverão ser dados como provados que: “nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.” e “que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem);”
XX. Já quanto ao facto dado como não provado: “que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante”, temos o depoimento da testemunha CC e as declarações do A., pelas lesões sofridas na perna, que não foram infirmados, por qualquer meio, pela testemunha GG, condutor do veículo ..., que não sabe se colidiu no corpo do A., admitindo essa hipótese.
XXI. Deste modo, deverá ser dado como provado o seguinte facto: “que o veículo ..., modelo ....
XXII. Por fim, e quanto ao facto como não provado: “Que as lesões descritas em 2.13. Supra e as sequelas referidas em 2.25. E 2.26. foram causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.":
XXIII. A Srª. Juiz a quo valorizou o depoimento de um médico, o Dr. HH, e um eng., FF, com a seguinte fundamentação:
“Acresce ainda que face ao depoimento prestado pela testemunha Dr. EE, médico da especialidade de medicina legal e forense e avaliação de dano corporal, que avaliou as lesões no caso concreto, e subscreveu o relatório cuja tradução consta a fls. 371 verso a fls. 376, afigura-se que tais lesões se afiguram mais compatíveis com o embate inicial do ... na árvore do que com o alegado atropelamento.
Com efeito, explicou a testemunha que as lesões na grade costal seguem a direção do cinto de segurança, pelo que, atendendo a que os engenheiros concluíram que tal impacto terá ocorrido a cerca de 60 km/hora, as mesmas terão sido provocadas por esse impacto.
Relativamente à lesão na perna do autor, refere a testemunha que poderia ser causada pela queda ao fugir de um possível atropelamento, ou poderia ter sido causada por um impacto com uma parte do interior do veículo.
Esclareceu a testemunha que se o veículo viesse a cerca de 30 ou 40 Km/hora, provavelmente não se teriam produzido estas lesões.
Esclareceu igualmente que, ainda que a cabine do veículo seja sólida e não sofra deformidades, tal não significa que as pessoas que nele seguem não sofram lesões.
Mais esclareceu que uma pessoa com aquelas lesões provavelmente não conseguiria pegar em pesos de 30 kg.”
XXIV. Ora este médico nunca viu ou consultou o A., tudo como resulta do relatório denominado “Relatório de Avaliação do Dano Corporal”, de fls. 371 v. a 376, onde declara que fundamenta as suas conclusões na documentação submetida pela P..., com o objetivo de poder realizar o relatório pericial com base nela (fontes consultadas).
XXV. Mas mesmo assim mereceu da senhora juiz, no capítulo das consequências do embate do veículo na árvore, credibilidade, o mesmo se passando com a testemunha II, que nunca viu o veículo do A., que não procedeu à sua peritagem, apenas recorrendo a fotografias.
XXVI. Uma testemunha, no caso médico, recorreu a um relatório realizado por quem só viu fotografias de veículo!!?
XXVII. A livre apreciação da prova não significa arbitrariedade e/ou espírito acrítico. A senhora juiz desvalorizou uma testemunha que esteve presente no acidente, bem como o A., em detrimento de pessoas, que não iram o A., nem tão pouco o veículo.
XXVIII. Mesmo assim, sempre se aproveitará o óbvio: que alguém com aquelas lesões nunca poderiam carregar pesos de 30,00 quilogramas, quanto mais, como referiu o Dr. JJ, andar.
XXIX. Mais, a Srª. juiz a quo desvaloriza o relatório pericial e o nexo de causalidade aí estabelecido:
Por outro lado, importa ainda referir que a circunstância de, na prova pericial realizada, ter sido estabelecido um nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pelo autor e o alegado atropelamento, tal apenas significa que é possível estabelecer esse nexo causal, tendo o Senhor perito como pressuposto da sua avaliação a verificação de um evento dessa natureza tal como lhe é relatado pelo examinando, como expressamente consta no relatório pericial sob a epígrafe “história do evento”, a fls. 406.
XXX. “A prova pericial a perceção ou a apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial” - cfr. artº 388º do CC.
XXXI. A perícia ao A. foi realizada no INML ... e obedeceu ao formalismo legal.
XXXII. A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
XXXIII. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
XXXIV. O relatório pericial é sempre notificado às partes para que o possam analisar, ser conhecedoras do resultado obtido e, caso entendam que este contém algum paradoxo, lacuna, obscuridade ou que as conclusões que nele constam não estão convenientemente fundamentadas, possam reclamar.
XXXV. O juiz pode determinar, por impulso destas reclamações, que o perito elucide, fundamente ou complete o relatório pericial, mas também o pode fazer oficiosamente, apenas por simplesmente entender que necessita ver esclarecidos determinados aspetos da perícia, ou que o perito faça aditamentos ao relatório pericial.
XXXVI. Ora, ainda que se aceite que o julgador seja o “perito dos peritos” e vigore o princípio da livre apreciação da prova, ao arrepio do que refere a senhora juiz, não houve da parte da contraparte qualquer reação ao relatório pericial, às suas conclusões, quer pela apresentação de reclamação, quer de eventual segunda perícia, e até esclarecimentos em juízo.
XXXVII. E nada, no âmbito da produção da prova, existe nos autos, que possa contrariar, infirmar o relatório pericial, bem pelo contrário e para tal basta atentar nos depoimentos da esposa do A., da testemunha KK, até do Dr. JJ e, como se não bastasse, nas declarações do A..
XXXVIII. Mas não a Srª. Juiz valorou testemunhas – o Dr. EE - que não viram o A., que não viram, nem percecionaram o A., o seu corpo, o seu estado físico, mas apenas se basearam em fotografias e em relatórios, cujo autor – a testemunha FF -, nunca viu, igualmente o A. e pasme-se o veículo, apenas tendo visto fotografias.
XXXIX. A senhora juiz desvaloriza os diversos depoimentos quanto à velocidade do veículo do A., quer do A., quer da esposa, quer ainda do Sr. KK, justificando a “perda total” do veículo.
XL. Ora, e recorrendo como o fez a Sr.ª Juiz, sem dar oportunidade do contraditório às partes, a dados constantes de sites sobre segurança automóvel, temos que: “Um automóvel que não se deforma, como antes se supunha, não é de todo positivo para o amortecimento de pancadas. Se o acidente acontecesse a uma velocidade moderada, os órgãos internos do ser humano não suportavam passar, por exemplo, de 50 km/h a 0 km/h em centésimos de segundo. Com o objetivo de aumentar esse tempo de desaceleração e de diminuir as forças suportadas pelos ocupantes do veículo, surgiram as zonas de deformação programada.
Estas zonas encontram-se na zona exterior da carroçaria, como nos para-choques, capot e guarda-lamas, e na estrutura do veículo, mas sempre fora do habitáculo, na baía do motor, apoios do motor, travessas e longarinas, principalmente na secção dianteira. Como o próprio nome indica, são zonas do veículo desenhadas para que, em caso de acidente, não sejam totalmente rígidas e se deformem de forma progressiva. Essa deformação progressiva, também conhecida, aumenta o tempo de desaceleração, absorvendo consideravelmente a força do impacto. É uma espécie de almofada que amortece a pancada. Numa comparação irreal, imagine dar um murro numa parede com o punho cerrado e depois dar outro murro na mesma parede, mas com uma luva de boxe. A luva de boxe faz de amortecedor, absorvendo boa parte da energia e reduzindo as lesões que pudesse sofrer na mão, ainda que a potência usada seja a mesma.
Por outro lado, a área do habitáculo deve ser rígida e impenetrável e sem deformações.
As zonas de deformação programada já se encarregaram de reduzir consideravelmente a força do impacto, mas em caso do choque ser tão violento que ainda fique energia por absorver, o habitáculo não pode ser deformável. Não pode porque se o fosse, os ocupantes iriam sofrer esmagamentos e lesões em pancadas mais fortes, o que seria ainda mais perigoso. Por isso, a célula do habitáculo é construída com materiais de alta resistência e tem formas cuidadosamente estudadas para que não exista nenhum ponto débil.”
