EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Sumário


I - A subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro (o subempreiteiro) assume a obrigação de realizar a obra ou parte da obra que o empreiteiro se comprometeu a executar pela celebração do contrato de empreitada, mediante o recebimento de um preço a pagar pelo empreiteiro (artigo 1213º n.º 1 do Código Civil).
II - Ao contrato de subempreitada são aplicáveis, em princípio, as regras especialmente previstas para o contrato de empreitada assumindo o empreiteiro a posição do dono da obra e o subempreiteiro o papel do empreiteiro.
III - Aos contratos de empreitada e subempreitada aplicam-se não só as normas dos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, mas ainda as regras gerais relativas ao cumprimento/incumprimento das obrigações, que com aquelas não se revelem incompatíveis.
IV - Deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo a declaração expressa ou tácita do devedor de não querer cumprir: perante uma declaração expressa nesse sentido ou perante uma conduta ou omissão que revele manifestamente a intenção de não cumprir, o credor não terá de alegar e provar a perda de interesse na prestação ou de interpelar admonitoriamente o devedor para cumprir, podendo, desde logo, ter por não cumprida definitivamente a obrigação
V - Entre os casos em que a continuação da relação contratual não é exigível ao dono da obra estão aqueles em que há uma afetação irreversível da confiança deste na capacidade e na competência do empreiteiro para cumprir o contrato.
VI - Atualmente, no alinhamento da evolução doutrinal e jurisprudencial, é de considerar, em tese, a admissibilidade da cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, e no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.
VI - Pode definir-se a sentença condicional como aquela que impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto.
VII - Não sendo admissível uma sentença condicional em que o julgador reconheça um direito ao autor, mas que só existirá desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima, já é de admitir que o juiz reconheça que a parte tem o direito a que se arroga na ação, mas apenas desde que ocorra determinado circunstancialismo, a enumerar, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

V..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., propôs a presente ação declarativa, com processo comum, contra “...”, com sede na Rua ..., em ..., ..., pedindo que seja declarado o incumprimento contratual da Ré, condenando-a a reconhecer a justa causa da Autora na resolução do contrato e consequentemente, ser a Ré condenada no pagamento da quantia:
a) de €199.625,00€ (cento e noventa e nove mil, seiscentos e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais;
b) que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O...;
c) de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Para tanto, e em síntese, alega que no exercício da sua atividade comercial celebrou com a Ré um acordo de produção de moldes e subsequente fornecimento de peças produzidas em série (3.ª fase do processo produtivo de “bodykit”), mediante orçamento previamente apresentado pela Ré a 23/10/2019, com adjudicação da obra feita a 25/10/2019, que foi por aquela incumprido, em termos de prazos e em termos de qualidade dos produtos fornecidos.
Que previamente a Autora havia celebrado a 12/10/2019 um contrato com a O...”, cliente final, através do qual foi definido o número e o tipo de veículo para os quais a Autora teria de produzir e montar os “bodykit” (...), bem como os períodos de entrega, sob pena da aplicação de penalizações
Após o que a Autora acordou com a Ré, na referida data de 25/10/2019, a produção das peças do “bodykit” (3.ª fase), incluindo o preço e prazos de entrega, tendo-lhe remetido previamente a 10/10/2019 um ficheiro ZIP, em formato CAD, com o desenho das peças que compunham o projeto, bem as informações sobre as peças (medidas, forma e aspeto) a produzir e que integram o “bodykit” (ficheiro da “O...”), e os protótipos finais das peças.
Era com base no protótipo final que a Ré tinha de fazer os moldes para produção em série.
Mais alega que apesar de a Ré estar obrigada a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção as peças em carbono, ficando cada “bodykit” ao preço de 4.240,00 Eur. (sem iva), não só se atrasou no processo, o que determinou que já a 15/01/2020 ficasse acordado que a própria Autora produzisse algumas das ferramentas/moldes necessários, como não produziu as primeiras peças do “bodykit” em conformidade com o previamente estabelecido, em termos de qualidade.
Todas as peças enviadas pela Ré à Autora padeciam de vícios/desconformidades, pelo que as partes acabaram por acordar que a Ré produziria e enviaria novas peças, o que fez 14/04/2020, as quais também padeciam de vícios/desconformidades.
Alega ainda que foi obrigada a iniciar a montagem do “bodykit” com as peças enviadas pela Ré, tendo de proceder previamente à sua reparação, e que sofreu diversos prejuízos a título de lucros cessantes e a título de penalizações e danos de imagem aplicados ou reclamados pela “O...”, tendo visto ainda o seu bom nome e imagem ante a O...”, e no mercado, colocados em causa.
A Ré veio contestar alegando que foi a Autora quem, por dispor de um baixo orçamento disponível, ordenou a produção de moldes de baixo custo, bem como pretendeu peças de baixo custo.
Que, além disso, as peças que a Autora entregou e serviam de modelo para os moldes não coincidiam com o modelo 3D (CAD) entregue à Ré.
Mais alega que os ajustes que admite que as peças necessitassem deveriam ser sanados na respetiva montagem, pintura e lacagem, processos que ficaram a cargo da Autora, o que só era possível fazer aquando da sua colocação nos automóveis e que o ficheiro CAD não fornecia detalhes quanto ao acabamento de superfícies e tolerâncias geométricas, pelo que nunca a Autora especificou os parâmetros de qualidade pretendidos das peças.
A Ré deduziu reconvenção pedindo que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de €55.020,00, alegando, em síntese, que em face da cessação unilateral pela Autora da relação entre as partes, sofreu prejuízos já que teve de ser ela a assegurar a produção dos moldes com recursos humanos seus (€39.600,00), teve de suportar o custo da matéria-prima e consumíveis (€7.920,00), teve de assegurar a montagem do processo (€5.900,00) e teve ainda de proceder à gestão do mesmo projeto na fase de desenvolvimento (€1.600,00).
A Autora apresentou réplica alegando, em suma, que não quebrou por forma abrupta e unilateral a relação comercial entre as partes, uma vez que foi a Ré que comunicou a 29/04/2020 que só avançaria com a produção das peças necessárias para a produção dos segundo e terceiro veículos caso a Autora aceitasse uma subida de preços, que ainda iria calcular.
E que a 6/05/2020 a Ré comunicou à Autora que só produziria as peças necessárias com um aumento de mais de 50% do custo, o que a Autora não aceitou.
Foi proferido despacho-saneador, foi admitida a reconvenção e proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Efetivada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condena a ré a pagar à autora:
a) a quantia de € 199.625,00€ (cento e noventa e nove mil, seiscentos e vinte e cinco euros) a título de danos patrimoniais, acrescer de juros de mora, à taxa legal aplicável às sociedades comerciais, a contar desde a citação e até integral pagamento;
b) a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à autora por força do incumprimento contratual com a O..., incluindo os danos de imagem;
c) absolver a ré de tudo o demais peticionado, mormente da indemnização peticionada a titulo de danos não patrimoniais (de € 10.000,00).
O Tribunal julga ainda o pedido reconvencional totalmente improcedente e, em consequência, absolve a autora do pedido indemnizatório contra si deduzido.
Custas pela autora e ré, na proporção do decaimento tomando apenas em conta os valores referidos em a) e c).
Registe e notifique.”

