RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
Sumário


I – O dano biológico, ainda que lhe possa ser conferida autonomia, cabe no dualismo dano patrimonial / dano não patrimonial (não é um “tertium genus”), podendo ter e traduzir-se numa vertente patrimonial e numa vertente não patrimonial, sendo que, quando apenas está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico”, cuja indemnização também cobre a perda de potencialidades e de oportunidades profissionais (não havendo lugar à fixação dum montante indemnizatório por uma IPP que, em tal hipótese, nem sequer existe).
II – O único critério legal para a fixação da indemnização do dano biológico (dano futuro) é a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil), o que não significa, que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que têm o mérito de impedir “ligeirezas decisórias” ou involuntárias leviandades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.
III – Tendo a lesada 23 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 14,8 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional, é equitativo fixar (por reporte/atualizada à data da sentença, proferida 6 anos após o acidente) a indemnização por tal dano biológico em € 50.000,00; montante este a que – estando-se “apenas” perante uma IPG, que exige esforços suplementares no exercício da atividade profissional, mas sem qualquer repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho do lesado – não pode acrescer outro e autónomo montante indemnizatório com base no dano futuro da perda de ganho.

Texto Integral








Processo 5986/18.6T8LRS.L1.S1
6.ª Secção


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - Relatório
AA, residente na Av.ª ..., ..., intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “N Seguros, SA”, entretanto incorporada na Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A., com sede em ..., pedindo que a “R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 211.900,25 €, acrescida de juros de mora, “em dobro à taxa aplicável”, vencidos desde a data da citação e vincendos sobre a quantia de 7.000 € e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, relegando-se para liquidação de sentença o valor que futuramente terá de custear com intervenções cirúrgicas, com acompanhamento/tratamento médico, ajuda medicamentosa, nomeadamente medicação analgésica, sessões de fisioterapia, até ao final da vida, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência das intervenções cirúrgicas”.
Alegou, em síntese, que:
- No dia 24-12-2015, pelas 3h20m, ao Km 0,1 da Auto estrada A..., quando seguia transportada no veículo ligeiro de passageiros ..-LI-.., propriedade de BB e conduzido por CC, ocorreu um acidente de viação que se deveu a culpa deste último porque, seguindo em excesso de velocidade, perdeu o controlo do veículo, que entrou em despiste, embateu num muro e capotou várias vezes;
- A Autora foi projetada do veículo e sofreu múltiplas lesões que lhe determinaram internamento hospitalar, sujeição a intervenções cirúrgicas, longo e difícil período de recuperação, nomeadamente com recurso a dolorosos tratamentos de fisioterapia, esteve limitada na sua autonomia e por isso careceu de auxílio de terceira pessoa;
- A Autora ficou com sequelas, concretamente uma incapacidade permanente geral de 23 pontos, que implica esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional e provável dano futuro, bem como um dano biológico a ressarcir, este no valor de 30.000 €;
- A Autora sofreu dores (quantum doloris de grau 6), angústias e padecimentos de várias índoles, ainda dano estético (grau 3), prejuízo de afirmação pessoal (grau 3) e prejuízo sexual (grau 2), justificando estes danos não patrimoniais uma indemnização no valor de 50.000 €;
- A Autora deixou de receber o salário que perspetivara auferir (no valor de 700 € mensais), estimando, em virtude da IPP de 23 pontos de que ficou portadora e dada a idade que então tinha e a idade média de vida ativa das mulheres (82 anos), o dano patrimonial futuro em 118.875 €;
- Os períodos de incapacidade para o trabalho que para si resultaram do acidente acarretaram-lhe danos patrimoniais relacionados com a impossibilidade de abrir ao público um estabelecimento de café que instalara e cuja abertura estava prevista para poucos dias depois do acidente, obrigando-a a despesas com o salário da mãe (no total de 3.600 €), que no seu lugar se viu na contingência de abrir o estabelecimento;
- Mais teve variadas despesas, nomeadamente com a contratação de pessoa que a auxiliou nas tarefas básicas do dia-a-dia (durante 6 meses a 500 €/mês, no total de 3.000 €), bem como em deslocações para consultas e tratamentos (37,05 € em táxi, 70,03 € em combustível de veículos de amigos e 25,00 € em viatura dos bombeiros), medicamentos (135,10 €), cadeira de rodas e andarilho (76,91 €), canadianas (23,73 €), fisioterapia (5.948 € em clínica), roupa para substituir a que ficou danificada (52,95 €), um tapete para a banheira (5,00 €), fraldas (11,99 €), equipamento para a prática de fisioterapia e hidroginástica (39,49 €);
- Acresce o dano futuro atinente a novas intervenções cirúrgicas de que necessitará, as quais importarão períodos de incapacidade total para o trabalho com inerentes perdas salariais, bem como tratamentos subsequentes, incluindo fisioterapia, assistência médica de várias especialidades e ajudas medicamentosas;
- À data do acidente, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo ..-LI-.. encontrava-se transferida para a Ré seguradora, cujos serviços clínicos acompanharam a Autora, tendo-lhe dado alta clínica em 27-02-2017;
- Em 27-03-2018, a Ré apresentou como proposta de ressarcimento dos danos a quantia de 7.000,00 €, que a Autora entende ser insuficiente em vista dos danos por si sofridos, pelo que é aplicável a taxa de juros no dobro da taxa devida para o caso, por força do estabelecido no art. 38.º, n.º 3, do DL n.º 291/2007.

A R. contestou, alegando, em resumo, que:
- Apesar do contributo do condutor do veículo seguro para a ocorrência do acidente, a maior parte das lesões e sequelas sofridas pela Autora foram resultado da projeção desta para o exterior do veículo por a mesma não se fazer transportar com o cinto de segurança colocado, tanto mais que o único ocupante que seguia com esse cinto colocado apenas sofreu ferimentos ligeiros, enquanto os ocupantes do veículo que, como a Autora, não usavam cinto de segurança foram projetados para o exterior da viatura em despiste e capotamento;
- A Ré garantiu à Autora todos os tratamentos necessários à sua cura clínica, tendo assumido o pagamento integral do acompanhamento clínico e despesas relativas à sua reabilitação;
- A Autora, com a sua conduta omissiva, contribuiu decisivamente para o agravamento das lesões sofridas com o acidente e respetivas sequelas em percentagem correspondente a 75%, tendo a Ré assumido o pagamento correspondente a 25% da indemnização final;
- Não se verificaram todos os factos descritos, em particular no tocante aos danos invocados, sendo ainda excessivos os montantes peticionados;
- A Ré respeitou as regras de conduta impostas às Seguradoras na regularização de sinistros, não sendo devidos juros ao dobro da taxa legalmente aplicável.

Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Foi realizada uma primeira perícia pelo INML e, no seguimento do requerido pela A., uma segunda perícia médico-legal, esta última também pelo INML (mais precisamente, os dois relatórios da perícia de avaliação do dano corporal elaborados e o relatório da perícia psicológica elaborado).

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida a Sentença, cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“(…)
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, tendo em consideração a concorrência de facto culposo da A. para a produção e/ou agravamento dos danos, condena a R. a pagar à A.:
- a quantia de 3.095,60, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros á taxa civil desde a citação até efetivo e integral pagamento;
- a quantia de 12.500,00, a título de indemnização pelo dano biológico, acrescida de juros á taxa civil desde a prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;
- a quantia de 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros á taxa civil desde a prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;
- sanção acobertada pelo DL 291/2007, correspondente aos juros à taxa civil sobre 5.500,00 desde a citação até à data da presente sentença.
O Tribunal absolve a R. do demais peticionado.”

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, recurso a que, por Acórdão da Relação de Lisboa de 15/09/2022, foi concedido parcial provimento e, em consequência:
“(…)
a) revoga-se parcialmente a sentença recorrida:
- na parte em que condenou a Ré no pagamento das quantias de 3.095,60 €, 12.500 € e 15.000 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, pelo dano biológico e por danos não patrimoniais, respetivamente, que ora se substitui, pela decisão de condenação da Ré a pagar à Autora, a esses mesmos respetivos títulos, as quantias de 4.643,34 €, 37.500,00 € e 22.500,00 €;
- na parte em que absolveu a Ré do pedido de condenação no valor a liquidar relativo ao acompanhamento/tratamento médico, ajuda medicamentosa, nomeadamente medicação analgésica, sessões de fisioterapia, até ao final da vida, a custear futuramente pela Autora, decidindo-se, em substituição, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia a liquidar atinente às despesas que esta tiver de suportar no futuro com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia, como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro;
b) mantem-se, quanto ao mais, a sentença recorrida; (…)”