Atualmente, um choque de um carro a 30 km/h contra um muro, os danos serão bem visíveis e ficará para a sucata, todavia protege os ocupantes. Um automóvel antigo não iria parecer tão afetado do ponto de vista visual, mas as consequências para os ocupantes seriam muito distintas.”
XLI. Estudo este corroborado pelo depoimento da testemunha da testemunha KK (testemunha que visionou o veículo após o acidente, tendo junto o relatório de peritagem – fls. 641 a 664 - em audiência), produzido a 21/05/2021, que corrobora este estudo, com início às 15:17:59 e fim às 15:53:34 com a duração de 35 minutos e 34 segundos:
XLII. Por fim, e ainda na impugnação da matéria de facto, temos como não provado: “- que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca ..., cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00;”
XLIII. Ora, da prova produzida, quer por testemunhas, quer documental (cfr. documentos ...7 a ...0 juntos à petição), que não foi infirmada por qualquer forma, nesse sentido, resulta provado que o A. perdeu um relógio ....
XLIV. Atentemos aos seguintes depoimentos (LL,
produzido a 18/05/2021, com início às 14:35:57 e fim às 15:31:55, com a duração de 55)
(Mandatário do A.): Mais alguma coisa de valor que ele tenha perdido?
(Testemunha): O reloginho dele.
(Mandatário do A.): Que relógio era?
(Testemunha): Era um ....
XLV. Corroborado pelas declarações do A. (21/05/2021, com início às 12:05:22 e fim às 12:48: 36, com a duração de 43 minutos e 14 segundos) (Meritíssima Juiz): No acidente o Senhor diz que o seu blusão estragou-se. Deve ter sido de ter ido ao chão.
(…)
(Autor): Exatamente. Também tinha um ..., que também desapareceu no acidente.
XLVI. O que foi ainda corroborado pela testemunha KK (21/05/2021, com início às 15:17:59 e fim às 15:53:34, com a duração de 35 minutos e 34 segundos):
Aos 14:54:
(Mandatário do Autor): Quando o Sr. º AA estava internado, a esposa foi à sua oficina? (Testemunha): (impercetível) foi ver se o carro já tinha chegado do transporte (…).
Aos 15:26:
(Mandatário do Autor): E ela foi procurar alguma coisa?
(Testemunha): (Impercetível) queria tirar algumas coisas, falou-me de um relógio. (Mandatário do Autor): Queria tirar umas coisas da onde?
(Testemunha): Do carro.
(Mandatário do Autor): Falou-lhe num relógio porquê, sabe? (Testemunha): Disse que era um relógio que tinha perdido.
Aos 16:45:
(Mandatário do Autor): E o relógio apareceu?
(Testemunha): Não.
DA LEI APLICÁVEL:
XLVII. Estando em apreciação um acidente de viação ocorrido em Espanha, em que é lesado um cidadão português, e porque ocorrido ele após 11/1/2009, impõe-se que a Lei aplicável em sede de responsabilidade extracontratual seja aferida à luz do REGULAMENTO (CE) nº 864/2007 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 11 de julho de 2007.
XLVIII. O referido revela-se decisivo em sede de aferição da Lei aplicável pois que, se o artº 45º, nº1, do CCivil , opta pela escolha, como regra geral e em sede de responsabilidade extracontratual, da lex loci delicti commissi , já o artº 4º, nº1, do referido Regulamento (CE) nº 864/2007, sob a epígrafe de “Regra geral” e inserido no respetivo Capítulo II, elege ao invés a Lex damni como sendo a Lei aplicável, como regra geral.
XLIX. Para efeitos de eleição da Lex damni referida em II, o que releva é o país onde ocorre o dano (o dano patrimonial e/ou moral, que não o dano real), independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas do facto desencadeador da obrigação de indemnização.
L. Em rigor, e no seguimento de alguma jurisprudência do TJUE no âmbito de interpretação do conceito de dano, dir-se-á que o lugar do dano é aquele onde “o prejuízo é materializado”, sendo “o lugar de materialização do prejuízo o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos (na esfera patrimonial e/ou moral) danosos em relação à vítima.”
LI. Os danos alegados pelo Autor ocorreram, na sua grande maioria, em Portugal.
LII. Ora, no caso em apreço, considerando como pacífico entre as partes que o acidente de viação em discussão nos autos ocorreu em Espanha, que o seu condutor e ora autor tem nacionalidade portuguesa, que o autor e condutor do veículo reside em Portugal, e que o veículo conduzido pelo autor tem matrícula portuguesa, a lei a aplicar ao caso será necessariamente a lei portuguesa, com exceção das normas que disciplinam o trânsito, caso em que se aplicará a lei espanhola (cfr. nesse sentido o Ac. STJ processo n.º 258/04.6TBNRA.E1.S1, 2.ª secção, relator Mm.º Sr. Dr. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha).
LIII. Sem dúvida que a lei substantiva aplicável é a Lei portuguesa.
RESPONSABILIDADE PELO RISCO:
LIV. Assim sendo, é precisamente na lei portuguesa que encontramos o conceito de responsabilidade pelo risco.
LV. Isto é, não se conseguindo provar a culpa do condutor do veículo nem do peão (o Autor), terá sempre de ser responsável, a título de responsabilidade pelo risco, a R., nos termos do art. 503º, nº 1 do Código Civil. Nos termos do nº1 do artigo 503º do Código Civil “aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”.
LVI. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2008, proc. nº 08B2935: “3 – Falhando a prova da culpa do condutor do automóvel e faltando a prova do nexo causal entre a infração do peão atravessante e o atropelamento, há que imputar este ao risco do veículo automóvel. (...) Em conclusão: não temos culpa do condutor do automóvel, e não temos também, causal do acidente, culpa do peão. Fica-nos o risco da circulação do automóvel e a imputação do acidente, a esse título, a quem dele tiver a direção efetiva, como manda o nº1 do art.503º do C. Civil. Que se presume ser o seu proprietário, a menos que se demonstrasse que, na concreta situação, tal não acontecia. E não foi o caso. Como igualmente não foi o caso de os AA demonstrarem – e a eles mesmos, como facto constitutivo do seu direito, competia fazer tal prova – que a relação do condutor FF com o proprietário GG era uma relação de comissão. Caso em que seria de presumir a culpa do condutor, nos termos do disposto no nº3 do mesmo art.503º.”
LVII. Pelo que, independentemente da culpa, terá sempre a R. de indemnizar o A. pelos danos provocados pelo veículo dirigido pelo seu segurado.
LVIII. Independentemente da culpa, terá sempre a R. de indemnizar o A. pelos danos provocados pelo veículo dirigido pelo seu segurado, mesmo que este não tivesse abalroado o A..
LIX. É que, se o A. para evitar um mal maior: ser embatido por um veículo, se tivesse desviado, atirando-se para o lado, tal não afastaria a responsabilidade do veículo de matrícula espanhola (se um veículo circular pela sua mão de trânsito e constatar que, em sentido contrário, se aproxima um outro veículo em contramão, i. e, pela sua mão de trânsito, o facto do veículo que circula pela sua mão se desviar, de forma a evitar uma violenta colisão que resultaria da soma das forças contrárias de ambos os veículos, colidindo por exemplo num muro, não exclui a responsabilidade daquele que circula em contramão, em transgressão, em violação de uma, ou mais, regra estradal).
DA REPARTIÇÃO DO ÓNUS PROBATÓRIO:
LX. Quanto aos factos dado como provados de que o autor saltou para evitar o seu abalroamento e que os danos apresentados lhe advieram do primeiro embate, cumpre relembrar que se trataram de factos alegados apenas pela R., não tendo esta apresentado qualquer prova que corroborasse esta sua alegação.
LXI. O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado naquele art.º 342º, segundo um critério de normalidade: a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("réus excipiendo fit actor").
LXII. Assim, a obrigação de provar incumbe à parte que alegou o facto que pretende fazer prevalecer, pelo que, não o provando não pode a outra parte ser obrigada a provar aquele que, por impugnação, alegou. É uma manifestação do princípio do dispositivo.