Inconformada, veio a Ré apelar da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“A. O presente recurso vem interposto da decisão recorrida, proferida pelo Tribunal de 1.ª instância em 6 de Maio de 2022, mediante a qual foi a Ré/Recorrente condenada a pagar à Autora/Recorrida a quantia de 199.625,00€ (cento e noventa e nove mil, seiscentos e vinte cinco euros), bem como o valor que se vier a apurar em sede de execução de sentença, referente aos prejuízos imputados à Autora/Recorrida, por força do incumprimento contratual com a O..., incluindo danos de imagem.
B. Inconformada com a referida decisão, vem a Ré/Recorrente interpor o presente recurso de apelação, o qual é independente, sobe de imediato, nos próprios autos requerendo que o mesmo tenha efeito suspensivo.
C. Tiveram os presentes autos origem num acordo de subempreitada, nos termos do qual a Ré/Recorrente se obrigou à produção de moldes e subsequente fornecimento de peças – adiante designados por “bodykits” - para a instalação pela Autora/Recorrida em veículos automóveis da marca ....
D. Em suma, a Autora/Recorrida veio peticionar o pagamento de uma indemnização pelo alegado incumprimento do contrato de subempreitada, alegando a existência de defeitos nas peças fornecidas pela Ré/Recorrente, bem como a derrapagem dos prazos acordados entre as partes.
E. Sublinhe-se que a Autora/Recorrida havia celebrado um contrato com uma outra empresa estrangeira “O..., Ltd”, em 13 de outubro de 2019, nos termos do qual se obrigava a produzir e equipar 60 (sessenta) veículos com os mencionados “bodykits”, no decurso do ano de 2020, à razão de cinco carros por cada mês.
F. A Ré/Recorrente apresentou a contestação, alegando, concretamente, que: o número de moldes e, consequentemente, de peças que se veio a verificar ter que produzir era muito superior ao inicialmente contratado, o que gerou um aumento exponencial da complexidade do processo produtivo e que não existiam concretas especificações no que respeita à qualidade dos produtos e tolerâncias admitidas.
G. Entende a Ré/Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo ser alterada nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, bem como quanto à matéria de Direito.
H. Assim, o presente recurso tem por objeto tanto a matéria de direito, como a reapreciação da matéria de facto – daqueles que foram considerados provados e não provados pelo Tribunal a quo. Comecemos pela matéria de facto.
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
I. Quanto à decisão da matéria de facto, observado que se mostra na motivação do presente recurso o cumprimento do exigido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do CPC – e que aqui se dão por reproduzidos atenta a sua extensão – conclui-se que o Tribunal a quo efetuou uma errada apreciação e valoração dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, cujos excertos transcrevemos no presente articulado, desvalorizando toda a prova produzida pela Ré/Recorrente e valorando, erradamente, muita daquela que foi produzida pela Autora/Recorrida.
J. Reapreciada a prova de acordo com o constante nas presentes alegações de recurso, caberá aos Venerandos Desembargadores alterar as respostas à matéria de facto. Vejamos de que forma:
Factos Provados:
K. Antes do demais, cumpre salientar que existiu um claro e evidente erro na valoração do depoimento da testemunha AA, porquanto jamais poderia ter sido o seu depoimento considerado isento, credível e objetivo, como o foi pelo Tribunal a quo.
L. É que o Sr. AA tem uma relação de proximidade e afinidade com o legal representante da Autora, dado serem sócios de uma outra sociedade Portuguesa- O...
M. Não obstante a testemunha ser um terceiro na relação jurídica processual aqui em causa, não o é na relação material subjacente, dado que revela um interesse no desfecho da ação de igual dimensão ao das partes – o pagamento de uma indemnização que, com elevado grau de probabilidade, será repartida entre si e a Autora/Recorrida.
N. No que respeita aos pontos 24. a 27. dos Factos Provados toda esta matéria deverá ser dada como não provada. O Tribunal a quo sustentou a prova destes factos exclusivamente no depoimento do Sr. AA, o qual, como vimos, salvo melhor opinião, deverá ser desconsiderado atendendo ao manifesto interesse que revela no desfecho da causa.
O. De notar ainda que os valores em causa nos presentes factos não foram comprovados por quaisquer outros elementos de prova, nomeadamente por prova documental. Impunha-se, para sua prova, a junção de documentos comprovativos do preço de venda anunciado, encomendas efetuadas ou faturas. Se a Autora/Recorrida não juntou prova ao processo neste sentido, não pode o Tribunal a quo, substituindo-se na sua posição, vir afirmar como provados estes factos.
P. O ponto 44. dos Factos Provados não deveria ter sido dado como provado, designadamente no que respeita à expressão “aspeto estético das peças”, bem como a parte final “e quais as ferramentas/moldes que precisava para produção das peças (quer as ferramentas para produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça constituída por vários moldes).”
Q. Em primeiro lugar, a mera análise do ficheiro AutoCad junto aos autos permite concluir que este não contém qualquer informação relativamente ao aspeto estético das peças e acabamentos de qualidade exigidos e, ainda menos, relativamente às ferramentas que a Ré/Recorrente iria necessitar para o seu fabrico.
R. Em segundo lugar, atentos os depoimentos produzidos em audiência de julgamento e acima melhor transcritos, não ficou provado que o ficheiro AutoCad fornecido à Ré/Recorrente contivesse as informações relativas aos acabamentos de qualidade exigidos pela Autora/Recorrida. Por outro lado, a Ré/Recorrente só teve conhecimento do real número de peças e moldes a produzir, bem como das ferramentas - nomeadamente de colagem que iria necessitar – à medida que foi recebendo os protótipos por parte da Autora/Recorrida. Prova testemunhal: AA (depoimento de 01:28:07 às 01:33:58 e 01:06:50 às 01:09:53), BB (depoimento de 00:35:26 às 00:41:32), CC (depoimento de 00:18:15 às 00:19:06 e 00:41:52 às 00:43:01).
S. A factualidade constante no ponto 99. dos Factos Provados deverá ser dada como não provada, dado o depoimento da testemunha DD (depoimento de 00:27:18 às 00:27:40), EE (depoimento de 00:11:11 às 00:11:38), FF (depoimento de 00:03:23 às 00:03:26), CC (depoimento de 00:41:33 às 00:41:39), bem como do próprio Gerente da Autora/Recorrida que confessou que em maio concluíram a montagem do primeiro carro (depoimento de 00:18:34 às 00:18:39).
T. Os pontos 100. e 101. dos Factos Provados não poderiam ter sido dados como provados, dado não ter sido produzida ou junta ao processo pela Autora/Recorrida qualquer prova que lhe permita dar como assente o valor referente aos serviços de pintura (1.600,00€ - mil e seiscentos euros), o qual, inevitavelmente, interfere no lucro que deixou de auferir.
U. Não existindo qualquer comprovação relativa a estes custos, os mesmos não podem constar do elenco dos factos provados, sendo que, em nome da justiça, o valor referente aos serviços de pintura de cada carro - 1.600,00€ (mil e seiscentos euros) - terá que ser dado como não provado sendo este montante descontado ao lucro que a Autora/Recorrida deixou de obter.
Factos não Provados:
V. Os factos indicados nos pontos 4. e 8. dos factos não provados deverão ser dados como provados, atentos os depoimentos produzidos pela testemunha GG (depoimento de 00:48:09 às 00:53:12), BB (depoimento de 00:27:09 às 00:28:38 e 00:35:07 às 00:36:11), CC (depoimento de 00:18:15 às 00:20:08) e DD (depoimento de 00:10:04 às 00:11:15).
W. Também a factualidade constante nos artigos 6., 7., 21. e 22 dos factos não provados deveria ter sido dada como provada, mormente quanto ao ficheiro AutoCad não conter quaisquer especificações relativamente a acabamentos de superfície e tolerâncias, dado ter sido produzida prova testemunhal suficiente para o efeito, conforme decorreu do depoimento da testemunha BB (depoimento de 00:40:57 às 00:42:11 e 00:48:46 às 00:50:15), CC (depoimento de 00:41:55 às 00:44:25) e ainda AA (depoimento de 01:06:50 às 01:09:53).
X. A realidade constante nestes factos foi também confessada pelo Gerente da Autora/Recorrida que esclareceu ao Tribunal a quo que os ficheiros AutoCad não continham quaisquer informações relativas a tolerâncias e especificações quanto a acabamentos de qualidade, considerando que nem era esse o seu propósito (depoimento de 00:28:00 às 00:29:15). No que respeita à prova junto aos autos em sede de articulados, é suficiente a visualização do ficheiro AutoCad para se concluir pela veracidade destes factos.
Y. Os factos atinentes ao pontos 9. a 12. dos factos não provados devem, igualmente, ser dados como provados, uma vez que resultam de forma expressa do documento n.º ... junto com a Contestação, bem como do depoimento das testemunhas GG (depoimento de 00:14:16 às 00:15:15 e de 00:26:44 às 00:27:06), BB (depoimento de 00:44:01 às 00:44:45), DD (depoimento 00:43:24 às 00:44:03, de 00:47:59 às 00:49:13, de 01:36:11 às 01:37:12 e de 01:49:53 às 01:52:25) e CC (depoimento de 00:25:14 às 00:26:44 e das 00:29:18 às 00:31:18).
Z. O ponto 15. dos factos não provados deveria ter sido dado como provado.
Com base no ficheiro AutoCad, a Ré/Recorrida perspetivou executar apenas uma casca de cada peça que, posteriormente, assentaria no veículo – com uma única área de superfície exterior. Ao ter que fazer também uma superfície interior, tal implicou a execução de dois moldes, duas peças e de um processo de colagem das duas faces da peça – interior e exterior. Naturalmente, foi dispensado o dobro do tempo e dos custos na sua produção. Em virtude da prova produzida, o depoimento de BB (depoimento de 00:44:12 às 00:44:45) e CC (depoimento de 00:32:49 às 00:34:02), bem como das declarações do Gerente da Ré/Recorrente HH (depoimento de 00:05:00 às 00:05:40), o presente facto deverá ser dado como provado.
AA. Ponto 15-A: deve ser aditado aos Factos Provados com o seguinte teor: “A maioria dos problemas existentes nas peças adveio do processo de colagem, o qual não tinha sido inicialmente contratado pela Autora”, com base nos documentos n.º ...6, ...1, juntos com a Petição Inicial, bem como dos depoimentos de BB (depoimento de 00:25:35 às 00:26:15 e de 00:35:26 às 00:39:13), CC (depoimento de 00:10:14 às 00:12:41, de 00:18:27 às 00:19:06 e de 00:33:21 às 00:37:57 e de 00:40:31 às 00:41:03), bem como das declarações do Gerente da Ré/Recorrente, Sr. HH (depoimento de 00:21:04 às 00:21:18).
BB. De todo o manancial de prova transcrito não resultam dúvidas de que a produção do dobro das peças implicou o recurso a colagens – da parte interno e externa das respetivas peças - sem que existisse qualquer ferramental para o efeito. A confeção manual tem, naturalmente, uma margem de erro bastante maior do que a mecânica, tendo sido aqui que surgiram grande parte dos problemas reportados.
CC. O ponto 16. dos factos não provados deverá ser dado como provado, em virtude do depoimento da testemunha CC (depoimento de 00:03:11 às 00:05:54) e BB (depoimento de 00:45:29 às 00:47:07).
Também o próprio Gerente da Autora/Recorrida Sr. II, confirmou que os prazos constantes no contrato celebrado com a O..., eram flexíveis, admitindo atrasos no arranque (depoimento de 00:07:48 às 00:09:07).
DD. No que respeita ao ponto 17. dos factos não provados o mesmo deverá ser dado como provado. O contrato celebrado com a O..., previa o fornecimento de “bodykits” para equipar 60 (sessenta) veículos. A Autora/Recorrida limitou-se a transmitir à Ré/Recorrente, uma expectativa de preparação de 50 (cinquenta) carros, não tendo sido nunca efetuada uma encomenda formal. A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi neste mesmo sentido, conforme depoimento de BB (depoimento de 00:20:01 às 00:20:47), CC (depoimento de 00:17:07 às 00:17:26) e confissão do próprio Gerente da Autora/Recorrida (depoimento de 00:11:12 às 00:11:47).
Da validade de resolução do contrato operada pela Autora/Recorrida:
EE. Efetuada a alteração da matéria de facto no sentido acabado de propor, outro terá que ser o enquadramento jurídico decorrente desta nova  factualidade.
FF. Nesta sede, cabe recordar a matéria aqui subjacente, a qual já foi retratada nos pontos C. a F. das presentes conclusões e que nos escusamos a repetir por uma questão de economia processual.
GG. A dissidência entre a Autora/Recorrida e a Ré/Recorrente começa precisamente no conteúdo do ficheiro AutoCad – e na informação do mesmo constante – e continua depois relativamente à complexidade subjacente ao processo de produção dos “bodykits”, bem como aos concretos aspetos técnicos sobre os acabamentos de qualidade e tolerâncias admitidas das peças.
HH. Em todo o caso, não podemos deixar de salientar que, salvo melhor opinião, todo este processo teve origem numa clara falta de informação e num desencontro total de expectativas.
II. Na sentença recorrida, decidiu-se mal, com o devido respeito, ao considerar-se que a Autora/Recorrida teria feito prova suficiente da existência de uma quebra de confiança tal, apta a justificar a resolução do contrato com justa causa.
JJ. O que é certo e resultou provado (facto provado n.º 39) é que a Ré/Recorrente se obrigou e traçou todos os pressupostos essenciais do negócio – como o preço e as estimativas de entrega das peças - com base na informação que Autora/Recorrida lhe transmitiu para o efeito: um ficheiro AutoCad, que continha o desenho das peças do carro, na sua grande maioria, com apenas uma área de superfície exterior – casca.
KK. Foi igualmente dado como provado que Autora/Recorrida desenvolve os masters ou protótipos que servem de base à produção dos moldes pela Ré/Recorrente, que por sua vez serão utilizados no fabrico das peças (facto provado n.º 40).
LL. Foi apenas no momento em começou a receber os masters – entregas estas que foram dilatadas no tempo entre dezembro de 2019 e março de 2020 – que a Ré/Recorrente percecionou a complexidade do que a Autora/Recorrida pretendia: não só teria que produzir o dobro dos moldes e, consequentemente, das peças, como recorrer a processos de colagem manual para unir as duas faces das peças – interior e exterior.
MM. Ainda que não tenha ficado provada a existência de um prazo rígido para entrega das peças que compunham o “bodykit”, tendo sido alvitradas datas meramente indicativas, a complexidade que o processo demonstrou, desde logo pela necessidade de produção do dobro dos moldes e das peças, justifica a dilação ou alargamento dos prazos de entrega indicados.
NN. Com efeito e tendo em conta as inúmeras vicissitudes ocorridas no processo produtivo, bem como a ausência de estipulações formais das partes, não pode nunca considerar-se terem existido violações por parte da Ré/Recorrente, mormente no que respeita aos prazos de entrega alinhavados. A considerar-se que existiram atrasos nas entregas acordadas, os mesmos nunca lhe serão imputáveis.
OO. Nesta sede, cabe chamar à colação o disposto no n.º 2 artigo 1216.º do Código Civil, nos termos do qual o empreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, bem como a um alargamento do prazo para execução da obra, caso existam alterações ao plano convencionado, por parte do dono da obra.
PP. Ora, terá necessariamente de se aceitar que ao remeter os masters à Ré/Recorrente, pretendendo a execução do dobro das superfícies constantes no ficheiro AutoCad, com toda a complexidade que tal acarreta, a Autora/Recorrida exigiu alterações àquilo que foi o plano inicialmente acordado entre as partes.
QQ. Por outro lado não podemos deixar de sublinhar, pela sua importância, que, ao longo de todo o processo, a Ré/Recorrente adotou uma conduta norteada pela boa-fé e por princípios de colaboração, atendendo sempre às reclamações da Autora/Recorrida, dispondo-se a substituir e retificar todas as imperfeições reportadas e continuando sempre a trabalhar para o sucesso deste projeto. Com o devido respeito, à luz do principio da boa-fé este não é o género de conduta comportamental que torna inexigível a manutenção de uma relação contratual, justificando a sua cessação com recurso à resolução por justa causa.
RR. Em suma, a sentença recorrida omite por completo a existência de evidentes alterações ao plano de trabalhos inicialmente convencionado, as quais, por aplicação do artigo 1216.º do Código Civil, justificam não só a dilação dos prazos de entrega inicialmente alvitrados, como o aumento do preço de produção dos “bodykits”, para que o negócio seja economicamente vantajoso para ambas – e não apenas uma – (d)as partes.
SS. Não estando reunidos os pressupostos que permitem a resolução do contrato com justa causa e para que esta última fosse considerada válida, seria necessário que se observasse um dos pressupostos estabelecidos no artigo 808.º do Código Civil.
TT. Não tendo existido, no caso em apreço, perda de interesse do credor na prestação, nem tão pouco uma interpelação admonitória por parte da Autora/Recorrida à Ré/Recorrente, apta a traduzir uma intimação para o cumprimento da obrigação de entrega dos “bodykits”, dentro de um prazo razoável para o efeito, não poderia a sentença recorrida considerar o contrato como validamente resolvido.
UU. Note-se que, ao contrário do que a sentença recorrida considerou, é exatamente por estarmos na presença de um contrato com prestações que se prolongam no tempo, que se impunha ainda mais, à luz do princípio da boa-fé e do respeito pelo comércio jurídico, a existência desta interpelação admonitória.
VV. Pelo que a sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil.
Da indemnização atribuída pelo interesse contratual positivo:
WW. De acordo com o entendimento do Tribunal a quo, a indemnização cumulável com a resolução do contrato seria a correspondente ao interesse contratual positivo (visando colocar o credor na situação que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido), atribuindo o direito ao seu pagamento à Autora/Recorrida – isto sempre no pressuposto, que não se concede, de o contrato ter sido validamente resolvido.
XX. Com o devido respeito, não tem razão a sentença recorrida.
YY. Com efeito, é assente que a indemnização cumulável com a resolução do contrato é aquela que respeita ao interesse contratual negativo, ou seja, que visa colocar o credor na posição em que estaria se o contrato nunca tivesse sido celebrado – tal  é defendido pela maioria da nossa doutrina e jurisprudência (veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.º 05..., de 12-05-2005 e n.º 343/04...., de 24-01-2012).
ZZ. Se a opção do credor é, precisamente, desvincular-se do contrato por via da resolução, não faria sentido que se aproveitasse depois do mesmo para obter uma indemnização como se o contrato tivesse sido integralmente cumprido. Salvo melhor opinião, é esta a correta interpretação a fazer da norma constante no n.º 2 do artigo 808.º do Código Civil.
AAA. Tendo a Autora/Recorrida pago, na vigência do contrato, pelo preço de um único “bodykit”, o valor de 4.240,00€ (quatro mil, duzentos e quarenta euros), seria este o valor indemnizatório a que teria direito, uma vez que não ficou demonstrada a existência de outros custos para a execução do contrato.
BBB. Por último refira-se ainda que mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, no presente caso, a atribuição à Autora/Recorrida de uma indemnização pelo interesse contratual negativo geraria uma situação de grave desequilíbrio económico e de claro beneficio económico do credor lesado, in casu, Autora/Recorrida, como aliás veio efetivamente a suceder.
CCC. Por conta de um contrato onde a Ré/Recorrente se limitou a emitir uma única fatura no valor de 4.240,00€ (quatro mil, duzentos e quarenta euros), foi condenada no pagamento de uma indemnização de milhares de euros, e de uma outra que se ainda irá liquidar, provavelmente, em valor superior.
DDD. A sentença recorrida não deu como provado o número de “bodykits” encomendados pela Autora/Recorrida à Ré/Recorrente, nem tão pouco a cadência mensal da sua entrega, mas não hesitou ao condenar a Ré/Recorrente com base num contrato celebrado com uma sociedade estrangeira, transpondo os seus termos e efeitos para a esfera jurídica da Ré/Recorrente.
EEE. A consequência de se aceitar, pura e simplesmente, sem qualquer  análise critica, como o fez o Tribunal “a quo”, os valores indemnizatórios peticionados pela Autora/Recorrida é a violação do equilibro económico do contrato e a concessão de uma clara vantagem à parte credora.
Da indemnização que Autora/Recorrida terá que pagar à O...:
FFF. Em último lugar foi ainda decidido na sentença recorrida que seria a Ré/Recorrente responsável pelo pagamento da indemnização que a Autora/Recorrida terá que liquidar, eventualmente, à O..., pelo incumprimento do contrato entre estas celebrado, bem como pelos danos de imagem alegadamente sofridos por esta última.
GGG. Mais uma vez, com o devido respeito, não tem a sentença recorrida qualquer razão.
HHH. Com efeito, foi cabalmente demonstrado em sede de audiência e julgamento que:
i) O legal representante da O..., Ltd, Sr. AA, é sócio do legal representante da Autora/Recorrida, Sr. II, numa outra sociedade – O..., Lda., existindo uma clara relação de proximidade.
ii) O próprio Sr. AA confirmou perante o tribunal a quo não ter ainda peticionado o pagamento de qualquer indemnização à Autora/Recorrida, dado estar a aguardar o desfecho da presente ação.
III. Tendo em consideração que esta sociedade estrangeira numa resolveu o contrato que a ligava à Autora/Recorrida e que, conforme afirmado na douta sentença, ainda hoje mantêm relações comerciais, evidente se torna que o valor da indemnização a liquidar à O..., será, com elevado grau de probabilidade, articulado entre este dois parceiros, abrindo-se assim caminho a um manifesto abuso de direito e enriquecimento sem causa por parte da Autora/Recorrida e mesmo da O..., Ltd, à custa da Ré/Recorrente.
JJJ. Em todo o caso, a decisão recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento, dado ter proferido, a este respeito, uma sentença inadmissível na ordem jurídica portuguesa.
KKK. Considerou a douta sentença que “(...) a ré será responsável pela indemnização que a autora terá que pagar (...), caso nisso venha a ser condenada, já que como relação de parceria entre a O... e a autora ainda se mantém, o que reconhecidamente AA e II referiram em audiência, terá que ser comprovada cabalmente a eventual obrigação da autora a pagar à O... a indemnização pelas penalidades previstas no contrato celebrado a 12.20.2019. Aliás AA referiu que aguardava o desfecho da presente ação para decidir sobre essa situação, a conselho dos Advogados da O..., pelo que o pagamento da aludida indemnização pela autora pode nem vir a concretizar-se, ou pode não concretizar-se a curto prazo, caso seja proposta ação judicial para discutir aqueles termos contratuais. [negrito nosso]
LLL. Ou seja, não se trata aqui de determinar quando ou quanto a Ré/Recorrente irá pagar a título de indemnização, mas se a mencionada indemnização será alguma vez devida. Trata-se de um facto incerto, futuro e imprevisível que, além do mais, dependerá do desfecho de uma outra ação judicial, a qual, atenta a cláusula de foro constante no contrato, nem sequer será decidida pelos Tribunais Portugueses.
MMM. Ora, da análise da sentença recorrida, facilmente se constata que esta concedeu à Autora/Recorrida um direito que se encontra sujeito a um evento futuro e incerto - proferindo uma sentença condicional - figura que não é admissível no nosso ordenamento jurídico.
NNN. A jurisprudência dos nossos Tribunais tem sido unânime ao considerar que a sentença na qual o reconhecimento do direito fica necessariamente dependente da eventual verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido, é de ser rejeitada por configurar uma sentença condicional.
Particularmente nos casos que o facto condicionante depende ainda de prévia confirmação judicial, como o que aqui nos ocupa.
OOO. No caso em apreço, à data do encerramento da audiência de discussão e julgamento, nem sequer existe dano da Autora/Recorrida a este respeito, na medida em que não lhe foi peticionado o pagamento de qualquer valor pela O..., Ltd..
PPP. Não está aqui em causa a exigibilidade da obrigação de pagamento por o seu quantum não se conseguir ainda apurar, mas sim saber se esta indemnização se irá sequer efetivamente concretizar.
QQQ. Aquilo que nos diz a sentença recorrida é, no fundo: se, quando ou talvez, vier a existir um dano da Autora/Recorrida neste sentido, será a Ré/Recorrente responsável pelo seu pagamento.
RRR. O entendimento do Tribunal a quo não teve a virtualidade de compor justamente os interesses contrapostos na presente ação, afetando a definitividade e a certeza que se espera das decisões judiciais.
SSS. Exigindo-se, caso a O... assim o decida – tendo sempre em mente a relação de parceria que tem com a Autora/Recorrida – que as partes litiguem para se aferir SE algum valor é devido e, em caso afirmativo, qual o seu montante.
TTT. O artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa consagra os ideais de certeza, confiança e de segurança ínsitos a um Estado de Direito Democrático, os quais não se coadunam com a prolação de uma sentença, destinada a por termo a um processo, dúbia e capaz de pôr em causa a tranquilidade e segurança dos cidadãos.”
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que absolva a Recorrente do pedido, por não provado.
A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1 - Determinar se houve erro no julgamento quanto aos pontos 24, 25, 26, 27, 44, 99, 100 e 101 dos factos provados e aos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 21 e 22 dos factos não provados, e se deve ser aditado um novo facto.
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. A autora dedica-se ao comércio, importação e exportação de veículos automóveis, motociclos e barcos, desenvolvendo peças, acessórios e materiais para a construção daqueles bens.
2. No exercício da sua atividade, a autora desenvolve projetos para a alteração estética de carros, incorporando no automóvel um “kit” de peças para, a final, lhe conferir um design diferente e exclusivo.
3. Para tanto desenvolve e produz aquilo a que se chama um “bodykit” que será montado nos automóveis.
4. O processo de produção do “bodykit”, desde o seu design e idealização até à montagem no veículo automóvel, corresponde a um conjunto de quatro fases.
5. A 1ª fase é efetuada pelo cliente final da autora, a 2.ª e 4.ª fases são efetuadas pela autora, a 3.ª fase é efetuada por empresas contratadas pela autora.
6. A 1ª fase subdivide-se em várias etapas: a) Digitalização do carro: o processo começa pela digitalização do carro para o qual vão ser desenhadas as peças; b) Criação artística: desenho de um conjunto de peças para a criação do modelo; c) Fusão das peças desenhadas no carro digitalizado: depois de criadas as peças, elas são incorporadas na digitalização para se chegar a um ficheiro que é composto com a versão do carro já modificado e a partir da qual vai ser materializado o projeto; d) Impressão das peças em 3D: as peças do carro são impressas por um robot em 3D; depois de impressas chega-se ao “protótipo inicial” do carro.
7. Esta fase é desenvolvida pelos clientes finais da autora, que, depois de produção do “protótipo inicial” das peças que vão compor o veículo, as enviam à autora.
8. A 2ª fase compreende também várias fases: a) Em primeiro lugar, produz-se exemplar de cada uma das peças do “bodykit” a partir do “protótipo inicial”; b) Depois de produzida esta peça inicial, cada uma delas é montada no veículo para a afinação dos detalhes, isto é, para afinar o encaixe, furações, zonas de corte; do mesmo passo, verifica-se o produto final quanto ao nível estético; c) Por último, estas peças são preparadas quanto às superfícies (polimento e pintura) para, assim, se chegar ao “protótipo final”.
9. Esta fase é desenvolvida pela autora que, depois de produzir o “protótipo final” das peças que vão compor o veículo, as envia para uma empresa contratada para a sua produção em massa.
10. A 3ª fase de produção das peças em massa desenvolve-se nas seguintes etapas: a) Produção dos moldes (também designados por “ferramentas”): primeiro é necessário produzir o molde para a partir do mesmo, produzir peças em massa; b) Produção das peças.
11. Esta fase é desenvolvida por empresas contratadas pela autora.
12. Já a 4ª fase, que corresponde à etapa final de construção do veículo compreende: a) Pintura; b) Montagem das peças.
13. Esta fase é feita pela autora, que depois de receber da empresa contratada as peças, as pinta e instala no veículo.
14. O “bodykit” não é o mesmo para todos os carros, as peças que o compõem variam de modelo para modelo e em função do projeto desenvolvido.
15. No contexto da sua atividade, a autora em 12 de outubro de 2019, celebrou com a O...” (doravante O...), um contrato que tinha por objeto a produção, fabrico e montagem de um “bodykit” para o carro “...”.
16. Através desse contrato a autora obrigou-se a realizar, por si ou por terceiros, as fases 2, 3 e 4 supra descritas.
17. As relações comerciais entre a autora e a O... já remontavam há vários anos, sendo a O... a principal cliente da autora.
18. A O... é uma empresa sediada no ... que compra e vende automóveis de marcas de luxo, tais como a ..., ..., ..., ..., ..., ..., JJ, para serem modificados e posteriormente vendidos.
19. A O... é uma empresa que vende carros únicos e individualizados no mercado a partir das referidas marcas de automóveis.
20. Os clientes da O... são clientes exigentes e rigorosos na qualidade do produto que adquirem.
21. Nos termos do contrato referido, a O... colocava à disposição da autora os veículos de marca ..., competindo à autora produzir e fabricar o “bodykit” para esse modelo, proceder à montagem do veículo e entregá-lo à O....
22. A autora, nos termos do contrato celebrado com a O..., obrigou-se a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de 13.825,00€ (treze mil, oitocentos e vinte e cinco euros).
23. O cumprimento dos prazos na entrega dos carros é um elemento essencial do contrato celebrado entre a autora e a O... porque o interesse do cliente está sempre no último lançamento.
24. Os atrasos na entrega implicam a perda da oportunidade de negócio, dado que os clientes perdem o interesse no produto por o mesmo estar ultrapassado.
25. O “...” é comercializado em I..., novo, por um preço de aproximadamente 200 mil libras (sensivelmente 235 mil euros);
26. Depois de incorporado o “bodyKit o sobredito automóvel, a que é atribuída a denominação de “...” é comercializado por um valor de 270 mil libras (sensivelmente 315 mil euros).
27. O valor de mercado acrescido pelo “bodykit” tem de obter-se num curto espaço de tempo, normalmente de um ano, porque depois desse lapso de tempo a concorrência lança outros “bodykit” que também fidelizam clientela, ou o modelo automóvel em causa deixa de ser “novidade”.
28. Por tal motivo, o contrato celebrado entre a autora e a O... prevê uma cláusula que determina que o incumprimento dos prazos de entrega estabelecidos, confere à O... direito a uma indemnização correspondente a 8.000,00€ (oito mil euros) por cada carro não entregue.
29. A O... tem ainda o direito de ser ressarcida de todos os danos de imagem decorrentes da falta de cumprimento dos termos desse mesmo contrato.
30. Para a realização da 3.ª fase do processo referido de 4 a 13, a autora entregou à ré a produção das peças que compõem os “bodykit” dos sessenta “...” fornecidos pela O....
31. A ré é uma empresa que tem como objeto social a fabricação de acessórios, partes e peças separadas para veículos automóveis e respetivos motores; a fabricação e reconstrução de carroçarias concebidas para serem montadas em veículos automóveis ou veículos especiais, em aço, madeira, plástico ou outros materiais simples ou associados, entre outros.
32. Desde pelo menos o início do ano de 2019, a ré e a autora vinham encetando contactos, por iniciativa da primeira com o intuito de virem a celebrar um contrato mediante o qual a ré produziria as peças que compunham o “bodykit” encomendado à autora pela O....
33. As peças que compõem este “bodykit” são produzidas em carbono, sendo este o core business da ré.
34. No dia 15 de março de 2019, a ré fez uma apresentação da empresa, demonstrando as suas aptidões técnicas para a produção das peças que a autora pretendia.
35. As peças que compõem o “bodykit” para o “...” foram desenhadas e conceptualizadas pela O....
36. Porquanto, é a O... quem define as medidas, a forma e o aspeto final de cada uma dessas peças.
37. Todas estas informações constam de um ficheiro (fim da 1ª fase) que a O... fornece à autora e que a autora fornece à empresa contratada.
38. Este tipo de ficheiro permite à empresa que vai produzir as peças conhecer as medidas e o aspeto estético de cada peça.
39. E é a partir desta informação que a empresa subcontratada pela autora toma conhecimento do produto pretendido e calcula os custos, tempo e “ferramentas/moldes” necessárias à fabricação das peças que integram o “bodykit”.
40. Além deste ficheiro, a autora desenvolve o “protótipo final” destas peças, as quais são, a final, remetidas à empresa contratada que as vai produzir.
41. O “protótipo final” das peças corresponde exatamente àquilo que autora pretende que a empresa subcontratada produza.
42. Só depois de produzidas as ferramentas/moldes necessárias à produção de cada peça é que se inicia o processo de produção em massa.
43. No dia 10 de outubro de 2019, a autora enviou à ré via “Whatsapp”, um ficheiro ZIP em formato CAD com o desenho e as informações sobre as peças que a ré tinha de produzir e que compunham o projecto “...”.
44. O ficheiro continha informações relativas à dimensão, formato e aspeto estético das peças para, a partir delas, a ré perceber se tinha ou não capacidade de produção e quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes).
45. Estas informações serviram igualmente para a ré calcular o custo de cada peça, fazer o seu preço de mercado e estipular os prazos de entrega.
46. No dia 21 de outubro de 2019, HH e BB (um funcionário da ré) deslocaram-se à sede da autora para conhecer os produtos comercializados por esta última, ver um modelo pronto e compreenderem o que se pretendia com a realização do negócio e a qualidade subjacente à produção do “bodykit”.
47. A 23 de outubro de 2019, a ré apresentou a sua proposta de orçamento para a produção das peças, nos seguintes termos:
“Conforme falado tenho dois preços para ti:
Opção 1: 1x Carbono + 2 x Vidro: 4.240 Eur
Opção 2: 3x Vidro: 4.053 Eur.
Tudo em autoclave, e entregue trimado pronto a montar.
Quanto às ferramentas, fazemos a maioria em compósito com o material que
vamos acordar. Queria, no entanto, fazer 3 exceções neste projeto, asa pequena na lateral do difusor, embaladeira e aileron traseiro. Essas peças eu vou-te fornecer peças em impressão 3D para validares no carro protótipo, fazes o “corte e costura” em cima dessas peças de impressão 3D, e eu faço moldes em alumínio. Tu não gastas dinheiro a maquinar masters para essas peças, e eu diluo os custos das ferramentas em 20 carros.”
48. No dia 25 de outubro de 2019 a autora adjudicou a opção 1 da proposta apresentada pela ré, acrescentando ainda que:
“Relativamente ao modelo em concreto (... GT 2019) temos em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos, como tal, a diluição em 20 veículos parece-me bem. Aproveito para relembrar o envio de valores por peça, como tive oportunidade de anteriormente de mencionar, tenho de enviar um breakdown de valores para I.... Gostaria também que verificasses a questão das tintas e vernizes a utilizar neste material, é muito importante esta informação”.
49. O contrato celebrado entre a autora e a ré tinha por objeto a produção do “bodykit” para cada carro, o qual é composto pelas seguintes peças: lâmina da frente; capô; guarda-lamas; frisos de porta; saias laterais; painéis traseiros; para-choques traseiro; difusor traseiro; e aileron.
50. A ré obrigou-se a produzir as peças que compunham o “bodykit” para o “...”, o qual era composto pelas peças detalhadas, bem como a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção das peças, pelo preço de €4.240,00 (sem iva), por cada “bodykit” completo de um carro.
51. A autora concluiu a produção do “protótipo final” de parte das peças a produzir pela ré, enviando-lhe a 9 de dezembro de 2019 seis peças, entre as quais o para-choques frontal e as saias laterais.
52. Nessa data, HH, gerente da ré, comprometeu-se a enviar as primeiras peças no final de dezembro de 2019, início de janeiro de 2020.
53. A 13 de janeiro de 2020, HH informou via “Whatsapp” a autora de que o prazo de entrega passaria para o final do mês (janeiro).
54. A autora alertou a ré que que tinha prazos a cumprir e que o incumprimento dos mesmos acarretava prejuízos avultados.
55. No dia 16 de janeiro de 2020, II, sócio-gerente da autora, deslocou-se às instalações da ré para verificar o estado do processo de produção e verificar a qualidade das ferramentas/moldes que estavam a ser produzidos.
56. Neste dia, a ré ainda não iniciado a produção das ferramentas/moldes, muito menos das peças.
57. Pelo que, na aludida visita o sócio-gerente da autora decidiu, conjuntamente com a ré, que seria ela mesma a produzir algumas dessas ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção.
58. Pelo que, nesse mesmo dia a autora recolheu o “protótipo final” das peças enviadas em 9.12.2019, para produzir ela própria os moldes destas peças.
59. Nesta data, a autora tinha trabalhadores parados que aguardavam a chegada de peças para proceder à montagem dos carros.
60. A autora alocou trabalhadores à produção das ferramentas/moldes que, nos termos do acordo celebrado com a ré e de acordo com a proposta de orçamento aceite, seriam produzidos pela ré.
61. No dia 26 de fevereiro de 2020 a autora enviou à ré três moldes prontos para que esta iniciasse a produção das peças (moldes das saias laterais e do para-choques frente).
62. Nesta data já se tinha vencido o prazo indicado pela ré em 53., para a entrega do “bodykit” para a montagem do primeiro carro.
63. Em 12 de Fevereiro de 2019, a O... informou a autora de que o incumprimento dos prazos previstos estava a acarretar prejuízos e que caso persistissem tomariam uma atitude.
64. A autora informou a ré de que os atrasos na produção das peças estavam a gerar prejuízos, dando-lhe conta de que a O... tinha intenções de resolver o contrato caso se mantivesse o incumprimento.
65. A 27 de Março de 2020, a autora entregou à ré mais três moldes por si fabricados.
66. Em dia não concretamente apurado do início de março de 2020 a ré remeteu à autora as primeiras peças, que foram recusadas por não serem passíveis de encaixar no carro e terem anomalias nas superfícies.
67. No dia 26 de março de 2020, a ré entregou as segundas peças do primeiro carro designadamente: capô; conjunto de guarda-lamas; conjunto cantos de para-choques; para-choques frente e molde difusor traseiro.
68. As segundas peças também não encaixavam no carro, outras apesar de encaixarem, não eram simétricas, e outras não respeitavam as medidas e forma dos masters fornecidos, tendo sido alteradas na sua forma e no aspeto final.
69. A autora informou a ré por email de 1 de abril de 2020 de que as peças fornecidas “(…) não respeitavam as medidas e formas dos masters por nós fornecidos, e as peças que se pretendia que fossem em carbono visível apresentavam várias anomalias que não são de todo aceitáveis, visto serem as peças em que a qualidade visível das linhas do carbono tem de ser perentoriamente imaculada, algo que não se verificou (…).
70. A ré alegou que os defeitos se deviam ao facto de a autora ter adicionado requisitos ao longo do processo de produção, o que a autora negou.
71. Nas peças entregues pela ré em março de 2020 a autora assinalou os seguintes problemas:
- Abauladela no capot de 2-3 mm;
- Esquinas não estão coincidentes entre o capot e guarda-lamas;
- Desvios na trimagem;
- Lacagem das peças apresenta poros e escorridos de verniz;
- Problemas no corte das camadas e um enrugamento;
- Variações na largura das extremidades dos guarda-lamas entre 6-10 mm – os
guarda-lamas do lado esquerdo e do lado direito não eram simétricos;
- Variação no encosto da aba no guarda-lamas original;
- Defeitos superficiais na componente.
72. A ré elaborou um relatório datado de abril de 2020, no qual propõe mecanismos para solucionar ou para mitigar os problemas apontados pela autora, entre os quais a produção de uma ferramenta de colagem alegando que o molde original não podia ser usado devido à expansão da peça na cura.
73. A ré enviou novas peças à autora em 14 de abril de 2020.
74. As novas peças padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados, não podendo ser testadas no carro “devido ao desvio verificado das suas formas originais quando comparadas com os masters”.
75. Ante a recusa da autora em aceitar as peças, a ré imputou os problemas à alegada falta de ferramentas/moldes, afirmando que a autora não quis investir na produção dessas mesmas ferramentas/moldes.
76. Como à data a autora ainda não tinha montado um “bodykit” (e já devia ter entregue 15 carros à O...), foi forçada a trabalhar com as peças enviadas pela ré, tendo procedido a reparações adicionais em cada uma delas para montar um carro.
77. Para tal teve de aquecer as peças para que se tornassem maleáveis; depois teve de prender as peças ao carro para que adquirissem a forma do mesmo aquando do arrefecimento.
78. Quanto a outras, teve de as trabalhar com massas de enchimento para permitir refazer as formas alteradas pela ré.
79. E teve ainda de cortar e unir algumas peças.
80. No 16 de Abril de 2020, a autora recebeu um e-mail da O... em que esta lhe confere um prazo de 10 dias para a conclusão de um carro, sob pena de resolver o contrato e imputar os prejuízos incorridos.
81. A ré foi informada pela própria O... do teor daquela comunicação.
82. A ré informou então a autora que ela pretendia uma qualidade que não estava incluída no preço e de que nunca lhes tinha sido fornecida “informação concreta do nível de qualidade exigido, nem especificações”.
83. A ré tinha ainda prometido produzir quatro peças para “substituir aquelas que identificaram não poder usar” até ao dia 24 de abril de 2020, nomeadamente o para-choques frontal; o conjunto frisos de porta; o conjunto de lâminas das saias laterais e o conjunto de “pestanas”.
84. Como tais peças não foram entregues à autora, a 28 de abril de 2020, esta pediu que a ré informasse “o que vão entregar, quando vão entregar e em que condições o vão fazer”.
85. A ré informou que que as peças ainda não estavam concluídas, que estariam prontas a 29 de abril de 2020, com exceção do difusor, que poderia ser recolhido a 30 de abril de 2020.
86. Perante isto, a autora insistiu que a ré a informasse quanto aos prazos de entrega das peças referentes aos carros 2 e 3.
87. Em resposta, a ré informou que para a entrega das peças relativas aos carros seguintes iria rever os custos de produção, elaborando um novo orçamento.
88. Em 6 de Maio de 2020 a ré enviou uma nova proposta de orçamento, aumentando o custo de produção das peças em mais de 50%.
89. A autora não aceitou a nova proposta de orçamento, e solicitou à ré “com carácter de urgência a devolução de todos os moldes inclusive os que por vocês foram fabricados, bem como os masters fornecidos por nós para a fabricação dos mesmos”, bem como a preparação da recolha do material no dia 11 de maio de 2020.
90. A 12 de Maio de 2020 a ré informou que a autora só poderia recolher os moldes fabricados pela própria autora e os padrões/masters, desde que a fatura das peças já entregues fosse regularizada, uma vez que os por si produzidos “estão a ser revistos e a verificar os que podem ser reparados e utilizados, estamos também a calcular um custo que será enviado.”
91. No dia 15 de maio de 2020 a autora procedeu ao pagamento das peças para poder levantar os moldes e os masters na sede da ré.
92. Nos dias 18 e 19 de maio de 2020, a ré informou a autora de que os moldes e peças produzidos pela própria estavam embalados e à espera de recolha mas que não iria proceder à entrega dos “moldes que fabricou, e os mesmos vão ser destruídos” e “não vamos enviar”.
93. A autora insistiu junta da ré pela recolha de todos os moldes, caso contrário imputaria os prejuízos decorrentes da sua destruição.
94. Para proceder à entrega dos moldes a ré solicitou verbalmente que a autora declarasse que os aceitava nas condições em que os mesmos se encontravam “sem qualquer recurso contra a Op..., por garantias, falhas ou defeitos nos mesmos”, o que esta fez a 20 de maio de 2020.
95. A 26 de Maio de 2020 a ré enviou ainda à autora um email, com uma “transação” em anexo, cuja assinatura solicitava para “formalização quer da entrega dos moldes quer do fim da relação comercial.”.
96. Consta de tal documento, mormente da cláusula 7ª que: “A V... e a Op... declaram mútua e irrevogavelmente que: a) com a compra e venda dos moldes, termina a relação entre ambas; b) não existem motivos para qualquer litigância entre ambas; c) desde já, renunciam expressamente à reanálise do assunto e a qualquer pedido de indemnização decorrente do contrato em apreço.”
97. A autora recusou-se a assinar esse documento.
98. A ré entregou os protótipos finais entregues e os moldes produzidos pela autora, o que ocorreu a 7 e a 10 de Junho de 2020, mas não entregou os moldes por si produzidos.
99. Até junho de 2020 a ré não forneceu as peças para um único “bodykit” completo para aplicação no carro.
100. Para a produção do “bodykit” a autora suporta os seguintes custos:
- Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA);
- Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA);
101. Em virtude do incumprimento contratual da ré a autora deixou de obter um lucro de 199.625,00€ (25 carros x 7.985,00€ [13.825,00€ - 4240,00€ - 1.600.00€ =7.985,00€]).
102. Entre 26.01.2021 e 9.03.2021 a autora encetou negociações com a O... quanto ao montante da indemnização devido pelo incumprimento contratual, decorrente do referido em 28 e 29.
103. A autora ficou responsável pela montagem, pintura e lacagem das peças, bem como pelos ajustes a que houvesse lugar, durante o processo de montagem das peças no automóvel.
104. A autora não entregou todas as peças-modelo ao mesmo tempo; começou pela frente do carro e foi entregando as restantes peças até ao final de janeiro de 2020.
105. Os protótipos referidos em 51 eram apenas seis das vinte e quatro peças-modelo que deviam ter sido entregues.
106. O molde do para-choques traseiro feito pela própria autora chegou à ré em 10 de março de 2020.
107. De acordo com o relatório da “Informa” de 4 de maio de 2021 a autora obteve os seguintes resultados líquidos nos dois últimos exercícios:
2018 – 26.856,21€
2019 – 53.200,49€.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância: 

