VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
MAUS TRATOS
NAMORO
Sumário

I. O bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica é a saúde, física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal da vítima, enquanto sujeito de qualquer das relações previstas no n.º 1 do artigo 152.º CP.
II. O tipo objetivo do ilícito é constituído pela ação de infligir maus tratos físicos ou psíquicos à vítima, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
III. Decisivo para que tais comportamentos possam integrar o conceito de maus tratos psíquicos é que estes revistam intensidade ou gravidade bastante para poder ofender a saúde psíquica e emocional da vítima, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal.
IV. Sendo este um crime específico, pressupõe a existência de uma dada relação entre o agente e o sujeito passivo/vítima.
V. A relação de namoro caracteriza-se pela existência de um compromisso entre duas pessoas que se relacionam durante um lapso de tempo indeterminado, «com partilha e comunhão de afetos e interesses pessoais», estando em causa «relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas».

Texto Integral


Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum n.º 1/20...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido AA, melhor identificado nos autos, estando pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do Código Penal.
1.2. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil, em cumprimento do determinado no despacho que recebeu a acusação e designou data para julgamento, foi o arguido notificado para que se pronunciasse, querendo, sobre a eventual atribuição de indemnização à vitima, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 82.º-A do Código de Processo Penal e 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, nada dizendo.
1.3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 21/01/2022, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«(…), julgo totalmente procedente por integralmente provada a acusação pública e decido:
a) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º n.º 1 alínea b), n.º 2 alínea a) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, subordinada a regime de prova, ao abrigo do previsto nos art.ºs 50.º n.ºs 2 e 3 e 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP com respeito das exigências constante do art.º 34.º-B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e das exigências de avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequados à conduta comportamental que AA evidencia, o que se determina;
b) na pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido e com a duração fixada pela DGRSP, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social;
c) na pena acessória de proibição de contactar com a vítima, por qualquer meio, e proibição de permanência na residência onde a mesma habita, no seu local de trabalho e em qualquer local onde saiba que esta se encontre a menos de 300 (trezentos) metros de distância pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada;
d) arbitrar, nos termos do art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) à vítima BB, a ser paga pelo arguido AA;
e) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s, nos termos do previsto no art.º 513.º n.º 1 do Código de Processo Penal e art.º 8.º n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais
(…).»
1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«I. Foi o arguido condenado, por decisão do Tribunal a quo, pela prática, dolosa (artigo 14.º, do Código Penal),
como autor material (artigo 26.º, do Código Penal) e na forma consumada, um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, subordinada a regime de prova, ao abrigo do previsto nos artigos 50.º n.ºs 2 e 3 e 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP com respeito das exigências constantes do artigo 34.º - B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e das exigências de avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequado à conduta comportamental que AA evidencia;
II. Foi, ainda, condenado na pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido e com a duração fixada pela DGRSP, programa esse que pressupõe a acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social;
III. Condenado na pena acessória de proibição de contactar com a vítima, por qualquer meio, e proibição de permanência na residência onde a mesma habita, no seu local de trabalho e em qualquer local onde saiba que esta se encontre a menos de 300 (trezentos) metros de distância pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada;
IV. E, arbitrado, nos termos do artigo 82.º - A do Código de Processo Penal, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) à vítima BB, a ser paga pelo arguido AA.
Da Pena Principal
V. O arguido não concorda com a condenação da pena principal e das penas acessórias,
Porquanto,
VI. O arguido, negou o envolvimento com BB como uma relação de namoro, considerando-a sempre como uma relação de amizade com o envolvimento de cariz sexual, vejam-se passagens mencionadas nos pontos 13, 14 e 15 das Motivações;
VII. Para que haja uma relação de namoro não basta a existência de um relacionamento entre duas pessoas, é necessária factualidade concreta que o demonstre, terão que existir laços afetivos, emocionais, de partilha, de convivência e de cooperação mútua entre as duas pessoas, sem se exigir um projeto futuro de vida em comum;
VIII. Os factos dados como provados na Douta Sentença, não avaliam, não fazem prova ou a demonstração que aquele relacionamento era de namoro, partindo apenas do pressuposto que essa relação existia, sem qualquer demonstração cabal.
IX. Baseando-se o Tribunal, na Fundamentação de Direito, nos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, bem como, em duas mensagens enviadas pelo arguido à ofendida.
X. Testemunhas que não podem merecer qualquer credibilidade, pois todas elas são amigas da vítima e, a testemunha DD é, presentemente, seu companheiro.
XI. Já quanto às mensagens, demonstram, contrariamente à interpretação dada pelo Tribunal “a Quo”, que se tratou, sempre, de uma relação de amizade com cariz sexual.
XII. Fazendo, assim, com o devido respeito, o tribunal “a Quo” uma errónea apreciação dos factos.
XIII. A testemunha CC, não conhece o arguido, terá assistido a alguns episódios em que arguido e vítima se apresentavam de mãos dadas junto ao local de trabalho desta, não sendo tais factos suficientes para provar a relação de namoro.
XIV. Quantos às outras duas testemunhas, relataram episódios, pouco claros, passados em ..., que não provam essa relação de namoro.
XV. É a própria filha da vítima, a FF, que refere no minuto 04mn:27ss., que a mãe o apresentou como amigo, bem como refere em várias passagens que nunca teve muito contacto com ele (AA), mais concretamente ao minuto 05mn:36ss, ao minuto 05mn:50ss e 07mn:03ss, bem como minuto 06mn:04ss.
XVI. Quanto às restantes testemunhas, nomeadamente GG e HH o Tribunal a quo, desvaloriza o depoimento dos mesmos, quando estes referem que entre o arguido e a vítima apenas havia uma relação de amizade, por estes serem amigos do arguido, não fazendo a mesma interpretação quantos às testemunhas acima mencionadas que, por seu lado, são amigas da vítima. Em claro erro notório da apreciação da prova.
XVII. Constata-se na douta sentença, nas motivações de direito, uma clara contradição entre o parágrafo 4.º e o 5º, quando é dito no parágrafo 4º “…em refeições em lugares públicos…, … conviveram ainda com outras pessoas (como por exemplo a testemunha CC), como um casal” e o que é dito no parágrafo 5º “…o arguido apenas assumiu a relação amorosa com a BB na localidade onde a mesma vivia com a filha…”.
XVIII. De todos os factos constantes na motivação de facto, não se pode concluir pela existência de uma relação de namoro entre AA e BB por não estarem preenchidos os elementos essenciais da relação de namoro, como tal deve o arguido ser absolvido do Crime de Violência Doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 da al. b) do Código Penal, de que vem acusado, pelo qual foi condenado pelo Tribunal a quo.
Por outro lado,
XIX. Para que esteja preenchido o tipo legal de crime, é exigido uma relação de proximidade afetiva em que os factos praticados terão de ser, entre outros, maus-tratos físicos ou psíquicos, em que o agente denota um especial desrespeito pela dignidade e liberdade da pessoa humana, uma evidente desconsideração pela vítima e, onde o agente tem uma posição de domínio e controlo da vítima;
XX. Dos factos dados como provados na Douta Sentença, não se consegue daí extrair que estejam preenchidos os pressupostos do tipo legal de Crime de Violência Doméstica, pois não há qualquer “abuso” psíquico, domínio sobre a vítima ou demonstração de desconsideração pela mesma.
XXI. Já quantos aos pontos 2 e 3 da fundamentação de facto, os mesmos não correspondem à realidade, veja-se as próprias declarações da ofendida entre o minuto 10mn:21ss e o dos factos minuto 12:00mn “… ele não gostava dos meus colegas de trabalho…, …, ele dizia que tinha problemas anteriores … ele dizia que tinha tido complicações com o chefe…, … eu nunca me quis meter nisso porque a mim também não me dava jeito estar ali no meio daquele conflito… não gostava dos meus colegas…porque me poderiam prejudicar no serviço…dizia-me para não contar nada da minha vida…que eles não eram de confiança…,…, mas eu nunca… (o Digníssimo Magistrado do MP interrompeu a ofendida, não permitindo que esta terminasse a frase) e, quando a instâncias do Digníssimo Magistrado do MP que pretende saber se o arguido tentava isolar em relação a outras pessoas, a mesma diz ao minuto 11mn:38ss …“não, eu cá estava sozinha com a minha filha, eu também não tinha grandes amizades, os amigos que eu tinha eram os meus colegas de trabalho e os amigos que ele me apresentou:”
XXII. Havendo um erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo relativamente a estes pontos;
XXIII. Quanto a toda a matéria de facto provada, consideramos que a mesma é insuficiente para a decisão, impondo-se por isso, uma decisão diferente, em que o arguido seja absolvido do crime de Violência Doméstica, por não estarem preenchidos os pressupostos do tipo legal de crime;
XXIV. Quanto à qualificação do crime, consideramos que a mesma é errónea por quanto, o único facto que ocorreu na “presença” da filha menor da vítima, que consta no ponto 36 e 37 da matéria de facto provada, não são suficientes, nem plausíveis para o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo na al. a) do n.º 2 do artigo 152.º do Código, devendo, o arguido, no caso de condenação, sê-lo de acordo como o previsto no n.º 1 do mesmo artigo, em pena abstrata de 1 a 5 anos, o que se pugna.
Quanto à medida da pena
XXV. O arguido foi condenado pela prática do crime p.p. pelo artigo 152.º , n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), n.º 4 e n.º 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito), sendo que, com o devido respeito, o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica e, o arguido a ser condenado, terá de ser de acordo com o previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, que prevê em abstrato uma pena de 1 a 5 anos de pena de prisão;
XXVI. A pena principal aplicada ao arguido é excessiva, atendendo aos factos dados como provados na Douta Sentença;
XXVII. Não só, não ocorreram ameaças, agressões físicas ou tão pouco tentativas de agressões, danos psíquicos na vítima ou tão pouco originou medo nesta, havendo apenas uma mensagem cujo teor se pode considerar de ofensivo, como a própria vítima desconsidera o arguido, considerando, até pouco inteligente.
XXVIII. A filha da vítima não presenciou quaisquer factos e, o período temporal da ocorrência dos factos, é bastante limitada, cerca de 2/3 meses.
XXIX. Em nosso entender, deve ao arguido ser aplicada uma pena, pelo seu mínimo e sem regime de prova.
Mais se dirá que,
XXX. O Tribunal a quo não teve em consideração e, em consequência, violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto do artigo 71.º do Código Penal, pois não valorizou o facto de o arguido ser primário; a sua confissão parcial; o arrependimento do arguido; o seu relatório social e a ficha de avaliação de risco para situações de violência doméstica cujo risco é considerado de nível baixo.