LXIII. Aquele a favor de quem certo facto pode produzir um direito é que se deve acautelar com os meios de prova.
LXIV. Ainda a propósito da repartição do onus probandi, ensina Manuel de Andrade: “a) Cabe ao autor a prova dos factos constitutivos do seu direito: dos momentos constitutivos do facto jurídico (simples ou complexo) que representa o título ou causa desse direito;
b) O réu não carece de provar que tais factos não são verdadeiros: «reo siifficit vincere per non ius actoris; actore non protante reus absolvitur». O que lhe compete é a prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito do autor; dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impeditivas ou extintivas;
c) Operando com a noção de título ou causa, a repartição do ónus da prova continuará por aí adiante entre o autor e o réu”.
LXV. Aplicando estas regras, se ao A. cabe a prova de que foi atropelado pelo veículo seguro provocando-lhe os danos descritos, competirá à R. seguradora demonstrar que os foi o autor que saltou para evitar o atropelamento e que os danos lhe advieram da primeira colisão com a árvore, o que, salvo melhor opinião, não logrou fazer.
LXVI. Aliás, existe um princípio de prova, forte diga-se, porque pericial, que a R. não conseguiu infirmar.
O relatório pericial foi notificado às partes para que o pudessem analisar, ser conhecedoras do resultado obtido e, caso entendam que este contém algum paradoxo, lacuna, obscuridade ou que as conclusões que nele constam não estão convenientemente fundamentadas, possam reclamar.
LXVII. O juiz pode, por sua vez, determinar, por impulso destas reclamações, que o perito elucide, fundamente ou complete o relatório pericial, mas também o pode fazer oficiosamente, apenas por simplesmente entender que necessita ver esclarecidos determinados aspetos da perícia, ou que o perito faça aditamentos ao relatório pericial.
LXVIII. Ora, ainda que se aceite que o julgador seja o “perito dos peritos” e o princípio da livre apreciação da prova, ao arrepio do que refere a senhora juiz, não houve da parte da contraparte qualquer reação ao relatório pericial, às suas conclusões, quer pela apresentação de reclamação, quer de eventual segunda perícia, e até esclarecimentos em juízo.
LXIX. E nada, no âmbito da produção da prova, existe nos autos, que possa contrariar, informar o relatório pericial, bem pelo contrário e para tal basta atentar nos depoimentos da esposa do A., da testemunha KK, até do Dr. JJ e, como se não bastasse, nas declarações do A..
LXX. Mas não a Srª. Juiz valorou testemunhas – o Dr. EE - que não viram o A., que não viram, nem percecionaram o A., o seu corpo, o seu estado físico, mas apenas se basearam em fotografias e em relatórios, cujo autor – a testemunha FF -, nunca viu, igualmente o A. e pasme-se o veículo, apenas tendo visto fotografias.
LXXI. E o ónus de provar a ausência de nexo de causalidade entre o 2º acidente (por assim dizer) e as lesões/sequelas competia a quem o alegou, sendo certo que relatório pericial estabeleceu pela positiva tal nexo de causalidade.
AS DISPOSIÇÕES JURÍDICAS VIOLADAS:
LXXII. A sentença em crise violou, entre outros, diversas disposições legais a saber: arts. 45.º, 342.º, 388.º e seguintes, 483.º, 499.º, 503.º, 562.º, 566.º todos do CodCivil; arts. 467.º e seguintes do CodProcCivil; e artº 4º, nº1, do Regulamento (CE) nº 864/2007, entre outros.
TERMOS EM QUE:
deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, serem dados como provados os seguintes factos:
- que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem)
- que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;
- que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante;
- que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.;
- que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca ..., cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00, e, como tal, deverá ser a sentença em crise integralmente revogada dando-se a ação como procedente, com as legais consequências. com o que se fará a acostumada
JUSTIÇA!
A Ré apresentou contra-alegações resumindo-as da seguinte forma:
I - A douta sentença recorrida deve manter-se, pois consubstancia uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes.
II - O Tribunal recorrido valorou corretamente a prova produzida, decidindo em conformidade, sobre a matéria de facto.
III - A prova tem que ser analisada de um prisma global e não de forma estanque e isoladamente, como faz o Recorrente.
IV - Outra questão é saber se o depoimento dessas testemunhas impõe decisão diversa da proferida quanto aos pontos impugnados, o que não se verifica, de todo em todo!
V - A decisão sobre a matéria de facto não merece qualquer censura pelo Tribunal ad quem.
VI - Quanto ao facto dado como não provado: “Que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem)”, o Recorrente parece ignorar que a prova testemunhal que indica para a pretendida alteração deste ponto da matéria de facto (Recorrente e mulher) não foi atendida pelo Tribunal recorrido, que os considerou, nesta parte, pouco credíveis.
VII - Na verdade, mal se compreende como, na tese do Recorrente, após se despistar numa placa de gelo e embater numa árvore, a sua primeira preocupação fosse retirar os pertences da mala do veículo acidentado e não proteger a sua integridade física, tanto mais que o próprio alega que receava que o seu veículo se incendiasse!
VIII - O facto “nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.” jamais pode ser dado como provado.
IX - Desde logo, o apelo que o Recorrente faz às declarações dos médicos JJ e EE, no sentido de estes terem afirmado que uma pessoa com as lesões ao nível do tórax, tais como as demonstradas sob o ponto 2.13 dos factos provados, ser incapaz de carregar pesos, não significa que o Recorrente não tenha sofrido danos após o despiste referido em 2.8, na medida em que parte de um pressuposto que não está demonstrado, como vimos no ponto anterior: a de que o Recorrente efetivamente retirou as malas do veículo no imediato ao embate na árvore!
X - A impugnação da matéria de facto faz-se por referência à prova que imponha decisão diversa, o que não ocorre no caso vertente, porquanto o Recorrente alega simplesmente que a resposta a este ponto deve ser alterada por aplicação de presunções judiciais.
XI - Verdade é que foi produzida prova inequívoca de que as lesões sofridas pelo autor e dadas como assentes no ponto 2.13 dos factos provados, resultaram do despiste e embate do ... na árvore: relatórios periciais e depoimento dos peritos que os elaboraram.
XII - Do relatório de medicina legal, do perito médico EE, a fls. Dos autos, resulta que as lesões torácicas sofridas pelo Recorrente seguem o traçado do cinto de segurança e que as lesões na espinha lombar e dorsal inferior, são típicas de colisões frontais de elevada intensidade.
XIII - Em depoimento, EE, explicou que a intensidade do embate faz com que o corpo seja projetado para a frente e o cinto de segurança, ao atuar, causa lesões ao longo do seu trajeto - o depoimento da testemunha EE foi prestado na audiência de julgamento realizada em 24/09/2021, gravado digitalmente no sistema "H@bilus Media Studio" entre as "00:00:01 a 00:53:21"e gravado em CD.
XIV - Os peritos FF e MM, engenheiros e peritos automóveis, concluíram que o embate na árvore pelo veículo conduzido pelo Recorrente foi a 60 km/h e que as lesões do tronco superior do Recorrente concordam completamente com os estudos de impactos frontais, que citam no relatório a fls. dos autos.
XV - Carece de fundamento a impugnação quanto ao ponto 2.11 dos factos dados como provados: “Quando estava ao lado da porta do condutor do seu veículo, o autor viu o veículo da marca ... a despistar-se e a invadir também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na sua direção e, nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e saltou para uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras, embatendo o “...” contra a parte traseira do “...” e imobilizando-se naquela margem.” e quanto aos seguintes factos dados como não provados
“Que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante.” e
“Que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e
2.26. foram causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o
foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.”
XVI - Convém salientar que no dia seguinte ao sinistro, o Recorrente alterou a sua versão dos acontecimentos, passando de ter empurrado a mulher e ter saltado para a ribanceira para a tese do atropelamento pelo veículo segurado na Recorrida.
XVII - Apenas o Recorrente é que afirma ter sido atropelado pelo veículo segurado na Recorrida.
XVIII - De facto, a sua mulher, LL, ao prestar depoimento, acaba por confirmar não ter visto o suposto atropelamento do Recorrente, por estar de costas e a olhar para o chão - o depoimento da testemunha LL foi prestado na audiência de julgamento realizada em 18/05/2021, gravado digitalmente no sistema "H@bilus Media Studio" entre as "00:00:01 a 00:55:57" e gravado em CD.