1. A O... perdeu a confiança na autora, cuja imagem está hoje descredibilizada
perante a sua cliente e no mercado.
2. Nas primeiras conversações entre as partes ficou claro que a autora não dispunha de budget para moldes em alumínio ou em carbono, os únicos capazes de produzir peças de alta qualidade.
3. Por isso, a Op..., tentou encontrar soluções de baixo custo para os moldes, que se enquadrassem na disponibilidade financeira da autora.
4. As peças que a autora entregou, e que serviam de modelo para os moldes, não coincidiam com o modelo 3D (CAD) entregue para orçamentação, tendo-se concluído que as mesmas eram mais complexas.
5. A Op... não usa esta solução de moldes em compósito (no caso, em fibra de vidro) para nenhum dos seus clientes.
6. O ficheiro CAD enviado pela autora apenas transmitia a imagem com a geometria e as formas nominais das peças, não especificando qualquer detalhe relativamente a acabamento de superfícies e tolerâncias.
7. A autora também nunca disponibilizou estas informações à ré, durante toda a execução do projeto.
8. Veio a verificar-se que várias das peças pretendidas pela autora tinham mais área de superfícies do que o enviado nos modelos CAD.
9. Com base no modelo CAD fornecido pela autora, a peça (front fender) seria somente uma casca exterior colada no guarda-lamas original.
10. Porém, quando a autora entregou a peça-modelo, a Op... percebeu que se pretendia moldar o interior da peça para esta assentar numa zona maior que o guarda-lamas.
11. O que levou a que fosse necessário produzir dois moldes, um exterior e outro interior e que a peça fosse composta de duas peças coladas.
12. O que também sucedeu com o molde da cava da roda traseira e o molde do capô.
13. Veio a verificar-se a existência das seguintes peças com mais área do que previsto originalmente, e que tiveram de ter mais moldes: Capot, GL FR Esq, GL FR Dta, GL TR Esq, GL TR Dta, Spoiler CL, Embaladeira Esq Carbon L, Embaladeira Drt Carbon L, Embaladeira Esq, Embaladeira Dta, Add on emb Esq Carbon L, Addon Emb Dir Carbon L, Friso Porta Esq, Friso Porta Dto, GL FRT Esq Peq, GL FRT Dir Peq.
14. O que significou que onze peças originais fossem transformadas em vinte e quatro peças finais, e que dezasseis dos vinte e quatro moldes fossem mais complexos do que o modelo CAD fornecido pela autora.
15. Pelo que os moldes levaram o dobro do tempo a fazer e tiveram um aumento significativo dos custos de produção.
16. A Op... nunca se comprometeu com prazos fixos, porque estava em causa um projeto de desenvolvimento (work in progress) que, por essa natureza, poderia levar sempre mais tempo do que o inicialmente previsto.
17. Nunca houve uma encomenda formal da autora com o número de peças encomendadas e o seu valor, a quantidade estava ainda em aberto.
18. Só é possível obter peças de alta precisão com um excelente acabamento de superfície com moldes de alto custo, como sejam os de alumínio ou de carbono.
19. As peças produzidas em moldes compósitos (fibra de vidro), são passíveis de pequenos defeitos, os quais podem ser removidos no acabamento e montagem.
20. Esses pequenos defeitos não eram suscetíveis de impedir a utilização das peças, e iriam sendo corrigidos ao longo do processo.
21. Esses pequenos defeitos apenas aconteceram porque a autora nunca forneceu à Op... qualquer documento relativo aos parâmetros de qualidade das peças.
22. As tolerâncias geométricas também nunca foram definidas pela autora, pelo que a ré assumiu que estas seriam relativamente alargadas e as peças seriam ajustadas na montagem.
23. A ré faz peças imaculadas para outros clientes, o que envolve um investimento do cliente em ferramentas de laminação metálicas, de recorte e colagem cujo custo é superior a 200.00,00€ (duzentos mil euros).
24. Para fazer os moldes a ré teve em média durante dois meses e meio três pessoas alocadas ao projeto (desde meados de setembro até ao final de dezembro).
25. A um custo horário de 30 Eur/hora, dá um valor de 39.600,00€ (trinta e nove mil e seiscentos euros).
26. Tipicamente para um projeto destes o custo da matéria-prima e consumíveis são 20% do valor das horas de mão-de-obra, por isso o custo de matéria-prima foi de 7.920,00€ (sete mil, novecentos e vinte euros).
27. Um dos custos que a Op... recupera também na produção em série são os custos associados à montagem do processo, o que inclui geração de ply kits, ply books, otimização de laminados e peças que são consideradas não utilizáveis enquanto o processo está a ser afinado.
28. Para este projeto a Op... despendeu 5.900,00€ (cinco mil e novecentos euros), assim discriminado:
- 50 horas de engenharia de processo: 50 x 50 Eur/hr = 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);
- 20 horas de máquina de corte para criar os processos de corte de pluykits: 20 x 60 Eur/hr = 1.200,00€ (mil e duzentos euros);
- 60 horas de laminação de peças que acabaram por não ser usadas: 60 x 30 Eur/hr = 1.800,00 € (mil e oitocentos euros);
- e cerca de 400,00€ (quatrocentos euros) de material.
29. A Op... suportou ainda o custo associado ao arranque formal do projeto e à gestão do mesmo na fase de desenvolvimento, correspondeu a 32 horas a 50 Eur/hr, num total de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros).
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

O recurso interposto pela Ré visa desde logo a reapreciação da decisão de facto.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Relativamente à prova e à sua valoração, impõe-se referir que quer na 1.ª Instância, quer na Relação, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios, em particular o da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º n.º 5 do CPC.
Prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respetivamente para a prova pericial, para a prova por inspeção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Atualizada, p. 435 a 436).
Está, por isso, em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, página 655).
“É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
O Tribunal, ao expressar a sua convicção, “deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 591).
De facto, dispõe o n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No entanto, não nos podemos aqui esquecer da aplicação dos princípios gerais da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sendo certo que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Como salienta Ana Luísa Geraldes (ob. cit. p. 609) em caso de dúvida “face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e impem distinta decisão.
Tendo por base estes considerandos analisemos a impugnação da matéria de facto.
*
Sustenta a Recorrente que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto aos pontos 24, 25, 26, 27, 44, 99, 100 e 101 dos factos provados e aos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 21 e 22 dos factos não provados; entendem anda que deve ser aditado um novo facto.
Vejamos se lhe assiste razão, seguindo quanto à impugnação da matéria de facto provada-, por razões de facilidade e coerência, a forma como a própria Recorrente apresentou a sua impugnação.
Pontos 24), 25), 26) e 27)
“24. Os atrasos na entrega implicam a perda da oportunidade de negócio, dado que os clientes perdem o interesse no produto por o mesmo estar ultrapassado.
25. O “...” é comercializado em I..., novo, por um preço de aproximadamente 200 mil libras (sensivelmente 235 mil euros);
26. Depois de incorporado o “bodyKit o sobredito automóvel, a que é atribuída a denominação de “...” é comercializado por um valor de 270 mil libras (sensivelmente 315 mil euros).
27. O valor de mercado acrescido pelo “bodykit” tem de obter-se num curto espaço de tempo, normalmente de um ano, porque depois desse lapso de tempo a concorrência lança outros “bodykit” que também fidelizam clientela, ou o modelo automóvel em causa deixa de ser “novidade”.
Sustenta a Recorrente que para dar como provada esta matéria o tribunal a quo se baseou apenas no depoimento da testemunha AA e invoca a falta de isenção e credibilidade do seu depoimento, entendendo que tem tanto ou mais interesse no desfecho da causa do que a própria Autora; entende ainda que não tendo sido os factos em causa comprovados por outros elementos de prova, nomeadamente documental, não poderiam ser dados como provados.
Vejamos.
Importa começar por referir que a circunstancia da testemunha AA ser CEO da sociedade O..., Ltd e esta sociedade ter celebrado contrato com a Autora, por esta incumprido e cujos prejuízos a Recorrente viria a ser condenada a pagar, não é motivo de per si para que o tribunal a quo não pudesse considerar as suas declarações e nem para se considerar sem mais ser uma testemunha parcial e não credível; veja-se, aliás, que a testemunha referiu efetivamente que aguardava o desfecho desta ação para dar entrada de ação contra a Autora para a sociedade “O...” ser ressarcida de prejuízos.
A este propósito pronunciou-se o tribunal a quo considerando que “(…) [A] testemunha foi clara nas palavras e explícita nas afirmações que fez, sendo inteiramente convincente quanto à matéria dos pontos 4 a 13, 18 a 29, 35 a 42, 80, 81, 99 e 102 dos factos provados. Apesar de a ré ter tentado por em causa a respetiva credibilidade, pelo facto da testemunha ser atualmente sócio na ..., com o II, legal representante da autora, na verdade tal questão não afetou a isenção da postura, revelando-se aquele bastante assertivo, objetivo e circunstanciado, demonstrando especiais conhecimentos do mercado e do ramo de negócio em causa.
Diga-se, aliás, que o depoimento apenas não foi suficiente para corroborar a matéria levada ao ponto um dos factos não provados, pois que a testemunha também reconheceu que apesar do problema sucedido não resolveu o contrato com a autora, que continua hoje a ser parceiro da “O..., Ltd”.
Ouvidas as declarações prestadas por esta testemunha e analisadas as mesmas no confronto com a mais prova produzida, testemunhal e documental, não vemos que possa afirmar-se como incorreta a convicção do tribunal a quo e nem que a testemunha tenha prestado um depoimento de forma parcial e não credível.
Acresce dizer que nada resulta dos autos que infirme o por si declarado quanto à importância do fator tempo e dos eventuais atrasos implicarem a perda da oportunidade de negócio (sendo que mesmo as regras da experiência comum, no que respeita ao mercado automóvel e ao segmento em causa, apontam nesse sentido) e nem quanto aos valores indicados.
Devem, pois manter-se os pontos 24), 25), 26) e 27).