Inconformados, visando a revogação parcial de tal Acórdão da Relação, interpõem agora revista quer a A. quer a R..
A A. visando a revogação do Acórdão proferido “apenas no segmento vertido no ponto VI do respetivo Sumário e pedindo que seja substituído, por decisão que condene a Ré, ora Recorrida, a pagar à Recorrente para além das restantes indemnizações líquidas e ilíquidas, a indemnização de 71.723,45€ por danos patrimoniais futuros (…)”
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(..)
1ª-A ora recorrente não pode conformar-se com o douto acórdão proferido, quanto ao ponto VI do respetivo Sumário, ao decidir, não haver lugar à atribuição de verba indemnizatória a título de danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente, sendo essa a matéria, que delimita o objeto do presente recurso, aceitando a ora recorrente, as restantes decisões do douto arresto;
2ª- Deve antes prevalecer a mui douta posição vertida acerca desta matéria, no douto voto de vencido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3ª-Considera a ora recorrente, que face aos factos em presença quanto a essa especifica matéria, no que concerne quer às objetivas sequelas definitivas das quais a recorrente ficou portadora, quer da atividade que exercia à data do sinistro, resultante da prova documental, pericial e testemunhal, que a decisão de mérito , ao contrário do decidido , deverá, em conformidade com a Jurisprudência maioritária, fixar também a favor da recorrente, uma indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente dos valores indemnizatórios já fixados a outros títulos, por se tratar de um dano autónomo;
4ª- A ora recorrente dá aqui por integralmente reproduzida a matéria de facto dada como assente quanto às lesões corporais e defende que a conjugação lógica e racional, em especial dos pontos 18, 52, 53, 54, 55, 62, 64, 79, 82, 89 e 90 da matéria de facto provada, permite concluir, sem margem para duvidas, pela evidente repercussão das sequelas em causa, na capacidade de ganho da recorrente, o que salvo o devido respeito não é uma alteração dos factos, mas antes uma visão integrada e lógica, facilmente corroborada pelas regras da experiência comum;
5ª- A ora recorrente ficou afetada de um défice funcional permanente de 14,8 pontos, que exigem esforços suplementares, factos mais do que suficientes para contemplar o prejuízo inerente á perda da capacidade de ganho;
6ª-A ratio da lei no âmbito da obrigação de indemnizar , nomeadamente artºs 562 e seguintes do Código Civil e mesmo da Portaria 377/ 2008 de 26.05 e posterior alteração, é a de considerar os danos patrimoniais futuros, sendo certo que uma incapacidade permanente como a da A. se enquadra nessa previsibilidade ;
7ª-A própria Portaria prevê a indemnização mesmo para os lesados que não trabalhem à data do acidente, ou sejam menores, ou estejam desempregados, portanto, por maioria de razão, não será obrigatória a prova invocada no douto acórdão recorrido a este propósito;
8ª-Trata-se de um dano autónomo e indemnizável, quer determine ou acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer apenas implique um esforço acrescido para os mesmos níveis de proventos laborais;
9ª-A ressarcibilidade do dano biológico é sempre como dano autónomo independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias do dano patrimonial u do dano não patrimonial, integrando ainda tal dano a inferiorização de ordem funcional ou perda de capacidades e a potencial perda de oportunidades, a acrescer, para além, do dano não patrimonial;
10ª- Tendo resultado provado que as lesões sofridas pela recorrente e as respetivas sequelas que dai decorreram , levaram-na a deixar de trabalhar na restauração, em virtude da exigência de permanecer por longos períodos em pé, transportar bandejas, a caminhar bastante durante do dia de trabalho , implicando esforços suplementares, tem de entender, por maioria de razão, que aquelas lesões têm efetivo rebate profissional no desempenho da sua atividade, pelo que o respetivo ressarcimento do dano biológico terá sempre de operar em sede patrimonial; E,
11ª- Mesmo, independentemente de não se provar ou não existir qualquer diminuição dos ganhos ou proventos;
12ª- Neste sentido veja-se o douto Ac. do S.T.J. de 26.01.2017. P.1862/13 :
“ Havendo uma incapacidade permanente, mesmo sem rebate profissional , sempre dele resultará uma afectaçao da dimensão anátomo- funcional do lesado , proveniente da alteração morfológica do mesmo causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível das actividades laborais, recreativas, sexuais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução de tais tarefas que de futuro irá levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que radica o arbitramento de uma indemnização. “
13ª- Considerando o défice de 14,8 pontos que acabou por ser fixado, os 23 anos de idade á data do acidente, um salário médio mensal que modestamente se calcula nos 700,00€ mensais, a idade média de vida ativa das mulheres nos 82 anos, deve ser reconhecida à recorrente uma indemnização a este título no valor de 71.723,45€ como se peticionou.
14ª- Com efeito, considera ser esta a correta aplicação do direito e das normas substantivas relativas ao cálculo da indemnização, objeto do presente recurso, dado que o douto acórdão recorrido, não fez a correta avaliação e violou, nomeadamente o disposto no artº 8º , nº 3 do Cod. Civil, artº 562 , artº 564 nºs 1 e 2 todos do Cod, Civil,
15ª-Referenciar ainda o douto Ac. STJ de 22.06.2017, P.104/10.1, que expressamente considera que:
“A atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado “.
16ª-Assim sendo, tendo e conta igualmente o disposto no artº 8 nº 3 do Cod. Civil, o princípio constitucional da igualdade, e ao contrário do decidido, considera a ora recorrente ter direito a ser ressarcida do evidente dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade da qual é portadora, aliás, com evidente previsão de agravamento com o decurso do tempo.
17ª- No sentido de reforçar este direito, retomando a ratio da 5ª Diretiva Automovel releva especialmente a actualização dos capitais mínimos do seguro obrigatório, através de um processo faseado que, atenta a realidade nacional, se pretendeu suave e progressivo, quer seja por um período de transição de cinco anos, quer pelos limites máximos de capital por sinistro. “(Preâmbulo do Dec. Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto).
18ª-A atualização dos capitais mínimos obrigatórios de responsabilidade civil no seguro automóvel em Portugal, tem vindo a ocorrer desde 20.10.2007 , sendo que atualmente e desde 01.06.2017 , em virtude do disposto no artº 12º do Dec. Lei 291/ 2007 de 21 de agosto que estabelece a respetiva revisão de cinco em cinco anos a partir de 01.06.20.12, sob proposta da Comissão Europeia , em função do índice europeu de preços no consumidor, é de 6 070 000,00€ para acidentes com Danos Corporais e 1 220 000 para Danos Materiais.
19ª-No seculo XXI é já altura de prover condignamente pelos direitos dos lesados, motivo da natureza obrigatória do seguro e dos limites mínimos. Numa sociedade em mudança vertiginosa, em que os paradigmas, nomeadamente do mercado de emprego são hoje altamente competitivos, incertos e efémeros.
20ª-O ano de 2020 ficará marcado historicamente pela Pandemia do COVID 19 que veio acrescentar e acelerar fatores de incerteza enormes a nível de emprego, económico e financeiro, quer a nível nacional, quer a nível mundial, reforçando o medo e profundo receio em relação ao futuro que legitimamente se sente, e ainda outra agravante relativa à recente guerra na Ucrânia;
21ª-Se assim é para todos nós, mais ainda, para quem se viu antecipadamente coartado nas suas aptidões e capacidades físicas, emocionais e psicológicas.
22ª-Urge evoluir e de uma vez por todas considerar, sem receios, que as indemnizações devem ser consentâneas com as contingências da vida atual e com os limites mínimos dos capitais dos contratos de seguro obrigatórios, senão qual a finalidade da progressiva atualização? Seguramente para indemnizar convenientemente os lesados, vítimas dos mesmos, de modo que prossigam com a sua vida, com o mínimo de segurança, conforto e ajuda financeira que lhes permita enfrentar o futuro e as adversidades normais da vida.
23ª-O direito à integridade física, o direito á saúde, o direito á realização na vida profissional e pessoal, lúdica, artística, intelectual, enfim o direito a ser feliz, deve ser a razão de ser fundamental na fixação de uma indemnização.
24ª – Em suma: “Considerando-se a força do trabalho um bem patrimonial, tem-se entendido que a incapacidade parcial permanente (IPP) é, consequentemente, um dano de natureza patrimonial; Pelo que a incapacidade permanente (IPP) é, de per si, um dano patrimonial indemnizável (…)”