XIX - Acresce que o condutor do veículo segurado na Recorrida, BB, afirmou ter visto o Recorrente a empurrar a senhora e saltar para o descampado - o depoimento da testemunha BB foi prestado na audiência de julgamento realizada em 21/05/2021, gravado
digitalmente no sistema "H@bilus Media Studio" entre as "10:25:34 a 11:34:19" e gravado em CD.
XX - Apreciando a referida prova, o Tribunal recorrido concluiu que a posição do Recorrente, baseado nas suas declarações e no depoimento da sua mulher, não merecem qualquer credibilidade, valorizando o relatado por BB e pelo auto da Guardia Civil.
XXI - A resposta dada pelo Tribunal a quo ao ponto 2.11 dos factos dados como provados e ao seguinte ponto “Que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante.” dado como não provado, deve manter-se inalterada.
XXII - O mesmo se refira quanto à decisão dada sobre o seguinte ponto: “Que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. foram causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.”
XXIII - Destinando-se a perícia a exprimir um juízo técnico, este só deverá ser afastado com argumentos de igual natureza, o que se verifica, in casu: foram juntos aos autos os relatórios elaborados por perito médico-legal e por peritos em sinistros automóveis e ouvidos os mesmos em audiência de julgamento.
XXIV - Do relatório de medicina legal, do perito médico EE, a fls. dos autos, resulta que não é possível estabelecer nexo de causalidade entre as lesões que o Recorrente apresenta e o invocado atropelamento.
XXV - Em audiência de julgamento, EE reforçou que o Recorrente não ostenta lesões na perna, nem na anca, que seriam de esperar em caso de atropelamento - o depoimento da testemunha EE foi prestado na audiência de julgamento realizada em 24/09/2021, gravado digitalmente no sistema "H@bilus Media Studio" entre as "00:00:01 a 00:53:21"e gravado em CD.
XXVI - Por fim, o Recorrente impugna a decisão sobre o seguinte ponto dado como não demonstrado: “Que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca ..., cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00”, considerando que o mesmo deve transitar para o elenco dos factos provados, a nosso ver sem razão, porquanto “tal facto é infirmado pelo depoimento da mencionada testemunha KK, que afirmou que a mulher do autor se dirigiu à sua oficina e perguntou por um relógio, sobre se este não estaria no ..., o que significa que a mesma testemunha desconhece em que circunstâncias se terá perdido tal relógio, se dentro do veículo, ou fora dele.”
XXVII - Não assiste qualquer razão à pretensão do Recorrente no que respeita à aplicação da lei material portuguesa.
XXVIII - O Regulamento (CE) nº. 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) aplica-se ao caso dos presentes autos, porquanto o acidente de viação em causa ocorreu em 22 de fevereiro de 2016 - vd. Artigos 31º. e 32º. do referido Regulamento.
XXIX - O artigo 4º. nº. 1 do citado regulamento, dispondo sobre a responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco, estabelece como regra geral: “Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas desse facto.”
XXX - Consagrou, pois, o legislador comunitário, como elemento de conexão, em matéria de responsabilidade extracontratual, a lex loci damni, por considerar que “a conexão com o país do lugar onde o dano direto ocorreu (lex loci damni) estabelece um justo equilíbrio entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e do lesado e reflete a conceção moderna da responsabilidade civil, assim como a evolução dos sistemas de responsabilidade objetiva.” – cfr. considerando 16.
XXXI - O considerando 17 do referido Regulamento comunitário clarifica o conceito de “lugar onde ocorreu o dano”, esclarecendo que a lei aplicável deverá ser determinada com base no local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indiretas do mesmo, mais referindo que, em caso de danos não patrimoniais ou patrimoniais, o país onde os danos ocorrem deverá ser o país em que o dano tenha sido infligido, respetivamente, à pessoa ou ao património.
XXXII - Os danos alegados e por cujo ressarcimento o Recorrente pretende seja a Recorrida condenada, ocorreram em Espanha, local onde se deu o sinistro.
XXXIII - Verdade é que alcançaríamos solução idêntica à ora exposta – lei material espanhola - se aplicássemos a norma de conflitos prevista no artigo 45º. do Cód. Civil, pois o elemento de conexão é o facto jurídico que deu origem aos danos, a atividade causadora dos prejuízos.
XXXIV - No caso em análise, a atividade causadora dos prejuízos, o facto danoso – acidente de viação – ocorreu em ..., Espanha, pelo que deve aplicar-se a lei substantiva desse local, isto é, a espanhola.
XXXV - Assim, bem andou a decisão recorrida ao aplicar o artigo 1º do Real Decreto Legislativo 8/2004, de 29 de outubro, (Ley sobre Responsabilidad Civil y Seguro en la Circulación de Vehículos a Motor), o art. 217º da Ley de Enjuiciamiento Civil, que estabelece que, em caso de ocorrência de lesões corporais decorrentes de acidente de viação, há uma presunção de culpa do condutor do veículo causador do acidente, sendo que a mesma não isenta o autor do ónus de provar o facto imputável ao lesante causador do dano, o dano, bem como o nexo de causalidade entre esse dano e o ato ilícito invocado.
XXXVI - Ora, no caso sub judice, o Recorrente não logrou provar o atropelamento e o nexo de causalidade entre um qualquer ato ilícito do condutor do veículo ... e os danos que sofreu.
XXXVII - A pretensão da Recorrente tem necessariamente de improceder, mantendo-se a decisão recorrida.
Termos em que o recurso não deve merecer provimento, mantendo-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.
Assim se fará, como sempre, inteira
Justiça!
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Questões a decidir:
- Verificar se a prova produzida foi bem analisada na primeira instância:
- Se se justificar, reanalisar a(s) questão(ões) de mérito.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
2.1. No passado dia 22/02/2016, pelas 09:15 horas, na Estrada ... (Graus – ..., ao km 45,400, sentido ... (...), Espanha, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes:
a) o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com matrícula ..-LQ-.., propriedade do demandante e por si conduzido;
b) o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., de matrícula espanhola .... F, propriedade e conduzido por BB e,
c) o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., matrícula espanhola .... B, propriedade de NN, e por ele conduzido. (1º e 2º da p.i.)
2.2. Era de dia, chuviscava, e a temperatura era na ordem dos 3,00/4,00 graus centígrados. (3º a 5º da p.i.)
2.3. A zona é uma zona de montanha. (6º da p.i.)
2.4. A via, no local, com pavimento em betuminoso, estava molhado, húmido, com dois sentidos de trânsito, configura uma curva, atento o sentido de marcha do veículo do demandante, uma curva para a direita, fechada, que do seu início dificilmente se vê para além do seu final. (7º a 11º da p.i.)
2.5. No local, antes do local do acidente, existe sinalização vertical, nomeadamente de “perigo de gelo” (sinal A...1), em Espanha “pavimento deslizante o nieve” – P-34, e “perigo de queda de pedras” (A...), em Espanha “desprendimento” – P-26. (12º da p.i.)
2.6. Existe ainda o sinal de velocidade máxima recomendada, em Espanha “… velocidade maxima aconsejada” – S-7-60 , por sinalização vertical, para o local é de 60 km/h (H6). (13º da p.i.)
2.7. O demandante circulava por aquela via, no sentido referido, a velocidade na ordem dos 60,00/70,00 km/h, pela metade direita da faixa de rodagem, e atento ao trânsito de veículos e de peões. (14º a 16º da p.i.)
2.8. Quando estava a descrever a referida curva, em resultado da existência de gelo no pavimento, o veículo perdeu aderência à via, o demandante perdeu o controlo sobre o veículo e, em despiste, o veículo “saiu de frente”, acabou por invadir a berma que do lado esquerdo delimita a via, e colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava, imobilizando-se numa ribanceira. (17º a 23º da p.i. e 18º da contestação)
2.9. Algum tempo depois do despiste do autor, o veículo ..., modelo ..., de matrícula espanhola .... F, que antes circulava pela A-.... no mesmo sentido de marcha, também ele se despistou e transpôs o limite da via, invadindo a mesma berma. (29º a 31º da p.i.)