Ponto 44 dos factos provados
“44. O ficheiro continha informações relativas à dimensão, formato e aspeto estético das peças para, a partir delas, a ré perceber se tinha ou não capacidade de produção e quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes)”.
Sustenta a Recorrente que o ponto 44) não devia ter sido dado como provado pelo menos na parte em que refere “o aspeto estético das peças” e a parte final “quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes”.
Para o efeito, invoca as declarações da testemunha AA, bem como das testemunhas BB e CC.
O tribunal a quo baseou a sua convicção nas declarações da testemunha CC e GG, consignando que:
“GG, engenheiro mecânico na “... – ...” desde 2013, disse que prestam serviços à autora e que por ela foram contratados em inícios de 2019 com vista a desenvolver os masters de peças em fibra de carbono, que servem para depois fazer os moldes através de um processo de engenharia inversa.
Referiu que já desenvolveram masters para dez carros diversos a pedido da autora, sendo que lhes é remetido/fornecido um ficheiro em formato CAD que já vem com a conceção de todo o estilo/design do carro, e que é a partir dele que fazem os masters de cada uma das peças, sendo que normalmente só surge um dos lados do veículo porque os lados são simétricos/funcionam em espelho, sendo que com o ficheiro consegue fazer todos os masters e quem produz moldes tem de o fazer também. Reforçou afirmando que se o ficheiro CAD só contém onze peças, como era o caso, elas têm de ser duplicadas, no caso do capô referiu que só se metade deles porque é simétrico, noutras peças surge um só lado, porque os lados do veículo são simétricos, como sucede com o guarda-lamas frontal (se surge o lado direito, o lado esquerdo tem de ser replicado), mas com este ficheiro consegue fazer todo o carro.
Explicou que a peça com maior área do carro é o capô, logo será a mais cara, além do difusor traseiro pela complexidade do desenho (0,67 m2), sendo que o custo de cada peça resulta sempre de uma ponderação da respetiva área e volumetria.
Mais confirmou ter entregue à autora um único master do difusor traseiro e um único master do capô, mas que a nível do fabrico é possível dividir peças para fazer a sua colagem na parte final, o que é normal suceder na produção de peças em série a partir de moldes em fibra, mas essa decisão é do produtor do molde.
O capô dos carros tem sempre de ter uma estrutura para o suportar, que não surge efetivamente no ficheiro CAD, onde só se vê o estilo/design, e noutras peças sucede o mesmo como sejam todas as peças móveis, sendo que o master vai com a peça completa, mas entre a autora e o produtor tem de ser acordada a realização da peça interna de fixação dele ao carro (normalmente com parafuso, não se cola).
Quanto à cava da roda da frente disse que só faz a um master tal como sucede com o capô, mas para esta ser acoplada ao carro tem de ter também um estrutura apta a tal.
Todas as peças com contorno têm de ter um desenho interno e externo, sendo que, no caso, o veículo tinha quatro peças com contorno que tinham a parte externa e também a parte interna desenhada no ficheiro CAD, mormente o para-choques inferior e o para-choques frontal (ali designada FS2); o aileron traseiro (ali designado RS1); o guarda-lamas traseiro (ali designado RF1); e a peça onde encaixa o difusor traseiro (ali designado RDF1).
Disse desconhecer se o ficheiro CAD que lhe foi facultado é o que foi enviado também à ré para fazer os moldes, mas visualizadas as imagens desse ficheiro facultado pelas partes ao tribunal, no computador disponibilizado na sala de audiências, disse a testemunha que corresponderá ao mesmo que lhe foi enviado e que nem poderia deixar de o ser sob pena de as peças em causa não serem iguais.
Considerando a postura assumida pela testemunha na sala de audiências, a colaboração prestada aquando da visualização do ficheiro CAD, a linguagem usada e as  explicações mais específicas oferecidas, a demonstrarem a especial aptidão técnica da testemunha para descrever o processo de criação dos masters, moldes e subsequente replicação de peças em série, além do manifesto desinteresse da mesma no desfecho dos autos, convenceu a mesma quanto à matéria dos pontos 4 a 13, 34 a 42 e 44 dos factos provados.
CC, técnico de compósito da ré desde março 2012, empresa que explicou dedicar-se à produção de compósitos para a indústria automóvel e aeronáutica, disse ser o responsável de gestão na fábrica sita em ..., ....
Explicou que recebido o protótipo fazem testes, tiram as peças e fazem os moldes, sendo o processo sempre desenvolvido com o feed back do cliente, que exige certos requisitos e que vão alterando até se conseguir fazer a peça a replicar em série através do molde.
Usam moldes em alumínio, em fibra de vidro e em carbono, porém, no caso, foi acordado fazer as peças com moldes de fibra de vidro por opção do cliente.
O II, gerente da autora, deslocou-se à fábrica da ré, em ..., com o colaborador DD, onde viram os moldes e as máquinas usadas.
A meio de processo chegou à conclusão que em face da geometria das peças modelo/masters que precisavam de ferramentas de colagem, uma vez que algumas teriam de ser divididas em duas partes, o que transmitiu à autora.
Explicou que quanto melhor é o molde melhor é a peça, sendo que no caso do molde em fibra de vidro o corte da peça é feito manualmente pelo que a margem de tolerância é menor, porque não há linha de fim de peça no próprio molde.
Admitiu que lhes foram entregues pela autora os masters das peças que serviam para desenvolver os moldes através do processo de engenharia inversa, e o ficheiro CAD com os desenhos/design do carro, tendo a produção tido início em dezembro de 2019.
Porém, só quando os masters começam a chegar é que se apercebeu que teriam de fazer mais peças que as que surgiam no ficheiro cad.
Quanto aos prazos fixados pela autora para a ré fornecer as peças disse desconhecer o acordado, só podendo afiançar que havia muita pressão por parte da autora para receber as peças finais, porém como o processo de desenvolvimento dos moldes foi mais lento que o esperado, assim como tiveram de desdobrar algumas peças em partes, não foi possível cumprir o calendário previsto.
Disse ainda que as indicações da autora quanto a margens de tolerância e especificações de acabamentos de qualidade foram genéricas, que a informação vinha a conta gotas, e que nunca lhes foi dito o que era um defeito admissível, sendo que as primeiras peças que fabricaram estavam a 90%, os 10% que faltavam eram alcançáveis nos ajustes finais de montagem.
Confirmou também que a determinada altura a autora e a ré decidiram fazer duas frentes de trabalho, pelo que a própria autora fez moldes na sua fábrica, tendo ele próprio dado formação a funcionários da autora, aliás o molde do splitter traseiro do carro foi feito pela autora.
O aludido depoimento foi valorado à matéria dos pontos 10, 11, 30 a 33, 43, 44, 49, 57, 66, 67, 71 a 73, 103 a 106 dos factos provados, devendo salientar-se que a testemunha revelou alguma animosidade e até irritação ante questões que foram colocadas em audiência pelo I.M da autora, revelando comprometimento com a defesa da posição da ré, sua entidade patronal, sendo até algo condescendente no discurso e na forma como explicou o método de trabalho da ré, o que prejudicou naturalmente a sua idoneidade e imparcialidade ante a questão em litígio”.
Mais consta da motivação exposta pelo tribunal a quo que:
“(…) Da conjugação das referidas declarações, depoimento de parte e prova documental carreada nos autos, com a prova testemunhal sumariada, resultou a convicção do Tribunal quanto à matéria de facto dada provada e não provada, sendo patente que a autora logrou comprovar a versão dos factos sustentada na petição.
Veja-se por exemplo, e desde logo, a incongruência da posição assumida pela ré após ser questionada pela autora, face à derrapagem dos prazos de entrega do “bodykit” (que não pode alegar desconhecer ante o contrato celebrado entre a autora e a O... Inglaterra, face ao que resulta das comunicações trocadas entre as partes e mesmo ante o depoimento de AA) para quando previa a entrega de peças para os 2.º e 3.º carro, isto em 28 e 29.04.2020, que não só diz que vai orçamentar novo custo, como argumenta que tal se impõe porque só nessa fase tomaram consciência dos requisitos de qualidade exigidos pela autora, como depois demora seis dias a fornecer o orçamento.
Acresce que, ante a recusa da autora em aceitar essa proposta de orçamento, exigiu a ré, antes de proceder à devolução dos masters da autora e dos moldes por ela produzidos (já que os que a ré produziu nunca foram entregues), o pagamento da fatura das peças já entregues, e ainda assim liquidada a mesma fatura a 15.05.2020, exigiu que a autora fizesse a declaração referida no ponto 94 dos factos provados (de 20.05.2020) e a 26.05.2020 ainda tenta que a autora assine a “transação” referida no ponto 95 e 96 dos factos provados, e só a 7 e 10.07.2020 devolve à autora os masters e os moldes referidos.
Mais, não podemos deixar de afirmar que, se a ré decidiu apresentar o orçamento a 23.10.2019, com base apenas no ficheiro CAD fornecido pela autora, que tal questão apenas a si e aos seus serviços comerciais é imputável, pois nada a impedia de solicitar à autora outros elementos, ou de dizer que o orçamento era condicional, ficando sujeito a atualização do preço e mesmo a um aumento dele até determinada percentagem, caso se verificasse, após a entrega dos masters, a existência de requisitos que obrigariam a um processo de desenvolvimento de moldes mais complexos, seja por necessidade de fazer mais peças, ou por necessidade de desdobrar peças, que tivessem depois de ser coladas com ferramentas específicas”.
Resulta da análise da motivação constante da decisão recorrida, designadamente do que se acabou de transcrever, que o tribunal a quo equacionou a prova testemunhal produzida, bem como a prova documental constante dos autos e as declarações prestadas pelos legais representantes das partes, e fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, designadamente porque deu mais credibilidade às declarações prestadas pelo legal representante da Autora e à versão dos factos por esta apresentada.
E, ouvidas as declarações, não de forma isolada mas conjugada com a prova documental, não entendemos que possa afirmar-se errada a convicção formada pelo tribunal a quo.
De facto, não basta proceder à transcrição de alguns excertos das declarações prestadas pelas testemunhas para que se possa afirmar um facto.
E, ouvidos os depoimentos testemunhas AA, BB e CC, não entendemos que as mesmas justifiquem a alteração do ponto 44); importa considerar em particular o depoimento da testemunha GG que referiu que o ficheiro em formato CAD vem com a conceção de todo o estilo/design do carro, e que é a partir dele que fazem os masters de cada uma das peças, sendo que normalmente só surge um dos lados do veículo porque os lados são simétricos/funcionam em espelho, e que com o ficheiro consegue fazer todos os masters e quem produz moldes tem de o fazer também, confirmando que o ficheiro CAD que lhe foi facultado corresponderá ao que foi enviado também à Ré para fazer os moldes, e ainda o email de fls. 231 enviado pela Ré com os valores por peça, em conjugação com as declarações do legal representante da Autora relativamente às medidas e valores. Acresce dizer que não consta da prova produzida nos autos que a Ré tivesse apontado qualquer problema ou tivesse suscitado qualquer esclarecimento à Autora relativamente ao ficheiro CAD que dificultasse a compreensão do pretendido pela Autora e do que deveria ser executado pela Ré.

Deve, pois manter-se o ponto 44).

Ponto 99 dos factos provados
“99. Até junho de 2020 a ré não forneceu as peças para um único “bodykit” completo para aplicação no carro”.
Sustenta a Ré que as testemunhas confirmaram que tinham montado um carro, o primeiro, em maio de 2020; invoca o depoimento das testemunhas DD, FF e CC, bem como nas declarações prestadas pelo próprio legal representante da Autora.
Porém, e conforme já referimos, não basta proceder à transcrição de alguns excertos das declarações prestadas; os pequenos excertos transcritos não podem, obviamente, ser interpretado fora do contexto de todo o depoimento e fora da análise conjugada de toda a prova produzida.
Como bem se refere na sentença recorrida “apesar de a ré ter assumido o compromisso de fazer a substituição de quatro peças até 24.04.2020, que “não se podiam usar” e que a autora não logrou sequer reparar ela própria, também acabou por não cumprir com esta obrigação em prazo, como resulta ainda dos pontos 83 a 98 dos factos provados, voltando a determinar um atraso na montagem do “bodykit” do 1.º carro, que só ficou pronto em Maio de 2020, mas que acabou por ser desmontado face às vicissitudes entretanto ocorridas e que levaram à rutura da relação entre as partes.
De facto, antes a reação da ré quanto questionada pela autora sobre os prazos de entrega das peças do “bodykit” a instalar nos carros seguintes (n.º 2 e n.º 3), que decidiu apresentar novos preços unilateralmente, tal qual decorre dos mencionados pontos 83 a 98 da matéria provada, a autora solicitou a devolução dos masters e dos moldes, pondo termo ao contrato celebrado, por não aceitar a proposta de orçamento enviada a 6.05.2020, vindo desde aí a ré a protelar aquela devolução, que veio a fazer em Junho de 2020, mas sem nunca entregar os moldes por si produzidos, o que obrigou a autora a desmontar o 1.º carro para poder fazer moldes das peças cujos moldes a ré não devolveu para as poder replicar em série”.
Conforme decorre da matéria de facto provada, que antecede o ponto 99) em causa, e que a Recorrente não impugnou, em dia não concretamente apurado do início de março de 2020 a Ré remeteu à Autora as primeiras peças, que foram recusadas por não serem passíveis de encaixar no carro e terem anomalias nas superfícies; em 26 de março de 2020, a Ré entregou as segundas peças do primeiro carro designadamente: capô; conjunto de guarda-lamas; conjunto cantos de para-choques; para-choques frente e molde difusor traseiro, as quais também não encaixavam no carro, outras apesar de encaixarem, não eram simétricas, e outras não respeitavam as medidas e forma dos masters fornecidos, tendo sido alteradas na sua forma e no aspeto final.
A Ré enviou novas peças à Autora em 14 de abril de 2020, as quais padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados, não podendo ser testadas no carro “devido ao desvio verificado das suas formas originais quando comparadas com os masters”.
Como à data a Autora ainda não tinha montado um “bodykit” (e já devia ter entregue 15 carros à O...), foi forçada a trabalhar com as peças enviadas pela Ré, tendo procedido a reparações adicionais em cada uma delas para montar um carro e para tal teve de aquecer as peças para que se tornassem maleáveis; depois teve de prender as peças ao carro para que adquirissem a forma do mesmo aquando do arrefecimento; e quanto a outras, teve de as trabalhar com massas de enchimento para permitir refazer as formas alteradas pela Ré e teve ainda de cortar e unir algumas peças.
Acresce ainda que a Ré entregou os protótipos finais e os moldes produzidos pela Autora, a 7 e a 10 de junho de 2020, mas não entregou os moldes por si produzidos, e o “bodykit” do 1.º carro, se ficou pronto em maio de 2020, acabou por ser desmontado para a “Autora poder fazer moldes das peças cujos moldes a Ré não devolveu para as poder replicar em série”.
Assim, do exposto decorre que se em maio de 2020 ficou pronto o “bodykit” do 1.º carro, tal não é o mesmo que poder afirmar-se que até junho de 2020 a Ré forneceu as peças para um “bodykit” completo para aplicação no carro de forma a julgar não provado o ponto 99) conforme pretende a Recorrente. É que esse “bodykit” não resultou sem mais das peças enviadas pela Ré à Autora, mas das reparações que a Autora teve de levar a cabo nestas, em face dos problemas existentes nas peças fornecidas pela Ré.

Deve, por isso, manter-se o ponto 99).
Pontos 100 e 101 dos factos provados
“100. Para a produção do “bodykit” a autora suporta os seguintes custos:
- Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA);
- Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA);
101. Em virtude do incumprimento contratual da ré a autora deixou de obter um lucro de 199.625,00€ (25 carros x 7.985,00€ [13.825,00€ - 4240,00€ - 1.600.00€ =7.985,00€])”.
Sustenta a Recorrente que não sabe onde recolheu prova o tribunal a quo que lhe permitisse dar como assente o valor pago pela Autora no que respeita aos serviços de pintura, não tendo sido junto qualquer documento, e nem produzida prova testemunhal.
Entende que deve ser dado como não provado o valor referente a estes serviços de pintura, o que interfere no lucro que a Autora deixou de auferir.
Vejamos.
O tribunal a quo considerou o depoimento da testemunha KK, contabilista da Autora desde 2003/2004.
Contudo, se atentarmos na petição inicial a matéria em causa corresponde ao alegado nos artigos 231º e 232º, matéria que a Ré não impugnou no seu articulado de contestação.
O valor de €1.600,00 (sem IVA) para o serviço pintura, alegado pela Autora, não foi objeto de impugnação pela Ré.

Deve, pois, manter-se o ponto 100) dos factos provados.
Quanto ao ponto 101) dos factos provados está em causa matéria manifestamente conclusiva e desnecessária em face da matéria de facto já julgada provada.
Assim, consta já do ponto 22) dos factos provados que a Autora, nos termos do contrato celebrado com a O..., obrigou-se a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de €13.825,00, e consta do ponto 100) que para a produção do “bodykit” a Autora suporta os seguintes custos: Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA); Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA).
A questão do incumprimento contratual da Ré será conhecida em sede de direito, sendo aliás o cerne do litigio em discussão nos presentes autos, e o montante do lucro cessante será retirado dos factos já julgados provados.

Determina-se, dessa forma, a eliminação do ponto 101) da matéria de facto.
Relativamente aos pontos da matéria de facto impugnada iremos começar por apreciar em bloco, ainda que a Recorrente os tenha separado, os pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 21 e 22 dos factos não provados uma vez que se encontram interligados.
Pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 21 e 22 dos factos não provados
“4. As peças que a autora entregou, e que serviam de modelo para os moldes, não coincidiam com o modelo 3D (CAD) entregue para orçamentação, tendo-se concluído que as mesmas eram mais complexas.
6. O ficheiro CAD enviado pela autora apenas transmitia a imagem com a geometria e as formas nominais das peças, não especificando qualquer detalhe relativamente a acabamento de superfícies e tolerâncias.
7. A autora também nunca disponibilizou estas informações à ré, durante toda a execução do projeto.
8. Veio a verificar-se que várias das peças pretendidas pela autora tinham mais área de superfícies do que o enviado nos modelos CAD.
9. Com base no modelo CAD fornecido pela autora, a peça (front fender) seria somente uma casca exterior colada no guarda-lamas original.
10. Porém, quando a autora entregou a peça-modelo, a Op... percebeu que se pretendia moldar o interior da peça para esta assentar numa zona maior que o guarda-lamas.
11. O que levou a que fosse necessário produzir dois moldes, um exterior e outro interior e que a peça fosse composta de duas peças coladas.
12. O que também sucedeu com o molde da cava da roda traseira e o molde do capô.
15. Pelo que os moldes levaram o dobro do tempo a fazer e tiveram um aumento significativo dos custos de produção.
21. Esses pequenos defeitos apenas aconteceram porque a autora nunca forneceu à Op... qualquer documento relativo aos parâmetros de qualidade das peças.
22. As tolerâncias geométricas também nunca foram definidas pela autora, pelo que a ré assumiu que estas seriam relativamente alargadas e as peças seriam ajustadas na montagem”.
Esta matéria de facto, julgada não provada pelo tribunal a quo, e que a Recorrente pretende ver dada como provada corresponde à versão carreada para os autos pela Ré, designadamente no que respeita CAD fornecido pela Autora.
Valem, por isso, aqui as considerações já tecidas relativamente ao ponto 44) dos factos provados.
Por outro lado, não decorre com segurança da prova produzida que a Autora ao contratar com a Ré a execução das peças em massa tivesse de enviar (ou se tivesse comprometido) informação sobre margens de tolerância ou parâmetros de qualidade.
Conforme decorre dos pontos 4) a 13) dos factos provados, matéria não impugnada pela Recorrente, o processo de produção do “bodykit”, desde o seu design e idealização até à montagem no veículo automóvel, corresponde a um conjunto de quatro fases, em que a 1ª fase é efetuada pelo cliente final da Autora, a 2.ª e 4.ª fases são efetuadas pela Autora, e a 3.ª fase é efetuada por empresas contratadas pela autora.
A 2ª fase, levada a cabo pela Autora, compreende também várias fases: a) Em primeiro lugar, produz-se exemplar de cada uma das peças do “bodykit” a partir do “protótipo inicial”; b) Depois de produzida esta peça inicial, cada uma delas é montada no veículo para a afinação dos detalhes, isto é, para afinar o encaixe, furações, zonas de corte; do mesmo passo, verifica-se o produto final quanto ao nível estético; c) Por último, estas peças são preparadas quanto às superfícies (polimento e pintura) para, assim, se chegar ao “protótipo final”.
Esta fase é desenvolvida pela Autora que, depois de produzir o “protótipo final” das peças que vão compor o veículo, as envia para uma empresa contratada para a sua produção em massa (ponto 9 dos factos provados).
A Ré foi contratada pela Autora para executar esta 3ª fase de produção das peças em massa que se desenvolve em duas etapas: a) Produção dos moldes (também designados por “ferramentas”): primeiro é necessário produzir o molde para a partir do mesmo, produzir peças em massa; b) Produção das peças.
Ou seja, a Ré deveria produzir em massa peças correspondentes à “peça/ protótipo final” produzida pela Autora.
Por outro lado, decorre ainda do ponto 46 dos factos provados que no dia 21 de outubro de 2019, HH e BB (funcionário da Ré) se deslocaram à sede da Autora para conhecer os produtos comercializados por esta última, ver um modelo pronto e compreenderem o que se pretendia com a realização do negócio e a qualidade subjacente à produção do “bodykit”.
De salientar ainda que a Ré, não obstante ter impugnado o ponto 44) dos factos provados e os referidos pontos dos factos não provados, não impugnou os pontos 13) e 14) dos factos não provados, matéria também correspondente ao por si alegado na contestação nos artigos 29º a 31º, sendo certo que o alegado no artigo 32º, correspondente ao ponto 15) dos factos não provados, vem na sequência do também alegado nos artigos anteriores.
Devem, pois, manter-se estes pontos na matéria de facto não provada.
Quanto ao aditamento do ponto 15-A formulado pela Recorrente (“A maioria dos problemas existentes nas peças adveio do processo de colagem, o qual não tinha sido inicialmente contratado pela Autora”) importa referir não se tratar de matéria alegada pela Recorrente no seu articulado de contestação; o que a Recorrente alegou é que os “pequenos defeitos apenas aconteceram porque a autora nunca forneceu à Op... qualquer documento relativo aos parâmetros de qualidade das peças”, e não que decorreram na maioria do processo de colagem.
De todo o modo, não entendemos que tal matéria deva ser julgada provada.

