PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CONTRATO DE MANDATO FORENSE
CONVENÇÃO DE DOMICÍLIO
REDUÇÃO A ESCRITO
FORÇA EXECUTIVA
Sumário

1. Quer o artigo 2.º do DL 269/98, quer o artigo 229.º CPC se referem ambos a contratos reduzidos a escrito.
2. Porém, nada justifica considerar inválida uma convenção de domicílio quando, apesar de respeitar os requisitos de forma para ela exigidos, não é contemporâneo das cláusulas essenciais do contrato.
 3. O regime dos citados artigos foi previsto para os casos normais em que todas as cláusulas, principais ou secundárias, são coevas. Nada mais do que isso.
4. O legislador apenas terá querido afastar a hipótese de o domicílio electivo provir de figura diferente do contrato, mas não as hipóteses em que o domicílio convencionado opera como uma cláusula acessória de um negócio mais vasto.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M instaurou execução para pagamento de quantia certa, contra SM com base num requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, no qual peticiona o pagamento do montante global de €3.837,25, acrescido de juros de mora à taxa de 4%.
Por despacho de 04.12.2021 foi a exequente notificada para juntar aos autos documento comprovativo da convenção de domicílio invocada no requerimento de injunção dado à execução, na medida em que, por força dessa indicação, o executado, aí requerido, foi notificado para os termos do procedimento injuntivo por carta simples, “com prova de depósito”.
Por requerimento de 17.012.2021 veio a exequente juntar aos autos o documento particular denominado “Nota de Honorários”, assinada pelo executado e pela prestadora de serviços, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Para: SM NIF: …..
C. Cidadão: n.º Naturalidade: República da Guiné-Bissau
Residência: Amadora.
(A morada identificada nesta nota de honorários, servirá para citação e notificação por parte da mandatária, dos valores devidos a título do presente mandato, caso assim não entenda por favor, requeremos a não assinatura da presente nota, para efeitos do artigo 229.º do Código do Processo Civil).
Por despacho de 03.05.2022, foi determinada a notificação da exequente para, em 10 dias, juntar aos autos, caso exista, o contrato de prestação de serviços (mandato) – reduzido a escrito –celebrado entre exequente e executado.
Veio, em resposta (requerimento de 17.05.2022), a exequente alegar o seguinte:
“1.º Em obediência ao solicitado pelo Tribunal, por requerimento de 17.12.2021, a exequente juntou aos autos o documento que explicita a relação entre as partes, na medida em que determina a qualidade de cada uma delas, os serviços prestados, os custos inerentes à sua execução, os meios de pagamento, e os meios mais expeditos de contacto a utilizar, no nosso modesto entendimento, a convenção de domicílio;
2.º Não obstante a designação, à qual o Tribunal não está vinculado, o aludido documento estabelece um mandato oneroso, aceite livremente pelas partes com vista a disciplinar os seus interesses contratuais, conforme estabelecem os artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil;
3.º In casu, o mandante, ora Executado subscreveu de livre vontade o documento intitulado “nota de honorários” onde consta “A morada identificada nesta nota de honorários servirá para citação e notificação por parte da mandatária dos valores devidos a título do presente mandato, caso assim não entenda, por favor requeremos a não assinatura da presente nota, para efeitos do artigo 229.º do Código de Processo Civil.” e, consequentemente, aceitou a convenção de domicílio deste mandato forense;
4.º Na verdade, ao assinar o documento suprarreferido, as partes acordaram por escrito estar sob a alçada de um contrato de mandato oneroso;
5.º Neste sentido, o Acórdão do TRL de 30/04/2013 no proc. 162450/12.1YIPRT.L1-7 in www.dgsi.pt: “Não existe fundamento legal para excluir as acções de honorários, intentadas por advogado na sequência da prestação dos serviços próprios desta sua profissão, do âmbito próprio das acções para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro. Assim sendo, visando a requerente exigir o pagamento da retribuição que lhe será devida em função do cumprimento de mandato judicial, previamente acordado com a requerida, tal matéria insere-se e reconduz-se ao cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de um contrato celebrado entre as partes, in casu um contrato de mandato oneroso, legalmente tipificado nos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil.” (sublinhado nosso).
