ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
FORMA DE PROCESSO
Sumário


No âmbito de processo tutelar cível tendente à fixação de alimentos ao abrigo do disposto no artigo 1880º do Cód. Civ., em que não se prova que o alimentando esteja a estudar, não é possível atribuir-lhe alimentos nos termos gerais, por a tal se oporem regras relativas à forma de processo e à competência do tribunal.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

AA. propôs contra BB. “acção de alimentos provisórios”.

Alegou, em síntese, que: perfez 18 anos no dia 3.3.21 e encontra-se a estudar; quando os pais se divorciaram, em 2019, a requerente ficou a viver com a mãe, suportando o pai uma pensão de alimentos no valor mensal de 125,00€, actualizável; a requerente passou a viver com o pai desde 6.11.21; tem despesas de cerca de 318,00€ mensais. Pretende que a requerida, sua mãe, lhe pague a quantia mensal de 128,00€ e que seja decretada a inversão do contencioso.

Em 28.3.22, foi proferido o seguinte despacho:

“AA., solteira, residente na Rua …, instaurou a presente providência cautelar de alimentos provisórios contra a sua mãe BB., residente na Rua …, pedindo seja a requerida condenada a pagar mensalmente, à Autora, a quantia de € 128,00, e seja declarada a inversão do contencioso, nos termos do disposto no artº 369º nº 1 do C.P.C.

Alegou a requerente ser maior de idade (mas não ter atingido ainda os 25 anos de idade), encontrar-se a completar a sua formação escolar/académica e carecer de alimentos, por parte da mãe.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende este Tribunal que podemos avançar já para a acção definitiva, sem passarmos por nenhuma fase cautelar (e sem necessidade de inverter o contencioso).

Com efeito, o nº 1 do artº 989º do C.P.C., continua a remeter para o regime dos menores, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados nos termos do disposto nos arts. 1880º e 1905º do C.C. (neste sentido, Tomé Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível anotado e comentado, 2ª ed., p. 184).

O artº 1880º do C.C., refere-se às despesas com os filhos maiores ou emancipados, dispondo que «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete».

A lei, aqui, não distingue entre pais que, no âmbito da menoridade, tenham assumido o pagamento de uma prestação alimentar, encontrando-se, assim, vinculados a alimentos qualquer um dos progenitores do alimentando, maior de idade, que até aos 25 anos se encontre a completar a sua formação escolar e/ou profissional.

Por sua vez, o artº 1905º nº 2 do C.C., dispõe que : «Para os efeitos do disposto no artigo 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência».

Vale isto para dizer que a pessoa maior de idade, que se encontre nas condições previstas nos arts. 1880º e 1905º nº 2 do C.C., pode pretender a manutenção da prestação alimentar vigente durante a sua maioridade, que o obrigado a prestar alimentos havia voluntariamente cessado após a maioridade do filho ou pode, também, pretender alimentos do progenitor que, inicialmente, não estava vinculado à prestação de alimentos, mas que, nos termos do disposto das disposições conjugadas dos arts. 1880º e 1905º nº 2 do C.C., não fica eximido automaticamente dessa obrigação.

Note-se que, nos processos tutelares cíveis, como é o presente: «em qualquer estado da causa e sempre que o entenda por conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o Tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final (…) – nº 1 do artº 28º do RGPTC.

Por conseguinte, no caso dos autos, se mãe e filha não lograrem obter entendimento na conferência a designar, pode o Tribunal, enquanto a causa não estiver decidida, fixar um regime provisório, a título de alimentos, se o entender por conveniente.

Assim sendo, como acima referimos, remetendo o artº 989º nº 1 do C.P.C., para o regime de menores, quando surja uma questão relativa aos alimentos devidos aos filhos maiores ou emancipados, entendemos que o meio processual próprio para dirimir a questão, será o previsto nos arts. 45º a 47º do RGPTC (neste sentido, AC RC de 22/1/2019 – Proc. nº 16/09.5TBSPS-E.C1 - www.dgsi.pt. e Diana Rodrigues Mano, «A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade», tese de mestrado em Direito das Crianças, da Família e das Sucessões, Universidade do Minho, Outubro de 2016, p. 68).

A requerente tem legitimidade para os termos da causa, nos termos do disposto no artº 989º nº 3 do C.P.C.