Pontos 16 e 17 dos factos não provados
“16. A Op... nunca se comprometeu com prazos fixos, porque estava em causa um projeto de desenvolvimento (work in progress) que, por essa natureza, poderia levar sempre mais tempo do que o inicialmente previsto.
17. Nunca houve uma encomenda formal da autora com o número de peças encomendadas e o seu valor, a quantidade estava ainda em aberto”.
Sustenta a Recorrente que se trata de um ramo de atividade que visa criação material de algo inexistente que tem de passar por um processo evolutivo que implica ajustes e afinamentos sendo inverosímil que entre a Autora e a Ré tivessem ficado acordados prazos fixos e que a Recorrente forneceu um prazo meramente indicativo para conclusão das primeiras peças.
E que a Autora nunca procedeu a uma encomenda formal de um determinado número de “bodykits”.
Vejamos.
Tal como argumenta a Recorrida nas suas contra-alegações, resulta expressamente da matéria de facto provada, que a Recorrente não impugnou, que a 23 de outubro de 2019, a Ré apresentou a sua proposta de orçamento para a produção das peças, onde, para além do mais, consignava que “Queria, no entanto, fazer 3 exceções neste projeto, asa pequena na lateral do difusor, embaladeira e aileron traseiro. Essas peças eu vou-te fornecer peças em impressão 3D para validares no carro protótipo, fazes o “corte e costura” em cima dessas peças de impressão 3D, e eu faço moldes em alumínio. Tu não gastas dinheiro a maquinar masters para essas peças, e eu diluo os custos das ferramentas em 20 carros.”
No dia 25 de outubro de 2019 a autora adjudicou a opção 1 da proposta apresentada pela Ré, e consignou também que: “Relativamente ao modelo em concreto (... GT 2019) temos em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos, como tal, a diluição em 20 veículos parece-me bem. Aproveito para relembrar o envio de valores por peça, como tive oportunidade de anteriormente de mencionar, tenho de enviar um breakdown de valores para I.... Gostaria também que verificasses a questão das tintas e vernizes a utilizar neste material, é muito importante esta informação”.
E a Ré obrigou-se a produzir as peças que compunham o “bodykit” para o “...”, bem como a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção das peças, pelo preço de €4.240,00 (sem iva), por cada “bodykit” completo de um carro.
A Autora concluiu a produção do “protótipo final” de parte das peças a produzir pela Ré, enviando-lhe a 9 de dezembro de 2019 seis peças, entre as quais o para-choques frontal e as saias laterais e nessa data, HH, gerente da Ré, comprometeu-se a enviar as primeiras peças no final de dezembro de 2019, início de janeiro de 2020. A 13 de janeiro de 2020, HH informou via “Whatsapp” a Autora de que o prazo de entrega passaria para o final do mês (janeiro).
Resulta ainda do a Autora alertou a Ré que tinha prazos a cumprir e que o incumprimento dos mesmos acarretava prejuízos avultados.
Em face destes factos provados, não se pode, sob pena de incorrer em inevitáveis contradições, julgar provado que a Ré nunca se comprometeu com prazos fixos, nunca houve uma encomenda da Autora com o número de peças encomendadas e o seu valor, e que a quantidade estava ainda em aberto.
De facto, não só a Ré se comprometeu com prazos, como se obrigou a produzir as peças que compunham o “bodykit”, e as ferramentas/moldes necessários à produção das peças, pelo preço de €4.240,00 (sem iva), por cada “bodykit” completo de um carro, e ela própria propôs fornecer algumas peças em impressão 3D para a Autora não gastar dinheiro a maquinar masters para essas peças, diluindo os custos das ferramentas em 20 carros, ao que a Autora respondeu  ter em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos, e como tal, a diluição em 20 veículos parecia bem.
Pelo exposto, altera-se a decisão proferida pelo tribunal a quo apenas quanto ao ponto 101 dos factos provados, determinando-se a sua eliminação e renumerando-se os factos provados seguintes em conformidade, mantendo-se no mais inalterada a matéria de facto tal como fixada em 1ª instância.

Passará, assim a matéria de facto a ter a seguinte formulação:
Factos provados:
1. A autora dedica-se ao comércio, importação e exportação de veículos automóveis, motociclos e barcos, desenvolvendo peças, acessórios e materiais para a construção daqueles bens.
2. No exercício da sua atividade, a autora desenvolve projetos para a alteração estética de carros, incorporando no automóvel um “kit” de peças para, a final, lhe conferir um design diferente e exclusivo.
3. Para tanto desenvolve e produz aquilo a que se chama um “bodykit” que será montado nos automóveis.
4. O processo de produção do “bodykit”, desde o seu design e idealização até à montagem no veículo automóvel, corresponde a um conjunto de quatro fases.
5. A 1ª fase é efetuada pelo cliente final da autora, a 2.ª e 4.ª fases são efetuadas pela autora, a 3.ª fase é efetuada por empresas contratadas pela autora.
6. A 1ª fase subdivide-se em várias etapas: a) Digitalização do carro: o processo começa pela digitalização do carro para o qual vão ser desenhadas as peças; b) Criação artística: desenho de um conjunto de peças para a criação do modelo; c) Fusão das peças desenhadas no carro digitalizado: depois de criadas as peças, elas são incorporadas na digitalização para se chegar a um ficheiro que é composto com a versão do carro já modificado e a partir da qual vai ser materializado o projeto; d) Impressão das peças em 3D: as peças do carro são impressas por um robot em 3D; depois de impressas chega-se ao “protótipo inicial” do carro.
7. Esta fase é desenvolvida pelos clientes finais da autora, que, depois de produção do “protótipo inicial” das peças que vão compor o veículo, as enviam à autora.
8. A 2ª fase compreende também várias fases: a) Em primeiro lugar, produz-se exemplar de cada uma das peças do “bodykit” a partir do “protótipo inicial”; b) Depois de produzida esta peça inicial, cada uma delas é montada no veículo para a afinação dos detalhes, isto é, para afinar o encaixe, furações, zonas de corte; do mesmo passo, verifica-se o produto final quanto ao nível estético; c) Por último, estas peças são preparadas quanto às superfícies (polimento e pintura) para, assim, se chegar ao “protótipo final”.
9. Esta fase é desenvolvida pela autora que, depois de produzir o “protótipo final” das peças que vão compor o veículo, as envia para uma empresa contratada para a sua produção em massa.
10. A 3ª fase de produção das peças em massa desenvolve-se nas seguintes etapas: a) Produção dos moldes (também designados por “ferramentas”): primeiro é necessário produzir o molde para a partir do mesmo, produzir peças em massa; b) Produção das peças.
11. Esta fase é desenvolvida por empresas contratadas pela autora.
12. Já a 4ª fase, que corresponde à etapa final de construção do veículo compreende: a) Pintura; b) Montagem das peças.
13. Esta fase é feita pela autora, que depois de receber da empresa contratada as peças, as pinta e instala no veículo.
14. O “bodykit” não é o mesmo para todos os carros, as peças que o compõem variam de modelo para modelo e em função do projeto desenvolvido.
15. No contexto da sua atividade, a autora em 12 de outubro de 2019, celebrou com a O...” (doravante O...), um contrato que tinha por objeto a produção, fabrico e montagem de um “bodykit” para o carro “...”.
16. Através desse contrato a autora obrigou-se a realizar, por si ou por terceiros, as fases 2, 3 e 4 supra descritas.
17. As relações comerciais entre a autora e a O... já remontavam há vários anos, sendo a O... a principal cliente da autora.
18. A O... é uma empresa sediada no ... que compra e vende automóveis de marcas de luxo, tais como a ..., ..., ..., ..., ..., ..., JJ, para serem modificados e posteriormente vendidos.
19. A O... é uma empresa que vende carros únicos e individualizados no mercado a partir das referidas marcas de automóveis.
20. Os clientes da O... são clientes exigentes e rigorosos na qualidade do produto que adquirem.
21. Nos termos do contrato referido, a O... colocava à disposição da autora os veículos de marca ..., competindo à autora produzir e fabricar o “bodykit” para esse modelo, proceder à montagem do veículo e entregá-lo à O....
22. A autora, nos termos do contrato celebrado com a O..., obrigou-se a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de 13.825,00€ (treze mil, oitocentos e vinte e cinco euros).
23. O cumprimento dos prazos na entrega dos carros é um elemento essencial do contrato celebrado entre a autora e a O... porque o interesse do cliente está sempre no último lançamento.
24. Os atrasos na entrega implicam a perda da oportunidade de negócio, dado que os clientes perdem o interesse no produto por o mesmo estar ultrapassado.
25. O “...” é comercializado em I..., novo, por um preço de aproximadamente 200 mil libras (sensivelmente 235 mil euros);
26. Depois de incorporado o “bodyKit o sobredito automóvel, a que é atribuída a denominação de “...” é comercializado por um valor de 270 mil libras (sensivelmente 315 mil euros).
27. O valor de mercado acrescido pelo “bodykit” tem de obter-se num curto espaço de tempo, normalmente de um ano, porque depois desse lapso de tempo a concorrência lança outros “bodykit” que também fidelizam clientela, ou o modelo automóvel em causa deixa de ser “novidade”.
28. Por tal motivo, o contrato celebrado entre a autora e a O... prevê uma cláusula que determina que o incumprimento dos prazos de entrega estabelecidos, confere à O... direito a uma indemnização correspondente a 8.000,00€ (oito mil euros) por cada carro não entregue.
29. A O... tem ainda o direito de ser ressarcida de todos os danos de imagem decorrentes da falta de cumprimento dos termos desse mesmo contrato.
30. Para a realização da 3.ª fase do processo referido de 4 a 13, a autora entregou à ré a produção das peças que compõem os “bodykit” dos sessenta “...” fornecidos pela O....
31. A ré é uma empresa que tem como objeto social a fabricação de acessórios, partes e peças separadas para veículos automóveis e respetivos motores; a fabricação e reconstrução de carroçarias concebidas para serem montadas em veículos automóveis ou veículos especiais, em aço, madeira, plástico ou outros materiais simples ou associados, entre outros.
32. Desde pelo menos o início do ano de 2019, a ré e a autora vinham encetando contactos, por iniciativa da primeira com o intuito de virem a celebrar um contrato mediante o qual a ré produziria as peças que compunham o “bodykit” encomendado à autora pela O....
33. As peças que compõem este “bodykit” são produzidas em carbono, sendo este o core business da ré.
34. No dia 15 de março de 2019, a ré fez uma apresentação da empresa, demonstrando as suas aptidões técnicas para a produção das peças que a autora pretendia.
35. As peças que compõem o “bodykit” para o “...” foram desenhadas e conceptualizadas pela O....
36. Porquanto, é a O... quem define as medidas, a forma e o aspeto final de cada uma dessas peças.
37. Todas estas informações constam de um ficheiro (fim da 1ª fase) que a O... fornece à autora e que a autora fornece à empresa contratada.
38. Este tipo de ficheiro permite à empresa que vai produzir as peças conhecer as medidas e o aspeto estético de cada peça.
39. E é a partir desta informação que a empresa subcontratada pela autora toma conhecimento do produto pretendido e calcula os custos, tempo e “ferramentas/moldes” necessárias à fabricação das peças que integram o “bodykit”.
40. Além deste ficheiro, a autora desenvolve o “protótipo final” destas peças, as quais são, a final, remetidas à empresa contratada que as vai produzir.
41. O “protótipo final” das peças corresponde exatamente àquilo que autora pretende que a empresa subcontratada produza.
42. Só depois de produzidas as ferramentas/moldes necessárias à produção de cada peça é que se inicia o processo de produção em massa.
43. No dia 10 de outubro de 2019, a autora enviou à ré via “Whatsapp”, um ficheiro ZIP em formato CAD com o desenho e as informações sobre as peças que a ré tinha de produzir e que compunham o projecto “...”.
44. O ficheiro continha informações relativas à dimensão, formato e aspeto estético das peças para, a partir delas, a ré perceber se tinha ou não capacidade de produção e quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes).
45. Estas informações serviram igualmente para a ré calcular o custo de cada peça, fazer o seu preço de mercado e estipular os prazos de entrega.
46. No dia 21 de outubro de 2019, HH e BB (um funcionário da ré) deslocaram-se à sede da autora para conhecer os produtos comercializados por esta última, ver um modelo pronto e compreenderem o que se pretendia com a realização do negócio e a qualidade subjacente à produção do “bodykit”.
47. A 23 de outubro de 2019, a ré apresentou a sua proposta de orçamento para a produção das peças, nos seguintes termos:
“Conforme falado tenho dois preços para ti:
Opção 1: 1x Carbono + 2 x Vidro: 4.240 Eur
Opção 2: 3x Vidro: 4.053 Eur.
Tudo em autoclave, e entregue trimado pronto a montar.
Quanto às ferramentas, fazemos a maioria em compósito com o material que
vamos acordar. Queria, no entanto, fazer 3 exceções neste projeto, asa pequena na lateral do difusor, embaladeira e aileron traseiro. Essas peças eu vou-te fornecer peças em impressão 3D para validares no carro protótipo, fazes o “corte e costura” em cima dessas peças de impressão 3D, e eu faço moldes em alumínio. Tu não gastas dinheiro a maquinar masters para essas peças, e eu diluo os custos das ferramentas em 20 carros.”
48. No dia 25 de outubro de 2019 a autora adjudicou a opção 1 da proposta apresentada pela ré, acrescentando ainda que:
“Relativamente ao modelo em concreto (... GT 2019) temos em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos, como tal, a diluição em 20 veículos parece-me bem. Aproveito para relembrar o envio de valores por peça, como tive oportunidade de anteriormente de mencionar, tenho de enviar um breakdown de valores para I.... Gostaria também que verificasses a questão das tintas e vernizes a utilizar neste material, é muito importante esta informação”.
49. O contrato celebrado entre a autora e a ré tinha por objeto a produção do “bodykit” para cada carro, o qual é composto pelas seguintes peças: lâmina da frente; capô; guarda-lamas; frisos de porta; saias laterais; painéis traseiros; para-choques traseiro; difusor traseiro; e aileron.
50. A ré obrigou-se a produzir as peças que compunham o “bodykit” para o “...”, o qual era composto pelas peças detalhadas, bem como a produzir as ferramentas/moldes necessários à produção das peças, pelo preço de €4.240,00 (sem iva), por cada “bodykit” completo de um carro.
51. A autora concluiu a produção do “protótipo final” de parte das peças a produzir pela ré, enviando-lhe a 9 de dezembro de 2019 seis peças, entre as quais o para-choques frontal e as saias laterais.
52. Nessa data, HH, gerente da ré, comprometeu-se a enviar as primeiras peças no final de dezembro de 2019, início de janeiro de 2020.
53. A 13 de janeiro de 2020, HH informou via “Whatsapp” a autora de que o prazo de entrega passaria para o final do mês (janeiro).
54. A autora alertou a ré que que tinha prazos a cumprir e que o incumprimento dos mesmos acarretava prejuízos avultados.
55. No dia 16 de janeiro de 2020, II, sócio-gerente da autora, deslocou-se às instalações da ré para verificar o estado do processo de produção e verificar a qualidade das ferramentas/moldes que estavam a ser produzidos.
56. Neste dia, a ré ainda não iniciado a produção das ferramentas/moldes, muito menos das peças.
57. Pelo que, na aludida visita o sócio-gerente da autora decidiu, conjuntamente com a ré, que seria ela mesma a produzir algumas dessas ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção.
58. Pelo que, nesse mesmo dia a autora recolheu o “protótipo final” das peças enviadas em 9.12.2019, para produzir ela própria os moldes destas peças.
59. Nesta data, a autora tinha trabalhadores parados que aguardavam a chegada de peças para proceder à montagem dos carros.
60. A autora alocou trabalhadores à produção das ferramentas/moldes que, nos termos do acordo celebrado com a ré e de acordo com a proposta de orçamento aceite, seriam produzidos pela ré.
61. No dia 26 de fevereiro de 2020 a autora enviou à ré três moldes prontos para que esta iniciasse a produção das peças (moldes das saias laterais e do para-choques frente).
62. Nesta data já se tinha vencido o prazo indicado pela ré em 53., para a entrega do “bodykit” para a montagem do primeiro carro.
63. Em 12 de Fevereiro de 2019, a O... informou a autora de que o incumprimento dos prazos previstos estava a acarretar prejuízos e que caso persistissem tomariam uma atitude.
64. A autora informou a ré de que os atrasos na produção das peças estavam a gerar prejuízos, dando-lhe conta de que a O... tinha intenções de resolver o contrato caso se mantivesse o incumprimento.
65. A 27 de Março de 2020, a autora entregou à ré mais três moldes por si fabricados.
66. Em dia não concretamente apurado do início de março de 2020 a ré remeteu à autora as primeiras peças, que foram recusadas por não serem passíveis de encaixar no carro e terem anomalias nas superfícies.
67. No dia 26 de março de 2020, a ré entregou as segundas peças do primeiro carro designadamente: capô; conjunto de guarda-lamas; conjunto cantos de para-choques; para-choques frente e molde difusor traseiro.
68. As segundas peças também não encaixavam no carro, outras apesar de encaixarem, não eram simétricas, e outras não respeitavam as medidas e forma dos masters fornecidos, tendo sido alteradas na sua forma e no aspeto final.
69. A autora informou a ré por email de 1 de abril de 2020 de que as peças fornecidas “(…) não respeitavam as medidas e formas dos masters por nós fornecidos, e as peças que se pretendia que fossem em carbono visível apresentavam várias anomalias que não são de todo aceitáveis, visto serem as peças em que a qualidade visível das linhas do carbono tem de ser perentoriamente imaculada, algo que não se verificou (…).
70. A ré alegou que os defeitos se deviam ao facto de a autora ter adicionado requisitos ao longo do processo de produção, o que a autora negou.
71. Nas peças entregues pela ré em março de 2020 a autora assinalou os seguintes problemas:
- Abauladela no capot de 2-3 mm;
- Esquinas não estão coincidentes entre o capot e guarda-lamas;
- Desvios na trimagem;
- Lacagem das peças apresenta poros e escorridos de verniz;
- Problemas no corte das camadas e um enrugamento;
- Variações na largura das extremidades dos guarda-lamas entre 6-10 mm – os
guarda-lamas do lado esquerdo e do lado direito não eram simétricos;
- Variação no encosto da aba no guarda-lamas original;
- Defeitos superficiais na componente.
72. A ré elaborou um relatório datado de abril de 2020, no qual propõe mecanismos para solucionar ou para mitigar os problemas apontados pela autora, entre os quais a produção de uma ferramenta de colagem alegando que o molde original não podia ser usado devido à expansão da peça na cura.
73. A ré enviou novas peças à autora em 14 de abril de 2020.
74. As novas peças padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados, não podendo ser testadas no carro “devido ao desvio verificado das suas formas originais quando comparadas com os masters”.
75. Ante a recusa da autora em aceitar as peças, a ré imputou os problemas à alegada falta de ferramentas/moldes, afirmando que a autora não quis investir na produção dessas mesmas ferramentas/moldes.
76. Como à data a autora ainda não tinha montado um “bodykit” (e já devia ter entregue 15 carros à O...), foi forçada a trabalhar com as peças enviadas pela ré, tendo procedido a reparações adicionais em cada uma delas para montar um carro.
77. Para tal teve de aquecer as peças para que se tornassem maleáveis; depois teve de prender as peças ao carro para que adquirissem a forma do mesmo aquando do arrefecimento.
78. Quanto a outras, teve de as trabalhar com massas de enchimento para permitir refazer as formas alteradas pela ré.
79. E teve ainda de cortar e unir algumas peças.
80. No 16 de Abril de 2020, a autora recebeu um e-mail da O... em que esta lhe confere um prazo de 10 dias para a conclusão de um carro, sob pena de resolver o contrato e imputar os prejuízos incorridos.
81. A ré foi informada pela própria O... do teor daquela comunicação.
82. A ré informou então a autora que ela pretendia uma qualidade que não estava incluída no preço e de que nunca lhes tinha sido fornecida “informação concreta do nível de qualidade exigido, nem especificações”.
83. A ré tinha ainda prometido produzir quatro peças para “substituir aquelas que identificaram não poder usar” até ao dia 24 de abril de 2020, nomeadamente o para-choques frontal; o conjunto frisos de porta; o conjunto de lâminas das saias laterais e o conjunto de “pestanas”.
84. Como tais peças não foram entregues à autora, a 28 de abril de 2020, esta pediu que a ré informasse “o que vão entregar, quando vão entregar e em que condições o vão fazer”.
85. A ré informou que que as peças ainda não estavam concluídas, que estariam prontas a 29 de abril de 2020, com exceção do difusor, que poderia ser recolhido a 30 de abril de 2020.
86. Perante isto, a autora insistiu que a ré a informasse quanto aos prazos de entrega das peças referentes aos carros 2 e 3.
87. Em resposta, a ré informou que para a entrega das peças relativas aos carros seguintes iria rever os custos de produção, elaborando um novo orçamento.
88. Em 6 de Maio de 2020 a ré enviou uma nova proposta de orçamento, aumentando o custo de produção das peças em mais de 50%.
89. A autora não aceitou a nova proposta de orçamento, e solicitou à ré “com carácter de urgência a devolução de todos os moldes inclusive os que por vocês foram fabricados, bem como os masters fornecidos por nós para a fabricação dos mesmos”, bem como a preparação da recolha do material no dia 11 de maio de 2020.
90. A 12 de Maio de 2020 a ré informou que a autora só poderia recolher os moldes fabricados pela própria autora e os padrões/masters, desde que a fatura das peças já entregues fosse regularizada, uma vez que os por si produzidos “estão a ser revistos e a verificar os que podem ser reparados e utilizados, estamos também a calcular um custo que será enviado.”
91. No dia 15 de maio de 2020 a autora procedeu ao pagamento das peças para poder levantar os moldes e os masters na sede da ré.
92. Nos dias 18 e 19 de maio de 2020, a ré informou a autora de que os moldes e peças produzidos pela própria estavam embalados e à espera de recolha mas que não iria proceder à entrega dos “moldes que fabricou, e os mesmos vão ser destruídos” e “não vamos enviar”.
93. A autora insistiu junta da ré pela recolha de todos os moldes, caso contrário imputaria os prejuízos decorrentes da sua destruição.
94. Para proceder à entrega dos moldes a ré solicitou verbalmente que a autora declarasse que os aceitava nas condições em que os mesmos se encontravam “sem qualquer recurso contra a Op..., por garantias, falhas ou defeitos nos mesmos”, o que esta fez a 20 de maio de 2020.
95. A 26 de Maio de 2020 a ré enviou ainda à autora um email, com uma “transação” em anexo, cuja assinatura solicitava para “formalização quer da entrega dos moldes quer do fim da relação comercial.”.
96. Consta de tal documento, mormente da cláusula 7ª que: “A V... e a Op... declaram mútua e irrevogavelmente que: a) com a compra e venda dos moldes, termina a relação entre ambas; b) não existem motivos para qualquer litigância entre ambas; c) desde já, renunciam expressamente à reanálise do assunto e a qualquer pedido de indemnização decorrente do contrato em apreço.”
97. A autora recusou-se a assinar esse documento.
98. A ré entregou os protótipos finais entregues e os moldes produzidos pela autora, o que ocorreu a 7 e a 10 de Junho de 2020, mas não entregou os moldes por si produzidos.
99. Até junho de 2020 a ré não forneceu as peças para um único “bodykit” completo para aplicação no carro.
100. Para a produção do “bodykit” a autora suporta os seguintes custos:
- Preço “bodykit”: 4.240,00 € (sem IVA);
- Serviço pintura: 1.600,00€ (sem IVA);
101. Entre 26.01.2021 e 9.03.2021 a autora encetou negociações com a O... quanto ao montante da indemnização devido pelo incumprimento contratual, decorrente do referido em 28 e 29.
102. A autora ficou responsável pela montagem, pintura e lacagem das peças, bem como pelos ajustes a que houvesse lugar, durante o processo de montagem das peças no automóvel.
103. A autora não entregou todas as peças-modelo ao mesmo tempo; começou pela frente do carro e foi entregando as restantes peças até ao final de janeiro de 2020.
104. Os protótipos referidos em 51 eram apenas seis das vinte e quatro peças-modelo que deviam ter sido entregues.
105. O molde do para-choques traseiro feito pela própria autora chegou à ré em 10 de março de 2020.
106. De acordo com o relatório da “Informa” de 4 de maio de 2021 a autora obteve os seguintes resultados líquidos nos dois últimos exercícios:
2018 – 26.856,21€
2019 – 53.200,49€.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância: 