XXXI. A pena não pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º do Código Penal), e a sua determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) em que a culpa do agente respeitará as exigências da prevenção geral e especial;
XXXII. No caso concreto, a culpa é mediana, as exigências de prevenção geral é elevada/mediana, já a exigências de prevenção especial serão mínimas a medianas, permitindo-se formular um prognóstico favorável quanto a comportamentos futuros do arguido, com base no relatório social e demais factos e elementos constantes nos autos;
XXXIII. Por tudo, a pena principal deverá ser sempre pelo mínimo, nunca superior a 18 meses, sem sujeição ao regime de prova e suspensa na sua execução, de acordo com o artigo 50.º do Código Penal.
Quanto às penas acessórias
XXXIV. As penas acessórias tem uma função preventiva, a sua aplicação visa a proteção de determinados interesses colocados em perigo pela prática do crime, só podendo ser decretados na sentença com a pena principal e os critérios legais da sua aplicação são os mesmos da pena principal, complementando-a;
XXXV. No caso em apreço, para além do que acima se disse quanto a pena principal, o arguido desde março de 2020 que não mantém qualquer tipo de contacto com a vítima e com a filha da mesma, seja via telefónica, Facebook ou WhatsApp, apesar destas manterem os mesmos contactos e a vítima não ter o perfil do Facebook bloqueado, não frequentando os mesmos locais que estas e não se aproximando do local de trabalho da vítima e nunca mais se deslocou à sua residência ou à localidade onde a mesma residia.
XXXVI. Discorda-se da fundamentação de direito da Douta sentença quanto à aplicação das penas acessórias, por ser errónea, quanto às características da personalidade do arguido e quanto à sua instabilidade e irritabilidade do mesmo, considerando que há, pelo Tribunal “a quo” uma errada apreciação da prova, impondo-se uma decisão diversa.
XXXVII. Apesar de, nas duas sessões de julgamento, o arguido ter mostrado uma postura de inquietude, não só, isso não será suficiente para determinar a perigosidade do arguido, bem como, não poderemos esquecer que o comportamento presente e pretérito do arguido, demonstram, para além daquele período temporal dos factos, que o mesmo não constitui qualquer ameaça, veja-se própria avaliação de risco que é de nível baixo, bem como o relatório social do arguido que também o demonstra e ainda, o facto do arguido não ter antecedentes criminais .
XXXVIII. As penas acessórias aplicadas ao arguido são excessivas, mostrando-se desproporcionais face à factualidade, bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido e que, não vão no sentido de prever que volte a reincidir numa conduta ilícita ou de vir a importunar a vítima.
XXXIX. Assim, ao arguido não deverão ser aplicadas quaisquer penas acessórias.
Da indeminização a favor da vítima do crime de violência doméstica
XL. Prevê o artigo 82.º-A, n.º 1 do CPP que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o Tribunal, em caso de condenação pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham, desde que seja assegurado o respeito pelo contraditório;
XLI. O reconhecimento do direito a obter uma indemnização por parte das vítimas de violência doméstica vem regulado na Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro, mais concretamente no artigo 21.º, n.º 1 e n.º 2 que reconhecem o direito da vítima a obter o direito de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
XLII. A inobservância do contraditório constitui a anulação da sentença nessa parte, sendo essa inobservância de conhecimento oficioso;
XLIII. No caso em apreço, o arguido nunca foi confrontado com esta questão;
XLIV. Já o Tribunal a quo, ouviu as declarações do arguido, o depoimento da vítima e das restantes testemunhas, sem nunca assegurar o princípio do contraditório quanto a quaisquer prejuízos causados à vítima.
XLV. Por inobservância do contraditório deve ser anulada a sentença nessa parte, o que se pede!
Por outro lado,
XLVI. O arbitramento de uma indemnização pelos prejuízos sofridos pela vítima só poderá ser arbitrado quando particulares exigências de proteção o imponham, respeitando-se o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil;
XLVII. Assim, para a fixação desse montante releva a gravidade dos danos causados, o grau de culpa do agente, a situação económica do mesmo, a situação económica da vítima (carência) e todas as demais circunstâncias do caso, como seja a grave violação da própria dignidade humana da vítima/ofendida, orientando-se o Tribunal “a quo” pelo critério da equidade.
XLVIII. Ensina o Prof.º Antunes Varela, a este respeito: “…o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida…”.
XLIX. No caso concreto, não basta que o Tribunal a quo, quando se refere a indemnização no ponto IV, dizer que BB se sentiu inquieta, angustiada, triste, amedrontada e humilhada em consequência das condutas do arguido, teria que ter feito uma análise critica sobre o depoimento da ofendida e das restantes testemunhas, o que não aconteceu.
L. Mais parece que o Tribunal a quo decidiu penalizar o arguido apenas e só em função das características de personalidade do arguido.
LI. É a própria vítima em vários momentos do seu depoimento, que desconsidera os factos praticados pelo arguido e, os desvaloriza em termos do que isso representou na sua vida e no seu bem-estar psicológico, veja-se minuto 44mn:07ss e minuto 57mn:15ss do seu depoimento.
LII. A própria filha da vítima apenas refere duas situações em que a mãe se mostrou transtornada, mas também refere que tais episódios estavam relacionados com o facto da mãe ter deixado de fumar repentinamente, veja-se minuto 15mn:32ss e minuto 15mn:55ss, ainda que não tenha identificado temporalmente estes factos, desconhecendo-se se estes ocorreram no início, no meio, no fim ou após o término do envolvimento da vítima com o arguido;
LIII. A testemunha DD, quando confrontado com os efeitos dos factos praticados pelo arguido sobre a vítima, diz ao minuto 13mn:06ss “…o que ela fala é que quer isto acabado o mais rápido possível…, …a FF fala mais…” e ao minuto 13mn:56ss “…a BB não se sente assim com tanto medo…”
LIV. Para a fixação do montante indemnizatório, releva, também, a gravidade dos danos causados, o grau de culpa do agente, a situação económica do mesmo, a situação económica da vítima (carência) e todas as demais circunstâncias do caso. O que não aconteceu.
LV. Consideramos que não deveria ter sido feito qualquer arbitramento de indemnização à vítima, devendo o arguido ser absolvido do pedido.
LVI. Caso assim não se entenda, o valor arbitrado, perante tudo aquilo que atrás se disse, bem como, a gravidade diminuta perante outros casos de verdadeira violência doméstica, bem mais gravosos e penalizadores das vítimas, é o valor indemnizatório excessivo, devendo por isso ser alterado para um valor nunca superior a €700,00 (setecentos euros).
Termos em que e nos demais de direito, sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso merecer provimento e nesse sentido ser o arguido absolvido da prática do crime de violência doméstica, p.e p. pelo nº1 e nº 2 al. A) do artigo 152 do Código Penal por não provada a relação de namoro entre o arguido e a vítima BB e pelo não preenchimentos dos demais pressupostos do tipo de crime. Caso assim não se entenda, ser o arguido condenado pelo nº 1 do artigo 152º, na pena mínima de um ano ou, no limite, numa pena que não ultrapasse os dezoitos meses de prisão, sempre suspensa na sua execução, sem sujeição ao regime de prova, por insuficiência e errónea apreciação da prova produzida. Ser o arguido absolvido das penas acessórias por errónea apreciação da prova e as mesmas se mostrarem excessivas e desproporcionais; ser anulada a indemnização à vítima por inobservância do contraditório. Caso, assim, não se entenda, ser o arguido absolvido da indemnização de reparação à vítima, por não provados os requisitos de que a mesma depende e por a vítima dela não carecer ou em alternativa ser a indemnização ser reduzida para um valor não superior a € 700,00 (setecentos euros) por a mesma ser excessiva perante o caso concreto.
Fazendo a acostumada JUSTIÇA!».
1.5. O Ministério Público, junto da 1ª instância, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de o recurso não dever merecer provimento, tendo, a final formulado as seguintes conclusões:
«1- O arguido AA interpôs recurso da Douta Sentença proferida no dia 21.01.2022 que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º n.º 1 alínea b), n.º 2 alínea a) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
2- Foram aplicadas ao arguido as seguintes penas:
- Pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por igual período, subordinada a regime de prova, ao abrigo do previsto nos art.ºs 50.º n.ºs 2 e 3 e 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP com respeito das exigências constante do art.º 34.º-B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e das exigências de avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequados à conduta comportamental que AA evidencia;
- Pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido e com a duração fixada pela DGRSP, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social;
- Pena acessória de proibição de contactar com a vítima, por qualquer meio, e proibição de permanência na residência onde a mesma habita, no seu local de trabalho e em qualquer local onde saiba que esta se encontre a menos de 300 (trezentos) metros de distância pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
3- Mais foi arbitrada, nos termos do art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) à vítima BB, a ser paga pelo arguido AA.
4- Para sustentar o seu recurso concluiu o arguido/recorrente, em síntese, que:
- O Tribunal a quo errou ao concluir estarem preenchidos os elementos essenciais da relação de namoro;
- O Tribunal a quo errou ao dar como provado os pontos 2- e 3- da factualidade provada, considerando existir um erro notório na apreciação da prova;
- O Tribunal a quo errou ao considerar estar preenchida a agravação prevista na al. a) do n.º 2, do artigo 152.º do Código Penal;
- No caso de se manter a condenação, deve ser aplicada uma pena pelo seu mínimo e sem regime de prova, bem como defende a não aplicação de penas acessórias;
- O arguido invoca que não houve contraditório quanto à fixação da indemnização à vítima nos termos do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro, e que, para além disso, não devia ter sido arbitrada qualquer indemnização ou, quanto muito, um valor nunca superior a 700 euros.
5- Contudo, entendemos que a Mmª Juiz efetuou uma correta apreciação da aprova produzida, bem como fundamentou de forma clara o raciocino lógico-dedutivo que levou a dar como provados factos suscetíveis de integrar o previsto naquela alínea b) do n.º 1 do art. 152.º do Código Penal.
6- Analisada a prova produzida nos autos não restam dúvidas que arguido e vítima mantiveram uma relação de namoro.
7- Para além disso, resulta da factualidade provada que foram praticadas condutas na presença da filha da vítima, de nome FF (ainda menor), e na residência das mesmas, pelo que estão preenchidos os dois pressupostos previstos na agravação da alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal.
8- Tendo presente a ilicitude elevada dos factos, a culpa do arguido e as elevadas exigências de prevenção geral e prevenção especial que no caso se fazem sentir, a Meritíssima Juiz a quo fixou uma pena de prisão concreta justa e proporcional.