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirá requer a admissão do documento intitulado “nota de honorários” como redução a escrito do mandato oneroso com convenção de domicílio entre as partes para citação com vista à recuperação da quantia exequenda que corresponde aos honorários pelo trabalho prestado e não liquidado a esta mandatária, seguindo a execução os seus termos até final.”
Foi então proferido despacho que, tendo concluído pela nulidade da notificação realizada no procedimento de injunção, anulou a “força executiva” que foi aposta no requerimento de injunção, e, consequentemente, sendo manifesta a falta de título executivo, rejeitou a execução e consequentemente declarou a extinção da execução (artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC).
Inconformada, interpôs a exequente competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
«I- O contrato de mandato e um contrato atípico com poderes de representação, que hoje se rege, em primeira linha, pelo disposto nos artigos 97.º a 107.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aplicando-se ainda, a título subsidiário, o regime do contrato de mandato civil constante dos artigos 1157.º a 1184.º do CC.
II- Sendo, então um contrato atípico, consubstanciado por um regime misto, em que valem disposições do Código Civil e do EOA, tem de ser perspetivado de uma forma muito própria e de acordo com o contexto em que é celebrado.
III- Se por cada deslocação a uma Repartição das Finanças ou Conservatória do Registo Civil um profissional forense tiver de celebrar por escrito o respetivo contrato com clausulado relativo ao domicílio o exercício da profissão tornar-se ia impossível. Vai contra o próprio espírito do exercício liberal da profissão, e tal como expendido supra, o contrato de mandato tem um conjunto de especificidades que lhe advém da sua natureza mista, por via do Código Civil e do EOA.
IV- A celebração do contrato de mandato não está, em regra, sujeita a forma escrita!
V- In casu, o mandante, ora recorrido, subscreveu de livre vontade o documento intitulado “nota de honorários “onde consta a “Morada identificada nesta nota de honorários servirá para citação e notificação por parte da mandatária dos valores devidos a titulo do presente mandato, caso assim, se não entenda, por favor requeremos a não assinatura da presente nota, para efeitos do 229º do Código de Processo Civil” e consequentemente, aceitou a convenção de domicilio deste mandato forense. E só pode ser este o sentido dado aquela cláusula, o de uma convenção escrita de domicílio!
VI- Perante estas estipulações, constantes daquele documento, a conclusão que retiramos é a de que, colocado na posição das partes elas pretenderam estabelecer uma convenção de domicílio! Apuseram ao documento uma morada; especificaram que aquela morada serviria para citação e notificação por parte da mandataria para as quantias que se mostrassem devidas a título da execução do mandato; mais especificaram que tudo seria feito para efeitos do 229º do Código de Processo Civil, cuja epigrafe e “Domicílio convencionado”
VII- O Contrato de Mandato é um contrato atípico em que vigora o regime do Código civil (a titulo subsidiário) e o do EOA , que pode ter a forma escrita ou não, a esse respeito dispõe o nº 2 , do Artigo 105.º do EOA , que tem a epigrafe “ Honorários” “ 2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.” A nota de honorários e parte integrante do contrato atípico de Mandato.
VIII- Por requerimento de 17.05.22, a ora recorrente juntou aos autos o documento explicativo da relação entre as partes, na medida em que determina a qualidade de cada uma delas, os serviços prestados, os custos inerentes à sua execução, os meios de pagamento, e os meios mais expeditos de contacto a utilizar, que ambos, mandatária e mandante consideraram e convencionaram de livre vontade ser a convenção de domicílio.
IX- Tal documento, no entender das partes estabeleceu um mandato oneroso, aceite livremente entre elas com vista disciplinar os seus interesses contratuais, nos termos do disposto nos artigos 1157º e 1158 do Código Civil.