1. A O... perdeu a confiança na autora, cuja imagem está hoje descredibilizada
perante a sua cliente e no mercado.
2. Nas primeiras conversações entre as partes ficou claro que a autora não dispunha de budget para moldes em alumínio ou em carbono, os únicos capazes de produzir peças de alta qualidade.
3. Por isso, a Op..., tentou encontrar soluções de baixo custo para os moldes, que se enquadrassem na disponibilidade financeira da autora.
4. As peças que a autora entregou, e que serviam de modelo para os moldes, não coincidiam com o modelo 3D (CAD) entregue para orçamentação, tendo-se concluído que as mesmas eram mais complexas.
5. A Op... não usa esta solução de moldes em compósito (no caso, em fibra de vidro) para nenhum dos seus clientes.
6. O ficheiro CAD enviado pela autora apenas transmitia a imagem com a geometria e as formas nominais das peças, não especificando qualquer detalhe relativamente a acabamento de superfícies e tolerâncias.
7. A autora também nunca disponibilizou estas informações à ré, durante toda a execução do projeto.
8. Veio a verificar-se que várias das peças pretendidas pela autora tinham mais área de superfícies do que o enviado nos modelos CAD.
9. Com base no modelo CAD fornecido pela autora, a peça (front fender) seria somente uma casca exterior colada no guarda-lamas original.
10. Porém, quando a autora entregou a peça-modelo, a Op... percebeu que se pretendia moldar o interior da peça para esta assentar numa zona maior que o guarda-lamas.
11. O que levou a que fosse necessário produzir dois moldes, um exterior e outro interior e que a peça fosse composta de duas peças coladas.
12. O que também sucedeu com o molde da cava da roda traseira e o molde do capô.
13. Veio a verificar-se a existência das seguintes peças com mais área do que previsto originalmente, e que tiveram de ter mais moldes: Capot, GL FR Esq, GL FR Dta, GL TR Esq, GL TR Dta, Spoiler CL, Embaladeira Esq Carbon L, Embaladeira Drt Carbon L, Embaladeira Esq, Embaladeira Dta, Add on emb Esq Carbon L, Addon Emb Dir Carbon L, Friso Porta Esq, Friso Porta Dto, GL FRT Esq Peq, GL FRT Dir Peq.
14. O que significou que onze peças originais fossem transformadas em vinte e quatro peças finais, e que dezasseis dos vinte e quatro moldes fossem mais complexos do que o modelo CAD fornecido pela autora.
15. Pelo que os moldes levaram o dobro do tempo a fazer e tiveram um aumento significativo dos custos de produção.
16. A Op... nunca se comprometeu com prazos fixos, porque estava em causa um projeto de desenvolvimento (work in progress) que, por essa natureza, poderia levar sempre mais tempo do que o inicialmente previsto.
17. Nunca houve uma encomenda formal da autora com o número de peças encomendadas e o seu valor, a quantidade estava ainda em aberto.
18. Só é possível obter peças de alta precisão com um excelente acabamento de superfície com moldes de alto custo, como sejam os de alumínio ou de carbono.
19. As peças produzidas em moldes compósitos (fibra de vidro), são passíveis de pequenos defeitos, os quais podem ser removidos no acabamento e montagem.
20. Esses pequenos defeitos não eram suscetíveis de impedir a utilização das peças, e iriam sendo corrigidos ao longo do processo.
21. Esses pequenos defeitos apenas aconteceram porque a autora nunca forneceu à Op... qualquer documento relativo aos parâmetros de qualidade das peças.
22. As tolerâncias geométricas também nunca foram definidas pela autora, pelo que a ré assumiu que estas seriam relativamente alargadas e as peças seriam ajustadas na montagem.
23. A ré faz peças imaculadas para outros clientes, o que envolve um investimento do cliente em ferramentas de laminação metálicas, de recorte e colagem cujo custo é superior a 200.00,00€ (duzentos mil euros).
24. Para fazer os moldes a ré teve em média durante dois meses e meio três pessoas alocadas ao projeto (desde meados de setembro até ao final de dezembro).
25. A um custo horário de 30 Eur/hora, dá um valor de 39.600,00€ (trinta e nove mil e seiscentos euros).
26. Tipicamente para um projeto destes o custo da matéria-prima e consumíveis são 20% do valor das horas de mão-de-obra, por isso o custo de matéria-prima foi de 7.920,00€ (sete mil, novecentos e vinte euros).
27. Um dos custos que a Op... recupera também na produção em série são os custos associados à montagem do processo, o que inclui geração de ply kits, ply books, otimização de laminados e peças que são consideradas não utilizáveis enquanto o processo está a ser afinado.
28. Para este projeto a Op... despendeu 5.900,00€ (cinco mil e novecentos euros), assim discriminado:
- 50 horas de engenharia de processo: 50 x 50 Eur/hr = 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);
- 20 horas de máquina de corte para criar os processos de corte de pluykits: 20 x 60 Eur/hr = 1.200,00€ (mil e duzentos euros);
- 60 horas de laminação de peças que acabaram por não ser usadas: 60 x 30 Eur/hr = 1.800,00 € (mil e oitocentos euros);
- e cerca de 400,00€ (quatrocentos euros) de material.
29. A Op... suportou ainda o custo associado ao arranque formal do projeto e à gestão do mesmo na fase de desenvolvimento, correspondeu a 32 horas a 50 Eur/hr, num total de 1.600,00€ (mil e seiscentos euros)”.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação
Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deverá manter-se a decisão jurídica da causa que, julgando parcialmente procedente a ação, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €199.625,00€ a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às sociedades comerciais, a contar desde a citação e até integral pagamento e a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O..., incluindo os danos de imagem; e julgou ainda o pedido reconvencional totalmente improcedente, absolvendo a Autora do pedido indemnizatório contra si deduzido.
No presente recurso, tal como delimitado pela Recorrente, suscitam-se as seguintes questões:
- Validade da resolução do contrato pela Autora;
- Indemnização atribuída pelo interesse contratual positivo;
- Indemnização a pagar pela Autora à O...
Vejamos então se lhe assiste razão.
*
3.3.1. DA VALIDADE DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELA AUTORA
Importa começar por salientar que não vem questionado no presente recurso ter sido celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de subempreitada, tal como definido na sentença recorrida.
A subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro (o subempreiteiro) assume a obrigação de realizar a obra ou parte da obra que o empreiteiro se comprometeu a executar pela celebração do contrato de empreitada, mediante o recebimento de um preço a pagar pelo empreiteiro (cfr. artigo 1213º n.º 1 do Código Civil, de ora em diante designado apenas por CC).
A celebração deste tipo de contrato (ou subcontrato) procura, em regra, dar resposta a especiais exigências de tarefas especializadas ou à falta de capacidade do empreiteiro para realizar todo o volume de trabalho necessário à execução da obra (v. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª Edição, 2020, p. 236).
No contrato de subempreitada o empreiteiro (que assume essa qualidade num primeiro contrato de empreitada) assume a posição do dono da obra e, não obstante não existam relações contratuais diretas entre o dono da obra e o subempreiteiro, estando em causa contratos distintos, é inequívoco que prosseguem uma finalidade comum, encontrando-se ligados por um vinculo funcional (v. João Cura Mariano, ob. cit. p. 236).
Esta ligação funcional entre o contrato de subempreitada e o contrato de empreitada pode fazer repercutir as vicissitudes da execução deste naquele, considerando-se estar em causa um fenómeno de conexação internegocial, com reflexos evidentes no regime jurídico dois contratos.
Assim, as consequências do cumprimento defeituoso da prestação por parte do subempreiteiro repercutem-se necessariamente no contrato de empreitada e desencadeiam reações do dono da obra perante o empreiteiro que, por sua vez, tem de reagir junto do subempreiteiro.
O empreiteiro, após a entrega da obra pelo subempreiteiro, caso verifique a existência de defeitos pode de imediato proceder à sua denuncia e exercer os direitos que são atribuídos nos artigos 1221º a 1225º do CC, sendo certo que pode também acontecer que o empreiteiro entregue ele próprio a obra com defeitos ao seu dono, caso em que pode na mesma reagir contra o subempreiteiro invocando um direito de regresso (cfr. artigo 1226º do CC).
Ao contrato de subempreitada são aplicáveis, em principio, as regras especialmente previstas para o contrato de empreitada, assumindo, como já referimos, o empreiteiro a posição do dono da obra e o subempreiteiro o papel do empreiteiro; contudo, aos contratos de empreitada e subempreitada, aplicam-se não só as normas dos artigos 1207º e seguintes do CC, mas ainda as regras gerais relativas ao cumprimento/incumprimento das obrigações que com aquelas não se revelem incompatíveis.
In casu, a Autora, empreiteira, instaurou a presente ação contra a Ré, subempreiteira, pretendendo ver declarado o incumprimento contratual da Ré e condenando-a a reconhecer a justa causa da Autora na resolução do contrato, com base no que pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe os prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato.
O tribunal a quo concluiu pela licitude dessa resolução e é contra esse entendimento que se insurge a Ré/Recorrente sustentando que, para se considerar válida a resolução operada pela Autora, teria o tribunal a quo que recorrer à aplicação do artigo 808º do CC aferindo da subsistência ou não do interesse do credor na prestação ou se esta foi realizada no prazo razoavelmente fixado e que, inexistindo a interpelação admonitória não podia a Autora resolver validamente o contrato dos autos.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto provada que:
· No exercício da sua atividade, a Autora desenvolve projetos para a alteração estética de carros, incorporando no automóvel um “kit” de peças para, a final, lhe conferir um design diferente e exclusivo, desenvolvendo e produzindo aquilo a que se chama um “bodykit” que será montado nos automóveis;
· O processo de produção do “bodykit”, desde o seu design e idealização até à montagem no veículo automóvel, corresponde a um conjunto de quatro fases: a 1ª fase é efetuada pelo cliente final da Autora, a 2.ª e 4.ª fases são efetuadas pela Autora, a 3.ª fase é efetuada por empresas contratadas pela Autora e corresponde à produção das peças em massa;
· A Autora em 12 de outubro de 2019, celebrou com a O...” (doravante O...), um contrato que tinha por objeto a produção, fabrico e montagem de um “bodykit” para o carro “...”, nos termos do qual se obrigou a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de Dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais, pelo preço de €13.825,00, sendo o cumprimento dos prazos na entrega dos carros um elemento essencial do contrato porque o interesse do cliente está sempre no último lançamento;
· Para a realização da 3.ª fase a Autora entregou à Ré a produção das peças que compõem os “bodykit” dos sessenta “...” fornecidos pela O...;
· No dia 15 de março de 2019, a Ré fez uma apresentação da empresa, demonstrando as suas aptidões técnicas para a produção das peças que a autora pretendia;
· No dia 10 de outubro de 2019, a Autora enviou à Ré via “Whatsapp”, um ficheiro ZIP em formato CAD com o desenho e as informações sobre as peças que a Ré tinha de produzir e que compunham o projeto “...”, o qual continha informações relativas à dimensão, formato e aspeto estético das peças para, a partir delas, a Ré perceber se tinha ou não capacidade de produção e quais as ferramentas/moldes que precisava para a produção das peças (quer as ferramentas para a produção das peças, quer as ferramentas de colagem, ou seja, as de união entre uma peça construída por vários moldes). Estas informações serviram igualmente para a Ré calcular o custo de cada peça, fazer o seu preço de mercado e estipular os prazos de entrega;
· No dia 21 de outubro de 2019, HH e BB (um funcionário da ré) deslocaram-se à sede da autora para conhecer os produtos comercializados por esta última, ver um modelo pronto e compreenderem o que se pretendia com a realização do negócio e a qualidade subjacente à produção do “bodykit”, e a 23 de outubro de 2019, a Ré apresentou a sua proposta de orçamento para a produção das peças, tendo a Autora no dia 25 de outubro de 2019 adjudicado a opção 1 da proposta apresentada pela Ré;
· A Autora concluiu a produção do “protótipo final” de parte das peças a produzir pela Ré, enviando-lhe a 9 de dezembro de 2019 seis peças, entre as quais o para-choques frontal e as saias laterais e nessa data o gerente da Ré, comprometeu-se a enviar as primeiras peças no final de dezembro de 2019, início de janeiro de 2020;
· Contudo, a 13 de janeiro de 2020, informou via “Whatsapp” a Autora de que o prazo de entrega passaria para o final do mês de janeiro, tendo a Autora alertado a Ré que tinha prazos a cumprir e que o incumprimento dos mesmos acarretava prejuízos avultados;
· No dia 16 de janeiro de 2020, II, sócio-gerente da Autora, deslocou-se às instalações da Ré para verificar o estado do processo de produção e verificar a qualidade das ferramentas/moldes que estavam a ser produzidos e nesse dia a Ré ainda não tinha iniciado a produção das ferramentas/moldes, muito menos das peças, pelo que o sócio-gerente da Autora decidiu, conjuntamente com a Ré, que seria ela mesma a produzir algumas dessas ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção, tendo recolhido o “protótipo final” das peças enviadas em 9/12/2019, para produzir ela própria os moldes destas peças;
· Nesta data, a Autora tinha trabalhadores parados que aguardavam a chegada de peças para proceder à montagem dos carros e alocou trabalhadores à produção das ferramentas/moldes que, nos termos do acordo celebrado com a Ré e de acordo com a proposta de orçamento aceite, seriam produzidos pela Ré;
· No dia 26 de fevereiro de 2020 a Autora enviou à Ré três moldes prontos para que esta iniciasse a produção das peças (moldes das saias laterais e do para-choques frente);
· Em 12 de fevereiro de 2019, a O... informou a Autora de que o incumprimento dos prazos previstos estava a acarretar prejuízos e que caso persistissem tomariam uma atitude e a Autora informou a Ré de que os atrasos na produção das peças estavam a gerar prejuízos, dando-lhe conta de que a O... tinha intenções de resolver o contrato caso se mantivesse o incumprimento;
· A 27 de março de 2020, a Autora entregou à Ré mais três moldes por si fabricados e em dia não concretamente apurado do início de março de 2020 a Ré remeteu à Autora as primeiras peças, que foram recusadas por não serem passíveis de encaixar no carro e terem anomalias nas superfícies;
· No dia 26 de março de 2020, a Ré entregou as segundas peças do primeiro carro designadamente: capô; conjunto de guarda-lamas; conjunto cantos de para-choques; para-choques frente e molde difusor traseiro, as quais também não encaixavam no carro, e outras apesar de encaixarem, não eram simétricas, e outras não respeitavam as medidas e forma dos masters fornecidos, tendo sido alteradas na sua forma e no aspeto final;
· A Autora informou a Ré por email de 1 de abril de 2020 de que as peças fornecidas “(…) não respeitavam as medidas e formas dos masters por nós fornecidos, e as peças que se pretendia que fossem em carbono visível apresentavam várias anomalias que não são de todo aceitáveis, visto serem as peças em que a qualidade visível das linhas do carbono tem de ser perentoriamente imaculada, algo que não se verificou (…), tendo a Ré alegado que os defeitos se deviam ao facto de a Autora ter adicionado requisitos ao longo do processo de produção, o que a Autora negou;
· Nas peças entregues pela Ré em março de 2020 a Autora assinalou os seguintes problemas:
- Abauladela no capot de 2-3 mm;
- Esquinas não estão coincidentes entre o capot e guarda-lamas;
- Desvios na trimagem;
- Lacagem das peças apresenta poros e escorridos de verniz;
- Problemas no corte das camadas e um enrugamento;
- Variações na largura das extremidades dos guarda-lamas entre 6-10 mm – os
guarda-lamas do lado esquerdo e do lado direito não eram simétricos;
- Variação no encosto da aba no guarda-lamas original;
- Defeitos superficiais na componente.;
· A Ré elaborou um relatório datado de abril de 2020, no qual propõe mecanismos para solucionar ou para mitigar os problemas apontados pela Autora, entre os quais a produção de uma ferramenta de colagem alegando que o molde original não podia ser usado devido à expansão da peça na cura e enviou novas peças à Autora em 14 de abril de 2020;
· As novas peças padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados, não podendo ser testadas no carro “devido ao desvio verificado das suas formas originais quando comparadas com os masters”;
· Ante a recusa da Autora em aceitar as peças, a Ré imputou os problemas à alegada falta de ferramentas/moldes, afirmando que a Autora não quis investir na produção dessas mesmas ferramentas/moldes;
· Como à data a Autora ainda não tinha montado um “bodykit” (e já devia ter entregue 15 carros à O...), foi forçada a trabalhar com as peças enviadas pela Ré, tendo procedido a reparações adicionais em cada uma delas para montar um carro;
· Para tal teve de aquecer as peças para que se tornassem maleáveis; depois teve de prender as peças ao carro para que adquirissem a forma do mesmo aquando do arrefecimento; quanto a outras, teve de as trabalhar com massas de enchimento para permitir refazer as formas alteradas pela Ré, e teve ainda de cortar e unir algumas peças;
· No 16 de abril de 2020, a Autora recebeu um e-mail da O... em que esta lhe confere um prazo de 10 dias para a conclusão de um carro, sob pena de resolver o contrato e imputar os prejuízos incorridos e a Ré foi informada pela própria O... do teor daquela comunicação;
· A Ré informou então a Autora que ela pretendia uma qualidade que não estava incluída no preço e de que nunca lhes tinha sido fornecida “informação concreta do nível de qualidade exigido, nem especificações”;
· A Ré tinha ainda prometido produzir quatro peças para “substituir aquelas que identificaram não poder usar” até ao dia 24 de abril de 2020, nomeadamente o para-choques frontal; o conjunto frisos de porta; o conjunto de lâminas das saias laterais e o conjunto de “pestanas”; como tais peças não foram entregues à Autora, a 28 de abril de 2020, esta pediu que a Ré informasse “o que vão entregar, quando vão entregar e em que condições o vão fazer”;
· A Ré informou que as peças ainda não estavam concluídas, que estariam prontas a 29 de abril de 2020, com exceção do difusor, que poderia ser recolhido a 30 de abril de 2020;
· Perante isto, a Autora insistiu que a Ré a informasse quanto aos prazos de entrega das peças referentes aos carros 2 e 3 e a Ré informou que para a entrega das peças relativas aos carros seguintes iria rever os custos de produção, elaborando um novo orçamento, tendo enviado em 6 de maio de 2020 uma nova proposta de orçamento, aumentando o custo de produção das peças em mais de 50%;
· A Autora não aceitou a nova proposta de orçamento, e solicitou à Ré “com carácter de urgência a devolução de todos os moldes inclusive os que por vocês foram fabricados, bem como os masters fornecidos por nós para a fabricação dos mesmos”, bem como a preparação da recolha do material no dia 11 de maio de 2020;
· A 12 de maio de 2020 a Ré informou que a Autora só poderia recolher os moldes fabricados pela própria Autora e os padrões/masters, desde que a fatura das peças já entregues fosse regularizada, uma vez que os por si produzidos “estão a ser revistos e a verificar os que podem ser reparados e utilizados, estamos também a calcular um custo que será enviado”;
· No dia 15 de maio de 2020 a Autora procedeu ao pagamento das peças para poder levantar os moldes e os masters na sede da Ré;
· Nos dias 18 e 19 de maio de 2020, a Ré informou a Autora de que os moldes e peças produzidos pela própria estavam embalados e à espera de recolha mas que não iria proceder à entrega dos “moldes que fabricou, e os mesmos vão ser destruídos” e “não vamos enviar”;
· A Autora insistiu junta da Ré pela recolha de todos os moldes, caso contrário imputaria os prejuízos decorrentes da sua destruição;
· Para proceder à entrega dos moldes a Ré solicitou verbalmente que a Autora declarasse que os aceitava nas condições em que os mesmos se encontravam “sem qualquer recurso contra a Op..., por garantias, falhas ou defeitos nos mesmos”, o que esta fez a 20 de maio de 2020;
· A 26 de maio de 2020 a Ré enviou ainda à Autora um email, com uma “transação” em anexo, cuja assinatura solicitava para “formalização quer da entrega dos moldes quer do fim da relação comercial”;
· Consta de tal documento, mormente da cláusula 7ª que: “A V... e a Op... declaram mútua e irrevogavelmente que: a) com a compra e venda dos moldes, termina a relação entre ambas; b) não existem motivos para qualquer litigância entre ambas; c) desde já, renunciam expressamente à reanálise do assunto e a qualquer pedido de indemnização decorrente do contrato em apreço”;
· A Autora recusou-se a assinar esse documento;
· A Ré entregou os protótipos finais entregues e os moldes produzidos pela Autora, o que ocorreu a 7 e a 10 de junho de 2020, mas não entregou os moldes por si produzidos;
· A Autora não entregou todas as peças-modelo ao mesmo tempo, começou pela frente do carro e foi entregando as restantes peças até ao final de janeiro de 2020. Os protótipos enviados a 9 de dezembro de 2019 eram apenas seis das vinte e quatro peças-modelo que deviam ter sido entregues e o molde do para-choques traseiro feito pela própria Autora chegou à Ré em 10 de março de 2020.
Da matéria de facto que acaba de se enunciar resulta que a Ré (subempreiteira) executou deficitariamente as peças que lhe foram solicitadas pela Autora, sendo que constituía sua obrigação não só executar a obra sem defeitos como, uma vez estes verificados, proceder à sua reparação pois, assim como o empreiteiro é responsável perante o dono da obra pela eliminação dos defeitos, também o subempreiteiro assume idêntica responsabilidade perante o empreiteiro.
Estabelece o artigo  406° do CC que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo que o devedor só cumpre a obrigação, quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762º do mesmo diploma), devendo ainda o empreiteiro nos termos do disposto no artigo 1208º, também do CC, executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, cumprindo as especificações jurídicas e técnicas da obra e respeitando as regras da arte respetiva.
Como afirma João Cura Mariano (ob. cit. p. 54) vícios são “anomalias objetivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas”.
Nem sempre é fácil distinguir as situações de cumprimento defeituoso (onde estão em causa vícios qualitativos) daquelas em que ocorre incumprimento definitivo, ou incumprimento definitivo parcial (estando em causa vícios quantitativos), até porque frequentemente a falta de qualidade resulta duma insuficiência quantitativa.
A este propósito esclarece João Cura Mariano (ob. cit. p. 52) que os casos de deficiência quantitativa verificam-se não só quando o empreiteiro entrega a obra incompleta, mas também nas situações em que abandona a obra antes de a terminar, recusa finaliza-la ou, estando já em mora não a completa após lhe ter sido fixado um prazo admonitório para o fazer ou quando devido a essa demora o dono da obra perde o interesse na conclusão da obra por aquele empreiteiro; nestes casos, as consequências do incumprimento deverão ser reguladas pelas regras gerais do direito das obrigações.
Ora, o incumprimento definitivo, na falta de cláusula resolutiva ou prazo essencial, traduz-se na perda do interesse objetivo do credor, em consequência da mora do devedor, na recusa deste em cumprir a obrigação, ou no decurso do prazo admonitório, situações aliás que permitem à contraparte o direito de resolver o contrato (cfr. artigo 808º do CC; v. Acórdão da Relação do Porto de 18/12/2018, Relatora desembargadora Anabela Tenreiro, Processo n.º 4070/17.4T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Decorre efetivamente do artigo 808º do CC que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação (n.º 1) e que a perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente (n.º 2).