9- Acresce que se mostram necessárias, adequadas e proporcionais as penas acessórias que foram aplicadas ao arguido.
10- Por outro lado, contrariamente ao pugnado pelo recorrente, resulta inequívoco dos autos que foi respeitado o contraditório quanto à atribuição de indemnização à vítima. nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 82.º-A do Código de Processo Penal e 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
11- Atenta a factualidade dada como provada a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) mostra-se adequada e proporcional para indemnização à vítima.
12- Pelo exposto, o recurso interposto pelo arguido não merece provimento, devendo manter-se a Douta Sentença recorrida.
Contudo, Vªs. Exªs. Decidirão Conforme for de LEI e JUSTIÇA.».
1.5. O recurso foi regularmente admitido.
1.6. Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, acompanhando a resposta do Ministério Público, em 1ª instância.
1.7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.8. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, tendo sido proferido Acórdão em 15/12/2022, com a Ref.ª Citius ...26, no qual se decidiu que a sentença recorrida enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP), por não constarem da matéria factual provada factos concretos que permitam caraterizar a natureza da relação mantida entre o arguido e ofendida e, como tal, não tendo sustentação factual o juízo conclusivo do Tribunal a quo no sentido de que essa relação foi de namoro.
Nessa decorrência, impugnando o arguido/recorrente a matéria de facto dada como provada no ponto 2, no segmento referente à “relação de namoro”, fazendo-o nos termos do n.º 3 do artigo 412º do CPP, podendo, em tal situação, esta Relação modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 431º, alíneas a) e b), do CPP, sanando o apontado vício da insuficiência, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento e admitindo-se poder vir a proceder-se a uma alteração não substancial dos factos descritos na sentença recorrida, com o aditamento dos factos que indicou – quais sejam: No âmbito do aludido relacionamento que mantinham, o arguido e BB, andavam de mãos dadas e beijavam-se em público; O arguido frequentava a casa onde BB vivia com a filha; O arguido e BB apresentavam-se juntos em locais públicos, designadamente, tomando refeições e convivendo com outras pessoas, assumindo o arguido, perante algumas delas, o relacionamento que mantinha com BB –, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, comunicou-se essa alteração ao arguido/recorrente para, querendo, sobre ela se pronunciar, no prazo de 10 dias.
O arguido/recorrente pronunciou-se sobre a alteração não substancial dos factos descritos na sentença, que lhe foi comunicada, nos termos sobreditos, afirmando serem falsos esses factos reiterando o já alegado na motivação de recurso para impugnar a factualidade dada como provada no ponto 2 da sentença recorrida, concretamente, que tivesse mantido com a ofendida BB uma relação de namoro, arrolando para prova do por si alegado, para além das testemunhas já ouvidas em audiência de julgamento, DD e EE, três novas testemunhas II, JJ e KK, cuja notificação, pelo Tribunal, requer.
1.9. Realizada a conferência, cumpre agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do CPP.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. artigos 402º, 403º e 412º, todos do CPP.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios decisórios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual), bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Assim, considerando os fundamentos do recurso em apreço, são as seguintes as questões suscitadas:
1ª - Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 2 e 3, por erro notório na apreciação da prova;
2ª - Erro qualificação jurídica dos factos:
a) Não integram o crime de violência doméstica;
b) Não verificação da circunstância qualificativa do crime, prevista no n.º 2 do artigo 152º do CP.
3ª - Medida da pena principal;
4º - Desproporcionalidade da aplicação do regime de prova;
5ª - Inaplicabilidade das penas acessórias;
6ª - Compensação arbitrada à vítima ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP:
a) Inobservância do contraditório;
b) Não verificação dos pressupostos para que seja arbitrada à vítima qualquer compensação;
c) Excessividade do montante da compensação arbitrada.

2.2. A sentença recorrida
A sentença recorrida é do seguinte teor:
«(…)
II. Fundamentação de Facto
A. Da matéria de facto provada:
Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
Da acusação pública:
1 – Em Novembro de 2018 AA iniciou um relacionamento amoroso com BB.
2 – No decorrer da relação de namoro, AA convenceu BB a deixar de se relacionar com diversas pessoas, incluindo amigos de longa data, uma vez que as mesmas não seriam de confiança.
3 – Nessa sequência, BB deixou de se relacionar com as aludidas pessoas.
4 – Em Setembro de 2019 BB terminou o relacionamento amoroso que mantinha com AA.
5 – Em data não concretamente apurada AA efectuou um telefonema para BB dizendo-lhe que se estava a sentir mal, que lhe doía muito o peito, que estava sozinho e que precisava da sua ajuda.
6 – Preocupada, BB dirigiu-se à cidade ....
7 – Quando chegou à entrada de ..., BB avistou o veículo automóvel de AA e parou o seu.
8 – Após AA ter pedido a BB para entrar no seu veículo automóvel, dirigiram-se ao ..., em ....
9 – Lá chegados, AA desligou o veículo automóvel e proferiu as seguintes expressões: “Não vales nada, que se há alguém que odeio na vida és tu, não és ninguém nem nunca vais ser, estou arrependido de te ter conhecido, nunca mais te quero ver na vida, não dás valor à ajuda que te dei, vai para o pé dos teus colegas do Comando que eles é que são teus amigos.”.
10 – Depois, AA voltou a ligar o veículo automóvel e efectuou a viagem de regresso ao local onde BB tinha estacionado o seu.
11 – Decorridos alguns minutos depois de ter iniciado marcha, AA imobilizou o veículo automóvel que conduzia e disse: “olha, sais do carro e vais a pé.”.
12 – De seguida, e após BB ter iniciado marcha apeada, AA voltou a imobilizar o veículo automóvel e pediu-lhe desculpa pelo sucedido.
13 – Nesse momento, BB entrou novamente no veículo automóvel de AA, a fim de regressar ao seu, o que aconteceu.
14 – Em data não concretamente apurada, mas decorridos alguns dias após o descrito nos factos 7 a 13, BB e AA retomaram a relação de namoro.
15 – Não obstante, no início do mês de Janeiro de 2020 BB terminou o relacionamento que mantinha com AA.
16 – Em datas não concretamente apuradas, mas durante o mês de Janeiro e por diversas vezes, com o objectivo de reatar a relação amorosa, AA dirigiu-se ao Comando Territorial ... e tentou contactar pessoalmente BB.
17 – Nesse quadro, entre as 17 horas e a 1 hora e entre a 1 hora e as 9 horas, quando BB se encontrava a efectuar o serviço de atendimento ao público, AA dirigiu-se ao Comando Territorial ..., estacionou o veículo automóvel que conduzia, dirigiu-se à entrada do posto policial e chamou pelo nome de BB, até a mesma aparecer junto de si.
18 – Nessas ocasiões, AA disse: “Os teus colegas de trabalho já sabem não? Já lhes foste contar? Agora é que eles vão ficar contentes. Já ganharam BB. O que eles queriam aconteceu. Eles só te querem tramar e se te descuidas estas mesmo tramada com eles e agora fazes isto. Devem estar todos contentes.”.
19 – Ainda no mês de Janeiro de 2020, em data não concretamente apurada, pelas 9 horas, após BB terminar o seu turno laboral, AA dirigiu-se novamente ao Comando Territorial ... e, junto do veículo automóvel daquela, esperou que saísse do referido edifício.
20 – Quando BB apareceu, AA disse: “O único amigo que tens sou eu, sabes perfeitamente que sem mim na tua vida tu ficas sozinha, não tens ninguém, a única pessoa em quem podes confiar sou eu.”.
21 – No dia 15 de Janeiro de 2020, pelas 17 horas, quando se encontrava a sair do seu local de trabalho, BB visualizou AA, de automóvel, a descer a Avenida ....
22 – Nesse momento, AA visualizou igualmente BB e dirigiu-se para a paragem do autocarro ..., junto ao “Hotel ...”, para onde aquela se encaminhou.
23 – Após BB ter entrado no autocarro ..., AA seguiu-a até à ..., local onde terminou o seu percurso.
24 – Após sair do autocarro, iniciaram uma discussão verbal.
25 – No dia 16 de Janeiro de 2020, pelas 9 horas e 40 minutos, AA dirigiu-se para o local de trabalho de BB, estacionou o seu veículo automóvel junto do daquela e esperou que a mesma terminasse a sua jornada laboral.
26 – Quando BB chegou junto de si, AA abordou-a com o pretexto de a ajudar na questão da sua transferência para o Norte.
27 – No dia 17 de Janeiro de 2020, entre a 1 hora e 36 minutos e as 2 horas e 8 minutos, através do número de telemóvel ...18, AA enviou, via rede social WhatsApp, várias mensagens para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular, de entre as quais, as com o seguinte teor:
- “Acabei de estar com o alfaiate, teu colega do posto”; - “Sabes a minha fama no posto????”;
- “Fala se no posto que eu estou contra o teu major e o tal de “azinheira” e que estão a toda hora a espera que eu me vingue deles… e sabem que provavelmente nem serei eu a fazer looooool”;
- “Então … ainda bem que tas longe de mim … pois houve 6 colegas teus que em reunião devido a mim a pedido do teu major “e que ele quis fazer” a pedir assinaturas meteram se do meu lado…”;
- “Só restam pra eles cagaitas”;
- “Mas a guerra vai ser grande vai vai … sorte que conto com toda a psp do meu ado, bons advogados e bons capangas”.
28 – Ainda no mesmo dia, pelas 12 horas e 10 minutos, AA enviou uma mensagem para o telemóvel de BB, via WhatsApp, questionando-a sobre se tinha lido as mensagens enviadas anteriormente.
29 – No dia 20 de Janeiro de 2020, na sequência de se ter esquecido de deixar uns documentos no Comando Territorial ... a fim de AA os levantar, este telefonou-lhe e disse: “És uma gaiata de merda, és uma merda, os documentos entregas-mos tu, eu não quero mais nada contigo caralho, eu nunca estive contigo para foder e tu sabes disso. Estás com eles no carro, eles estão a ouvir a conversa, já sabem que terminámos não?”.
30 – Ainda no mesmo dia, entre as 19 horas e 38 minutos e as 21 horas e 4 minutos, AA, através do número de telemóvel ...18, efectuou seis chamadas para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular.
31 – No dia 22 de Janeiro de 2020, AA, através do seu número de telemóvel ...18, efectuou duas chamadas para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular, uma às 17 horas e 19 minutos e outra às 17 horas e 20 minutos.