2.10. O referido veículo ..., de matrícula espanhola “....F”, também entrou em desgoverno devido a uma placa de gelo existente na estrada, pelo que galgou a berma do lado esquerdo da via. (24º da contestação)
2.11. Quando estava ao lado da porta do condutor do seu veículo, o autor viu o veículo da marca ... a despistar-se e a invadir também a berma do lado esquerdo que delimita a via, vindo na sua direção e, nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e saltou para uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras, embatendo o “...” contra a parte traseira do “...” e imobilizando-se naquela margem. (21º e 22º da contestação, e 2ª parte do 32º da p.i. e 33º da p.i.)
2.12. Decorridos alguns minutos após este último despiste, o veículo de marca ..., modelo ..., matrícula espanhola .... B, também ele se despistou e invadiu a mesma berma esquerda, devido à referida placa de gelo existente na faixa de rodagem da Estrada ..., no mencionado local, acabando, também, por ir embater no veículo da marca ... do autor. (35º e 36º da p.i, e 25º e 26º da contestação)
2.13. Em consequência do acidente, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital ..., onde lhe foram detetadas múltiplas lesões, nomeadamente:
. fraturas dos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º arcos costais à direita; . derrame pleural à direita;
. Fratura do Esterno;
. Fratura da apófise espinhosa da 10ª vértebra dorsal;
. Fratura da 4ª vértebra lombar, com afundamento;
. Fratura da asa do sacro direito;
. hematoma importante da coxa direita;
. traumatismo no lábio inferior,
. dores por todo o corpo. (parte do 52º da p.i.)
2.14. Nesse Hospital esteve até o dia 24 de fevereiro, tendo sido transferido para a Clínica ..., em ..., onde permaneceu internando até ao dia 18 de março de 2016. (53º a 55º da p.i.)
2.15. Manteve seguimento por Ortopedia em regime de ambulatório, tendo sido submetido a tratamento de Medicina Física e de Reabilitação. (56º e 57º da p.i.)
2.16. Nesse período, até finais de maio, o demandante usou colete de OO. (58º da p.i.)
2.17. Durante o regime de ambulatório o demandante sofreu o aparecimento de parestesias na coxa direita. (59º da p.i.)
2.18. Durante o regime de ambulatório sofreu ainda tonturas, motivo pelo qual foi observado por Neurologia. (60º e 61º da p.i.)
2.19. O demandante esteve acamado durante 30 dias, dependente para as mais básicas necessidades, do apoio de terceira pessoa, o que lhe causou vexame e vergonha. (62º e 63º da p.i.)
2.20. Teve alta médica do médico assistente Clínica ... em 24/08/2016. (parte do art. 64º da p.i.)
2.21. As dores, a falta de mobilidade, as dificuldades em dormir, o sono agitado, causaram no demandante angústia, sofrimento, e noites sem descanso dado que não tinha posição para dormir. (65º e parte do art. 68º da p.i.)
2.22. Toda esta situação, para além das dores e incómodos, deixava o demandante melindrado e até vexado e humilhado por não ser autossuficiente e depender de terceiros para alguns dos mais primários atos da vida corrente. (66º da p.i.)
2.23. Neste período, o demandante estava impedido de movimentar o corpo, nomeadamente ao nível do tronco/coluna. (67º da p.i.)
2.24. As lesões sofridas causaram ao demandante um quantum doloris de grau 5 numa escala de 1 a 7, e determinaram-lhe:
- défice funcional temporário total num período total de 26 dias, entre 22/02/2016 e 23/02/2016, e entre 24/02/2016 e 18/03/2016;
- défice funcional temporário parcial num período de 135 dias, entre 19/03/2016 e 31/07/2016;
- repercussão temporária na atividade profissional total, entre 23/02/2016 e 31/07/2016, num período total de 160 dias. (cfr. 83º e 139º da p.i. e resultado da perícia médico-legal)
2.25. Apesar dos tratamentos, como consequência das lesões, cuja consolidação médico-legal se verificou em 31/07/2016, o autor ficou a padecer, pelo menos, das seguintes sequelas:
- face: discreta dismorfia da metade inferior direita do lábio inferior, com cicatriz normocrómica, medindo um centímetro e sem alterações no comando neuromotor da comissura labial – consegue assobiar; cicatriz hipocrómica localizada na região frontal direita, de orientação longitudinal, medindo quatro centímetros e visível a dois metros de distância;
- ráquis: queixas de dorsalgia pós fratura de D10; queixas de lombalgia pós fratura de L4, referenciando ainda dores na asa direita do sacro, pós fratura da asa direita do sacro. Apesenta rigidez da coluna lombar traduzida por Schober10/14, com distância de dedos ao solo de 25 centímetros, Rotações referenciadas como dolorosas;
- tórax: queixas de toracalgia pós fratura do esterno e múltiplos arcos costais;
- membro inferior direito: zona de perda parcial de pelos na face ântero-lateral externa da coxa, medindo 8x4 centímetros, com cicatrizes normocrómicas, e configuração estrelada, irregulares, de pequena dimensão, não sendo de descartar correspondência com o hematoma relatado nos registos clínicos. (parte dos 64º e 69º p.i. e resultado da perícia médico-legal)
2.26. As referidas sequelas provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12 pontos e determinam ao autor um dano estético permanente de grau 2, na escala de sete de gravidade crescente. (parte do 69º p.i. e resultado da perícia médico-legal)
2.27. As lesões sofridas, provocaram ao demandante dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos. (75º p.i.)
2.28. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente, continuam a provocar-lhe diariamente dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, e que se exacerbam com as mudanças de tempo. (76º a 78º e 81º p.i.)
2.29. Em resultado das sequelas que o apoquentam, o autor irá necessitar de forma permanente de ajudas medicamentosas, nomeadamente da toma ocasional de medicação analgésica e anti-inflamatória. (parte dos 80º e 111º p.i.)
2.30. Estas sequelas incapacitam o demandante para qualquer atividade desportiva e de lazer como o jogging, atletismo, andar de bicicleta, jogar futebol, praticar ski em neve e wakeboard. (85º p.i.)
2.31. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer é, por isso, fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente. (86º p.i.).
2.32. Em resultado das sequelas, o demandante não aguenta conduzir muito tempo seguido, mais do uma hora, nem estar sentado também mais do que uma hora. (87º e 88º p.i.)
2.33. O demandante é mediador de seguros, sendo sócio e gerente da sociedade comercial “S... - Corretores de Seguros, Lda”. (parte do 89º p.i.)
2.34. Nessa função ou está a atender clientes, ou a visitar clientes, a angariar clientes, fazendo uma média de 3.000,00/4.000,00 quilómetros por mês. (parte do 90º, e 91º e 92º p.i.)
2.35. O demandante mantém dificuldades em movimentar-se na cama, em ter posição para dormir, com dores, tendo problemas para dormir e descansar. (94º a 96º p.i.)
2.36. À data do acidente, o demandante tinha 48 anos de idade, tendo nascido em .../.../1968. (parte do 97º p.i. e assento de nascimento de fls. 37 verso)
2.37. Era então fisicamente bem constituído, saudável e escorreito, trabalhava e praticava desporto, e cuidava do seu aspeto físico. (parte dos 97º a 99º e 100º p.i.)
2.38. Atualmente, mercê destas sequelas, o demandante não é mesma pessoa, no inverno não pratica ski, como anualmente sempre fez, no verão não pratica wakeboard, e, durante o ano, apenas pratica piscina e hidroginástica.
2.39. O autor que fazia jogging, caminhadas, bicicleta, ganhou peso, sendo que antes do acidente pesava cerca de 70 quilogramas, agora pesa cerca de 80 quilogramas. (105º, 106º, parte do 107º, e 108º p.i.)
2.40. O autor acumula as funções de gerente com as de “comercial”, angariando clientes, vendendo seguros, negociando condições com as seguradoras de que é agente, e ainda com as de promotor para produtos financeiros de seguradoras e de bancos, a chamada “...”, promovendo produtos financeiros destas instituições junto de clientes, de cujas atividades, para além de remuneração certa no 1º caso, enquanto gerente, aufere comissões. (128º a 131º p.i.)