A R. visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua “substituição por outro que fixe uma indemnização a título de dano biológico de 25.000,00 € e a repartição de responsabilidades de 50%-50%”.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“(…)
1. A Autora inconformada, interpôs Recurso de Apelação quanto:
a. À divisão de responsabilidade e respetiva imputação à própria, na proporção de metade ou seja 50% de culpa, pelos danos por si sofridos;
b. Aos montantes indemnizatórios fixados e danos considerados (impugnação da matéria de facto não provada nas alíneas A, B, C, D, E, F, J, K, L, M, N, O, P, Q, R e S).
2. Na sequência, foi proferido o Acórdão de que se ora Recorre, o qual julgou parcialmente procedente o Recurso interposto pela Autora e decidiu:
3. (…)
4. A Autora continua a relatar um estado lesivo grave, sem correspondência com a realidade (felizmente para a Autora), o que é observado tanto na Sentença como no Acórdão, razão pela qual, não se compreende a decisão do douto Acórdão em:
a. Determinar a existência de despesas futuras com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia
b. Repartição da responsabilidade na proporção 25% para a Autora e 75% para a Ré.
c. Fixação de indemnização de 50.000,00 euros a título de dano biológico.
5. É quanto a estes 3 pontos que a Recorrente ora se insurge, por entendeu que houve por parte do Tribunal a quo erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts. 414.º, 607º nº 5, 608.º nº 2 e 662º do Código de Processo Civil e dos arts. 342º, 483º, 487º, 496º, 499º, 503º, 570º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.
6. O douto Tribunal a quo entendeu revogar a Sentença no que diz respeito, nomeadamente aos factos não provados na alínea K e L, passando os mesmos a integrar os factos provados 100-A e 100-B, tendo em conta a natureza das lesões e sequelas, o depoimento das testemunhas DD e EE (quanto às queixas dolorosas da Autora) e do depoimento do fisioterapeuta FF e do especialista de avaliação do dano corporal GG.
7. Sobre o depoimento das testemunhas [DD e EE] refere o Tribunal de 1ª Instância, na página 25 o seguinte:
(…) “Não se pretende apoucar o sofrimento da A. nem o impacto que a sua convalescença no domicílio teve nos seus familiares próximos e amigos, e que aos olhos daquela e destes teve a dimensão, inevitavelmente subjetiva, que nos transmitiram (cfr. depoimentos da mãe, pai, companheiro da mãe, amiga, e declarações da própria), mas a análise objectiva dos elementos disponíveis revela-nos uma convalescença muito menos drástica do que a narrativa apresentada.
8. Dos Relatórios das perícias médico-legais realizadas no INML não resulta dependências futuras com ajudas médicas e medicamentosas.
9. As Perícias do INML não determinaram a existência de dano futuro.
10. Ao contrário dos pareceres médicos juntos aos autos pela Autora, elaborados a pedido desta.
11. A discrepância entre o Parecer junto com a Petição Inicial sob Documento n.º ...1 (défice funcional permanente de 23 pontos), o Parecer junto pela Autora no requerimento de segunda perícia elaborado pela testemunha Dr. GG (défice funcional permanente de 26 pontos e as perícias do INML (12 pontos e 14,8 pontos) retira credibilidade aos pareceres, bem como ao depoimento de quem os elaborou.
12. A credibilidade das provas e a convicção criada pelo Julgador do Tribunal de 1ª Instância assentam num vasto conjunto de situações circunstanciais fornecidos pela imediação e oralidade do Julgamento.
13. Para além dos testemunhos propriamente ditos, existe a linguagem não verbal (com reações, pausas, dúvidas entre outros), que levaram, o Tribunal de 1ª Instância a valorizar ou a desvalorizar determinados depoimentos (por empolados e subjetivos) e documentos (sem harmonia com as provas periciais), traduzindo-se, in casu, nos factos não provados na alínea K e L, que agora vêm revogados mediante o douto Acórdão.
14. Entende a Recorrente que o douto Acórdão, ao dar como provado os factos 100-A e 100-B interpretou erradamente o disposto nos artigos 607.º nº 5, 414.º, 662.º todos do C.P.C.e oart.342º do Código Civil, pelo queserequer aV.Exas. sedignamrevogar o douto Acórdão, eliminando-se os factos provados 100-A e 100-B passando os mesmos a integrar os factos não provados K e L, e por conseguinte, absolvendo a Recorrente do pagamento de despesas futuras com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia.
15. Caso assim não se entenda, o que se concede por mero dever de patrocínio, sempre deveria o douto Tribunal a quo ter determinado o limite dessas ajudas médicas e medicamentosas a uma consulta médica anual e 10 sessões anuais de fisioterapia, cf. o parecer e depoimento efetuado pelo Dr. GG, bem como ter aplicado a proporção das responsabilidades, conforme disposto nos artigos 342º, 483º, 487º, 496º, 499º, 503º, 570º, 562º, 563º, 564º e 566º do Cód. Civil o que se requer a V. Exas.
16. Discorda também a Recorrente da divisão de responsabilidades na proporção 25% para a Autora e 75% para Recorrente, por violação dos citados normativos, por incorreta aplicação do art. 570.º do Código Civil.
17. Tendo em conta a dinâmica do sinistro dada como provada, bem como as lesões e sequelas de que padeceu a Autora e os factos provados 101 a 106, é inegável que a extensão das lesões sofridas pela Autora se deveu à falta de uso de segurança.
18. Pela não utilização do cinto de segurança, a Autora viu o seu corpo ser projetado dentro do veículo contra os bancos, tejadilho durante o capotamento e posteriormente passar através da janela para fora do veículo, embatendo no solo.
19. Não se desconsidera a jurisprudência citada pelo Douto Acórdão no que diz respeito à culpa do lesado que se faz transportar sem o uso do cinto de segurança, todavia, nos presentes autos, para além do comportamento reprovável da Autora em 1) retirar o cinto de segurança, 2) a Autora aceitou ser transportada no veículo conduzido por quem, claramente se encontrava sob efeito do álcool e de estupefacientes, e por conseguinte, não estava em condições para exercer o ato de condução, e também esse comportamento deve ser valorizado para efeitos do disposto no art. 570.º, n.º 1, do CC.
20. O acidente ocorreu no dia 24 de dezembro de 2015, pelas 3h20m, véspera de Natal e os intervenientes tinham ido sair para festejar.
21. O condutor do veículo seguro, acusou consumo de substâncias psicotrópicas (canabinoides) e álcool.
22. Também a Autora é utilizadora de substâncias psicotrópicas, conforme resulta dos Relatórios Periciais juntos aos autos, concretamente na perícia/avaliação psicológica.
23. O legislador ao impor o uso obrigatório do cinto de segurança, previu a possibilidade de as lesões e sequelas de um acidente se atenuarem ou até anularem; entrar, pois, em consideração com tais omissões é dar efeito útil à lei.
24. Mais do que hipóteses académicas, é possível no presente caso efetuar-se uma análise casuística e comparativa das lesões da Autora (e demais intervenientes sem o cinto de segurança) VS as lesões ligeiras do único ocupantequese fazia transportar com o cinto de segurança - HH- e que teve ferimentos ligeiros, teve alta poucas horas depois de ter sido admitido nas urgências, não foi submetido a nenhuma cirurgia de urgência.
25. A Autora, pelo seu comportamento omissivo, contribuiu, para o agravamento das suas lesões, sequelas e, consequentemente, danos, pelo que entende a Recorrida que a decisão do douto Tribunal a quo, no que diz respeito à divisão de responsabilidade na proporção 25% para a Autora e 75% para a Ré, não efetua uma correta interpretação e aplicação do disposto no art. 570º do Código Civil, devendo ser revogada, mantendo-se a repartição de responsabilidade 50% - 50% decretada em 1ª Instância, alterando-se em conformidade os montantes indemnizatórios fixados, o que se requer a V. Exas.
26. No que diz respeito à fixação do dano biológico, entendeu o douto Tribunal a quo não só aumentar a proporção da responsabilidade a cargo da Recorrente para 75%, como duplicar o valor que havia sido atribuído a este título, passando do montante de 25.000,00 euros para 50.000,00 euros.
27. Numa analise crítica, mas respeitosa, à referida fundamentação jurisprudencial, a ora Recorrente entende que o Acórdão não ponderou casos análogos, mas casos mais gravosos e por isso, não atendeu ao disposto no artigo 8º nº 3 do Código Civil e o princípio da igualdade constitucionalmente garantido (artigos 25º nº 1 da Constituição e artigo 70º do Código Civil e artigo 13º nº 1 e 2 da Constituição).
28. O processo de recuperação da Autora foi muito bem-sucedido, tendo a maioria das fraturas evoluído para cura sem desvalorização, tendo a Autora ficado portadora, em relação às lesões ortopédicas, de um défice funcional de 11 a 12 pontos (2ª perícia e 1ª perícia, respetivamente).
29. A maioria das lesões ortopédicas evoluíram para cura e o défice funcional permanente subiu de 12 pontos para 14,8 pontos, na sequência da atribuição da sequela de stress-pós traumático pelo mínimo (4 pontos), ao arrepio 1) do parecer psicológico (que não estabelece nexo causal entre o evento e o estado atual psicológico da autora em virtude de a mesma fazer uso de canabinóides) e 2) não consta da documentação clínica da Autora qualquer referência à necessidade de consultas em psicologia e psiquiatria; 3) a Autora nunca foi seguida em consultas de psicologia ou psiquiatria, quer pelos serviços da Recorrente, quer a título particular (como o fez quanto às sessões de fisioterapia).
30. Ainda que tenha sido atribuído um défice funcional permanente de 14,8 pontos, não deve o douto Tribunal ignorar as circunstâncias subjacentes a essa desvalorização, devendo as circunstâncias do caso concreto manifestarem-se no quantum indemnizatório e com o devido respeito, andou mal o douto Tribunal a quo ao socorrer-se de jurisprudência onde o défice funcional permanente atribuído é de 16 pontos.
31. Face às lesões e sequelas que a Autora ficou a padecer, os valores peticionados pela mesma são desajustados e sem correspondência na jurisprudência citada na Contestação e Contra Alegações e entende a Recorrente que o valor fixado pelo douto Tribunal a quo, é injusto. (…)”

A R. seguradora respondeu ainda ao recurso da A., sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma substantiva ao não atribuir à A. qualquer indemnização por danos patrimoniais futuros.
E a A. respondeu ao recurso da R., limitando-se a dizer que o mesmo não é de admitir.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