32 – No dia 24 de Janeiro de 2020, pelas 17 horas e 20 minutos, AA dirigiu-se ao local de trabalho de BB e, quando a encontrou, apeada, imobilizou o seu veículo automóvel, saiu do mesmo e dirigiu-se àquela tentando, novamente, a reconciliação.
33 – Após cada um ter seguido o seu caminho, AA inverteu o sentido da sua marcha e perseguiu BB que, entretanto, fazia o seu percurso em direcção à ....
34 – Quando a alcançou, AA proferiu as seguintes expressões: “não vales nada, és uma parva, vou desaparecer definitivamente da tua vida.”.
35 – Ainda no mesmo dia, pelas 21 horas e 17 minutos, através do número de telemóvel ...18, AA enviou, via rede social WhatsApp, uma mensagem para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular, com o seguinte teor:
- “Recebi os documentos… quanto te devo dos portes e do envelope???? Deixo amanhã o € a porta de armas.”.
36 – No dia 25 de Janeiro de 2020, pelas 22 horas e 30 minutos, AA dirigiu-se à residência de BB, sita na ..., em ..., e, exercendo força muscular, desferiu várias pancadas na porta de entrada da referida residência.
37 – De seguida, e uma vez que BB não lhe abriu a porta, AA enviou várias mensagens e efectuou dezasseis chamadas, para o telemóvel daquela.
38 – Numa dessas mensagens, AA escreveu que se BB não lhe abrisse a porta, lhe tiraria o fusível do contador da luz e que só na próxima semana voltaria a ter luz em casa.
39 – Perante a inactividade de BB, decorrido uma hora, AA abandonou o local.
40 – No dia 27 de Janeiro de 2020, pelas 7 horas e 40 minutos, AA deslocou-se a um café localizado junto à rotunda da localidade de ... e, quando encontrou BB, no seu interior, pediu-lhe para que o acompanhasse ao exterior, a fim de lhe mostrar um texto.
41 – De seguida, AA leu-lhe o referido texto, informou-a que o iria enviar para o seu WhatsApp e que BB teria de lhe responder.
42 – Assim, entre as 8 horas e 32 minutos e as 9 horas e 31 minutos, através do número de telemóvel ...18, AA enviou, pelo WhatsApp, várias mensagens para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular, de entre as quais, as com o seguinte teor:
Já escondi um amor com medo de perdê-lo e já perdi um amor por esconde-lo. Já segurei nas mãos de alguém por med, já tive tanto medo ao ponto de não sentir as minhas próprias mãos. Já expulsei pessoas que amava da minha vida, já me arrependi por isso. Já passei noites chorando até pegar no sono, também já fui dormir tão feliz ao ponto de nem conseguir fechar os olhos. Já acreditei em amores perfeitos mas ctg aprendi que eles não existem. Já amei pessoas que me decepcionaram e decepcionei pessoas que me amaram. Já passei horas e horas a frente do espelho a tentar descobrir quem eu sou, já tive tanta certeza de mim ao ponto de querer sumir. Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi. Já fingi não dar valor as pessoas que eu amava para mais tarde chorar quieto e sozinho no meu canto. Já sorri chorando lágrimas de tristeza, e também já chorei de tanto rir. Já acreditei em pessoas que não valiam a pena deixando de acreditar nas que realmente valiam. Já tive crises de risos quando não podia. Já quebrei pratos, copos e vasos de tanta raiva. Já senti muito a falta de alguém mas nunca lhe disse. Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar. Muitas vezes deixei falar o que penso só para agradar a uns, outras vezes falei o que não senta apenas para magoar outros. Já fingi ser o que não sou para agradar a uns, já fingi ser o que não sou para desagradar a outros. Já contei piadas e mais piadas sem graça apenas para te ver feliz. Já inventei histórias felizes para dar esperança a quem precisa. Já sonhei demais, ao ponto de confundir a realidade. Já tive medo do escuro, hoje no escuro “me acho, me agacho e fico ali”. Já caí inúmeras vezes a pensar que não me conseguia levantar, já me levantei inúmeras vezes a pensar que não iria cair mais. Já liguei para quem não queira apenas para não ligar para quem realmente queria corri atrás de um carro, por ele levar embora por levar quem eu amava. Já chamei pela minha mãe no meio da noite fugindo de um pesadelo mas ela não apareceu tornando um pesadelo ainda maior lá chamei pessoas próximas de “amigas” e descobri que não eram, algumas nunca precisei de amar de nada para se torarem tão especiais para mim. Não me dêem fórmulas certas porque eu não espero nem quero acertar sempre. me mostrem o que esperam de mim porque irei seguir sempre o meu coração. Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual porque sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras e também não sei voar com os pés no chão. Serei sempre eu mesmo, com a certeza que não serei o mesmo para sempre. Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das vinganças mais poderosas, das leias mais estúpidas, dos pensamentos mais parvos e dos sentimentos mais fortes e verdadeiros. Tenho te um apetite voraz com os delírios mais loucos... Podes até empurrar de um penhasco apenas para me magoar que eu apenas te vou dizer: “e dai caralho, eu adoro voar”. AA”.
-“Tá tranquila… tenho pena que sejas uma ingrata por tudo o que fui pra ti…mas o que poderia esperar de uma pessoa que nem a família gosta … uma pessoa que é má, falsa e não da valor a quem lhe fez bem”;
- “Não estrago a minha vida não.. não me mereces”;
- “Honestamente longe de ti eu serei muito mais feliz”;
- “Não mereço alguém como tu … merecia sim alguém como a pessoa que conheci”.
43 – Ainda nesse dia, pelas 8 horas e 33 minutos, AA, através do número de telemóvel ...18, efectuou uma chamada para o número de telemóvel ...48, do qual BB é titular.
44 – No dia 30 de Janeiro de 2020, pelas 17 horas, quando BB se encontrava a passar pelo “Hotel ...” a fim de se deslocar até à paragem do autocarro ..., AA saiu do interior do referido hotel e seguiu-se até à aludida paragem de autocarro.
45 – No dia 31 de Janeiro de 2020 GG contactou BB e questionou-a se sabia que AA tinha sofrido um grave acidente de automóvel e que tinha falecido.
46 – No dia 1 de Fevereiro de 2021, pelas 9 horas, AA apareceu no Comando Territorial ... e, pessoalmente, informou BB que foi tudo um equívoco e que nada de grave lhe tinha acontecido.
47 – Ainda no mesmo dia, pelas 13 horas e 37 minutos, AA dirigiu-se à residência de BB, sem a autorização daquela, e recolheu a sua filha menor de idade, FF, a fim de irem os dois almoçar.
48 – Posteriormente, quando já se encontravam num cruzamento à saída da localidade da ..., FF telefonou a BB para lhe pedir autorização para ir almoçar com AA.
49 – Ao tomar conhecimento dessa situação, BB ordenou que AA regressasse, de imediato, para a sua residência, o que fez.
50 – No dia 8 de Fevereiro de 2020, através do seu perfil da rede social Messenger “AA”, AA enviou para BB, em cujo perfil da aludida rede social se apresenta como “BB”, uma mensagem com o seguinte teor:
- “Vocês são uns tristes … andarem a ligar para os meus amigos a fazer perguntas de nós… se mulher uma na vida e contas lhes. Cambada de tristes.”
51 – No dia 1 de Março, através do seu perfil da rede social Messenger, AA enviou para BB, várias mensagens, de entre as quais as com o seguinte teor:
- “sinto me feliz … foi graças a ter te retirado de casa do LL que aquela família de um cancro enorme que vivia dentro daquelas 2aredes … fruto disso hoje é pai de bébé linda que felizmente já o prazer de conhecer e ser abençoado com um obrigado pela dos pais… o tempo que perdi com as tuas merdas foi fruto disso foi bem empregue … já sei que te fizeram a folha no trabalho lol mas não é de admirar por onde passas consegueste queimar sozinha. Como mãe não vales nada, porque com uma bébé acabada de nascer abandonas a com tua mãe viras lhe as costas … abandonar uma bébé?! N é quando ela já tá crescida que se recupera esse tempo tempo esse que a verdadeira mãe dela é a são sem dúvida … mas tb : és uma pessoa que não prestas nada mesmo mas de que se podia esperar de uma menina que logo em criança derivado aposto da sua atitude é rejeitada pelo próprio … pela família paterna… é triste … em adolescente leva porrada fartura “ porque seria” coitada da avó que criava um mostro dentro suas 4 paredes monstro esse por a sua vida fora , pelo país fora consegue virar queimada sem ajuda de ninguém: na tua terra tas queimada . ... tas super queimada, ... igual queimadíssima, ... idêntico, ... idêntico, no trabalho igual que todos falam . Coitado do rapaz que te deu abrigo mais de 10 anos e a paga do monstro foi “ falar mal dele, trai lo tudo quanto podia até com os colegas de trabalho casados e não… Uma pessoa que lamentavelmente é uma triste , frustrada doente que futuramente apenas serve para servir outros nas coisas mais básicas da vida porque de resto não presta para mais nada … agradeço do fundo do meu coração ter me afastado de ti embora por dias acreditasse que n eras assim … burro … mesmo contra as pessoas que me são me diziam “ a gaja não presta , a gaja tem ar de puta, a gaja AA é um moitao de problemas… e eu estupidamente cego… mas como sempre aprendi com os erros este foi mais um a qual bom , ajudei famílias… teus colegas a livrarem se de ti “ fui parvo mas útil contente… Deserdada por parte materna , deserdada por parte paterna , vida inútil rejeitada por todos apenas a filha” obrigatoriamente tá ctg Pork se a miúda pudesse escolheria “ ia Já hoje viver o pai, mesmo sem saber como seria … mas com certeza muito melhor do que com a mãe…lamento que existam pessoas assim, com nossa idade não serem ninguém a n ser objectos profissionais Pork n realidade é que és… não tens casa . meia dúzia de móveis podres Carro velho a pagar as prestações. Rejeitada por toda a família que até a avó cega de puta lhe chama é não a quer la em casa, até a velha la chega á realidade…mas então com a mania que és … pernas cheias de varizes, celulite, mamas descaídas todas flácidas com a pele de cara rugosa pra sair à rua tem de levar reparador ! Realmente o k eu poderia verem ti !! Fico estupido cada vez que me lembro de ti… fico feliz por já cá não andares e de me cruzar ctg … feliz a sério. Felizmente não perdi a minha família, e hoje eu sou feliz… hoje respiro de alívio, respiro sem problemas sem stresses. Hoje todos os meus amigos, pica Azinheirinha, dr MM, GG todos que tu conhecias hoje dão me parabéns. E hoje eles estão felizes por esta minha escolha na vida… felizmente eu tenho mesmo tudo onde a teu lado a única coisa que tinha era problemas estúpidos. Fico feliz por nunca te ter aberto a minha casa, apresentado oficialmente sabes o porquê ??? Forque sou inteligente…sou o homem mais inteligente que alguma vez conheceste.. mais poderoso que tu já tiveste … mais sábio em todos os sentidos que tu podes-te imaginar. Mas o mais burro por ter perdido com alguém que não presta , nunca prestou e nunca prestará .. Podes ir ... á vontade sem receios , n te faço mal nem a ti aos teus coitadinhos de colegas … no fundo eles por muito reles que sejam a teu lado são uns doutores. Se te cruzares cmg , vira a cara … poderás ter a certeza que farei o mesmo olhar para ti hoje , lembra-te que estou a olhar para alguém triste uma pessoa vazia mas é uma pessoa que o merece ser. Tudo o derivado a si mesma . Não tem nem amigos ou amigas tem.. uma verdadeira alma penada… achavas mesmo que algum dia te incluía na minha vida ou que algum te inclui???? Burra de merda … posso não valer muito mas comparado ctg uiiiiiiiii da terra até a lua. Tenho pena de ti “BB”… Podes bloquear este perfil … nada fazes futuramente á mínima ligação cmg … a não ser que queiras ver o que é a minha vida feliz com as verdadeiras pessoas minha vida texto para BB. Minha amiga virtual …”;
- “Ah já me esquecia… faz copypast e manda ao majjoor juntamente de um beijinho meu no clitoris da mulher dele”;
- “Já sabes .. se queres dizer a alguma coisa aproveita até as 18h… pois serás bloqueada de vez … morre, vai embora se cremada puta que te pariu … longe de todo meu quotidiano…”.