Assim, o incumprimento definitivo restringe-se às seguintes situações:
- Recusa de cumprimento (repudiation of a contract ou riffuto di adimpieri);
- Termo essencial;
- Cláusula resolutiva expressa;
- Interpelação admonitória;
- Perda de interesse do credor apreciada objetivamente
Como esclarece João Cura Mariano (ob. cit. p. 117) deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese de o empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, e nem será necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação de defeitos se o empreiteiro desde logo se recusar perentoriamente a efetuar os respetivos trabalhos, considerando-se nestes casos definitivamente incumprida a obrigação.
Ora, no caso dos autos a Ré (subempreiteira) não logrou efetivamente eliminar os problemas verificados nas peças que produziu; conforme decorre da matéria de facto provada a Ré não só entregou à Autora peças com defeitos (no inicio de março de 2020), como não conseguiu proceder à sua eliminação pois entregou as segundas peças também com defeitos (em 26 de março de 2020) e entregou ainda novas peças em 14 de abril de 2020 que padeciam dos mesmos problemas que não foram eliminados.
Por outro lado, e perante os atrasos verificados, tendo a Ré informado que as peças não estavam concluídas e que estariam prontas a 29 de abril de 2020, com exceção do difusor, que poderia ser recolhido a 30 de abril de 2020, a Autora insistiu que a Ré a informasse quanto aos prazos de entrega das peças referentes aos carros 2 e 3 e esta informou que, para a entrega das peças relativas aos carros seguintes, iria rever os custos de produção, elaborando um novo orçamento, tendo enviado em 6 de maio de 2020 uma nova proposta de orçamento, aumentando o custo de produção das peças em mais de 50%, o que a Autora não aceitou.
Ao contrário do que sustenta a Recorrente não entendemos que esta alteração unilateral de preços seja passível de ser enquadrada no artigo 1216º do CC; estabelece este preceito que o dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra (n.º 1) e que o empreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo para a execução da obra (n.º 2).
Ora, analisada a matéria de facto provada a mesma não permite concluir que a Autora tenha feito alterações que justificassem um aumento de 50% no custo das peças.
Pelo contrário, o que se infere é a postura da Ré de não produzir e entregar novas peças à Autora se esta não aceitasse pagar os novos valores por si unilateralmente propostos, e que consistiam num aumento de 50%.
E, perante a não aceitação pela Autora da nova proposta de orçamento, e tendo esta solicitado à Ré “com carácter de urgência a devolução de todos os moldes inclusive os que por vocês foram fabricados, bem como os masters fornecidos por nós para a fabricação dos mesmos”, bem como a preparação da recolha do material no dia 11 de maio de 2020, a Ré a 12 de maio de 2020 informou que a Autora só poderia recolher os moldes fabricados pela própria Autora e os padrões/masters, desde que a fatura das peças já entregues fosse regularizada, uma vez que os por si produzidos “estão a ser revistos e a verificar os que podem ser reparados e utilizados, estamos também a calcular um custo que será enviado”.
A Autora, no dia 15 de maio de 2020 para poder levantar os moldes e os masters na sede da Ré, procedeu ao pagamento das peças, tendo a Ré nos dias 18 e 19 de maio de 2020, informado que não iria proceder à entrega dos moldes que fabricou, e que os mesmos iam ser destruídos.
Para proceder à entrega dos moldes a Ré solicitou ainda verbalmente que a Autora declarasse que os aceitava nas condições em que os mesmos se encontravam “sem qualquer recurso contra a Op..., por garantias, falhas ou defeitos nos mesmos”, o que esta fez a 20 de maio de 2020, tendo ainda enviado a 26 de maio de 2020 à Autora um email, com uma “transação” em anexo, cuja assinatura solicitava para “formalização quer da entrega dos moldes quer do fim da relação comercial”; documento que a Autora se recusou a assinar, tendo a Ré entregue os protótipos finais e os moldes produzidos pela Autora, a 7 e a 10 de junho de 2020, não entregando os moldes por si produzidos.
Pensamos que toda a postura da Ré, nos termos enunciados, deve considerar-se como consubstanciando uma situação de incumprimento definitivo pois, conforme já referimos, deve entender-se como uma situação de incumprimento definitivo, considerando-se definitivamente incumprida a obrigação, a hipótese de o empreiteiro (in casu subempreiteiro) não conseguir proceder à eliminação dos defeitos, mas também a hipótese do empreiteiro/subempreiteiro se recusar a realizar os trabalhos por conta da obra que não acabou.
Ora, no caso concreto, para além dos problemas verificados com as peças entregues para o primeiro carro, cujos problemas não conseguiu eliminar, a Ré recusou a produção das demais peças, designadamente para os veículos 2 e 3, cujo prazo de entrega a Autora lhe solicitou, e a entrega à Autora nos termos que haviam sido acordados, exigindo que a Autora para esse efeito procedesse ao pagamento de mais 50%.
Não se mostrava, por isso, in casu, proceder a interpelação admonitória.
Como já referimos, é de equiparar ao incumprimento definitivo a declaração expressa ou tácita do devedor de não querer cumprir: perante uma declaração expressa nesse sentido ou perante uma conduta ou omissão que revele manifestamente a intenção de não cumprir, o credor não terá de alegar e provar a perda de interesse na prestação ou de interpelar admonitoriamente o devedor para cumprir, podendo, desde logo, ter por não cumprida definitivamente a obrigação (v. entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/05/2020, Processo n.º 119262/16.9YIPRT.E1.S1, e de 20/01/2022, Processo n.º 18575/17.3T8LSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Também na doutrina, Almeida Costa (Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 1008-1009) e Ribeiro de Faria (Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, p. 447) defendem que a declaração séria, inequívoca e definitiva de não cumprir, feita pelo devedor, provoca o vencimento antecipado ou a desnecessidade de interpelação.
Já Pessoa Jorge (Lições de Direito das Obrigações, AAFDL, Lisboa, 1976, pp. 296-298) admite a eficácia da declaração antecipada de incumprimento, apenas quando esta seja categórica e definitiva, e desde que se verifique uma reação do credor, pedindo de imediato a resolução ou uma indemnização moratória a contar da data da declaração, pois seria injusto, se o credor nada fizer após a declaração do devedor, permitir‑lhe que, porventura anos mais tarde, venha pedir uma indemnização moratória a partir da data da declaração.
No caso concreto, como já vimos, interpelada a Ré para informar o prazo de entrega das peças a mesma comunicou à Autora (cfr. email de 29 de abril de 2020, a fls. 93) que ia recalcular os valores e com base na resposta da Autora é que avançaria ou não para o segundo e terceiros carros; daqui se conclui que, não aceitando a Autora os valores unilateralmente propostos pela Ré (o que efetivamente sucedeu), a Ré não iria produzir as peças para os demais veículos que se seguiam.
Entendemos, por isso, que a Autora podia também ter o contrato por não cumprido na parte ainda em falta e consequentemente resolver o contrato.
Acresce dizer que se nos afigura ainda que a matéria de facto acima descrita, objetivamente considerada, justifica a perda de interesse da Autora, tornando também legitima a resolução do contrato fundado no incumprimento definitivo.
De todo o modo, afigura-se-nos também como possível a via seguida pelo tribunal a quo ao decidir ter havido justa causa para resolução sem necessidade recurso prévio ao mecanismo do artigo 808º do CC.
O tribunal a quo considerou que no caso, atenta a matéria de facto provada, que não era exigível à Autora manter a relação contratual, em face da conduta da Ré que “além de violar sistematicamente os prazos de entrega, forneceu peças que não encaixavam sequer no carro, peças que não tinham a forma, as linhas e a geometria dos masters, e peças que tiveram de ser totalmente alteradas e retificadas pela autora para serem reaproveitadas, além de que procurou impor novos preços para continuar a fornecer peças para os carros seguintes”.
E que “mesmo que se entendesse inexistir aqui uma interpelação admonitória, o que não é o caso, havia justa causa para resolução sem necessidade recurso prévio ao mecanismo do art. 808.º do Cód. Civil, aplicável ao caso, por estarem em causa um contrato que não tendo, embora, por objeto prestações duradouras, perdurava no tempo, pelo facto de as respetivas obrigações terem um prazo para o cumprimento, por se tratar de contrato que abrangia várias prestações a realizar ao longo do tempo de entrega dos 60 carros encomendados pela O....
Face às circunstâncias apuradas, à luz do princípio da boa fé não era exigível à autora que se mantivesse ligada à ré, dado o fundado receio – derivado da justificada perda de confiança - de que esta, incumprindo os seus deveres contratuais, continuasse a perturbar a concretização dos objetivos previstos, mormente por poder continuar a violar os prazos de entrega do “bodykit” dos carros subsequentes e a entregar peças sem a qualidade exigida, justificando-se a perda do interesse da autora em manter-se vinculada pelo contrato”.
Pelo tribunal a quo foi seguido o entendimento jurisprudencial plasmado designadamente nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2015 (Processo n.º 2545/10.5TVLSB.L1.S1) e de 17 de maio de 2016 (Processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt); neste último foi decidido que “[r]evelando a factualidade provada que, face aos sucessivos e gravosos incumprimentos do Consórcio, a confiança da autora, na competência e na capacidade do devedor para levar a bom termo a tarefa, ficou irremediavelmente afetada, é de concluir que se tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual, o que consubstancia justa causa resolutiva, sem necessidade de recurso prévio à interpelação admonitória exigida pelo regime do art. 808.º do CC”.
Já no Acórdão de 17 de novembro de 2015 alude-se expressamente a um “direito de resolução por justa causa”, por analogia com outras disposições do Código Civil a propósito do mandato ou (cfr. artigo 1170º, n.º 2) e do contrato de depósito (artigo 1194º), para os casos em que se verifica uma rutura da confiança essencial ao normal desenvolvimento da relação, suscetível de a inviabilizar no futuro, para situações “(…) de perturbação do desenvolvimento, execução ou estabilidade contratual, que, pela sua gravidade, afetam a relação estabelecida entre as partes no seu todo, de molde a conduzirem à perda (legítima) de confiança de uma delas na subsistência e no bom desfecho do contrato.”
No já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2022 conclui-se ainda que “[E]m consonância com os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2008 — processo n.º 08B1079 —, de 11 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 2434/12.9T2AVR.C1.S1 —, de 17 de Novembro de 2015 — processo n.º 2545/10.5TVLSB.L1.S1 —, de 12 de Janeiro de 2017 — processo n.º 40/13.0TBBBR.C1.S1 —, de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2 —, de 17 de Outubro de 2019 — processo n.º 25097/17.0T8PRT.P1.S1 — ou de 28 de Outubro de 2021 — processo n.º 1778/15.2T8CSC.L1.S1 — dir-se-á que a resolução do contrato por inexigibilidade da continuação (da subsistência) da relação contratual é um desvio ou uma exceção ao sistema de prazo suplementar do art. 808.º do Código Civil”, não tendo o dono da obra de o ónus de “exercer os direitos orientados para o cumprimento, designados no artigo 1221º do Código Civil, desde que a continuação da relação contratual se tenha tornado inexigível”.
Ora, o contrato de empreitada, enquanto contrato duradouro e intuitu personae, exige efetivamente uma especial confiança entre as partes, pelo que bem se compreende que perante determinadas circunstâncias concretas o credor não tenha que ficar vinculado a um contrato no qual já perdeu o interesse por quebra de confiança de que de que o devedor irá cumprir.
Assim, perante a matéria de facto apurada, que traduz o comportamento da Ré de dificuldade na produção das peças, incapacidade de eliminação dos problemas verificados nas mesmas, atrasos na entrega, imposição de novo preço unilateralmente comunicado, traduzido num agravamento de 50%, e informação de que não irá cumprir se a Autora não aceitar pagar o novo valor, entendemos que efetivamente será um caso passível de admitir a resolução do contrato por justa causa, por quebra de confiança, independentemente de interpelação admonitória, tal como decidido pelo tribunal a quo.
Não merece, por isso, censura a decisão do tribunal a quo que julgou válida a resolução, improcedendo nesta parte o recurso.
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3.3.1. DA INDEMNIZAÇÃO ATRIBUÍDA PELO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO

Sustenta a Recorrente que não podia o tribunal a quo atribuir à Autora uma indemnização pelo interesse contratual positivo pois a indemnização cumulável com a resolução do contrato respeita apenas ao interesse contratual negativo; acrescenta ainda que, mesmo que se entendesse como correta a atribuição de uma indemnização pelo interesse contratual positivo não poderia o tribunal a quo atribuir tal direito à Autora uma vez que a atribuição daquela indemnização carece de uma ponderação casuística à luz dos princípios da boa-fé, de forma a evitar situações de grave desequilíbrio ou de beneficio económico injustificado por parte do credor.
Vejamos.
Como se refere na sentença recorrida estamos perante uma problemática relevante do direito dos contratos, tanto ao nível doutrinal como jurisprudencial.
Como é sabido, a doutrina e a jurisprudência não têm sido unânimes na resposta à questão da admissibilidade de cumulação da resolução do contrato com uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
Assim, parte da doutrina e da jurisprudência vinham considerando inadmissível a cumulação com o interesse contratual positivo, admitindo apenas a possibilidade de cumular com uma indemnização pelo interesse contratual negativo, pela violação do chamado dano de confiança, posição que se mostrou predominante a partir da entrada em vigor do Código Civil de 1966.
Segundo esta orientação poderia incluir-se na indemnização lucros cessantes, designadamente as vantagens patrimoniais que se teriam obtido se o contrato, entretanto resolvido, não tivesse sido celebrado (por exemplo aquelas que o lesado deixou de auferir por não ter celebrado outros negócios alternativos) mas já não as vantagens frustradas decorrentes da própria inexecução das obrigações extintas pela resolução.
Ora, no caso dos autos a pretensão indemnizatória formulada pela Autora traduz-se no lucro que terá deixado de obter em virtude do incumprimento da Ré, por não ter podido entregar à O... os carros em conformidade com o contrato com esta celebrado; está em causa, sem dúvida, a pretensão de cumular com a resolução uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
Importa então decidir qual a orientação a seguir, consignando desde já que a tese da admissibilidade da cumulação com o interesse contratual positivo tem vindo efetivamente a ganhar terreno relativamente à tese tradicional.
Relativamente à análise da evolução da doutrina e jurisprudência quanto a esta problemática, a sentença recorrida remeteu para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018 (Processo n.º 567/11.8TVLSB, Relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt); também nós remetemos aqui, porque exaustivo no retrato evolutivo da questão, para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018 (Processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, Relator Tomé Gomes, também disponível em www.dgsi.pt).
Salientamos aqui, conforme se refere em tal Acórdão, que já no contexto dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, VAZ SERRA defendeu a possibilidade de se cumular a resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo, na medida do necessário para, uma vez compensada a falta da prestação com a da contraprestação por via dessa resolução, proporcionar ainda ao contraente fiel o acréscimo patrimonial que obteria com o contrato.
Contudo, desde a entrada em vigor do Código Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência orientaram-se, predominantemente, no sentido de que, em caso de resolução do contrato, inclusive com fundamento em incumprimento definitivo, os efeitos daquela eram incompatíveis com o direito a indemnização do interesse contratual positivo, só podendo dar lugar a indemnização fundada em violação do interesse contratual negativo; situaram-se nesta linha de pensamento, entre outros, Francisco Pereira Coelho (Obrigações – Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, p. 230), Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, p. 58, nota 3. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7.ª Edição, 1997, pp. 109-112), Inocêncio Galvão Telles (Manual de Direito das Obrigações, tomo 1, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1965, pp. 248 e segs.; Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 1982, pp. 368-369; ainda que na 7.ª Edição desta última obra, de 1997, o Autor, em nota de rodapé (1) a p. 463, admita que “o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equilibrada segundo as circunstâncias”), Carlos Mota Pinto (Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1982, p. 4), Almeida Costa (Direito das Obrigações, Almedina, 12.ª Edição, 2009, pp. 1044-1047), Pessoa Jorge (Direito das Obrigações, Vol. I, Universidade de Lisboa, 1971/1972, p. 656) e Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 10.ª Edição, 2017, pp. 259-264). 
Já outros Autores “defendem a solução, de jure constituto, da admissibilidade da cumulação da resolução com a indemnização do interesse contratual positivo, na medida em que esta vise a reparação de prejuízos resultantes do não cumprimento definitivo do contrato resolvido, mas não cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações devidas”; neste sentido Vaz Serra (Anotação ao acórdão do STJ, de 30/06/1970, RLJ, Ano 104, pp. 204-208) Baptista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento – referência ao “direito à indemnização” cumulável com a resolução, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, Coimbra, 1979, pp. 393-401), Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Almedina, 1985, pp. 479-495), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 195-204) e Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, IX, Almedina, 3.ª Edição, 2017, pp. 937-949).
A construção mais estruturada desta tese da admissibilidade, tal como se afirma no citado Acórdão, foi elaborada por Paulo Mota Pinto (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volumes I e II, Coimbra Editora, 2008, p. 1604 e seguintes); segundo este Autor “(…) entendendo-se que a resolução visa justamente possibilitar ao credor libertar-se do vínculo contratual, ficando livre para celebrar outros negócios e não exposto ao risco da espera do cumprimento (manutenção do contrato), a racionalidade do segundo modelo indicado resulta da exigência de subtrair o contraente fiel à justa alternativa de dever renunciar ao incremento patrimonial adquirido com o contrato (que a contraparte não cumpriu) para não ser exposto a esse risco da manutenção do contrato ou ter de aceitar esse risco para não renunciar ao lucro do contrato. Isto, evidentemente, sem prejuízo de o credor ter de descontar na indemnização que possa obter as vantagens que são possibilitadas com a liberação do contrato e que não teria conseguido com o seu cumprimento.
A resolução possibilita, pois, ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no “programa” do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada). Para tal, tem de possibilitar a restituição e permitir que o credor obtenha uma indemnização pelo interesse contratual positivo, se tiver sido prejudicado”.
Por outro lado, também na jurisprudência a tese da admissibilidade da cumulação tem vindo a ganhar terreno.
Já Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/02/2009 (Proferido no processo n.º 08B4052 e relatado pelo Juiz Conselheiro João Bernardo) veio considerar, “que, muito embora a resolução, por regra, abra caminho a indemnização apenas pelos danos negativos, poderia, excecionalmente, haver lugar a indemnização pelos danos positivos, numa ponderação casuística dos interesses em jogo, à luz do princípio da boa fé, competindo à parte resolvente alegar e provar, além do mais, os factos que possam integrar essa situação de excecionalidade”, ainda que se tenha decidido que no caso concreto “não correspondia a tal exigência a resolução levada a cabo relativamente a um contrato de financiamento de compra a prestações em que o financiador, a par da declaração resolutiva, declara as 56 prestações a cargo do financiado, que estavam em dívida, imediatamente vencidas e, com o respetivo valor, preenche uma livrança em branco que tinha em seu poder, dando-a à execução”.
Seguiram, na mesma linha, outros Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente de 15/12/2011 (Processo n.º 1807/08.6TVLSB. L1.S1), de 12/03/2013, (Processo n.º 1097/09.3TBVCT.G1. S1), de 04/06/2015 (Processo n.º 4308/10.9TJVNF.G1.S1) e de 08/09/2016 (Processo n.º 21769/10.9T2SNT.L1.S1).
No sentido da admissibilidade da cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo situam-se os já citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018 e de 17/05/2018.
Entendemos atualmente, no alinhamento da evolução doutrinal e jurisprudencial que esta será efetivamente a posição que “melhor corresponde ao primado da responsabilidade civil contratual e da sua função na reintegração dos interesses do credor lesado pela frustração do programa negocial” e propendemos também, na mesma linha dos citados Acórdãos, a considerar, em tese, admissível aquela cumulação “sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado”.
É este, aliás, “o modelo de solução por que se pauta a larga maioria dos ordenamentos jurídicos estrangeiros próximos do nosso, bem como o acolhido nos instrumentos internacionais como são a Convenção de Viena sobre os Contratos de Venda Internacional de Mercadorias; os Princípios Unidroit sobre Contratos Comerciais Internacionais; os Princípios de Direito Europeu dos Contratos” (v. o citado Acórdão de 15/02/2018).
In casu, e conforme já referimos a pretensão indemnizatória formulada pela Autora (lucros cessantes) traduz-se no lucro que terá deixado de obter em virtude do incumprimento da Ré, por não ter podido entregar à O...” os carros em conformidade com o contrato com esta celebrado.
Tal prejuízo, que decorre efetivamente do incumprimento da obrigação a cargo da Ré, e da consequente resolução do contrato pela Autora, não encontra reparação pela via daquela extinção resolutiva.
De facto, o contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e a Ré tinha por objeto a produção do “bodykit” para cada carro, o qual é composto pelas seguintes peças: lâmina da frente; capô; guarda-lamas; frisos de porta; saias laterais; painéis traseiros; para-choques traseiro; difusor traseiro; e aileron (ponto 49 dos factos provados); à Ré competia produzir as peças (correspondente à 3ª fase do processo de produção do “bodykit”, conforme resulta da matéria de facto) que depois a Autora instalaria nos veículos para depois os entregar à O...”, cumprindo o contrato com esta celebrado e recebendo o respetivo preço (€13.825,00), o que até junho de 2020 não aconteceu, não tendo a Autora conseguido proceder à entrega à O...” e nem recebido a correspondente contrapartida acordada.
Da factualidade apurada resulta que o preço a pagar pela “O...” à Autora por cada carro entregue era de €13.825,00 e que o seu lucro em cada carro (uma vez deduzidos os custos de €7.985,00 correspondentes ao preço de cada “bodykit a pagar à Ré e ao serviço de pintura).
Não restam dúvidas que o incumprimento do contrato por parte da Ré, subempreiteira, gerou para a Autora a perda de vantagem patrimonial ao não entregar os veículos à O...”; perda essa que, tendo embora a Autora optado pela resolução, não é reparada por essa via.
E nem se diga que podia ser reparada com recurso a outra empresa pois até junho de 2020 a Autora foi tentando junto da Ré obter desta o cumprimento do acordado; e até essa data tinha-se ela própria obrigado perante a O...” à entrega de veículos (5 unidades mensais segundo consta do ponto 22 dos factos provados).
Veja-se aliás, que a Autora só peticiona uma indemnização pelos lucros cessantes que deixou de auferir até junho, quando cessou a relação contratual com a Ré. Não é, por isso, de equacionar o cenário nos termos em que o faz a Recorrente da Autora ter encomendado os “bodykits” a outra empresa e cumprido com a O...”, e ao ser indemnizada pelo interesse contratual positivo receber os valores em duplicado. É que até junho de 2020 tal não ocorreu, e se veio a acontecer posteriormente também não releva, pois a pretensão indemnizatória da Autora apenas respeita ao período de janeiro a junho de 2020.
Neste contexto, considerando as circunstâncias concretas, e estando em causa apenas a entrega de veículos à O...” até junho de 2020, a não reparação da Autora seria suscetível de gerar um grave desequilíbrio “na relação de liquidação resultante da resolução do contrato e no quadro alargado do programa negocial, para o que se mostra mais adequada a solução de atender à indemnização pela violação do interesse contratual positivo, não se divisando, por outro lado, que desta solução advenha à credora lesada qualquer benefício injustificado”(v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2018).
Entendemos, por isso, que no caso concreto se justifica admitir a cumulação da resolução com a indemnização pelo dano positivo, tal como considerado em 1ª Instância.
Questão distinta, é a do conteúdo dessa indemnização pelo dano decorrente da violação do interesse contratual positivo.
Para o efeito há que considerar desde logo o preceituado no arrigo 562º e seguintes do CC.
Estabelece este preceito que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Por outro lado, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563º do CC), estabelecendo o artigo 564º que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (n.º 1) e que na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização será remetida para decisão ulterior.
In casu, o dano que está em causa é a perda da vantagem patrimonial pela Autora com o incumprimento da Ré, que a impediu de entregar os veículos à O...”, pelo menos até junho de 2020, ou seja o lucro que deixou de obter.
A Autora equacionou esse dano e formulou a sua pretensão indemnizatória considerando que, segundo o acordo que tinha celebrado com a O...”, entre janeiro e inicio de junho deveria entregar 25 carros (5 unidades por mês), logo tendo um lucro de €7.985,00 em cada carro, teria deixado de obter um lucro global de €199,625,00.
Foi esse também o raciocínio, e subsequente cálculo, efetuado pelo tribunal a quo que condenou a Ré a pagar à Autora a referida quantia a título de danos patrimoniais.
Entendemos, contudo, que o cálculo não pode ser efetuado de forma tão linear, considerando as circunstâncias do caso concreto, evidenciadas na matéria de facto provada.
Vejamos.
A Autora, nos termos do contrato celebrado com a O..., obrigou-se efetivamente a entregar 60 carros com o “bodykit” no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020, escalonados em 5 unidades mensais (12x5=60).
Porém, conforme decorre dos autos, tendo o contrato celebrado com a O... a data de 13/10/2019, a Autora em 25/10/2019 comunicava à Ré ter em perspetiva a preparação de no mínimo 50 veículos (documento de fls. 231).
Não obstante em janeiro de 2020 ter alegadamente de entregar 5 veículos à O...”, a Autora apenas entregou à Ré em dezembro de 2019 seis peças/protótipo para a Ré produzir em massa, e, conforme decorre do ponto 104) dos factos provados, não entregou as peças-modelo ao mesmo tempo e foi entregando as peças até final de janeiro de 2020.
Por outro lado, em 16 de janeiro, a Autora decidiu conjuntamente com a Ré, que iria ela mesma produzir algumas das ferramentas/moldes por forma a acelerar o processo de produção, tendo recolhido o protótipo das peças enviadas em 09/1282019 para produzir ela própria os moldes destas peças (pontos 57 e 58 dos factos provados).
A Autora enviou à Ré três moldes prontos para que iniciasse a produção das peças em 26 de fevereiro de 2020 (ponto 61 dos factos provados) e mais três moldes por si fabricados em 27 de março de 2020 (ponto 65 dos factos provados).
Do exposto decorre que, em nosso entender, não pode afirmar-se que, não fora o incumprimento definitivo da Ré ou a perda de confiança justificativa de justa causa de resolução, e a Autora teria efetivamente conseguido entregar 25 veículos à O...”, entre janeiro e inicio de junho de 2020.
Atente-se que a atribuição da indemnização tem de ser norteada, como já referido, pelo necessário nexo de causalidade: a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Por outro lado, cremos que dificilmente será possível concluir qual o número exato de veículos que a Autora teria conseguido efetivamente entregar, não se mostrando viável a avaliação do dano em termos de um valor exato, mesmo em eventual sede de ulterior liquidação.
Julgamos, por isso, que no caso concreto a fixação da indemnização deve ser feita com recurso à equidade, dentro dos limites tidos por provados, nos termos do artigo 566º n.º 3, do CC.
E, face à factualidade descrita, temos por mais ajustada, equilibrada e equitativa a indemnização de €80.000,00, que corresponde aproximadamente ao lucro que a Autora poderia obter da entrega de 10 veículos à O...” (€7.985,00x10=€79.850,00), pelo menos nos meses de abril e maio de 2020, não fora a atuação da Ré geradora de incumprimento e consequente resolução do contrato.
A referida indemnização fixada na quantia de €80.000,00 será acrescida de juros de mora desde a presente data (à qual se mostra reportada), à taxa de juro aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais, até integral pagamento. 
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3.3.3. INDEMNIZAÇÃO A PAGAR PELA AUTORA À O...
Por último sustenta a Recorrente que a decisão recorrida configura, nesta parte, uma sentença condicional, não admissível no ordenamento jurídico português e, por isso, deve ser absolvida deste pedido.
A Recorrente assenta, por isso, a sua argumentação na inadmissibilidade de sentenças condicionais e considera que a decisão proferida constitui uma sentença condicional.
A Autora/Recorrida contrapõe com a distinção entre sentença condicional e sentença de condenação condicional, entendendo que, quando muito a sentença recorrida será de condenação condicional e, por isso, admissível.
Entendemos assistir razão à Recorrente quando afirmar a inadmissibilidade das “sentenças condicionais”, bem como à Recorrida quando pugna pela admissibilidade das sentenças de condenação condicional.
A questão é a do concreto enquadramento da sentença recorrida relativamente à condenação da Recorrente a pagar a quantia relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O...”, incluindo os danos de imagem: se estamos perante uma sentença condicional ou uma sentença de condenação condicional.
Vejamos.
Vem-se efetivamente admitindo a subsistência da sentença de condenação condicional, ou seja, aquela em que “condicionado é o direito reconhecido na sentença” e negando as sentenças condicionais, isto é, aquelas em que “a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão” (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Edição, p. 683).
Pode então definir-se a sentença condicional como aquela que impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto.
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/04/2013 (Processo n.º 24/07.3TBVCD.P1.S1, Relator Silva Gonçalves, disponível em www.dgsi.pt) “tem sido considerado que os ideais da certeza, da confiança e da segurança que o nosso sistema jurídico defende não consentiriam que a sentença, destinada a pôr fim ao processo, se pudesse envolver numa dubiedade que, inevitavelmente, transcorreria da reflexão a tomar sobre o conceito de condição. Ao juiz incumbe fixar o direito com exatidão e firmeza, enquanto condição indispensável à pacificação social que o processo visa constituir ao “dirimir” o litígio”.
Importa, contudo, distinguir a sentença condicional, em que a incerteza recai sobre “o sentido da própria decisão”, da sentença de condenação condicional em que o que se mostra condicionado é o direito reconhecido na sentença, isto é, da sentença em que “nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto”, nestes casos “não existindo norma a impedir a prolação de uma sentença com este conteúdo, poderemos nós aceitá-la como afloramento do princípio estatuído no art.º 662.º do C.P. Civil, mais precisamente que o nosso ordenamento jurídico admite a validade de uma sentença de condenação condicional” (v. o citado Acórdão de 24/04/2013).
Nestes casos, tanto quanto nos é dado conhecer, quer a doutrina quer a jurisprudência consideram a sua admissibilidade, porquanto entendem que a sua prolação constituirá um afloramento do princípio estatuído no artigo 610º do (atual) CPC.
Assim, não sendo admissível uma sentença condicional em que o julgador reconheça um direito ao autor, mas que só existirá desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima, já é de admitir que o juiz reconheça que a parte tem o direito a que se arroga na ação, mas apenas desde que ocorra determinado circunstancialismo, a enumerar, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional).
In casu, a sentença recorrida condenou a Recorrente a pagar a quantia relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O...”, incluindo os danos de imagem.
Está em causa, no fundo, a pretensão da Autora de ver desde já reconhecido o seu direito de regresso sobre a Ré decorrente do alegado incumprimento para com a O...”.
Consta da sentença recorrida a este propósito que:
“Provou-se ainda que o contrato celebrado entre a autora e a O... prevê uma cláusula que determina que o incumprimento dos prazos de entrega estabelecidos determina que a autora pague uma indemnização correspondente a 8.000,00€ por cada carro não entregue, e proceda ao ressarcimento dos danos de imagem decorrentes da falta de cumprimento dos termos desse mesmo contrato, tudo conforme os pontos 28 e 29 dos factos provados.
Além da comunicação descrita no ponto 63 dos factos provados, de 12.02.2019, e da comunicação descrita no ponto 80 dos factos provados, esta de 16.04.2020, resultou demonstrado que entre 26.01.2021 e 9.03.2021 a autora e a dita “O..., Lta” encetaram negociações quanto à fixação do montante de indemnização devido à O... pelo incumprimento contratual da autora.
Pelo que a ré será responsável pela indemnização que a autora terá de pagar à O..., pelo incumprimento e pelos danos de imagem, caso nisso venha a ser condenada, já que como relação de parceria entre a O... e a autora ainda hoje se mantém, o que reconhecidamente AA e II referiram em audiência, terá de ser comprovada cabalmente a eventual obrigação da autora a pagar à O... a indemnização pelas penalidades previstas no contrato celebrado a 12.10.2019.
Aliás, AA referiu que aguardava o desfecho da presente ação para decidir sobre essa situação, a conselho dos Advogados da O..., pelo que o pagamento da aludida indemnização pela autora pode nunca vir a concretizar-se, ou pode não concretizar-se a curto prazo, caso seja proposta ação judicial para discutir aqueles termos contratuais. Pelo que, a liquidação dessa indemnização será relegada para execução de sentença nos termos do art. 609.º, n.º 2 do C.P.Civil, como peticionado pela autora, mas sempre já se advertindo que só se justificará iniciar tal incidente caso a autora seja compelida a pagar qualquer quantia à O...”.
Entendemos que a sentença proferida ao reconhecer desde já o direito de regresso, tem a natureza jurídica de uma sentença condicional e, sendo assim, não pode nesta parte ser confirmada.
De facto, a sentença recorrida, condena a Recorrente a pagar à Autora a quantia relativa aos prejuízos imputados à Autora pela “O...”, que se vier a apurar em execução de sentença, reconhecendo, dessa forma o direito de regresso da Autora, sem saber se esse direito alguma vez existirá.
Não está apenas em causa a dúvida sobre o montante dos prejuízos, mas se a O...” os irá efetivamente imputar à Autora; como na própria sentença recorrida se afirma “o pagamento da aludida indemnização pela autora pode nunca vir a concretizar-se”, já que a relação de parceria entre a O... e a Autora ainda hoje se mantém, “o que reconhecidamente AA e II referiram em audiência”.
Procede, pois, nesta parte o recurso, devendo a Recorrente ser absolvida também deste pedido, e ficando prejudicado o conhecimento da questão do eventual abuso de direito e enriquecimento sem causa, a que se refere a Recorrente.
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Assim, e face ao exposto, na parcial procedência do presente recurso terá de ser alterada a sentença apenas quanto ao montante da indemnização a pagar pela Ré à Autora que será fixado na quantia de €80.000,00, acrescida de juros de mora desde a presente data, à taxa de juro aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais, e até integral pagamento e quanto à absolvição da Ré do pedido da sua condenação a pagar a quantia relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O...”, incluindo os danos de imagem.
As custas do presente recurso e da ação são da responsabilidade da Autora e da Ré na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC), e que se fixa em 2/3 para a Autora e 1/3 para a Ré.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, consequentemente:

a) Em alterar a sentença recorrida quanto ao montante da indemnização a título de danos patrimoniais condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de €80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de juro aplicável aos créditos de que são titulares as empresas comerciais, desde a presente data e até integral pagamento;
b) Em absolver a Ré do pedido da sua condenação a pagar a quantia que se vier a apurar em execução de sentença relativa aos prejuízos imputados à Autora por força do incumprimento contratual com a O...”, incluindo os danos de imagem;
c) Em confirmar, no mais, a sentença recorrida;
d) A Autora e a Ré são responsáveis pelas custas do presente recurso e da ação na proporção do decaimento, o qual se fixa em 2/3 para a Autora e 1/3 para a Ré.
Guimarães, 26 de janeiro de 2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)