2.41. À data do acidente, o autor auferia a remuneração base mensal de 1380,00€ ilíquidos, a que acresciam os duodécimos dos subsídios de férias e de Natal, no valor de 115,00€ cada, e ainda o prémio mensal de 19,40€, conforme recibo junto como doc. ...1 a fls. 40, que aqui se dá por reproduzido. (parte do 132º p.i.)
2.42. O autor recebia ainda ajudas de custo pelas deslocações que realizava, de cerca de 2000,00€ mensais, de acordo com o “mapa de despesas de deslocações”, as quais, em janeiro de 2016, perfizeram o valor de 1840,00€, conforme doc. 12 de fls. 40 verso. (parte do 132º p.i.)
2.43. O autor recebia ainda comissões por ser comissionista “...” da Banca, as quais em 2015 ascenderam a montante superior a € 6.000,00, conforme doc. ...5, a fls. 43 verso. (133º e 135º p.i.)
2.44. Para além destas quantias, o demandante aufere comissões nas funções de comercial de contratos de seguro, as quais em 2016, foram numa média mensal de € 10.600,00, conforme doc. 16 de fls. 48 verso. (136º e 138º p.i.)
2.45. No período que esteve impedido de exercer a profissão por causa do acidente, o autor não recebeu da empresa as remunerações dos meses de março e abril de 2016. (parte do 140º p.i.)
2.46. O vestuário que o autor trazia vestido, nomeadamente umas calças, um blusão de marca ...”, ficaram destruídos no acidente, e uns ténis “...” perderam-se. (parte dos 185º e 186º p.i.)
2.47. O demandante, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a C..., de 21 de novembro de 2016, reclamou em 15 de dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico, conforme doc. ... de fls. 92 que aqui se dá por reproduzido. (47º e 48º da resposta)
2.48. A reclamação foi novamente dirigida àquela representante portuguesa C..., por advogado, ora mandatário, com data de 20 de janeiro de 2017, conforme doc. ... de fls. 93 que aqui se dá por reproduzido. (49º da resposta)
2.49. À data do acidente responsabilidade pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula espanhola .... F, foi transferida para a V... ASEGURADORA, por seguro titulado pela apólice ...10, conforme doc. de fls. 292 verso, que aqui se dá por reproduzido. (201º p.i.)
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Na primeira instância consideraram-se não provados os seguintes factos:
1. Da petição:
A - que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;
B - que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem);
C - que o veículo ... surgiu decorridos mais de 10 minutos após o despiste do autor;
D - que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante;
E - que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.;
F - que por via dessa colisão, o autor foi projetado cerca de 10,00 metros;
G - que no Hospital foram diagnosticados outros vários traumatismos para além do descrito em 2.13., contusão pulmonar, bem como escoriações várias;
H - que a consolidação médico-legal das lesões se verificou em 24/08/2016; - que as circunstâncias referidas em 2.21. causaram desespero ao autor;
I - que o descrito em 2.23. ocorreu também posteriormente e que se agravava nas noites, na cama, tendo passado diversos dias e noites sem dormir, dado que tinha que mudar de posição constantemente mercê das dores;
J - que o demandante apresente outras sequelas além das descritas em 2.25. supra;
K - que o demandante, desde o acidente, passou a sofrer das sequelas do foro psiquiátrico alegadas em 73º da p.i.;
L - que as dores referidas em 2.27. foram atrozes;
M - que em resultado das sequelas, o autor sente grande cansaço;
N - que as sequelas implicam acompanhamento permanente médico, nomeadamente ao nível psiquiátrico e ortopédico, obrigando-o a passar longos períodos em ortostatismo, que o obrigam a fazer fisioterapia e hidroterapia;
O - que o autor tem a categoria de diretor-geral na empresa referida em 2.33. e que atende clientes em frente de um computador;
P - que na sua função era constante o entrar e sair do carro;
Q - que era diariamente que o autor praticava desporto como mencionado em 2.37.;
R - que o autor mede 1,70 metros e que antes do acidente pesava menos do que 70 kg;
S - que o descrito supra em 2.39. deixa o autor frustrado e angustiado na sua autoestima, no seu brio pessoal e amor próprio;
T - que o demandante necessitará no futuro de outros tratamento medicamentosos para além dos supra referidos em 2.29.;
U - que o demandante auferia quantias superiores às referidas em 2.41. e 2.42. supra;
V - que o autor auferia de comissões da banca anualmente entre 2000,00€ a 3000,00€, e que estas em 2014 ascenderam a € 13.000,00;
X - que entre 2013 a 2015, o valor das comissões dos contratos de seguro ascendiam a uma média mensal na ordem dos € 9.300.00 (em 2013) e os € 11.250,00 (em 2015);
Z - que no período em que o demandante esteve impedido de exercer a sua profissão, as suas atividades, perdeu em comissões cerca de € 9.000,00, e que deixou de auferir em remunerações um total de € 15.000,00;
AA - que o autor não consegue trabalhar as 12/13 horas que antes fazia, sendo que, com muito maior esforço, não ultrapassa as 8 horas diárias, e que tal tem, consequentemente, reflexos na faturação da sociedade comercial e nos seus rendimentos variáveis;
BB - que por causa das sequelas, o demandante irá necessitar, até final da sua vida, de antidepressivos, ansiolíticos, indutores de sono, de hidroterapia e de hidroginástica, tratamentos fisiátricos, consultas de osteopatia, ortopedia e de acompanhamento psiquiátrico, e que terá custos e encargos com intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos;
CC - que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca ..., cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00;
DD - que as calças mencionadas supra em 2.46. eram da marca ...;
EE - que apenas uma das unidades dos ténis referidos em 2.46. se perdeu;
FF - que o vestuário referido em 2.46. tinha o valor global de 780,00€.
2. Da contestação:
GG - que o veículo ... surgiu escassos momentos após o primeiro despiste.
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Da análise do recurso de impugnação da matéria de facto:
Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Analisadas as conclusões formuladas pelo Recorrente, verifica-se que cumprem o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, pelo que se vai conhecer de seguida dos recursos de impugnação da matéria de facto.
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Cabe então agora verificar se a prova produzida foi bem analisada pelo julgador na 1ª instância.
Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.
Vejamos:
O Recorrente não concorda com a inclusão dos pontos B, D e E nos factos não provados, pretendendo que sejam considerados provados, pretendendo ainda que se considere provado que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.
Os pontos a reanalisar são os seguintes: B - que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem); D - que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante; E - que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.
Quanto ao teor do ponto B temos as declarações do A. e de sua mulher LL que são declarações interessadas e que, como tal a sua valoração probatória tem de se revestir de especais cautelas. Ora, não existe qualquer outra prova dos factos em apreço. Por outro lado, também não existe qualquer outra prova de que o veículo estivesse a deitar fumo. Acresce que, embora seja verosímil que, caso o veículo estivesse a deitar fumo, o A. e sua mulher retirassem os bens do carro, é pouco credível que os tivessem novamente colocado no veículo após o desligamento da bateria, sem ter a certeza de que, efetivamente, a situação de um potencial incêndio estava definitivamente afastada. Deste modo, não se pode considerar provada a matéria em causa.
No que concerne ao ponto D temos apenas as declarações não muito seguras do A. no sentido de que o ... lhe embateu numa perna e o projetou a 6 ou 7 metros. A sua mulher, testemunha LL, nada viu, pois referiu que não estava a olhar para o marido na altura em que o outro carro se aproximou dele, pois tinha caído como consequência do empurrão que o marido lhe deu para a desviar da trajetória do carro. A testemunha BB, condutor do veículo que embateu na traseira do veículo do A., referiu no seu depoimento não conseguir dizer se embateu ou não no A.. É certo que o A. sofreu lesões numa das pernas mas, tal como se refere no relatório apresentado pela Ré e elaborado pelo médico Dr. PP, tais lesões tanto podem ser consequência do atropelamento como da queda pelo decline de terreno. Deste modo, não há prova segura da existência do embate, pelo que a matéria em causa deverá manter-se nos factos não provados.