52 – No dia 6 de Abril de 2020, AA dirigiu-se à entrada do parque de terra batida, localizado junto do Comando Territorial ..., estacionou o seu veículo automóvel e aguardou a chegada de BB, pelas 17 horas e 10 minutos.
53 – Com as condutas supra descritas, AA sabia que atormentava o equilíbrio psico-emocional de BB, que a ofendia na sua honra e consideração ao lhe dizer “não vales nada”, “nunca vais ser ninguém na vida”, “és uma merda”, “parva”, “uma pessoa que lamentavelmente é uma triste, frustrada doente que futuramente apenas serve para servir outros nas coisas mais básicas da vida porque de resto não presta para mais nada”, “burra de merda”, que a acossava, tentando contactá-la contra a sua vontade, inclusive e por diversas vezes, no seu local de trabalho, que atormentava o seu descanso, que limitava a sua liberdade e que fazia com que ela receasse pela sua segurança pessoal, bem como da sua filha menor, o que quis e logrou alcançar, por diversas vezes.
54 – AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Do risco para a vítima:
55 – O último relatório de reavaliação de risco para a vítima elaborado pelo OPC e datado de 08.11.2021 refere a existência de risco de nível baixo.
Das condições pessoais do arguido:
56 – AA é oriundo de estrutura familiar coesa, afectiva e organizada, que lhe permitiu desenvolver competências pessoais e sociais para um estilo de vida normativo.
57 – Possui o 9.º ano de escolaridade, tendo iniciado o seu percurso laboral com cerca de dezasseis anos de idade; actualmente é empresário no sector dos transportes.
58 – Mantém relação análoga à dos cônjuges com a mãe do seu único filho, nascido .../.../2019, com quem reside e residia à data dos factos objecto dos presentes autos.
59 – Tem um rendimento mensal de cerca de 900,00 € (novecentos euros), a companheira encontra-se desempregada, assegura mensalmente renda de casa no valor de 350,00 € (trezentos e cinquenta euros).
60 – O arguido estrutura o seu quotidiano em função do trabalho, do convívio com a família e amigos sendo detentor de um estilo de vida normativo, encontrando-se bem integrado em termos sócio-familiares.
61 – AA é caçador, atividade em que se assume como gestor cinegético, coordenando e organizando várias atividades, momentos de lazer em que construiu fortes amizades.
62 – Assume atitude orientada para objetivos que visam, no essencial, o bem-estar da família.
63 – Expressa-se de modo eloquente, sendo por vezes exuberante em vista a fazer sobressair a sua posição, com estrutura tendencialmente manipuladora.
64 – O arguido não possui antecedentes criminais.

B. Da matéria de facto não provada:
Com relevo para a decisão da causa, não resultou provado:
1 – Que no dia 31 de Janeiro de 2020, com a intenção de levar BB a reatar o relacionamento, AA tenha pedido ao seu amigo GG que a contactasse e que a informasse de que ele tinha sofrido um grave acidente de automóvel e que tinha falecido.

C. Motivação:
Tendo sempre como horizonte orientador o disposto no art.º 127.º do Código do Processo Penal, considerando o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, o Tribunal fundou a sua decisão nos elementos probatórios que de seguida se analisam.
O arguido compareceu em audiência com uma postura ambígua.
Inicialmente referiu pretender colaborar e dizer a verdade mas o seu discurso ao longo das sessões não correspondeu a tal desiderato – apresentou inúmeras contradições e vitimizou-se culpando a BB dos problemas familiares que até hoje enfrenta com a mãe do seu filho em razão de ter mantido ambos os relacionamentos em simultâneo.
Afirmou que o envolvimento com BB foi apenas de cariz sexual e que, quando quis distanciar-se dela, esta lhe preparou uma vingança – da qual o presente processo é a consequência mais gravosa. No entanto, confirmou o teor das mensagens escritas enviadas, as tentativas de contacto e os diálogos referidos na acusação pública os quais, analisados, revelam por um lado que a relação entre ambos era uma relação de namorados – tal como, aliás, atestaram as testemunhas CC, DD e EE que, conhecendo-os (uns mais outros menos) assim os reconheciam em razão das suas condutas públicas: andavam de mãos dadas, beijavam-se em público, permaneciam em locais públicos com pouca distância física. Em apoio deste raciocínio, e a título de exemplo, refira-se que as mensagens “eu nunca estive contigo para foder e tu sabes disso. Estás com eles no carro, eles estão a ouvir a conversa, já sabem que terminámos não?” “Fico feliz por nunca te ter aberto a minha casa, apresentado oficialmente sabes o porquê ???”, contrariam frontalmente a versão da existência de uma simples relação de amizade com encontros sexuais ocasionais - conforme o arguido tentou convencer o Tribunal.
Ademais, o arguido conviveu com FF, filha de BB, num quadro de intimidade que se consubstanciou em visitas frequentes à residência de ambas (para a qual o arguido auxiliou nas mudanças), em refeições em locais públicos e no próprio episódio em que o arguido usou essa anterior posição para ir buscar a menina a casa para sair para almoçar. Conviveram, ainda, com outras pessoas (como por exemplo a testemunha CC), como um casal.
Ainda quanto a este ponto as duas testemunhas que afirmaram que entre AA e BB apenas existia uma relação de amizade e que nunca presenciaram condutas típicas de uma relação amorosa entre os dois – GG e HH – referiram que, para além de conhecer o arguido, também conheciam e conviviam com a sua companheira (mãe do filho) – o que apenas serviu para corroborar a conclusão do Tribunal no sentido de que o arguido apenas assumia a relação amorosa com BB na localidade onde a mesma vivia com a filha e na presença de pessoas que não conheciam a sua companheira, mantendo e usufruindo da duplicidade dos relacionamentos.
BB apresentou-se em audiência de forma serena mas abalada, atitude que não afectou a credibilidade das suas declarações. Descreveu os factos sem hesitações e algumas quebras de narrativa foram justificadas pela sucessão e similitude de acontecimentos ao longo do período em que se relacionou com o arguido – e, ainda, pelo cansaço que as atitudes do mesmo lhe foram causando. Referiu a instabilidade da relação, desde o início, e o grande grau de conflitualidade, motivado essencialmente por ciúmes. Fez um relato deveras impressivo e detalhado dos vários episódios que se passaram apenas na presença de ambos, merecendo a credibilidade do Tribunal.
FF, filha da vítima, declarou de forma muito segura e credível.
Não obstante a sua juventude, descreveu os factos que presenciou de forma circunstanciada e, no que se refere ao relato dos episódios que se desenrolaram à porta da sua casa e quando, enganada pelo arguido, aceitou iniciar um trajecto de automóvel com o mesmo para irem almoçar, o mesmo foi confirmado pelas declarações isentas e desinteressadas das testemunhas que os presenciaram a partir de local próximo à morada, DD e EE. O facto de o primeiro ser actualmente companheiro da vítima em nada prejudicou a credibilidade do seu depoimento, sendo coincidente com o de EE – que nenhum interesse mostrou no desfecho do processo.
O Tribunal analisou os relatórios de fls. 62 a 72 e 85 a 95, bem como de fls. 238 a 239 e 249 a 259, que contêm o resultado das pesquisas efectuadas aos telemóveis da vítima e do arguido, e que se consubstanciaram na extracção dos ficheiros informáticos correspondentes a mensagens escritas e ao registo de chamadas telefónicas, confirmando o teor da acusação pública (o que, de resto, não foi colocado em crise pelo arguido).
Cotejando estes elementos probatórios temos, pois, que parte das condutas imputadas ao arguido terão ocorrido apenas a sua presença e de BB.
A propósito refira-se que é raro existirem testemunhas de factos que consubstanciam a prática de violência doméstica já que, as mais das vezes, os mesmos se passam na intimidade da relação, em momento reservado, ocultado pelo agente e pela vítima (por vergonha), proporcionando àquele um sentimento de impunidade originado nesse particular contexto típico. Mas isto não significa que a prova dos factos criminosos seja impossível, desde que a mesma se paute pelo respeito pelas regras basilares do direito penal e do direito de processo penal, maxime o princípio da presunção de inocência. No seguimento deste raciocínio cumpre referir que as declarações da vítima, se prestadas com clareza, objectividade, merecedoras da credibilidade do Tribunal, podem ser suficientes para o apuramento dos factos. E é o que aconteceu nos presentes autos no que se refere aos episódios vertidos na acusação pública descritos pela vítima e que se passaram apenas na presença de ambos.