II – Fundamentação de Facto
Factos Provados[1]
1 - No dia 24 de dezembro de 2015, pelas 3h20m, ao km 0,1 da Autoestrada n.º ... [...], no Concelho ..., ocorreu um acidente de viação, em que foi interveniente o veículo de matrícula ..-LI-.., propriedade de BB, e conduzido por CC.
2 - No sentido em que seguia o veículo ..-LI-.., a ... e a Avenida que a antecede têm três vias de circulação, passando nessa zona a ... a ter 4 vias de circulação.
3 - O veículo de matrícula ..-LI-.. circulava na via de circulação central da Av. ..., comummente designada por ..., em direção à ..., a qual se inicia como continuação natural daquela Avenida.
4 - Por alturas de ter passado a circular na ... (sentido Sul / Norte) o condutor do ..-LI-.. repentinamente mudou para a via de circulação à esquerda e com essa manobra perdeu o controlo do veículo.
5 - Embateu ligeiramente no separador central e entrou em despiste para a sua direita.
6 - Indo embater no lancil existente à direita, o qual delimita e separa a via de acesso à ... provinda da Avenida ....
7 - Nesse embate o ..-LI-.. perdeu duas rodas e prosseguiu em despiste.
8 - Galgou o talude que ali se encontra à direita, junto ao atual ... [onde anteriormente se encontrava instalado o ... de .../..., continuando a ser assim conhecido].
9 - Capotou diversas vezes até que se imobilizou mais adiante na 2.ª via da direita (em zona em que a AE 1 já apresenta 4 vias de circulação).
10 - Tendo ficado imobilizado a 87 metros do lancil em que anteriormente embatera.
11 - O veículo de matrícula ..-LI-.. circulava a velocidade que em concreto não foi possível apurar, mas superior a 120 Kms/hora.
12 - No local do acidente existe sinalização vertical que proíbe a circulação a velocidade superior a 80 Kms/hora.
13 - O condutor do veículo ..-LI-.. submetido a exames toxicológicos, mediante de recolha de amostra de sangue, revelou encontrar-se sob o efeito de substâncias psicotrópicas.
14 - A Autora seguia como passageira no ..-LI-.., sentada no banco traseiro atrás do condutor.
15 - Em consequência dos vários capotamentos, a ora Autora foi projetada do interior do veículo.
16 - A Autora ficou prostrada na faixa de rodagem, cerca de 3,20m à frente do local onde o veículo se imobilizou.
17 - À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-LI-.. encontrava-se transferida para a R. “N Seguros, S.A.” através de contrato de seguro do Ramo Automóvel titulado pela apólice n.º ...00.
18 - Em consequência do acidente, a Autora sofreu lesões, foi assistida no local pela equipa médica do INEM, imobilizada em plano duro, foi-lhe colocado colar cervical, e foi transportada de ambulância para o Hospital ....
19 - Às 05h10 do dia 24-12-2015 a Autora deu entrada no serviço de urgências do Hospital ... politraumatizada e no sentido de serem determinadas as lesões sofridas e extensão das mesmas foi a Autora submetida a múltiplos exames complementares de diagnóstico.
20 - Foi-lhe diagnosticado:
- traumatismo craneo-encefálico (TCE) com perda de conhecimento, sem alterações identificáveis na TAC craneo-encefálica,
- traumatismo ocular, com derrame,
- traumatismo da coluna lombo-sagrada, com fatura das apófises transversas esquerdas de L3, L4 e L5,
- fratura das apófises espinhosas de L3 e L4,
- fratura cominutiva da diáfise do úmero esquerdo, - fratura de ambas as clavículas,
- fratura dos 4.º, 5.º e 6.º arcos costais direitos
- fratura cominutiva da asa do sacro direito,
- luxação anterior da coxo-femural direita com fratura do pilar anterior do acetábulo, - hematoma do pé esquerdo
- hematoma pélvico extra peritoneal e pré-sagrado,
- fratura do maléolo peronial da tibiotársica á esquerda,
- pequenos focos de contusão pulmonar nos lobos superiores.
21 - No contexto de urgência a Autora foi submetida a intervenção para redução da luxação anterior da coxo-femural direita com fratura do pilar anterior do acetábulo, para estabilização da bacia e do fémur.
22 - Após recobro foi transferida para o Serviço de Medicina Intensiva, onde esteve internada até 28-12-2015.
23 - Nesse período de internamento foram-lhe administrados diversos fármacos, foi-lhe colocado dispositivo anti-rotatório do membro inferior direito, realizada imobilização gessada braquiplamar do membro superior esquerdo e imobilizado o membro inferior esquerdo com tala gessada.
24 - No dia 28 de dezembro a Autora foi transferida para o Hospital ..., unidade hospitalar da área de residência, tendo ficado internada no Serviço de Unidade de Cuidados Intensivos.
25 - No Hospital ..., foi submetida a intervenção cirúrgica com redução e osteossíntese à fratura proximal do úmero esquerdo, à fratura da clavícula direita e à fratura do maléolo peroneal da tibiotársica esquerda.
26 - O pós-operatório decorreu sem complicações e a Autora foi transferida para o serviço de ortopedia.
27 - Durante o internamento no Hospital ... a Autora realizou tratamentos de medicina física e de reabilitação, tendo iniciado deambulação em 26-01-2016, fazendo percursos curtos com apoio de andarilho.
28 - No dia 29 de janeiro de 2016, a Autora teve alta hospitalar, com indicação de recolher ao domicílio e referenciada para a consulta externa.
29 - À data da alta hospitalar a Autora já não tinha imobilização gessada, apresentava dores mínimas, mobilidade razoável, com capacidade de marcha.
30 - Foi-lhe recomendada a manutenção da marcha com apoio de canadianas, e o uso de analgésicos em SOS.
31 - No regresso a casa após a alta hospitalar a Autora sentia limitações para tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, confecionar refeições.
32 - Por isso a Autora necessitou do auxílio de terceira pessoa por cerca de 2 meses.
33 - Essa ajuda foi-lhe prestada pela mãe, com a qual vivia, e por algumas pessoas a quem a mãe pediu esse apoio quando não podia prestá-lo.
34 - Desde a alta hospitalar a Autora fez marcha com apoio de andarilho durante cerca de 2 meses e com canadianas até junho de 2016.
35 - Logo após a alta hospitalar a Autora passou a realizar tratamentos de fisioterapia ministrados pela Clínica ..., cuja fisiatra, Dr.ª II, em 01-02-2016, prescreveu tratamentos diários de fisioterapia no domicílio, em sessões de duas horas, por período não inferior a 6 meses, inicialmente prescrevendo 25 sessões domiciliárias, e entendeu ser necessário cuidador permanente no domicílio e ajudas técnicas, nomeadamente cama articulada, cadeira de rodas, cadeira de banho, elevador de tampa de sanita e andarilho.
36 - A Autora submeteu-se no seu domicílio a 24 sessões diárias de fisioterapia, com a duração de duas horas, consistindo as mesmas sobretudo em mobilização articular passiva, fortalecimento muscular e treino de equilíbrio e marcha.
37 - A Autora foi novamente observada pela Dr.ª II, no dia 25 de fevereiro de 2016, que lhe prescreveu a realização de mais 20 sessões, a que a Autora se submeteu já na clínica.
38 - A Autora manteve seguimento no Hospital ..., em consulta e em tratamentos de hidroterapia.
39 - A partir de 01-03-2016 a Autora passou a ser seguida pelos serviços clínicos da Ré Seguradora nas especialidades de orto-traumatologia, medicina interna, neurocirurgia, oftalmologia, otorrinolaringologia, fisiatria, ginecologia, e consulta de dano.
40 - No dia 1 de março de 2016, a Autora foi observada na especialidade de ortopedia e traumatologia pelos serviços clínicos da Ré no Hospital ....
41 - Na referida unidade hospitalar, foi submetida a diversos exames complementares de diagnóstico, nomeadamente RXs e ecografias.
42 - Os serviços clínicos da Ré prescreveram-lhe tratamentos de reabilitação, designadamente fisioterapia e hidroterapia, pelo menos 70 sessões, que a Autora realizou em clínicas e piscina convencionadas com a mesma.
43 - Além dos tratamentos efetuados nas clínicas convencionadas com a Ré, a Autora continuou a ser acompanhada com o conhecimento da Ré pela Médica Fisiatra Dr.ª II, na Clínica ....
44 - No dia 31 de março de 2016, a Dr.ª II, prescreveu à Autora a realização de mais 20 sessões de fisioterapia, a que a mesma se submeteu na clínica.
45 - No dia 27-06-2016, a Dr.ª II prescreveu à Autora a realização de mais 15 sessões de fisioterapia, a que a mesma se submeteu na clínica.
46 - No dia 1 de fevereiro de 2017 a Autora foi operada em regime de ambulatório, com alta hospitalar no próprio dia, no Hospital ..., para extração de material de osteossíntese na clavícula direita e no maléolo externo esquerdo.
47 - A Autora teve alta com bom prognóstico, com indicação para seguimento em consulta, para efetuar mudança de penso duas vezes por semana e retirar os pontos aproximadamente em 12 dias, com prescrição de analgésicos em caso de SOS.
48 - A Autora efetuou mudanças de pensos nos dias 9 e 13 de fevereiro de 2017 na UCSP da ..., e nessa última data foram removidos os pontos.
49 - No seguimento da intervenção cirúrgica a Autora foi seguida em ambulatório no Hospital ..., pelo ortopedista Dr. JJ.
50 - Em consequência do acidente a Autora teve com intercorrência uma “alopecia areata" pós-traumática e um quadro de cefaleias e síndrome vertiginoso.
51 - No dia 27 de fevereiro de 2017, a Autora foi observada pelos serviços clínicos da Ré, tendo-lhe sido dada alta definitiva.
52 - Em consequência do acidente a Autora apresenta:
- No crânio, cicatriz hipocrómica, linear, no terço posterior esquerdo da região parietal, horizontal, com 2,5 cm de comprimento;
- No tórax, cicatriz acastanhada, linear, abrangendo a face anterior do ombro direito, estendendo-se até à face anterior do terço superior do tórax, oblíquo para baixo e para a esquerda, com 12 cm de comprimento;
- No membro superior direito, várias cicatrizes ligeiramente hipocrómicas, pouco visíveis, no dorso da mão, ocupando no conjunto uma área de 5x1,5cm; área ligeiramente hipocrómica, arredondada, mediando 1cm de diâmetro;
- No membro superior esquerdo, três cicatrizes acastanhadas, lineares, com vestígios de sutura, a primeira localizada à extremidade externa do ombro, horizontal, com 3 cm de comprimento, a segunda na face anterior do terço superior do braço, vertical, com 2 cm de comprimento, e a terceira na face anterior do terço inferior do braço, com 3 cm de comprimento;
- No membro inferior esquerdo, cicatriz nacarada, linear, na face externa do tornozelo, vertical, com 8 cm de comprimento.
53 - Em consequência do acidente a Autora mantém dores na coluna dorso-lombar que lhe causam algumas dificuldades na vida sexual.
54 - E tem também dores na lombo-sagrada que se agravam com os esforços e mudanças climatéricas.
55 - As dores que sente agravam-se para o final do dia, após o dia de trabalho.
56 - A consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora em resultado do acidente é fixável em 27-02-2017.
57 - A Autora teve défice funcional temporário total de 216 dias, entre 24-12-2015 e 26-07-2016.
58 - A Autora teve défice funcional temporário parcial de 216 dias entre 27-07-2016 e 27-02-2017.
59 - A Autora sofreu período de repercussão temporária na atividade profissional total de 24-12-2015 a 26-07-2016, num total de 216 dias.
60 - A Autora sofreu período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 27-07-2016 a 27-02-2017, num total de 216 dias.
61 - A Autora sofreu um quantum doloris de grau 5 numa escala crescente de 7.
62 - A Autora está afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos.
63 - O Autora sofre um dano estético permanente de grau 3 numa escala crescente de 7.
64 - As lesões sofridas e as sequelas que a Autora apresenta são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares.
65 - A Autora nasceu a .../.../1992.
66 - A Autora tinha regressado a Portugal em novembro de 2015, depois de ter estado dois anos a trabalhar em ..., no ramo da restauração, como empregada de mesa.
67 - O regresso a Portugal deveu-se ao facto de a Autora pretender ajudar a sua mãe a abrir um negócio no ramo da restauração, nomeadamente um café.
68 - Em transporte de táxi a consultas e tratamentos, a Autora despendeu pelo menos o valor de 37,05 €.
69 - Para deslocações a consultas e tratamentos, a Autora teve de recorrer algumas vezes a transporte de familiares, tendo para o efeito pago o valor do combustível, num total de 70,03 €.
70 - No dia da alta hospitalar do Hospital ..., 29 de janeiro de 2016, a Autora foi transportada pelos Bombeiros da ... para a sua residência, tendo despendido o valor 25,00 €.
71 - Em consequência das lesões e sequelas decorrentes do acidente, a Autora despendeu em medicamentos o valor de 99,60 €.
72 - A Autora despendeu em tratamentos e consultas na Clínica ... o valor total de 5.948,00 €, do qual o montante de 128,00 € respeita a 4 sessões de fisioterapia realizados na clínica em agosto e setembro de 2017 sem prescrição da médica Fisiatra.
73 - Em aluguer de andarilho, nos meses de janeiro e fevereiro de 2016, a Autora despendeu o valor de 28,26 €.
74 - Com o aluguer de umas canadianas, a Autora despendeu o valor de 23,73 €.
75 - Na compra de roupa, para substituir a que ficou danificada em consequência do acidente, a Autora despendeu o valor de 42,96 €.
76 - Na compra de um tapete para a banheira, a Autora despendeu o valor de 5,00 €.
76-A – Após a alta hospitalar (referida em 28) e durante não mais de 20 dias, a condição física da A. determinou o uso de fraldas durante o período da noite.
77 - Na compra de material desportivo para fazer fisioterapia e hidroterapia, a Autora despendeu o valor de 39,49 €.
78 - A Autora era uma pessoa ativa, dinâmica, sem qualquer limitação física.
79 - Em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas de que ficou portadora, a sua vida alterou-se profissional, pessoal e socialmente.
80 - A Autora passou a ser uma pessoa mais reservada, deixando de se expor tanto publicamente como antes fazia, evitando ir a festas e convívios.
81 - Antes do acidente, a Autora gostava de sair à noite com os amigos, ir a discotecas e dançar, o que deixou de fazer pelo facto de não conseguir dançar muito tempo pelas dores que começa a sentir.
82 - Não consegue estar longos períodos de pé, tendo de se sentar para poder descansar. 83 - A Autora anteriormente ao acidente não tinha qualquer cicatriz no corpo.
84 - As cicatrizes que hoje tem desgostam-na.
85 - Por não gostar de mostrar as cicatrizes e por se sentir observada, a Autora evita ir à praia para não ter de expor o corpo.
86 - Usa sempre calças, para não exibir a cicatriz que apresenta na perna esquerda, ao nível do tornozelo.