X- O Contrato de Mandato e um contrato atípico em que vigora o regime do Código Civil e o do EOA que pode ter a forma escrita, a esse respeito dispõe o nº 2, do Artigo 105.º do EOA, que tem a epigrafe “ Honorários” “ 2 – Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao ccliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.”
XI- In casu, o mandante, ora recorrido, subscreveu de livre vontade o documento intitulado “nota de honorários “onde consta a “Morada identificada nesta nota de honorários servira para citação e notificação por parte da mandataria dos valores devidos a titulo do presente mandato, caso assim, se não entenda, por favor requeremos a não assinatura da presente nota, para efeitos do 229º do Código de Processo Civil” e consequentemente, aceitou a convenção de domicilio deste mandato forense.
XII- E só pode ser este o sentido dado àquela cláusula, o de uma convenção escrita de domicílio!
XIII- Apuseram ao documento uma morada; especificaram que aquela morada serviria para citação e notificação por parte da mandatária para as quantias que se mostrassem devidas, a título da execução do mandato; mais especificaram que tudo seria feito para efeitos do 229º do Código de Processo Civil, cuja epigrafe é “Domicílio convencionado”
Termos em que
Deve ser admitido o presente recurso e, em consequência, ser-lhe  concedido integral provimento, revogando-se a douta decisão de 15.09.22 substituindo-a por outra que considere que a Citação foi validamente realizada, uma vez que existe convenção de domicílio, confirmando, assim, a força executiva aposta ao requerimento de injunção e que seja declarado o prosseguimento dos autos e assim como de costume se Fará Justiça».
Não foram oferecidas contra-alegações.
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Constitui questão decidenda saber se foi validamente estipulado domicilio convencionado e, consequentemente, se se pode concluir pela validade da notificação feita no processo de injunção.
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Aquela questão é unicamente de direito, estando devidamente enquadrada pelo que explanámos no relatório, para o qual se remete.
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Do Direito
Comecemos por fixar alguns pontos de enquadramento geral:
i) Entre exequente e executado foi celebrado verbalmente um contrato de prestação de serviço, mais propriamente um contrato de mandato.
ii) O mandato é um contrato de prestação de serviços; e, in casu porque se trata «serviços de natureza jurídica» cabe a figura do mandato forense, uma das modalidades da prestação de serviços: art.º 1155º e 1157º do Código Civil (CC).
iii) Tem sido entendimento jurisprudencial largamente maioritário que não há razão bastante para excluir as acções de honorários, intentadas por mandatário na sequência da prestação dos serviços próprios da sua profissão, do âmbito das acções especiais para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, previstas Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro (cfr. acórdãos do TRL de 12.02.2004, Proc. 7674/2003-6, de 29.09.2009, Proc. 167945/08.9YIPRT.L1-7, de 01.07.2010, Proc. n.º 408/07.0YXLSB.L1-6; de 30.04.2013 Proc. 162450/12.1YIPRT.L1-7; do TRP de 22.06.2006, Proc. n.º 0632709, do TRE de 05.05.2011, Proc. 349611/10.4YIPRT.E1 e do TRC de 27.05.2015, Proc. 83525/14.3YIPRT.C1).
iv) Segundo o artigo 84.º CC «é permitido estipular domicílio particular para determinados negócios, contanto que a estipulação seja reduzida a escrito».
v) O domicílio electivo tem particular relevância nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos até certo valor, cujo regime foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
vi) O Decreto-Lei n.º 183/2000, de 190 de agosto, alterou o artigo 2.º daquele decreto-lei, cujo n.º 1, passou a preceituar: «Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliados, para efeito da citação ou da notificação, em caso de litígio».
vi) Sob o regime da notificação do requerido, no caso de ter havido convenção de domicílio, rege o artigo 12.º-A do Anexo ao regime dos procedimentos referidos em v). Estabelece-se que: «1 – Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do art.º 2 do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificado e endereçada para o domicílio ou sede convencionado».
vii) Não havendo essa convenção, a notificação do requerido deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, como dispõe o art.º 12.º n.º 1.