Pelo que o Tribunal concluiu que o arguido, motivado pela dependência da relação afectiva com BB, frustrado com o final da dupla situação que mantinha com a mãe do seu filho e com a vítima, auto-instigado pelas características da sua personalidade levou a cabo atitudes cada vez mais violentas e gravosas contra BB, queria e conseguia tirar-lhe a paz, mantendo um clima de instabilidade e perseguição, impedindo-a de, livremente, “ir e vir”, de levar o seu quotidiano com serenidade, relacionar-se com outras pessoas, de trabalhar, motivando a sua insegurança e instabilidade. Magoou-a, dirigindo-lhe expressões de desprezo quanto à sua fisionomia e compleição física, usou informações sobre o passado de BB para a atormentar, causando-lhe intenso vexame e humilhação. E, pelas próprias características das condutas levadas a cabo – insultos, perseguições, ameaças, devassas – o arguido quis praticá-las voluntariamente, sabendo do que as mesmas causariam a BB sofrimento e inquietação, rebaixando-a na sua condição de ser humano que o arguido não queria que fosse livre, e que as mesmas eram proibidas e punidas pela lei penal.
No que se refere às suas características de vida e pessoais, as mesmas foram apuradas com recurso à análise do relatório social elaborado e junto pela DGRSP.
A inexistência de antecedentes criminais foi apurada através do teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 366.
O actual nível de risco para a vítima encontra-se atestado pelo OPC na ficha de fls. 355 a 358.
O facto não provado assim resultou decidido uma vez que o Tribunal não obteve da ponderação dos meios de prova produzidos a certeza de que tenha sido o arguido a lançar a informação da sua possível morte na sequência de um acidente, o que se deveu à pouca certeza da própria vítima ao relatar tais factos e das declarações das testemunhas GG e HH.

*
III. Fundamentação de direito:
A. O enquadramento jurídico-penal dos factos:
Para que o agente possa ser jurídico-penalmente responsabilizado tem de praticar um facto típico, ilícito e culposo. O facto é típico quando a conduta do agente preenche objectiva e subjectivamente os elementos de um tipo legal de crime.
Dispõe o art.º 152.º n.º 1 b) do Código Penal que: “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”.
Quando tais factos são praticados contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima, ou ainda se difundir através da internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento, a pena prevista é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos (cfr n.º 2 do artigo citado).
O fenómeno da violência doméstica é um problema de todos os tempos e tem como vítimas preferenciais o cônjuge ou a pessoa que vive em condições análogas, os namorados, as crianças, os idosos e os doentes, tratando-se de um complexo problema social. Neste seguimento, criminalizando estas condutas, o legislador teve como escopo prevenir as formas de violência no âmbito da família, sobretudo entre os cônjuges, e nas relações afectivas, na maior parte das vezes silenciosas. Assumindo ainda realidade de que, neste domínio (tais como nos domínios familiar, educacional e laboral – visados pela norma do artigo 152.º do Código Penal), “as humilhações, os vexames, os insultos, etc., constituem, por vezes, formas de violência psíquica mais graves do que muitas ofensas corporais simples, o legislador previu, ao lado dos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos”, vide Américo Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, página 331.
O tipo objectivo em análise pressupõe, pois, a existência de: (i) um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos seus comportamentos; e (ii) um sujeito passivo que se encontre, para com o agente, numa relação de coabitação conjugal, análoga ou de namoro. Tais relações são particularmente sensíveis pela fragilidade em que os sujeitos se encontram em razão da emotividade e da partilha de intimidade
Em apoio da nossa classificação do relacionamento entre arguido e vítima, citamos dois breves trechos de dois doutos arestos (infra identificados e ambos disponíveis in www.dgsi.pt/):
“I – A alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal inclui na previsão legal do crime de violência doméstica as relações de namoro; II – Estas terão que ser relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas, não se exigindo, todavia, um projeto futuro de vida em comum, na medida em que as relações de namoro não têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja o futuro de vida em comum; III – A existência de duas pessoas numa relação de namoro exige a dualidade, por parte dos seus dois membros, da aceitação e vontade real de participação e permanência nesse vínculo sentimental e afectivo, não bastando que só um dos intervenientes o pretenda e aceite.”[1]“As relações de namoro, tal como moderna e socialmente se mostram desenvolvidas, abrangem uma multiplicidade de comportamentos e graus de interacção entre os namorados que fogem dos cânones a que estamos habituados a presenciar, não sendo hoje de exigir para qualificar esse tipo de relacionamento a existência de elementos como notoriedade, exclusividade, partilha de cama mesa e habitação e projecto de vida futura em comum.”[2]
No que concerne às condutas previstas no tipo podem ser de várias espécies, revelando no caso concreto em apreciação, os maus-tratos físicos (as ofensas corporais simples) e os maus-tratos psíquicos (ameaças, provocações, molestações, injúrias, devassas).
No que concerne ao tipo subjectivo, o normativo em apreço prevê um tipo doloso, exigindo-se o dolo genérico, em qualquer uma das suas formas, traduzindo-se este no conhecimento (elemento intelectual) dos elementos do tipo objectivo de ilícito, e vontade de realização do facto típico (elemento volitivo).
Vertendo estas considerações ao caso concreto concluímos que as condutas da autoria do arguido e praticadas relativamente à pessoa que foi sua namorada constitui matéria factual suficiente para preencher o tipo legal de crime pelo qual vem acusado.
Várias actuações do arguido foram presenciadas pela filha da vítima, FF (ainda menor) e na residência das mesmas.
As atitudes de AA causaram em BB abalo do seu sossego, provocando-lhe sofrimento, colocou em causa a sua liberdade de movimentos e impediu o usufruto da sua personalidade, o que se mostra concretizado em injúrias, ameaças, pressões psicológicas que resultaram numa vivência de inquietação para a vítima, cujas rotinas conhecia e usava para a perseguir.
As provações que a sujeitou rondando o local de trabalho e importunando-a na sua residência causou-lhe desassossego e vexame social.
O descontrolo provocado pela separação imposta por BB levou AA a perseguir, a ameaçar, a ofender a vítima; o final da relação amorosa que mantiveram espoletou no arguido atitudes atentadoras da paz de BB, num crescendo que culminou no envolvimento da filha menor desta num enredo de chantagens que tocou todo o universo de interesses da vítima: que foi perturbada no meio laboral, familiar e social, deixando até de circular livremente pela cidade, arranjando rotas alternativas e meios de transporte diferentes para se deslocar para o trabalho, sendo insistentemente importunada através de tentativas de telefonemas, do recebimento de mensagens escritas em várias plataformas de comunicação.
De tudo o que fica dito decorre a conclusão de que o arguido cometeu o crime pelo qual vinha acusado.
Não resultou da factualidade provada in casu a verificação de qualquer circunstância que exclua a ilicitude dos factos praticados ou a culpa de AA.
*
IV. Da escolha das penas principal e acessórias e determinação da sua medida:
Da pena principal:
A espécie da pena principal aplicável ao arguido pela prática do crime de violência doméstica está fixada ope legis – é a pena de prisão.
O artigo 71.º n.º 1 do Código Penal ordena que a graduação da medida da pena se faça em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção criminal.
Toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa que não há pena sem culpa e que a culpa é determinante da medida daquela, sendo seu pressuposto de validade e o seu limite máximo.
A prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade necessita de manter na vigência da norma em questão, e se traduz no mínimo exigível para a medida concreta da pena.
A prevenção especial traduz-se, primordialmente, na função de socialização, que é o objectivo determinante da pena segundo a política criminal vigente.
Por seu lado, o n.º 2 do art.º 71.º enumera, exemplificadamente, algumas das circunstâncias que o julgador deve ter em conta para a determinação da pena a aplicar em concreto ao agente, devendo ser consideradas todas aquelas que, depondo favorável ou desfavoravelmente ao arguido e não fazendo parte do tipo legal preenchido, sejam expressivas da sua culpa e da medida das necessidades de prevenção.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para a resposta às necessidades de reintegração social do agente.
Prevê o legislador, para o crime em questão, a punição de pena de prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Em sentido positivo levamos em conta que o arguido não tem anteriores contactos com o sistema penal na qualidade de condenado. Confessou parcialmente os factos (embora apenas na parte em que os mesmos se encontravam, já, documentados nos autos).
Em sentido desfavorável ao arguido sopesamos o facto de não mostrar auto-censura e o carácter intenso do dolo directo enquanto elemento subjectivo da ilicitude. Da mesma forma se valorou o período de tempo em que se verificaram as condutas ilícitas, tendo mantido a vítima sob a inquietação das suas atitudes agressivas por cerca de oito meses. No mais, AA não se coibiu de levar a cabo actos violentos contra BB perturbando-a e à respectiva filha na residência de ambas, na via pública, nas imediações do local de trabalho ou onde quer que a encontrasse, para o que chegou a persegui-la. Foi actuando num crescendo de desinibição que aumentou os receios de BB e cada vez lhe tolheu mais os movimentos e a liberdade. Ademais, mostra-se como pessoa desprovida de sentido auto-crítico pois se, por vezes, admite que errou em certas condutas logo de seguida atalha com a responsabilização da vítima, da qual refere que se tentou “livrar” – o que é completamente contraditório com a imagem global das suas condutas, mais que não fosse com o próprio teor das comunicações escritas que dirigiu a BB. Estas circunstâncias impõem que a sanção a aplicar ao arguido se destaque do limiar da punição, demandando alguma assertividade na determinação da pena concreta.
No que toca às exigências de prevenção geral, estas apresentam-se como elevadas, tendo em conta a que este tipo de ilícito é comum e a violência doméstica tem-se revelado um fenómeno transversal na sociedade portuguesa, mesmo em relações como as de namoro, que urge combater.
As exigências de prevenção especial estão acima da mediania, e não sendo o grau de culpa do arguido vincadamente elevado o mesmo já se situa num patamar superior ao médio, enquadrando-se as suas condutas na previsão legal com foros de alguma gravidade.
E assim, ponderando as razões de prevenção geral e prevenção especial, tudo limitado pela medida de culpa do arguido, entendo ser adequado aplicar-lhe a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
Da suspensão da pena privativa da liberdade aplicada ao arguido:
Nos termos do art.º 50.º n.º 1 do Código Penal, verificada que seja a possibilidade de se concluir por um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida que não exceda os 5 (cinco) anos.
Visa a lei, com a aplicação de tal instituto, o afastamento do arguido da prática de novos crimes.
Atendendo ao facto de que o arguido se encontra inserido do ponto de vista social e familiar, levando em conta também o sentido do relatório social elaborado e a sua idade, não há necessariamente que concluir que o cumprimento efectivo e sem mais da pena de prisão supra
determinada neste momento é a única forma de resposta às condutas contrárias ao Direito ora manifestadas. De facto, analisando o caso concreto mostra-se ainda possível ao Tribunal formular um juízo de prognose favorável, concluindo-se que a censura do facto e a ameaça da pena manifesta-se como adequada e suficiente para afastar AA de novos comportamentos ilícitos no que se refere aos bens jurídicos defendidos pelas normais penais que violou. Pelo que decido suspender a execução da pena de prisão aplicada por 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.