87 - Usa sempre roupa com mangas para não mostrar a cicatriz que apresenta na zona do úmero e a na zona da clavícula.
88 - A Autora anteriormente ao acidente gostava de andar de saia e saltos altos, o que deixou de fazer por causa da cicatriz no tornozelo.
89 - A atividade da restauração exige a permanência por longos períodos de pé, o transporte de bandejas, e que se caminhe bastante.
90 - A Autora deixou de trabalhar na restauração, tendo passado a trabalhar numa loja de roupa.
91 - A Autora sente-se limitada fisicamente, o que lhe causa revolta, amargura, tristeza, ansiedade.
92 - As três intervenções cirúrgicas a que se submeteu causaram à Autora receio e ansiedade quanto à sua recuperação.
93 - Durante o internamento hospitalar, nos pós-operatórios e em muitos tratamentos de fisioterapia, a Autora teve muitas dores.
94 - Para a recuperação das lesões e sequelas resultantes do acidente a Autora realizou 149 sessões de tratamentos de fisioterapia e hidroginástica.
95 - A Autora deslocou-se a 22 consultas no Hospital ... em ..., para ser acompanhada pelos serviços clínicos da Ré.
96 - As deslocações para tratamentos e consultas, inclusive nos serviços clínicos da Ré, implicaram para a Autora muitos incómodos e aborrecimentos.
97 - E enquanto precisou de auxílio de terceiros para realizar tarefas básicas da sua vida diária, tais como tomar banho e restante higiene pessoal, sentiu-se totalmente dependente e sem qualquer autonomia.
98 - Em 27-02-2017 a Autora foi submetida a uma avaliação de dano corporal pelos serviços clínicos da Ré, cujo Relatório data de 16-03-2017, tendo-lhe sido atribuída uma Incapacidade Permanente Geral de 12 pontos, o “quantum doloris" de grau 5 e Dano Estético de grau 3.
99 - Em 23-02-2016 a Ré enviou à Autora carta pela qual lhe comunicava ter apurado no âmbito da averiguação do acidente que a mesma não levava cinto de segurança colocado, o que não é imputável ao condutor do veículo, estando na origem da projeção para o exterior do veículo e sendo causa do agravamento dos danos, pelo que concluía por uma repartição de responsabilidade de 25% para o condutor e de 75% para a Autora sinistrada. Mais a informando de que, a título excecional, assumiria a 100% a assistência médica e todos os tratamentos necessários para garantir a total recuperação.
100 - E em 27-03-2018 a Ré apresentou à Autora como proposta de ressarcimento dos danos a quantia de 7.000,00 €, já deduzidos os montantes relacionados com o acidente e entretanto liquidados pela Ré.
100-A – A A. necessitará no futuro de ajuda médica e medicamentosa.
100-B – A A. terá ainda de realizar sessões anuais de fisioterapia, como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o m                              agravamento futuro.
101 - Aquando do acidente a Autora seguia do lado esquerdo do banco traseiro do veículo ..-LI-.. sem cinto de segurança colocado, por o ter tirado para aceder ao telemóvel.
102 - Dos quatro ocupantes do veículo ..-LI-.. apenas o passageiro que seguia no banco dianteiro ao lado do condutor, seguia com cinto de segurança colocado.
103 - A Autora, a outra passageira que seguia junto dela no banco traseiro, e o condutor do veículo ..-LI-.. foram projetados para o exterior do veículo durante o acidente e os três ficaram politraumatizados.
104 - O passageiro que seguia no banco dianteiro ao lado do condutor com cinto de segurança colocado, permaneceu no interior do veículo durante o acidente.
105 - Quando o veículo se imobilizou saiu dele pelo seu pé.
106 - Ficou com ferimento ligeiros e após observação hospitalar teve alta no dia seguinte.
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III – Fundamentação de Direito
A presente ação, efetuando um brevíssimo e “tabelar” enquadramento jurídico, funda-se nas regras da responsabilidade civil e, em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.
Competia pois à A. alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (cfr. 483º e ss. do C. C.), ónus que o Acórdão recorrido considerou cumprido, pelo menos parcialmente, a ponto das presentes revistas, como resulta do relato/transcrição das respetivas conclusões, se centrar sobre os montantes indemnizatórios, pretendendo a A. que lhe seja também concedida indemnização pelo dano patrimonial futuro e pretendendo a R., ao invés, que sejam reduzidos os montantes indemnizatórios que foram concedidos.
Mais concretamente, resumindo e recapitulando o que foi pedido e o que foi sendo concedido/decidido, temos:
Solicitou a A. a condenação da R. seguradora no pagamento:
- de € 118.875,00, como indemnização pelo dano patrimonial futuro;
 - de € 30.000,00, como indemnização pelo dano biológico;
- de € 13.025,25, como indemnização por outros e diversos danos patrimoniais;
 - de € 50.000,00, como compensação por danos não patrimoniais; e
 - do valor, a liquidar, para futuramente e até ao final da vida custear intervenções cirúrgicas, acompanhamento/tratamento médico, ajuda medicamentosa, nomeadamente medicação analgésica e sessões de fisioterapia.
Tendo-lhe a 1.ª Instância estabelecido como montantes indemnizatórios:
- € 25.000,00, pelo dano biológico (fazendo relevar também nesta sede indemnizatória o que a A. havia invocado tendo em vista a indemnização pelo chamado dano patrimonial futuro, para o qual, consequentemente, não fixou qualquer montante indemnizatório);
- € 6.191,20, como indemnização por outros e diversos danos patrimoniais; e
 - € 30.000,00, de compensação por danos não patrimoniais.
Concedendo à A., “tendo em consideração a concorrência de facto culposo da A. para a produção e/ou agravamento dos danos”, que fixou em 50%, indemnizações correspondentes a metade de tais montantes, ou seja, de 12.500,00, de € 3.095,60 e de € 15.000,00, respetivamente; absolvendo a R. do pedido de condenação no valor a liquidar relativo ao acompanhamento/tratamento médico, ajuda medicamentosa e sessões de fisioterapia.
Tendo o Acórdão recorrido – na sequência da apelação da A. – mantido os montantes indemnizatórios respeitantes aos “outros e diversos danos patrimoniais” (€ 6.191,20) e aos danos não patrimoniais (€ 30.000,00) fixados pela 1.ª Instância e incrementado para € 50.000,00 o montante indemnizatório pelo dano biológico (mantendo o entendimento de fazer relevar também e apenas nesta sede indemnizatória o que a A. havia invocado tendo em vista a indemnização pelo chamado dano patrimonial futuro, para o qual, consequentemente, manteve a não atribuição/fixação de qualquer montante indemnizatório), porém, considerando/decidindo que o facto culposo da A. concorreu para o agravamento dos danos em apenas 25%, concedeu à A. indemnizações correspondentes a 75% de tais montantes, ou seja, de € 37.500,00, de € 4.643,34 e de € 22.500,00 €; e, além disto, revogando/substituindo o decidido em 1.ª Instância, concedeu à Autora quantia/indemnização a liquidar atinente às despesas que esta tiver de suportar no futuro com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia, como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro.
Daí que:
A A., como explicitamente refere na sua conclusão 1.ª, venha tão só recorrer do decidido sobre “não haver lugar à atribuição de verba indemnizatória a título de danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente, aceitando as restantes decisões do douto arresto”; e
A R., como também explicitamente refere na sua conclusão 4.ª, venha tão só recorrer do incremento (de € 25.000,00 para € 50.000,00) da indemnização pelo dano biológico, da diminuição (de 50% para 25%) da concorrência do facto culposo da A. para o agravamento dos danos e da quantia/indemnização a liquidar concedida à A..
Podemos pois dizer que a revista da A. coloca uma única questão e que a revista da R. coloca três questões, mas, globalmente, acabam verdadeiramente por ser apenas três as questões que estão colocadas, uma vez que a questão da indemnização pelo chamado dano patrimonial futuro (colocada pela A.) e a questão do montante da indemnização pelo chamado dano biológico (colocada pela R,) são dois aspetos e faces da mesma questão jurídica.
Explicitado o objeto das revistas, debrucemo-nos sobre as questões nas mesmas suscitadas[2].
Quanto à indemnização pelo chamado dano patrimonial futuro (colocada pela A.) e quanto ao montante da indemnização pelo chamado dano biológico (colocada pela R.):
Concorda-se, impõe-se começar por referi-lo, com a posição que fez vencimento no Acórdão recorrido: tendo a lesada ficado afetada “apenas” com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, não há lugar à atribuição de indemnização a título de danos patrimoniais futuros mas tão só à atribuição de indemnização a título de dano biológico.
Trata-se de posição/entendimento que, num idêntico contexto recursivo, já expusemos no Acórdão deste STJ de 30/11/2021 (proferido no processo 1544/16.8T8ALM.L1.S1, disponível in ITIJ), em que, inter alia, referimos o seguinte:
“(…)
E o primeiro tema a dilucidar tem a ver com a circunstância da A. pretender ao longo de todo o processo – quer na PI, quer na apelação, quer agora na revista – que lhe seja concedido um montante indemnizatório a título de perda futura de capacidade de ganho e um outro montante indemnizatório a título de dano biológico, quando o Acórdão recorrido apenas lhe concedeu um montante indemnizatório a título de indemnização por dano biológico.
Hoje – antes mesmo do preambulo da Portaria 377/2008, de 26-05, vir falar em “dano biológico”[3] – fala-se em “dano biológico” para aludir à lesão causada ao corpo e à saúde do lesado, à lesão causada à integridade física e psíquica que a todos assiste; e reconhece-se que o dano causado por tal lesão merece ser reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho.
Acrescentando-se, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos – pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional, tenha ou não havido qualquer rebate anátomo-funcional.
Porém, também se refere e avisa, que há que evitar “super-equações” de danos (com indemnizações em duplicado ou em triplicado), importando não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vetores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade”[4].
Tradicionalmente, a análise dualista – patrimonial / não patrimonial – sempre abarcou todo o campo da discussão que os danos corporais comportavam, situando-se toda a discussão em volta da parametrização ressarcitória de tal tipo de danos e da autonomização de um ou outro parâmetro de avaliação, sempre inserido num dos termos da referida dualidade; e, agora, ainda que se erija em categoria autónoma de dano o que (dano biológico), antes, não passava dum parâmetro de avaliação doutro dano, importa que avaliação global não dê lugar a duplicações.
Daí que, após um momento inicial – em que alguns chegaram a admitir que o “dano biológico” seria um “tertium genus”, com um lugar próprio que não caberia no clássico dualismo patrimonial/não patrimonial – se tenha passado a entender que o mesmo (autónomo ou não) cabe em tal dualismo, sem prejuízo de poder ter uma vertente patrimonial e uma vertente não patrimonial[5], sendo que, quando está em causa e se pretende indemnizar o dano causado por uma incapacidade permanente geral (que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, mas que não se repercute numa perda da capacidade de ganho), se está perante a vertente patrimonial do “dano biológico (…)”.
Em síntese, a lesão do direito ao corpo e à saúde é, enquanto dano autónomo, fonte de obrigação de indemnização, a suportar pelo autor do facto ilícito e em benefício de quem viu a sua integridade corporal beliscada, independentemente de quaisquer consequências pecuniárias ou atuais repercussões patrimoniais de qualquer natureza, mas a sua avaliação tem que ser acompanhada duma correta delimitação de realidades e conceitos, para que não haja sobreposições.
E é justamente por isto – estando “apenas” provado (pontos 62 e 64) que a A. “está afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos” e que “tais lesões e as sequelas que a A. apresenta são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares”, e não estando provada qualquer concreta perda da capacidade de ganho – que aquilo que a A./recorrente pretende ver indemnizado a título de perda futura de capacidade de ganho (agora, com a quantia de € 71.723,45€) só possa ser indemnizado, como foi, como dano biológico[6].
Daí que tenhamos começado por dizer que a questão da indemnização pelo chamado dano patrimonial futuro (colocada pela A.) e a questão do montante da indemnização pelo chamado dano biológico (colocada pela R,) são dois aspetos e faces da mesma questão jurídica, uma vez que do que se trata é da correta e devida configuração jurídica dos danos sofridos pela A.: de indemnizar todos os danos que sejam de indemnizar, mas evitando “super-equações” de danos (com indemnizações em duplicado ou em triplicado).
Como foi feito pelo entendimento que fez vencimento no Acórdão recorrido, do que se trata é de calcular/fixar o montante indemnizatório que há de reparar a IPG (também chamado de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) de 14,8 pontos de que a A. ficou a padecer.
E temos, como único critério legal para a sua fixação – nunca é demais enfatizá-lo, para que não paire a menor dúvida – tão só a equidade (cfr. art. 566.º/3 do C. Civil).
O que não significa que em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital que se vai diluir ao longo de vários anos – se rejeite a ajuda da lógica matemática; que não se usem, como auxiliar, como instrumento de trabalho, fórmulas matemáticas, que podem ter o mérito de impedir involuntárias discricionariedades e subjetivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.
Foi exatamente isto que foi feito no Acórdão recorrido, para o que se expendeu:
“ (…) Importa proceder então ao cálculo do valor indemnizatório do dano biológico que emerge dos factos provados (em particular os descritos nos pontos 62., 64., 81. e 82.), para o que nos iremos socorrer, como mero ponto de partida, dos critérios objetivos considerados na Tabela do anexo IV da referida Portaria (idade do lesado e n.º de pontos), a qual prevê, para uma desvalorização entre 11 a 15 pontos e uma lesada com idade entre os 21 e os 25 anos, os valores de 1349,19 a 1395,36 por ponto; multiplicando tais valores por 14,8 pontos, obtém-se uma indemnização daquele dano na ordem dos 19.968,01 € € a 20.651,33 €.