Pois bem: o tribunal entendeu que no caso em apreço, «não se mostra documentado – reduzido a escrito – o alegado contrato de prestação de serviços.
Com efeito, uma “Nota de Honorários” mais não é do que um documento informativo dos serviços prestados aos clientes, contendo uma descrição detalhada das despesas, incluindo a sua especificação qualitativa e quantitativa assim como o respetivo valor a ser cobrado, não consubstanciando qualquer contrato.
Não pode, assim, afirmar-se que existia convenção de domicílio».
«Não havendo, como é o caso, “domicílio convencionado”, a notificação requerida tinha que ser feita por carta registada com aviso de receção.
Significa isto – é onde se pretende chegar – que a notificação efetuada (na injunção) ao aqui executado não observou, como devia, as formalidades acabadas de referir e também prescritas na lei, o que, acarreta a sua nulidade, uma vez que não é possível afirmar que a ausência de tais cuidados e advertências não prejudicaram a sua defesa».
Nestes termos, concluindo-se pela nulidade da notificação realizada no procedimento de injunção, anul[ou-se] a “força executiva” que foi aposta no requerimento de injunção», e, consequentemente, declar[ou-se] a extinção da execução (artigos 734.º e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC).
Não acompanhamos este raciocínio.
Foi celebrado um contrato de mandato forense entre exequente e executado, é ponto assente.
Como explica Carlos Ferreira de Almeida os requisitos essenciais para a formação dos contratos reconduzem-se a dois: a adequação formal e o consenso (Contratos I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2005:96).
O primeiro requisito resulta dos artigos 220.º e 223.º do CC. Como no caso vertente a lei não exige forma especial não se pode pôr em causa a validade daquele contrato (artigo 219.º).
No que respeita ao segundo requisito, resulta do artigo 232.º, lido como asserção positiva, que «o contrato fica concluído quando as partes houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo».
O último segmento desta proposição remete-nos para a distinção entre cláusulas essenciais e cláusulas acessórias do contrato.
A verificação da essencialidade de uma cláusula tem de ser feita caso a caso. Cada contrato tem determinado conteúdo e para ser completo depende do conjunto dos elementos da factispécie. No caso de mandato forense, bilateral e oneroso, pode dizer-se que o contrato fica completo quando as partes chegam a acordo sobre os actos jurídicos a praticar e a existência de retribuição.
A questão da existência ou não de um domicílio especial para efeitos de notificação do mandante, em caso de litígio, não é essencial para o preenchimento da factispécie, devendo pois considerar-se uma cláusula acessória.
Assim o considera, por exemplo, Luís Carvalho Fernandes: «a determinação do domicílio resulta (…) de uma cláusula acessória do próprio negócio jurídico em relação ao qual o domicílio tem relevância» (Teoria Geral do Direito Civil, I, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, 2001:384).
De facto, a convenção de domicílio não é um fim em sim mesmo e só se justifica para garantir futuro cumprimento (máxime coercivo).
Nada obriga a que uma estipulação acessória seja coeva do contrato, como resulta dos artigos 221.º e 222.º.
As estipulações verbais acessórias posteriores a um contrato não formal são válidas, excepto se a lei exigir a forma escrita.
É isto o que acontece com a fixação convencional do domicílio para efeitos de notificação/citação futuras. A lei sujeita a escolha deste domicílio a um condicionalismo formal, «mesmo quando o negócio jurídico correspondente não esteja sujeito a forma» (Carvalho Fernandes, idem).
São variadas as razões justificativas para a imposição da forma legal.