Levando em consideração o disposto no art.º 34.º-B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência às suas vítimas), por entender que uma suspensão simples não é suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, ao abrigo do art.º 50.º n.ºs 2 e 3 do Código Penal temos por necessária a imposição ao arguido de um regime de prova, ao abrigo do previsto no art.º 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP à luz das exigências do normativo supra citado e das exigências de avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequados à conduta comportamental que AA evidenciou, o que se determina.
Das penas acessórias:
Resultaram provados factos que determinam a necessidade de aplicação de penas acessórias (de entre as elencadas nos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal). O resultado da avaliação de risco realizada em Novembro, último cujo relatório se encontra junto aos autos, é de nível baixo; no entanto, atentas as características de personalidade do arguido, a sua instabilidade e irritabilidade (tal como percepcionadas pelo próprio Tribunal no decurso da audiência) fazem concluir pela necessidade de acautelar futuras interacções entre ambos.
Assim, nos termos previstos pelos n.º 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal, aplico a AA:
- a pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido e com a duração fixada pela DGRSP, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social;
- a pena acessória de proibição de contactar com a vítima, por qualquer meio, e proibição de permanência na residência onde a mesma habita, no seu local de trabalho e em qualquer local onde saiba que esta se encontre a menos de 300 (trezentos) metros de distância pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Por se mostrar desadequada e excessiva ao caso em apreço afasta-se a aplicação da fiscalização da proibição de contactos através de meios electrónicos previsto pelo segmento final do n.º 5 do art.º 152.º do Código Penal.

IV. Da indemnização a favor da vítima do crime de violência doméstica:
Nos termos do art.º 21.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, à vítima é sempre reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização e tem sempre aplicação o disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos a que a vítima expressamente se opuser.
Dispõe o art.º 82.º-A n.º 1 do Código de Processo Penal, que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”. No vertente caso, os requisitos formais mostram-se preenchidos – não foi deduzido pedido de indemnização civil, verifica-se a condenação do arguido e a vítima não se opôs expressamente à fixação da indemnização, embora não a tenha peticionado.
Quanto aos demais requisitos, mostram-se também verificados, uma vez que, conforme se apurou, BB sentiu-se inquieta, angustiada, triste, amedrontada e humilhada em consequência das condutas do arguido.
O dano na imagem de BB perante a sua filha menor, que espera de si protecção e se viu exposta aos excessos comportamentais do homem que a mãe apresentou como namorado, foi grave.
Ora, tal factualidade impõe exigências de protecção e compensação.
Assim, levando em conta as consequências das condutas levadas a cabo pelo arguido, não olvidando a sua condição económica e à luz da praxe do foro decido arbitrar, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) a favor da vítima BB.
(...).».

2.3. Conhecimento do mérito do recurso
2.3.1. Questão prévia:
Conforme referimos no ponto 1.8. do Relatório, na sequência da comunicação ao arguido/recorrente da alteração não substancial dos factos descritos na sentença recorrida, a que esta Relação procedeu, em observância do disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, veio o recorrente sustentar serem falsos esses factos, reiterando o já alegado na motivação de recurso para impugnar a factualidade dada como provada no ponto 2, no segmento referente a ter mantido com a ofendida BB uma relação de namoro, arrolando para prova do por si alegado, para além das testemunhas já ouvidas em audiência de julgamento, DD e EE, três novas testemunhas II, JJ e KK, cuja notificação, pelo Tribunal, requer.
Importa apreciar sobre a (in)admissibilidade da produção de prova requerida pelo arguido/recorrente:
Como é sabido, na fase de recurso, não é permitida a produção de prova, a menos que haja lugar à renovação de prova, nos termos previstos na al. c), do n.º 3 do artigo 412º do CPP, sendo que esta última terá de respeitar a provas já produzidas na audiência de julgamento.
Assim sendo, quanto às novas testemunhas arroladas pelo arguido/recorrente, nunca poderia esta Relação, na fase de recurso, em que nos encontramos, proceder à sua inquirição, por inadmissibilidade legal de produção dessa prova, nos termos sobreditos.
No referente às testemunhas DD e EE, que prestaram depoimento na audiência de julgamento, tendo relatado os factos que integram a alteração não substancial comunicada e agora objeto de impugnação, uma vez que o arguido/recorrente pôde exercer, cabalmente, o contraditório, na audiência, relativamente a essa concreta prova, a qual se encontra gravada e podendo esta Relação, reapreciá-la, posto que o recorrente a impugnou, nos termos do n.º 3 do artigo 412º do CPP, tendo sido assegurado o direito de defesa do arguido, ora recorrente, não se admite a renovação dessa prova.
Termos em que, sem necessidade, de maiores considerações, decide-se indeferir a requerida produção de prova.

2.3.2. Da impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 2 e 3, por erro notório na apreciação da prova
O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nos pontos 2 e 3, invocando o erro notório na apreciação da prova.
Estão em causa os seguintes factos:
2 – No decorrer da relação de namoro, AA convenceu BB a deixar de se relacionar com diversas pessoas, incluindo amigos de longa data, uma vez que as mesmas não seriam de confiança.
3 – Nessa sequência, BB deixou de se relacionar com as aludidas pessoas.
No referente ao ponto 2, o recorrente impugna, desde logo, o segmento que se reporta à relação de namoro.
Sustenta o recorrente que para haver uma relação de namoro não basta o relacionamento entre duas pessoas, sendo necessário existirem laços afetivos, emocionais, de partilha, de convivência e de cooperação entre as mesmas, sem se exigir um projeto futuro de vida em comum.
Donde, enfatiza o recorrente, a asserção da existência de uma relação de namoro, pressupõe factualidade concreta que o demonstre, tratando-se de uma conclusão, de um juízo, que terá de sustentar-se em factos provados.
Neste enfoque, manifesta o recorrente não permitirem factos dados como provados, na sentença recorrida, sustentar que o relacionamento havido entre o próprio e BB foi de namoro.
Alega o recorrente que a relação por si mantida com BB foi de amizade com o envolvimento de cariz sexual – “uma amizade colorida” –, e ser isso mesmo confirmado pelas declarações por si prestadas e pelo teor das mensagens enviadas, consideradas pelo Tribunal a quo para concluir em sentido diverso, fazendo uma errónea interpretação dos factos.
Entende o recorrente, que os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, para além de não serem merecedores de credibilidade, sendo o primeiro seu atual companheiro e o último seu amigo, também não são suficientes para que o Tribunal a quo pudesse dar como provada a existência da aludida relação de namoro, impondo-se que decidisse em sentido diverso, considerando os depoimentos das testemunhas FF, GG e HH, respetivamente, filha da vítima e amigos do arguido.
No tocante aos restantes factos dados como provados nos pontos 2 e 3 – quais sejam, que o arguido «convenceu BB a deixar de se relacionar com diversas pessoas, incluindo amigos de longa data, uma vez que as mesmas não seriam de confiança.» e que «Nessa sequência, BB deixou de se relacionar com as aludidas pessoas.» –, o recorrente impugna-os, alegando não corresponderem à realidade e que tal resulta das declarações da própria ofendida BB, nos excertos que enuncia e transcreve no item XXI das conclusões.
O Ministério Público defende que o Tribunal a quo valorou corretamente a prova, pelo que, a decisão da matéria de facto deve ser mantida.
Vejamos:
Antes de mais, importa fazer notar que embora o recorrente invoque o erro notório na apreciação da prova, ao convocar declarações e depoimentos prestados na audiência de julgamento, defendendo que impõem decisão em sentido diverso da proferida pelo Tribunal a quo, o recorrente deixa patente pretender impugnar amplamente a matéria de facto, visando a correção do erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova.
Apreciaremos da impugnação da matéria de facto, em ambas as vertentes.
Assim:
Relativamente ao erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, tal vício verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar, arbitrária, de todo insustentável, e as regras da experiência comum. Tem de ser um erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão.
Trata-se de um vício que tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (cf. n.º 2 do artigo 410º do CPP), não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos à decisão recorrida, para fundamentar a existência de tais vícios.
Neste contexto, lida a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, tendo em conta os contornos do erro notório na apreciação da prova, entendemos ser inequívoca a inexistência desse vício.
Relativamente à impugnação ampla da matéria de facto, tendo o recorrente cumprido o ónus de especificação estabelecido no artigo 412º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, apreciemos, então, se existe erro de julgamento, na apreciação/valoração da prova.
O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Importa deixar claro que o erro de julgamento, não pode ser confundido com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal formou, vigorando, neste âmbito, o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal, de acordo com o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Não pode admitir-se que haja uma inversão de papéis do juiz e do recorrente, em termos de a convicção pessoal deste último se poder afirmar ou sobrepor à convicção formada pelo julgador, logo que esta se mostre alicerçada nas provas produzidas, respeitando os princípios e as normas legais do direito probatório e que seja devidamente fundamentada.
Neste âmbito, o tribunal de recurso limita-se a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova e a só pode determinar a alteração da matéria de facto fixada se concluir que os elementos de prova indicados pelo recorrente impõem uma decisão diversa e não se apenas permitem uma outra decisão.
Constitui consolidado na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, que a atribuição de credibilidade, ou não, à prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica[3]. E nada impede que a convicção do julgador se possa alicerçar no depoimento de uma única testemunha, mesmo que se trate do(a) ofendido(a), nas declarações do(a) assistente ou do(a) demandante, desde que devidamente explicitadas, pelo julgador, na motivação da decisão de facto, as razões do seu convencimento[4].
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Neste quadro, lida a motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo enunciou as provas e o exame crítico das mesmas, que fundamentam a decisão de dar como provados os factos que são impugnados pelo recorrente, tendo explicitado as razões por que lhe merecerem credibilidade e, por isso, valorou, as declarações da ofendida BB e o depoimento das testemunhas CC, DD e EE, em detrimento das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas GG e HH, que o Tribunal a quo descredibilizou, explicitando as razões por que assim decidiu e o raciocínio efetuado, subjacente à tomada de decisão nesse sentido, os quais se mostram consentâneos com as regras da experiência comum e da lógica racional.
No segmento da motivação da decisão de facto, que agora importa considerar, consignou o Tribunal a quo o seguinte:
«(...)
O arguido compareceu em audiência com uma postura ambígua.