Tendo presente que os valores da Portaria foram fixados com referência à remuneração mínima mensal garantida (RMMG) em 2007, referindo-se mesmo que “(A) indemnização pelo dano biológico é calculada segundo a idade e o grau de desvalorização, apurado este pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e com referência inicial ao valor da RMMG (retribuição mínima mensal garantida”) que, na altura, era de 403,00 € (cf. nota 1 ao anexo IV), impõe-se, por mais justo e equilibrado, atender à remuneração base média nacional na data mais recente que pode ser considerada - cf. artigos 566.º, n.º 2, do CC e 611.º, n.º 1, do CPC -, que, face aos dados atualmente disponíveis, é de 1.042,0 € (informação disponível em https://www.pordata.pt), o que, observando uma regra matemática de três simples, dá um valor compensatório entre 51.629,46 € e 53.396,24 €. (…)”
Pelo que, tendo em consideração a jurisprudência dos nossos Tribunais, em particular a emanada deste STJ, considerou o Acórdão recorrido equitativamente ajustado fixar a indemnização do dano biológico em € 50.000,00.
Fixação – uso da equidade – de que não vemos razões para divergir.
É certo que estamos “apenas” perante uma IPG – compatível com o exercício da sua profissão, exigindo “esforços acrescidos no exercício da sua atividade profissional” – e não perante uma incapacidade com repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho da A/lesada, todavia, num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[7] – não podemos deixar de reputar como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, não perdendo também de vista que, além do esforço acrescido, poderá estar em causa a privação de oportunidades profissionais futuras, que a indemnização por tal dano biológico haja sido fixada em € 50.000,00.
Para o que se acrescenta (contra uma possível compressão do valor a que se chegou por aplicação da fórmula matemática / tabela do anexo IV da referida Portaria):
 - que – tendo o acidente ocorrido em 24/12/2015, constando do segmento decisório da sentença da 1.ª Instância, proferida em 23/01/2022, que os juros sobre a indemnização pelo dano biológico se contam desde a prolação de tal sentença (isto é, desde 23/01/2022) e confirmando o Acórdão recorrido tal modo de contar os juros – o montante indemnizatório do dano biológico sofrido pela A. não pode deixar de retratar a atualização que implicitamente acabou por ser feita (pelo que bem andou o Acórdão recorrido ao utilizar no cálculo a remuneração base média nacional na data mais recente); e
 - que o montante indemnizatório a que se chegou está de acordo como o modo como este STJ vem perspetivando e indemnizando os danos que dão tão só lugar a uma incapacidade permanente geral, conforme resulta dos seguintes Acórdãos (todos disponíveis in ITIJ):
Acórdão de 19/02/2015 (relator Oliveira Vasconcelos)
Tendo resultado provado que a IPP de 12 pontos que o autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, e não estando provado que esse défice tenha reduzido a sua capacidade de ganho em 12%, nenhuma relevância tem, para a fixação da indemnização, o montante da sua retribuição profissional, posto que o que está em causa não é essa específica atividade, mas antes a sua atividade em geral.
Resultando dos autos apenas que em virtude das sequelas das lesões provocadas no acidente o autor passou a ter que empregar “esforços suplementares”, resta recorrer à equidade para determinar o quantum indemnizatório – art. 566.º, n.º 3, do CC, afigurando-se adequado o montante fixado pela Relação de € 25.000.
Acórdão de 06/12/2011 (relator Lopes do Rego)
A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado – consubstanciado em relevantes limitações funcionais, inelutavelmente decorrentes das lesões físicas causadas e manifestamente impeditivas ou limitativas do direito de trabalhar e prover à sua própria subsistência – deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletido numa perda atual de rendimentos profissionais, da relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de mudança ou reconversão de emprego – e, portanto, do leque de oportunidades profissionais à sua disposição - bem como da acrescida penosidade e esforço no futuro e eventual exercício de qualquer atividade corrente.
Deverá tal compensação do dano biológico, a fixar com apelo a juízos de equidade, ter em consideração, quer a perda inelutável de potencialidades laborais decorrentes do grau de incapacidade permanente parcial apurado, quer o longo período de incapacidade temporária absoluta imediatamente posterior ao acidente, apesar de, à data deste, o lesado não exercer atividade profissional remunerada - tendo, porém, ( ponderada a sua idade -32 anos - e os projetos e intenções de vida, documentados na factualidade apurada) uma efetiva potencialidade laboral, drasticamente afetada pelas sequelas do sinistro.
Acórdão de 04/06/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza)
Tendo ficado provado que as sequelas decorrentes de um acidente ocorrido em 2005 determinaram para a autora, então com 17 anos de idade, uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 16,9 pontos – e, por isso, com efetiva repercussão na atividade laboral –, nada há a censurar à utilização de tabelas e à introdução das correções habitualmente citadas na jurisprudência, nem ao recurso ao valor de € 800,00 ilíquido auferido pela lesada a título de salário, a partir de 2013, para fixar o valor da indemnização devida em € 55 000,00, como decidiu a Relação.
Acórdão de 26/01/2021 (relator Fernando Samões)
O juízo de equidade de que se socorrem as instâncias para a fixação de indemnizações por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais, alicerçado na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, quando o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, como o presente, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais nos termos referidos.
Acórdão de 29-10-2019 (relator Henrique Araújo)
Ao dano biológico não pode ser conferida autonomia enquanto tertium genus e, por essa razão, todas as variantes do dano-consequência terão de traduzir-se sempre num dano patrimonial e/ou num dano não patrimonial.
Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.
Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de € 36 000,00 para indemnizar tal dano futuro.
Acórdão de 05/12/2017 (relatora Ana Paula Boularot)
O dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.
Acórdão de 19/04/2018 (relator António Joaquim Piçarra)
A lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária.
A vertente patrimonial do dano biológico tem como base e fundamento a substancial e relevante restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de uma futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pela lesada, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente a vai afectar.
Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objectivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade.
No cálculo do dano patrimonial futuro, deverá ser ponderada a incapacidade da lesada para exercer a profissão habitual bem como a impossibilidade de, na prática, obter um novo emprego, apesar de as limitações funcionais sofridas, em consequência do acidente, não serem impeditivas de exercer uma outra actividade.
Essa impossibilidade, no caso concerto, advém do previsível agravamento do seu estado de saúde e necessários tratamentos, mas também da ausência de formação profissional, de competências laborais, da idade, das exigências e dificuldades do mercado de trabalho, que inviabilizam, na prática, a empregabilidade da lesada.
Acórdão de 06-12-2017 (relator Manuel Tomé Gomes)
O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis
Um défice funcional genérico permanente de 25,6%, apesar de não representar incapacidade para o exercício da atividade profissional habitual do lesado mas apenas um esforço acrescido nesse exercício, não pode deixar de traduzir, ainda assim, redução na sua capacidade económica geral na medida em que constitua limitação relevante para o desempenho de outras atividades económicas, concomitantes ou alternativas, que lhe pudessem entretanto surgir, na área da sua formação profissional, ou mesmo na realização de tarefas pessoais quotidianas.
Neste tipo de situações, a indemnização reparatória não deve ser calculada com base no rendimento anual do lesado auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares nesse exercício.
Em tais casos, a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma.
A comparação com os diversos casos já tratados na jurisprudência nem sempre se mostra fácil, dada a multiplicidade de fatores variáveis e as singularidades de cada caso, relevando, em especial, o impacto concreto que determinado grau de défice funcional genérico é suscetível de provocar no contexto da atividade económica que estava ao alcance da iniciativa do sinistrado com a inerente perda de oportunidade de ganho.
No caso vertente em que as limitações de mobilidade de que o lesado ficou afetado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6%, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), além do acréscimo de esforço físico no exercício do tipo de atividade profissional habitual que vinha então desenvolvendo, implicam inegável redução da sua capacidade económica geral para se dispor ao desempenho de atividades económicas, concomitantes ou alternativas, que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expetativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma.
Nessas circunstâncias, sem esquecer o tempo decorrido entre a data da alta médica (14-03-2012) e a data da sentença da 1.ª instância (09/06/2016), no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, na quantia de € 100.000,00, tida por atualizada à data da sentença.
Acórdão de 14/12/2017 (relatora Fernanda Isabel)
Resultando da factualidade provada que o autor, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu diversas fracturas dos membros superiores e inferiores; (ii) apresenta diversas sequelas, designadamente, rigidez, limitações e cicatrizes nalguns membros; (iii) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 20 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (iv) terá de ser submetido a novas intervenções cirúrgicas à mão direita e ao tornozelo esquerdo e a tratamentos de fisioterapia; (v) tinha 34 anos de idade na data do acidente; (vi) exercia as funções de enfermeiro num centro hospitalar e num hospital privado e auferia, em média, o total de € 2 010 líquidos mensais; (vii) tem dificuldades em levantar, deitar, dar banho e fazer transferência de doentes; (viii) sente dificuldades na condução automóvel e não consegue fazer as caminhadas que antes fazia, e deixou de jogar futebol e de andar de bicicleta, tem-se como adequado e equitativo fixar a indemnização pelo dano biológico em € 90 000.
Concluindo pois, o recurso da A. improcede, assim como improcede o que a R. sustenta nas conclusões 26.ª a 32.ª.
Quanto à percentagem em que o montante da indemnização deve ser reduzido em virtude da culpa da A/lesada.
Não oferece qualquer dúvida (e não foi nos autos sequer discutido pela R.) que o condutor/segurado na R. foi o único responsável/culpado pela produção do acidente: efetivamente, como resulta dos factos, o condutor/segurado, no momento em que passou a circular na ... (sentido Sul / Norte), mudou repentinamente para a via de circulação à esquerda e com tal manobra perdeu o controlo do veículo, embateu ligeiramente no separador central e entrou em despiste para a sua direita, indo embater no lancil existente à direita (o qual delimita e separa a via de acesso à ... provinda da Avenida ...), embate em que perdeu duas rodas, e prosseguindo em despiste, galgou o talude que ali se encontra à direita, junto ao atual ..., capotou diversas vezes até que se imobilizou mais adiante (a 87 metros do lancil em que anteriormente embatera) na 2.ª via da direita.
Sucede, como também resulta dos factos (pontos 101 a 106), que a A. seguia, como passageira (do lado esquerdo do banco traseiro do veículo), sem cinto de segurança colocado (por o ter tirado para aceder ao telemóvel), tendo sido projetada, assim como outros dois ocupantes do veículo que não levavam o cinto de segurança colocado, para o exterior do veículo durante o acidente e sofrido os politraumatismos que os factos referem (assim como sofreram politraumatismos tais outros dois ocupantes), tendo o quarto passageiro que seguia no veículo (no banco dianteiro ao lado do condutor), este com o cinto de segurança colocado, permanecido no interior do veículo durante o acidente e quando este se imobilizou saiu dele pelo seu pé, tendo sofrido ferimentos ligeiros e tido alta, após observação hospitalar, no dia seguinte.
Sendo a partir daqui – do contraste entre os danos sofridos pela A. e por tal quarto passageiro (que seguia no banco dianteiro ao lado do condutor, com o cinto de segurança colocado) – que se coloca e subsiste a divergência recursiva a propósito da percentagem da redução da indemnização em virtude da culpa da A/lesada.
Efetivamente, a A. já não discute que haja lugar a redução da indemnização e que a mesma se faça em 25% (como está decidido no Acórdão recorrido) e a R/recorrente “apenas” pretende que tal redução se faça em 50%, o que significa, evidentemente, que a redução da indemnização está já estabilizada, situando-se a questão apenas no quantum da redução, mais exatamente entre os 25% (do Acórdão recorrido) e os 50% (pretendidos pela R./recorrente).
Na 1.ª Instância havia-se fixado a redução em 50%, para o que se havia raciocinado do seguinte modo:
“(…) aquando do acidente, a A. seguia do lado esquerdo do banco traseiro do veículo, sem cinto de segurança colocado, conduta que configura clara violação ao artº 82º 1 C. Estrada na redação então vigente, normativo que impõe aos passageiros o uso desse dispositivo de segurança, sendo portanto eles mesmos destinatários da obrigação legal contida no preceito. (…)
Ora, o cinto de segurança como, aliás, se da sua própria denominação é um dispositivo destinado a garantir a segurança, e a esfera de proteção da norma impositiva/obrigatória vertida no citado artº 82º 1 C. Estrada é precisamente a de salvaguardar a integridade física e a vida dos ocupantes dos veículos.