Relativamente à matéria do ponto E não temos prova segura da causa das lesões sofridas pelo A. e respetivas sequelas. Na verdade, embora o Dr. PP no seu relatório refira que as lesões torácicas devem ter sido causadas pelo embate do carro do A. na árvore, assim como as da coluna, temos que ter em conta que tal relatório foi elaborado a pedido da Ré, não podendo, pois, ser entendido como imparcial. De qualquer forma, esse médico admite que as lesões na perna e no sacro podem ter sido causadas pela queda do autor pelo talude existente no local. A testemunha JJ, médico ortopedista que conhece o A. como doente de quando o mesmo esteve internado na Clínica ..., logo a seguir ao acidente, referiu que as lesões que o A. na altura apresentava podem ser compatíveis com um embate frontal de um veículo numa árvore, mas também podem ser compatíveis com um atropelamento ou com uma queda em altura. Referiu que tais lesões são compatíveis com um evento de alta energia que pode ser qualquer um dos referidos. O Dr. JJ disse ainda que uma pessoa com as lesões que o A. tinha na coluna não conseguiria estar de pé e o que é certo é que o condutor do ... o viu de pé na berma da estrada quando o seu carro se despistou. Deste modo, embora não se possa considerar provado que as lesões sofridas pelo A. foram exclusivamente causadas pela queda pelo declive de terreno para onde teve que se atirar para evitar o embate com o ... e, por isso não se pode considerar provada a matéria do ponto em análise, resulta da matéria de facto provada (ponto 2.11) que o A. teve que saltar de uma altura de dois metros para uma zona de pedras onde ficou estendido. Ora, segundo as regras da experiência comum uma queda dessa altura para um solo com pedras, causará necessariamente danos físicos e, se o A. tinha fraturado costelas e a coluna no embate, como admite o relatório acima mencionado, é de considerar altamente provável que tais lesões se agravaram com a mencionada queda. Assim, é de aditar ao ponto 2.13 que as lesões sofridas pelo A. foram, não só causadas pelo acidente (embate do seu veículo numa árvore) mas também pela subsequente queda da ribanceira.
Esta realidade tem que constar da matéria de facto provada.
Deste modo, altera-se o ponto em causa que passará a ter a seguinte redação:
2.13. Em consequência do acidente (embate do veículo do A. numa árvore) e da queda daquele referida no ponto 2.11, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital ..., onde lhe foram detetadas múltiplas lesões, nomeadamente:
(…).
O A. impugnou ainda o ponto CC dos factos não provados, entendendo que tal matéria deve ser considerada provada. CC - que por causa do invocado atropelamento, o demandante perdeu um relógio, marca ..., cujo valor atual de compra ascende a € 7.950,00.
Quanto a este ponto temos as declarações do A. e as da sua mulher que, como acima se disse, são declarações interessadas e por isso têm que ser valoradas com cautela. Acresce que não nos parecem seguras e credíveis as declarações da testemunha LL, no que respeita a este aspeto, pois, sendo o relógio em causa um bem tão caro era natural que ela o referisse em primeiro lugar quando lhe foi perguntado que bens tinham ficado estragados ou perdidos no acidente, mas não, referiu os outros bens (casaco e ténis) e quanto ao relógio o diálogo foi o seguinte: Mandatário do A.: Mais alguma coisa de valor que ele tenha perdido? LL: O reloginho dele. Mandatário do A: Que relógio era? LL: Era um ....
Este diálogo não demonstra segurança no sentido da perda do objeto identificado, pois demonstram um discurso evasivo, não seguro. A utilização do vocábulo “reloginho” para se referir ao objeto em causa parece-nos também revelar pouca consistência no depoimento.
Deste modo, não se pode considerar provada esta matéria.
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O Direito:
Aderimos à fundamentação da sentença na parte relativa à lei aplicável, que é a espanhola.
Na verdade, estando em causa um acidente ocorrido em Espanha, em que é lesado um cidadão português, a Lei aplicável tem de ser aferida à luz do Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II), designadamente do seu art. 4º e Considerando 17.
A este propósito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal de Justiça da EU, de 10/12/15 (QQ, representante legal de RR v ...) (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A62014CJ0350&qid=1674384950523 ) que, “para efeitos da identificação da lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco, o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento designa a lei do país onde ocorre o «dano», independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou dos países onde ocorram as «consequências indiretas» desse facto. O dano a que se deve atender, para efeitos da determinação do lugar onde este ocorre, é o dano direto, conforme resulta do considerando 16 do referido regulamento. Em caso de lesões infligidas a uma pessoa ou de danos patrimoniais, o legislador da União determinou, no considerando 17 do Regulamento Roma II, que o país do lugar onde os danos diretos ocorrem deverá ser o país do lugar onde as lesões tenham sido infligidas à pessoa ou ao património. Daqui resulta que, quando seja possível identificar a ocorrência de um dano direto, o que normalmente acontece no caso de um acidente de viação, o lugar da ocorrência desse dano direto é o elemento de conexão relevante para a determinação da lei aplicável, independentemente das consequências indiretas desse acidente.”
Na verdade, o Regulamento em causa consagra como regra geral ser a lex doci danni aplicável aos casos de responsabilidade extracontratual e, portanto, a lei aplicável determina-se com base no local onde ocorreu o dano, independentemente do país ou países onde possam ocorrer as consequências indiretas do mesmo.
Dispõe o art. 1º deste diploma, na parte com interesse para o caso em apreço que:
1. O condutor de veículos automóveis é responsável, em virtude do risco criado pela sua condução, pelos danos causados a pessoas ou bens em virtude da circulação.
Tratando-se de danos a pessoas, esta responsabilidade só será exonerada quando se provar que o dano se deveu a culpa exclusiva do lesado ou a caso de força maior alheio à condução ou utilização do veículo; Os defeitos do veículo ou a quebra ou avaria de qualquer das suas peças ou mecanismos não serão considerados casos de força maior.
No caso de danos materiais, o condutor responderá perante terceiros quando for civilmente responsável, conforme estabelecido nos artigos 1.902 e seguintes do Código Civil, artigos 109 e seguintes do Código Penal e na forma desta Lei.
(…)
4. Os danos e prejuízos causados às pessoas em consequência de lesões corporais causadas por ocorrências de trânsito reguladas na presente Lei, serão em qualquer caso quantificados de acordo com os critérios do Título IV e dentro dos limites de indemnização fixados no Anexo.
5. (…)
6 (…).
(tradução automática para português disponibilizada pelo site acima referido em primeiro lugar).
Vemos, pois, que a Lei espanhola consagra uma responsabilidade objetiva ou quase objetiva para os danos pessoais.
“Os “danos a las personas” não são estritamente os danos corporais, mas todos os danos pessoais, sejam corporais, morais ou patrimoniais – entre estes últimos incluem-se os lucros cessantes, os gastos de assistência médica, farmacêutica e hospitalar e os do enterro e funeral (cfr art. 1, nº 2) cuja fixação se fará de acordo com o anexo LRCSCVM, que contém um “sistema para valoração dos danos e prejuízos causados às pessoas em acidentes de viação” por oposição, os “danos em los biens” abrangem todos os demais danos patrimoniais (não compreendidos nos danos pessoais” ( cfr. Raul Guichard in Acerca da Responsabilidade Civil Objetiva por Danos Causados por Veículos de Circulação Terrestre”, Revista das Ciências Empresarias e Jurídicas, nº 9 [internet], 17/07/2006, pág. 208).
No que concerne à indemnização por danos materiais “danos en los bienes” “se aparentemente se baseia em culpa (presumida; uma “responsabilidade por culpa agravada”, como se usa dizer na doutrina espanhola; atente-se ainda ao que a seguir se expõe) ao estar regulada por remissão para os arts 1902º e ss do C. Civil espanhol (e para os arts. 109º e ss. Do Código Penal), realmente aproxima-se muito de uma “responsabilidade objetiva atenuada” pela interferência das regras sobre a “culpa automovilistica”, um dos domínios onde predomina, por via da desenvolução jurisprudêncial, uma “culpa quasi-objetiva”, isto é, um dever de diligência tão exacerbado que se torna praticamente impossível a prova da sua observância. Como já alguém escreveu, trata-se de ua verdadeira “redefinição do conceito de culpa”, assente em princípios como o da “confiança e segurança do tráfego” e o da “condução defensiva”. Que b«vem, afinal, a desembocar numa “teoria da culpa virtual”, paralela à regra res ipsa loquitur:a ocorrência do dano faz presumir a existência de culpa” (cfr. Raul Guichard in ob cit”, pág. 207).
No Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha, Sala de lo Civil, de 17/07/12 (in https://www.poderjudicial.es/search/DeActualidad/TS/Civil/#) explica-se que “Los daños personales y materiales tienen un tratamiento legal y jurisprudencial. Tratándose de lesiones corporales la responsabilidad es cuasi objetiva, según proclama el artículo 1.1 LRCSCVM , al establecerse una responsabilidad por el resultado dañoso causado, salvo que la parte productora del mismo acredite que fue debido a culpa o negligencia exclusiva del perjudicado o a fuerza mayor extraña a la conducción o al funcionamiento del vehículo, sin que se consideren como supuestos de fuerza mayor los defectos del vehículo ni la rotura o fallo de alguna de sus piezas o mecanismos.
Por el contrario, en caso de daños materiales, no es aplicable la doctrina del riesgo ni el principio de la inversión de la carga probatoria.”.
No caso, não obstante o veículo segurado na Ré não ter embatido no A., ou seja, de não ter havido contacto físico ou material entre um e outro, o que é certo é que o A., em virtude da aproximação daquele veículo, para se desviar da sua trajetória, caiu numa ribanceira com a altura de dois metros, tendo essa queda provocado danos físicos ao A.. Na verdade, a referida queda do A. ocorreu unicamente como causa do despiste do veículo segurado na Ré.
A perda do domínio do veículo segurado na Ré e o seu despiste foi assim causa direta e adequada da queda do A. e dos subsequentes danos, pelo que o acidente em análise cai na previsão do mencionado art. 1º da LRCSCVM.
Assim, como se refere no Acórdão do TS de Espanha, acima citado “Consecuencia lógica de esta doctrina es que de existir daños personales, como los que se reclaman, ha de estarse al artículo 1.1 LRCSCVM y concederse indemnización a quien peticiona, salvo que se justifique de contrario que los daños personales fueron consecuencia exclusiva de la propia negligencia de la víctima o de fuerza mayor extraña a la conducción o al funcionamiento del vehículo.”
No caso, não se provou qualquer facto que determine a exclusão da responsabilidade do veículo segurado na Ré, pelo que esta terá que indemnizar o lesado.
No entanto, como resulta da matéria de facto provada, os “danos a las personas” por este sofridos não resultaram inteiramente da queda na ribanceira, mas também do embate do seu próprio veículo na árvore. Uma vez que não é possível apurar que danos foram causados por ou outro dos acidentes, estima-se que cada um participou nesses danos na proporção de metade, pelo que a(s) indemnização(ões) que for(em) apurada(s) será(ão) reduzida(s) na proporção de metade.
Vejamos os montantes indemnizatórios:
O A. pede 40.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; 24.000,00€ referente a rendimento que deixou de auferir desde a data do acidente até 24/8/16; 70.000,00€ a título de lucros cessantes; 20.000,00€ a título de dano biológico e ainda o que se vier a apurar em liquidação de sentença referente a assistência médica, tratamentos de fisioterapia, etc. que o A. venha a precisar.
Os critérios gerais para determinação da(s) indemnização(ões) por “daño corporal” encontram-se estabelecidos a partir do art. 32º da Lei acima referida. Desses critérios destacamos os seguintes:
No art. 34º refere-se que a indemnização a morte, as sequelas e as lesões temporárias dão lugar a indemnização nos termos das tabelas 1, 2 e 3 constantes do anexo à mencionada Lei.
Nos termos do art. 50º, a perda de autonomia pessoal consiste no impedimento físico, intelectual, sensorial ou orgânico que impeça ou limite o desempenho das atividades essenciais à vida ordinária, estando estas devidamente especificadas no art. 51º.
O art. 93º explica o que se deve entender por sequelas, dizendo que são as deficiências físicas, intelectuais, orgânicas e sensoriais e os danos estéticos derivados de uma lesão são sequelas e permanecem após a conclusão do processo de cicatrização. O material de osteossíntese que resta ao final desse processo é considerado uma sequela e que as respetivas indemnizações se encontram quantificadas nas diferentes secções do Quadro 2 que está anexo ao diploma.
O art. 97º dispõe que:
“1. A pontuação atribuída ao dano psicofísico, orgânico e sensorial de cada sequela, de acordo com critérios clínicos, leva em consideração sua intensidade e gravidade do ponto de vista anatômico-funcional, sem levar em consideração a idade ou o sexo do lesad0, nem o impacto das consequências em suas várias atividades.
2. A cada sequela é atribuída uma pontuação fixa ou a que corresponda dentro de um intervalo com pontuação mínima e máxima.
3. Uma sequela deve ser avaliada uma única vez, ainda que os seus sintomas sejam descritos em várias secções da escala médica, sem prejuízo do que se estabelece quanto ao prejuízo estético. Sequências incluídas ou derivadas de outras não são valorizadas, mesmo que sejam descritas de forma independente.
4. A pontuação para uma ou várias sequelas de uma articulação, membro, aparelho ou sistema não pode exceder a correspondente à perda total, anatómica ou funcional, dessa articulação, membro, aparelho ou sistema.
5. As sequelas não contempladas em nenhum dos conceitos da escala médica são aferidas com critérios análogos aos nela previstos.
De acordo com o art. 101º, o dano estético consiste em qualquer modificação que piore a imagem da pessoa. É um dano diferente do psicofísico que serve de substrato e inclui tanto a dimensão estática quanto a dinâmica. Os graus de dano estético são estabelecidos no art. 101º. No caso, o dano estético do A., de acordo com estas regras, deve ser qualificado de moderado, já que uma das cicatrizes se encontra localizada na face.
No art. 108º são fixados os graus de dano moral por perda da qualidade de vida. Tendo em conta a matéria de facto fixada nos presentes autos, entende-se que o dano em causa é moderado.
Os montantes indemnizatórios são fixados, no caso, com base na tabela 2.A.1 e 2.A.2.
Tendo em conta as sequelas de que o A. ficou a padecer, a sua idade à data do acidente e o disposto nas mencionadas tabelas, obteve-se a pontuação de 33 pontos, cabendo-lhe a indemnização de 51.297,03€.
O dano moral pela perda de qualidade de vida em virtude das sequelas (tabela 2 –B) é fixado em 20.000,00€.
As despesas futuras com cuidados de saúde estão reguladas na tabela 2.C.1, sendo que, no caso do A. não há lugar a qualquer indemnização a este título.
A compensação por lesões temporárias é fixada por dia, na tabela 3. Assim, a compensação por lesões pessoais básicas mais a compensação pela perda moderada temporária da qualidade de vida fixa-se em 82€/dia x26 dias, o que perfaz a quantia total de 2.132€. A esta quantia acresce o valor do lucro cessante sofrido (perda de rendimento durante o período de incapacidade temporária absoluta, que no caso se fixa em 23.760,00€, atento o valor do rendimento mensal auferido pelo A. acrescido do valor das comissões. Não é tido em conta o valor que auferia a título de ajudas de custo para despesas de deslocação, uma vez que durante esse período não podia deslocar-se, não tendo que despender qualquer quantia nas despesas correspondentes.
O A. tem, assim, direito a receber da Ré a indemnização total de 97.189,03€ reduzida a 50%, ou seja, à quantia de 48.594,51€.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a Apelação, condenando a Ré a pagar ao A. a quantia total de 48.594,51€ (quarenta e oito mil, quinhentos e noventa e quatro euros e cinquenta e um cêntimos).
Custas na proporção de decaimento.
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Guimarães, 26 de janeiro de 2023
Alexandra Rolim Mendes Maria dos Anjos Melo Nogueira José Cravo