Por conseguinte, delibera este Tribunal:

a)- determinar que, doravante, a acção siga termos, não como providência cautelar de alimentos provisórios, mas como acção de fixação dos alimentos devidos a filhos maiores de idade ou emancipados, prevista nas disposições conjugadas dos arts. 3º nº 1, al. d) e 45º a 47º do RGPTC, aplicáveis «ex vi» artº 989º nº 1 do C.P.C.

b)- dar baixa na distribuição enquanto providência cautelar de alimentos provisórios e distribuir e autuar enquanto acção de fixação dos alimentos devidos a filhos maiores de idade ou emancipados;

c)- deverá o ilustre mandatário judicial da requerente indicar, no prazo de 5 dias, várias datas em que tenha disponibilidade de agenda, para o Tribunal poder marcar a conferência prevista no artº 46º nº 1 do RGPTC, aplicável « ex vi » artº 989º nº 1 do C.P.C.

D.N. e notifique a requerente deste despacho.”.

A requerente foi notificada deste despacho por instrumento de 30.3.22 e a ele não reagiu.

No âmbito da conferência a que alude o nº 1 do artigo 46º do RGPTC, realizada em 13.7.22, suscitaram-se dúvidas sobre se a requerente iria frequentar o curso no ano lectivo de 2022/2023, pelo que foi determinada a notificação da requerente para prestar tal informação.

A mesma juntou documento comprovativo de que, em 18.7.22, estava inscrita no 3º ano do curso e documento comprovativo da conclusão do mesmo com a classificação final de 13 valores.

Em face disso, a requerida requereu a inutilidade superveniente da lide.

A requerente requereu o prosseguimento da acção de alimentos provisórios que propusera, uma vez que, embora tenha concluído a sua formação, se encontra desempregada e não tem bens nem rendimentos.

Foi, então, proferida sentença que absolveu a requerida do pedido.

A requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.ª O direito a alimentos de um descendente em relação ao ascendente, sendo maior e tendo terminado o seu curso, mas não tendo iniciado o trabalho está previsto na al. c) do art. 2009º do Cód. Civil;

2.ª O direito previsto nesta norma não impõe, como se decidiu na sentença recorrida “que seja necessário que, concomitantemente o filho ainda não tenha 25 anos; o processo de educação ou formação profissional não esteja concluído, ou não tenha sido livremente interrompido e se o obrigado não provar a irrazoabilidade da exigência”;

3.ª Quando os filhos são maiores e não há lugar à aplicação do art. 1880º do C.C., impõe-se a aplicação do art. 2009º do mesmo diploma substantivo;

4.ª Tendo a A. proposto uma providência de alimentos provisórios e tendo pedido um valor igual àquele que o pai pagava à Requerida (facto que esta não questionou) pode o tribunal, desde já, ordenar esta a pagar à Requerente, desde o mês seguinte à formulação do pedido a quantia de 128,00€;

5.ª Se o tribunal entender que há necessidade de qualquer documento, ou esclarecimento factual, poderá e deverá fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelas al.s b) e c) do art. 590º do CPC;

6.ª Deve a decisão ser revogada, condenando-se provisoriamente a Requerida a pagar à Requerente a quantia mensal de 128,00€;

7.ª Ou, se assim não se entender, deverá esse Venerando Tribunal ordenar o que entender, em prol da Justiça, quer quanto aos factos e à prova documental do requerimento inicial, quer quanto à tramitação subsequente.

A requerida apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da sentença.


*

A 1ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1. A requerente nasceu em 3/3/2003, na freguesia de …, concelho de …, sendo filha de CC. e de BB..

2. Quando os seus pais se divorciaram em 19 de Dezembro de 2019, a requerente ficou a viver com a sua mãe.

3. O pai obrigou-se a pagar uma prestação de alimentos no valor mensal de 125,00€,

4. Atualizável, anualmente, no valor de 2,50€, ocorrendo a primeira atualização em Janeiro de 2021.

5. No dia 6 de Novembro de 2021, a requerente passou a residir com o seu pai.

6. Este pagou a prestação alimentar à mãe da requerente, até esse mês de Novembro, inclusive, no valor de 128,00€.

7. A requerente reside com o pai em ….

8. Esteve matriculada, no ano lectivo de 2020/2021, na Turma …, do 2º ano (11º ano ), no Curso Técnico de Turismo do Ensino Profissional, do Agrupamento de Escolas ….