Por conseguinte, a violação daquele preceito legal pela A. constitui um ato ilícito e culposo que colide diretamente com os fins da norma e com o respetivo núcleo de proteção, tendo-se a mesma colocado voluntariamente na situação potencial de fazer perigar a sua integridade física ou a vida.
No caso, verificou-se que (…) os três ocupantes que não usavam cinto de segurança entre eles a A. foram projetados para o exterior do veículo durante o acidente e os três ficaram politraumatizados. o passageiro que seguia no banco dianteiro ao lado do condutor com cinto de segurança colocado permaneceu no interior do veículo durante o acidente, quando o veículo se imobilizou saiu dele pelo seu pé, ficou com ferimento ligeiros e após observação hospitalar teve alta no dia seguinte.
Estes factos objetivos permitem com recurso a presunções judiciais (cfr. artº 349º CCivil) e ao conhecimento científico, que é do domínio público, que subjaz à obrigatoriedade do uso de cinto de segurança como mecanismo de proteção em caso de sinistro rodoviário, afirmar com segurança que na dinâmica do acidente a A. foi projetada para fora da viatura porque não tinha o cinto de segurança colocado, e em resultado dessa projeção embateu no solo e sofreu as múltiplas e graves lesões elencadas na matéria de facto, das quais decorreu a necessidade de assistência médica, medicamentosa e de recuperação, e resultaram as irreversíveis consequências ali também enunciadas, maxime o défice funcional permanente de 14,8 pontos.
(…) ressalta da matéria de facto que caso a A. estivesse a usar cinto de segurança aquando do acidente a mesma não teria sido projetada do veículo e não teria padecido as lesões graves que sofreu, e provavelmente nenhumas teria sofrido; basta ver que o passageiro que seguia com cinto de segurança no banco direito ao lado do condutor, portanto em zona do veículo que teve vários embates violentos, não sofreu nenhum ferimento grave.
Estas circunstâncias evidenciam que, apesar de a A. não ter o cinto de segurança colocado, não fora o acidente - por cuja produção apenas é responsável o condutor do veículo seguro pela R., como vimos - e certamente todos os ocupantes do veículo chegariam íntegros ao destino; e, por outro lado, mesmo com a ocorrência do acidente, se a A. tivesse o cinto de segurança colocado sofreria ferimentos ligeiros ou mesmo nenhuns. (…)
E diante de quanto antecede, podemos concluir que a conduta do condutor do veículo seguro pela R., causadora do acidente, e a conduta da lesada A., ambas violadoras de normas estradais cuja esfera de proteção é a segurança rodoviária, contribuíram de igual modo para a produção e extensão das lesões sofridas pela A. e inerentemente para a produção dos diversos danos que têm nessas lesões a sua génese. (…)”
No Acórdão recorrido, para fixar a redução da indemnização em apenas 25%, contrapôs-se o seguinte:
“(…) tendo a Autora perfeita consciência de que seguia sem cinto (por ela própria o ter retirado), o que fez sem nenhum sentido de oportunidade e por um motivo que não pode deixar de ser considerado fútil [aceder ao telemóvel para ver as horas], é claro que incorreu na prática de uma contraordenação estradal, prevista e punida, pelo art. 82.º, n.ºs 1 e 6, do Código da Estrada, na versão em vigor.
Dito isto, já não podemos acompanhar inteiramente as considerações tecidas na sentença recorrida no tocante à medida da contribuição culposa da Autora para os danos sofridos e respetiva redução do valor da indemnização devida. (…)
Tendo em conta esta factualidade [dinâmica do acidente] e as consequências que resultaram dos factos culposos do condutor do veículo e da Autora, de modo algum nos parece seguro afirmar, como faz o Tribunal a quo, que “mesmo com a ocorrência do acidente, se a A. tivesse o cinto de segurança colocado sofreria ferimentos ligeiros ou mesmo nenhuns”,
Na verdade, dada a violência do acidente, parece-nos que seria quase impossível que a Autora, ainda que usando cinto de segurança, não tivesse sofrido nenhuns ferimentos; aliás, até nos parece pouco provável que apenas sofresse ferimentos ligeiros; embora isso tenha acontecido com o único dos passageiros que usava cinto, para tanto também podem ter contribuído outros fatores, como a posição que ocupava no veículo. Admitimos tão só como muito provável que o uso do cinto poderia ter contribuído para evitar algumas das lesões sofridas pela Autora. Porém, não podemos deixar de salientar que não está provado que tais lesões tenham ocorrido apenas por causa da projeção para o exterior do veículo; além disso, não se pode olvidar que, mesmo usando cinto, a Autora poderia ter sofrido sérias lesões, designadamente nas áreas do peito, na zona abdominal e lombar.
Por outro lado, quanto à gravidade das culpas do condutor e da Autora, consideramos que a atuação daquele é muitíssimo mais grave, na medida em que conduzia a uma velocidade consideravelmente superior ao limite máximo permitido e sob o efeito de substâncias psicotrópicas, incorrendo em duas contraordenações estradais (grave e muito grave) p. e p. pelos arts. 27.º e 145.º e 81.º e 146.º do Código da Estrada.
Não se nos afigura, pois, que o facto ilícito imputável à Autora possa ser equiparado à situação apreciada no acórdão do STJ de 06-04-2017 invocado na sentença recorrida: foi entendido neste acórdão que, não obstante a conduta censurável do condutor – ao perder o domínio da marcha do veículo, permitindo que este passasse a circular pela berma e raspando em prédio que ladeava a estrada – tinha de operar a redução decorrente da percentagem de culpa na eclosão do acidente atribuído a comportamento censurável da própria vítima, ao agravar sensivelmente os riscos e as consequências do embate, por seguir injustificada e temerariamente com (pelo menos) a cabeça fora da janela do veículo. Na verdade, o comportamento de um passageiro que se faz transportar com a cabeça do lado de fora da janela é, a nosso ver, muito inusitado e até temerário, merecendo um juízo de censura mais intenso.
(…)
Tudo ponderado, procedem parcialmente as conclusões da alegação de recurso, sendo mais ajustado, em nosso entender, operar uma redução do montante da indemnização de (apenas) 25%.”
Que dizer?
Está em causa, como é evidente, a interpretação/aplicação do art. 570.º do C. Civil, segundo qual “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Decorre de tal preceito “que o tribunal deve ponderar, no caso de concorrência de culpas, para fixar o montante da indemnização: a gravidade da culpa de cada uma das partes e as consequências delas resultantes (…). Os dois fatores que a lei manda sopesar na apreciação do caso nem sempre concorrem na mesma direção. Embora uma culpa mais intensa acarrete as mais das vezes consequências mais graves, pode bem, num ou outro caso, suceder o contrário: que a uma culpa relativamente leve corresponda um efeito particularmente grave ou que uma culpa pesada influa menos em certo efeito danoso do que a culpa concorrente mais venial. (…)”[8].
Não pode pois entender-se que um dos dois fatores – a relativa gravidade das culpa – serve para decidir se a indemnização deve ou não ser diminuída e que o outro – as consequências resultantes dessa culpa – é apenas utilizável para determinar o montante da redução, devendo antes entender-se que ambos os fatores militam e devem ser ponderados em ambas as decisões, isto é, no caso da diminuição/redução da indemnização, quer para decidir se há lugar à diminuição/redução da indemnização quer para, a seguir, fixar o quantum de tal de diminuição/redução.
E é justamente por isto que, ponderando tais dois fatores (em tal 2.º momento decisório), se nos afigura mais ajustado reduzir a indemnização em apenas 25% (como foi fixado no Acórdão recorrido).
Importa não esquecer que a A. não teve qualquer colaboração/participação no processo que desencadeou o facto ilícito/culposo que esteve na origem da ocorrência dos danos e a imprudência da A., ao não levar colocado o cinto de segurança[9], o que justifica a redução da indemnização, não é minimamente comparável com a culpa que o condutor do veículo teve na eclosão do acidente (como resulta da descrição do mesmo, acima feita).
Assim, se se reduzisse a indemnização em 50%, a partir do “contraste” entre os danos sofridos pela A. e pelo quarto passageiro que seguia com o cinto de segurança colocado, estar-se-ia a considerar que a circunstância da A. não levar colocado o cinto de segurança foi uma causa preponderante dos danos (sendo que a seu favor apenas existe a ilação, pouco firme e segura, a extrair do referido “contraste”), sendo certo que o art. 570.º do C. Civil manda atender, para a redução ou exclusão da indemnização, exclusivamente e em simultâneo, repete-se, à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências resultantes e não à causa preponderante do dano.
Em síntese, usando da “latitude” (que admite que indemnização possa ser “totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”) concedida ao tribunal pelo art. 570.º do C. Civil, não vemos razões para alterar a redução da indemnização que o Acórdão recorrido fixou em apenas 25%.
Improcede pois o que a R. se sustenta e requer nas conclusões 16.ª a 25.ª.
Quanto à questão da indemnização a fixar em posterior liquidação concedida à A.:
Sustenta a R./recorrente, nas conclusões 6.ª a 14.ª, que o Acórdão recorrido, “ao dar como provado os factos 100-A e 100-B interpretou erradamente o disposto nos artigos 607.º nº 5, 414.º, 662.º todos do C.P.C.e oart.342º do Código Civil, pelo que pede que se eliminem os factos provados 100-A e 100-B, passando os mesmos a integrar os factos não provados K e L”
Efetivamente, o Acórdão recorrido alterou a sentença no que diz respeito aos factos não provados das alínea K e L, passando os mesmos – “tendo em conta a natureza das lesões e sequelas, o depoimento das testemunhas DD e EE (quanto às queixas dolorosas da Autora) e o depoimento do fisioterapeuta FF e do especialista de avaliação do dano corporal GG” – a integrar os factos provados 100-A e 100-B.
O que se acaba de descrever significa só por si a improcedência da pretensão da R/recorrente (de eliminação dos factos provados 100-A e 100-B, passando os mesmos a integrar os factos não provados K e L).
Efetivamente, a competência do Supremo, como é sabido, é dirigida à aplicação do direito aos factos fixados pelas instâncias, razão pela qual o recurso de revista tem como fundamento a violação da lei, substantiva ou processual (cfr. art. 674.º/1/a) e b) CPC), sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo, apenas se limitando o Supremo, em sede de fixação dos factos, a verificar a ofensa de regras de direito probatório material (sem prejuízo de poder ordenar a ampliação da matéria de facto quando ela seja insuficiente para a decisão de direito ou nela ocorram contradições que a inviabilizem) – cfr. art. 674.º/3 do CPC.
Exprime o que se acaba de dizer que foge ao controlo do e pelo Supremo, como a R/recorrente pretende, uma 2.ª reapreciação[10] das provas sujeitas à livre apreciação do julgador, como é/foi o caso da prova testemunhal, pericial e documental em que a Relação se baseou para dar como provado que a A. “necessitará no futuro de ajuda médica e medicamentosa” e, ainda, que “terá de realizar sessões anuais de fisioterapia como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro”, ou seja, está ao Supremo vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva.
Em síntese, tudo o que a R./recorrente diz sobre a incorreta apreciação da prova produzida e/ou sobre a maior ou menor densificação e justificação da motivação de facto (tudo o que consta das referidas conclusões) extravasa de todo a competência deste Supremo (estabelecida no citado art. 674.º do CPC): sendo o julgamento da matéria de facto pela Relação, em princípio, definitivo, foge ao controlo do e pelo Supremo uma 2.ª reapreciação das provas sujeitas à livre apreciação do julgador, pelo que não constitui fundamento válido de revista invocar-se que o Acórdão da Relação errou na reapreciação da prova, de apreciação livre, produzida.
Sustenta ainda o recorrente que, mesmo dando-se como provado o que consta dos factos provados 100-A e 100-B, “sempre deveria ter-se determinado o limite dessas ajudas médicas e medicamentosas a uma consulta médica anual e 10 sessões anuais de fisioterapia, cf. o parecer e depoimento efetuado pelo Dr. GG, bem como ter aplicado a proporção das responsabilidades” (cfr. conclusão 15.ª).
Em face do que está provado – que a A. “necessitará no futuro de ajuda médica e medicamentosa” e que “terá de realizar sessões anuais de fisioterapia como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro” – não pode a limitação pretendida ser incluída no segmento decisório, o qual inclui a única limitação decorrente dos factos, ou seja, que a R./recorrente seja condenada a pagar sessões anuais de fisioterapia (o que evidentemente significa um conjunto de sessões por ano).
Mas, claro, também a redução de 25% da indemnização, em razão da culpa da A/lesada (cfr. art. 570.º do C. Civil), terá que ser aplicada à condenação a liquidar, pelo que se alterará, nesta parte, o segmento decisório/condenatório.
Procede pois, mas apenas nesta estrita medida, o que a R. se sustenta e requer nas conclusões 6.ª a 15.º
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Em conclusão final, a revista da A. improcede totalmente e a Revista da R. procede apenas no que se acaba de referir (redução da indemnização/condenação a liquidar em 25%).
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IV - Decisão
Pelo exposto,
Nega-se a revista da A.; e
Julga-se parcialmente procedente a revista da R. e, quanto à condenação da R. a pagar à A. a quantia a liquidar atinente às despesas que esta tiver de suportar no futuro com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia, como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro, substitui-se o decidido pela condenação da R. a pagar à A. 75% da quantia a liquidar atinente às despesas que esta tiver de suportar no futuro com ajuda médica e medicamentosa e sessões anuais de fisioterapia, como forma de atenuar os fenómenos dolorosos e influenciar o prognóstico positivamente e evitar o agravamento futuro; mantendo-se, quanto ao mais, o decidido no Acórdão recorrido.
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Custas da revista da A. integralmente a cargo da A.; e da revista da R. a cargo da R. e da A., na proporção de 29/30 e 1/30, respetivamente.
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Lisboa, 17/01/2023