Heinrich Ewald Hörster, in: A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 1992:444, inventaria oito:
1.º a ponderação da decisão em ordem a evitar soluções precipitadas ou irreflectidas, como meio de protecção das partes;
2.º a clareza acerca do momento exacto da conclusão de um negócio, separando-o da fase de negociações;
3.º a clareza a respeito do próprio conteúdo do negócio;
4.º a segurança da prova;
5.º uma assistência profissionalmente competente destinada a averiguar, em jeito de controlo prévio, ainda a capacidade negocial dos intervenientes;
6.º a cognoscibilidade para terceiros, uma vez que os notários estão, em princípio obrigados a prestar verbalmente informações relativas aos actos, registos e documentos arquivados, ao abrigo da publicidade notarial (…);
7.º o controlo para preservar interesses da comunidade ou de terceiros (para além de eventuais exigências de autorizações por parte de tribunais e outras entidades);
8.º a dificultação do negócio em certas situações ou circunstâncias, ditadas por razões «sociais», como acontece, por exemplo, com as vendas ao domicílio ou as vendas por correspondência».
No caso sujeito, como resulta aliás do artigo 2.º do citado DL 269/98, a exigência de forma para a cláusula acessória de domicílio justifica-se «para efeito de o eventual devedor ser procurado, pelo credor, ou por algum órgão judicial, administrativo ou tributário, com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes» (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021:19). Permite também que o devedor reflicta melhor sobre os compromissos que assume.
Ora a convenção de domicílio constante da «nota de honorários» - pois é disso que se trata (estamos aqui diante de declarações de conteúdo idêntico que exprimem o acordo num só texto subscrito por cada uma das partes) - reveste a forma escrita, em conformidade com a lei.
Havendo domicílio convencionado válido, a notificação por carta simples é legal nada obstando, em princípio, a que a execução prossiga.
Dizemos em princípio porquanto o primeiro grau sustenta que «este acordo está previsto apenas no caso de existir contrato escrito», «a convenção de domicílio, para o efeito processual tido em vista, tem que ser uma cláusula explicitamente inserida no texto escrito do contrato».
Acresce que, com efeito, quer o artigo 2.º do DL 269/98, quer o artigo 229.º CPC se referem ambos a contratos reduzidos a escrito.
Cremos, porém, que só uma interpretação declarativista, excessivamente colada à letra da lei, pode conduzir à solução a que chegou a 1.ª instância. Para lá do espírito, o intérprete, deve reconstituir o pensamento legislativo (artigo 9.º CC).
Nada justifica considerar inválida uma convenção de domicílio quando, apesar de respeitar os requisitos de forma para ela exigidos, não é contemporâneo das cláusulas essenciais do contrato.
O regime dos citados artigos foi previsto para os casos normais em que todas as cláusulas, principais ou secundárias, são coevas. Nada mais do que isso.
O legislador apenas terá querido afastar a hipótese de o domicílio electivo provir de figura diferente do contrato, v.g. de negócio jurídico unilateral, mas não as hipóteses em que o domicílio convencionado opera como uma cláusula acessória de um negócio mais vasto (cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007:411).
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida que se substitui por outra que ordena o prosseguimento da execução.
Sem custas.
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26.01.2023
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Maria do Céu Silva  (voto vencido conforme declaração que junto)                     

                         
VOTO DE VENCIDO      

Conforme resulta do art.º 9º do C.C., "não pode, ..., ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso"; e, "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
O art.º 2º nº 1 do DL 269/98 dispõe o seguinte:
“Nos contratos reduzidos a escrito que sejam suscetíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio."
«Resulta à evidência que a “convenção de domicílio”, há-de resultar de um acordo das partes com vista a estabelecer um local certo e estável que permita um contacto mais expedito, em caso de litígio, assim se evitando as delongas, em regra inerentes aos contactos, com vista a citações e/ ou notificações judiciais. Este acordo está previsto apenas no caso de existir contrato escrito e deverá revestir também forma escrita.»
«A lei é expressa quanto a fazer depender tal convenção da existência de contrato escrito» (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de setembro de 2009, processo 1999/05.6TBCSC-B.L1-6; no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de novembro de 2020, proc. 3753/19.9T8ENT-B.L1-2; e do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de maio de 2016, proc. 580/14.3T8GRD-A.C1).
No caso dos autos, o problema não está na convenção de domicílio ser estipulação posterior à celebração do contrato de mandato, mas no facto deste contrato ser verbal.
Daí não concordar com a revogação do despacho recorrido.
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Maria do Céu Silva