9. Esteve matriculada, no ano lectivo de 2021/2022, na Turma …, do 3º ano (12º ano ), no Curso Técnico de Turismo do Ensino Profissional, do Agrupamento de Escolas ….

10. No presente ano lectivo de 2022/2023, a requerente não está matriculada em nenhuma escola, não se encontrando a estudar ou a realizar formação profissional.

11. Durante o tempo em que estudou, a requerente teve despesas de natureza e montantes não concretamente apurados.


*

A única questão a tratar é a de saber se pode/deve o tribunal arbitrar alimentos à requerente fora da situação descrita no artigo 1880º do Cód. Civ., mas no âmbito do regime geral do direito a alimentos, tendo em conta que a mãe, requerida, é uma das pessoas a quem os mesmos podem ser pedidos (artigo 2009º nº 1-c) do Cód. Civ..

Desde já avançamos que a resposta é negativa.

A fixação dos alimentos devidos aos filhos maiores a que se refere o artigo 1880º do Cód. Civ. constitui uma providência tutelar cível (artigo 3º-d) do RGPTC), que se traduz numa acção declarativa especial sujeita, em primeira linha, às regras processuais do artigo 989º do Cód. Proc. Civ. e dos artigos 45º a 47º do RGPTC (artigos 546º e 549º do Cód. Proc. Civ.). O processo tem natureza de jurisdição voluntária e, considerando o caso dos autos, é da competência do juízo de família e menores de Abrantes (artigo 123º nº 1-e) da LOSJ).

Já a fixação dos alimentos devidos a maiores cabe em acção declarativa com processo comum (artigos 546º e 548º do Cód. Proc. Civ.), a que corresponde a tramitação constante dos artigos 552º e seguintes do mesmo diploma. O processo tem natureza de jurisdição contenciosa e - excluídos os alimentos entre cônjuges ou ex-cônjuges – é da competência, considerando as especificidades do caso, do juízo local cível de Abrantes (artigo 130º nº 1 da LOSJ).

A requerente instaurou, no Juízo de Família e Menores de Abrantes, “acção de alimentos provisórios”, invocando, no que agora importa relevar, ser filha da requerida, ser maior e encontrar-se a estudar. Requeria a inversão do contencioso, ao abrigo do nº 1 do artigo 369º do Cód. Proc. Civ..

No despacho de 28.3.22, o tribunal considerou – e bem – que a requerente havia proposto procedimento cautelar de alimentos provisórios (até porque não existe nenhuma acção de alimentos provisórios). Mais considerou que o processo adequado à pretensão da requerente – porque permitia obter a composição definitiva do litígio, sem descurar a possibilidade de decisões provisórias e cautelares – era a acção de fixação de alimentos a filhos maiores ou emancipados, de acordo com o modelo tutelar cível, em virtude estar em causa a situação prevista no artigo 1880º do Cód. Civ..

Tal despacho – que, aliás, nos não merece reserva, posto que a causa de pedir invocada se traduzia, efectivamente, na situação prevista no artigo 1880º do Cód. Civ. – não foi impugnado. Pelo que, se é certo que a requerente deduziu procedimento cautelar de alimentos provisórios, não menos certo é que, desde 28.3.22, a forma de processo passou a ser outra.

Ora, nesta acção tutelar cível – como acima dissemos – só os alimentos a fixar nos termos do artigo 1880º do Cód. Civ. têm cabimento, não sendo tal acção adequada a obter alimentos nos termos gerais.

Acresce que – e como igualmente explicámos – o Juízo de Família e Menores de Abrantes sempre seria materialmente incompetente (artigo 96º-a) do Cód. Proc. Civ.) para conhecer e julgar dos alimentos que a requerente ora pretende lhe sejam atribuídos ao abrigo das regras gerais (artigos 2003º e seguintes do Cód. Civ.).

No quadro descrito – e tendo a sentença considerado inverificados os pressupostos do direito da requerente ao abrigo do disposto no artigo 1880º do Cód. Civ. - era inútil o prosseguimento dos autos, nomeadamente com o aperfeiçoamento do requerimento inicial (se possível fosse viabilizar a alteração da causa de pedir por esse meio) e/ou com a junção de documentos.


*

Pelo exposto, acordamos em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantemos a decisão recorrida.

As custas seriam devidas pela apelante, caso não beneficiasse de apoio judiciário.

Évora, 12 de Janeiro de 2023


Maria da Graça Araújo

Maria Adelaide Domingos

José Penetra Lúcio