António Barateiro Martins (Relator)
Luís Espírito Santo
Ana Resende

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Nos quais se incorporam as modificações introduzidas pelo acórdão recorrido, ou seja, os factos  constantes dos pontos 76-A, 100-A e 100-B.
[2] Que, no fundo, com exceção do montante dos danos não patrimoniais, eram já as questões da apelação da A..

[3] Preambulo da Portaria em que, vale a pena aqui mencioná-lo, se diz que “só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual ou qualquer outra”, para logo a seguir se acrescentar que “ainda que o lesado não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
[4] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.

[5] A expressão “dano biológico”, traduzindo o dano à saúde, terá surgido jurisprudencialmente em Itália, o que terá acontecido por o art. 2059.º da lei italiana apenas permitir (ao contrário do nosso art. 496.º do C. Civil) o ressarcimento do dano não patrimonial “nos casos determinados na lei”, ou seja, terá surgido em Itália para ampliar o conceito de dano e permitir a indemnização de danos e lesões que doutro modo não seriam abrangidos pelo referido art. 2059.º, o que, segundo alguns (v. g. Calvão da Silva, in Compra e venda de Coisa Defeituosa, pág. 215), seria desnecessário entre nós.

[6] E é também por isto, por tudo o que a A. invoca e argumenta acabar por relevar, em termos indemnizatórios, apenas para o “dano biológico” (como aliás também resulta dos arestos que invoca, que têm apenas em vista conduzir à indemnização por dano biológico), que, pedindo a A., a tal título, o montante de € 30.000,00, o Acórdão recorrido lhe fixou um montante indemnizatório superior, de € 50.000,00 (sabido que o limite da condenação, imposto pelo art. 609.º/1 do C. Civil, se reporta ao valor global do pedido formulado e não ao valor de pedidos parcelares). Não é que esteja à partida afastada a possibilidade de haver indemnização pelo dano biológico e pelo chamado dano patrimonial futuro, porém, é o ponto, tal simultaneidade indemnizatória só poderá ocorrer se também ficar provado que o lesado ficou com uma incapacidade permanente parcial ou total para o trabalho (uma perda da remuneração laboral), o que, como é evidente, não é o caso (em que “apenas” está provado que as lesões sofridas e as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual).
[7] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.
[8] Antunes Varela, em anotação ao Ac. STJ de 09-11-1968, in RLJ 102.º, pág. 55.

[9] Não está sequer assente que a A. soubesse que o condutor do veículo se encontrava alcoolizado e sob o efeito de estupefacientes.
[10] Após a 1.ª reapreciação efetuada, como foi o caso, na Relação.