Inicialmente referiu pretender colaborar e dizer a verdade mas o seu discurso ao longo das sessões não correspondeu a tal desiderato – apresentou inúmeras contradições e vitimizou-se culpando a BB dos problemas familiares que até hoje enfrenta com a mãe do seu filho em razão de ter mantido ambos os relacionamentos em simultâneo.
Afirmou que o envolvimento com BB foi apenas de cariz sexual e que, quando quis distanciar-se dela, esta lhe preparou uma vingança – da qual o presente processo é a consequência mais gravosa. No entanto, confirmou o teor das mensagens escritas enviadas, as tentativas de contacto e os diálogos referidos na acusação pública os quais, analisados, revelam por um lado que a relação entre ambos era uma relação de namorados – tal como, aliás, atestaram as testemunhas CC, DD e EE que, conhecendo-os (uns mais outros menos) assim os reconheciam em razão das suas condutas públicas: andavam de mãos dadas, beijavam-se em público, permaneciam em locais públicos com pouca distância física. Em apoio deste raciocínio, e a título de exemplo, refira-se que as mensagens
eu nunca estive contigo para foder e tu sabes disso. Estás com eles no carro, eles estão a ouvir a conversa, já sabem que terminámos não?
Fico feliz por nunca te ter aberto a minha casa, apresentado oficialmente sabes o porquê ???”,
contrariam frontalmente a versão da existência de uma simples relação de amizade com encontros sexuais ocasionais - conforme o arguido tentou convencer o Tribunal.
Ademais, o arguido conviveu com FF, filha de BB, num quadro de intimidade que se consubstanciou em visitas frequentes à residência de ambas (para a qual o arguido auxiliou nas mudanças), em refeições em locais públicos e no próprio episódio em que o arguido usou essa anterior posição para ir buscar a menina a casa para sair para almoçar. Conviveram, ainda, com outras pessoas (como por exemplo a testemunha CC), como um casal.
Ainda quanto a este ponto as duas testemunhas que afirmaram que entre AA e BB apenas existia uma relação de amizade e que nunca presenciaram condutas típicas de uma relação amorosa entre os dois – GG e HH – referiram que, para além de conhecer o arguido, também conheciam e conviviam com a sua companheira (mãe do filho) – o que apenas serviu para corroborar a conclusão do Tribunal no sentido de que o arguido apenas assumia a relação amorosa com BB na localidade onde a mesma vivia com a filha e na presença de pessoas que não conheciam a sua companheira, mantendo e usufruindo da duplicidade dos relacionamentos.
BB apresentou-se em audiência de forma serena mas abalada, atitude que não afectou a credibilidade das suas declarações. Descreveu os factos sem hesitações e algumas quebras de narrativa foram justificadas pela sucessão e similitude de acontecimentos ao longo do período em que se relacionou com o arguido – e, ainda, pelo cansaço que as atitudes do mesmo lhe foram causando. Referiu a instabilidade da relação, desde o início, e o grande grau de conflitualidade, motivado essencialmente por ciúmes. Fez um relato deveras impressivo e detalhado dos vários episódios que se passaram apenas na presença de ambos, merecendo a credibilidade do Tribunal.
FF, filha da vítima, declarou de forma muito segura e credível.
Não obstante a sua juventude, descreveu os factos que presenciou de forma circunstanciada e, no que se refere ao relato dos episódios que se desenrolaram à porta da sua casa e quando, enganada pelo arguido, aceitou iniciar um trajecto de automóvel com o mesmo para irem almoçar, o mesmo foi confirmado pelas declarações isentas e desinteressadas das testemunhas que os presenciaram a partir de local próximo à morada, DD e EE. O facto de o primeiro ser actualmente companheiro da vítima em nada prejudicou a credibilidade do seu depoimento, sendo coincidente com o de EE – que nenhum interesse mostrou no desfecho do processo.
(...).»
O recorrente limita-se a criticar a credibilidade atribuída pelo Tribunal a quo aos depoimentos da ofendida BB e das testemunhas CC, DD e EE, em detrimento das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas GG e HH.
Ora, como supra referimos, a atribuição, ou não, de credibilidade à prova por declarações ou testemunhal, assenta numa opção do julgador, tendo por base a imediação e a oralidade, decidindo de acordo com a livre convicção, que o tribunal de recurso só poderá censurar, se for contrária às regras da experiência comum e lógica, o que não ocorre, no caso vertente.
Na verdade, tendo-se procedido à audição das declarações prestadas pelo arguido e dos depoimentos das testemunhas BB (ofendida), CC, DD, EE, FF, HH e GG – na íntegra, usando-se da faculdade prevista no n.º 6 do artigo 412º do CPP –, entendemos não existirem quaisquer razões objetivas, para pôr em causa a credibilidade atribuída pelo Tribunal a quo às declarações da ofendida BB e aos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, em detrimento das declarações do arguido.
Refira-se que os depoimentos das testemunhas HH e GG, amigos do arguido, ao afirmarem estarem convencidos de que este último e a BB seriam amigos, em nada contraria os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, no relato que fizerem de gestos e atitudes assumidas pelo arguido e para ofendida, em público. A testemunha HH afirmou ter estado com os dois apenas uma vez, a almoçar e não ter visto “nada de anormal” – querendo significar atitudes reveladores de que o que existia entre eles não fosse apenas uma relação de amizade –, justificando “até porque eu conheço a mulher dele” e a testemunha GG, questionado sobre a natureza da relação havida entre a ofendida e o arguido, respondeu “só os conheci como amigos”, à pergunta sobre se sabia se existiu relação amorosa entre ambos, respondeu negativamente, referindo, mais adiante, conviver com a mulher do arguido.
Contrariamente ao que o recorrente sustenta, a sua atitude, ao não assumir perante os seus amigos e familiares o relacionamento com a ofendida BB, é consentânea, à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, ante a circunstância daqueles conhecerem a mãe do filho do arguido, estando inteirados de que este mantinha relacionamento íntimo com a mesma, sendo normal, nesse contexto, que o arguido mostrando-se mais reservado e comedido nos gestos e comportamentos adotados para com a ofendida, em ocasiões em que estavam presentes os seus amigos, entre os quais as testemunhas GG e HH, evitando, dessa forma, expor perante os mesmos a verdadeira natureza da relação que mantinha com a ofendida.
Donde, não existir qualquer contradição entre os parágrafos 4º e 5º da motivação da decisão de facto consignada na sentença, nos segmentos apontados pelo recorrente, transcritos no ponto XVII das conclusões extraídas da motivação de recurso.
Por outro lado, a circunstância de a filha da ofendida, a testemunha FF, poder não estar totalmente inteirada do tipo de relação que a mãe mantinha com o arguido, o qual lhe foi apresentado por aquela como “amigo”, também surge como curial com as regras da experiência comum e da normalidade da vida. Com efeito, sendo a FF, menor, à época, com 13/14 anos de idade e atenta a atitude do arguido, que mantinha, em simultâneo, relação amorosa com outra mulher, mãe do seu filho – como o próprio admitiu –, sem que decidisse deixá-la, para viver com a ofendida, como lhe prometia, é perfeitamente compreensível, que, nesse contexto, a ofendida evitasse expor a situação perante a sua filha, criando expetativas que poderiam sair goradas.
Por último, diversamente do entendimento preconizado pelo arguido, o teor das SMS que enviou à ofendida e designadamente daquelas que, a título exemplificativo, o Tribunal a quo enunciou, não só não afasta, como corrobora que a relação existente entre o arguido e a ofendida, não era de mera amizade, com envolvimento sexual, mas sim de namoro, embora se tratasse de uma relação pautada pela instabilidade, mantendo o arguido, em simultâneo, relacionamento com a mãe do seu filho.
Se a relação que o arguido mantinha com a ofendida fosse, como pretendeu fazer crer ao tribunal, uma “amizade colorida”, não se compreenderiam as razões pelas quais, vigiava os seus movimentos, procurava afastá-la de outras pessoas, revelava sentimentos de posse em relação à ofendida, procurava controlar o que fazia e com quem andava e insistia em manter o relacionamento.
Como bem considerou o Tribunal a quo, o teor de algumas das SMS enviadas pelo arguido à ofendida, evidenciam que a relação que mantiveram não se tratou de uma simples amizade, com trato sexual, só assim se compreendendo que, por exemplo, na SMS de 20/01/2020, referenciada no ponto 29 dos factos provados, o arguido tenha referido não querer mais nada com a ofendida, nunca ter estado com ela para “foder” e que a mesma sabia disso e a questionasse sobre se estava com eles – referindo-se aos colegas – no carro, se os mesmos estavam a ouvir a conversa e se “já sabem que terminámos?”, sendo esta última expressão elucidativa do tipo de relação existente entre o arguido a ofendida. Também as mensagens que enviou à ofendida, via WhatsApp e Messenger, cujo teor vem transcrito nos pontos 42 e 51 da matéria factual provada, nas quais o arguido manifesta sentimentos de tristeza, deceção, desilusão, pelo terminus da relação e, ao mesmo tempo, se congratula com o facto de se ter afastado da ofendida, não são consentâneas com uma situação em que o relacionamento havido entre ambos, tivesse sido apenas uma “amizade colorida”, evidenciando o arguido ter acreditado ser a ofendida alguém que afinal não era, ter andado iludido – «agradeço do fundo do meu coração ter-me afastado de ti embora por dias acreditasse que n eras assim ...burro ... mesmo contra as pessoas que me são, me diziam “a gaja não presta, a gaja tem ar de puta, a gaja AA é um moitao de problemas ...e eu estupidamente cego ... mas como sempre aprendi com os erros este foi mais um ...» – e sentir-se feliz pela escolha que fez e por não ter perdido a família - «... Realmente o k eu poderia ver em ti!! Fico estúpido cada vez que me lembro de ti ... fico feliz por já cá não andares e de me cruzar ctg ... feliz a sério. Felizmente não perdi a minha família, e hoje sou feliz ... hoje respiro de alívio, respiro sem problemas sem stresses. Hoje todos os meus amigos, pica Azinheirinha, dr MM, GG todos que tu conhecias hoje dão me parabéns. E hoje eles estão felizes por esta minha escolha na vida… felizmente eu tenho mesmo tudo onde a teu lado a única coisa que tinha era problemas estúpidos. Fico feliz por nunca te ter aberto a minha casa, apresentado oficialmente sabes o porquê ??? Forque sou inteligente…sou o homem mais inteligente que alguma vez conheceste.. mais poderoso que tu já tiveste … mais sábio em todos os sentidos que tu podes-te imaginar. Mas o mais burro por ter perdido com alguém que não presta , nunca prestou e nunca prestará ...».
Claramente resulta do teor das mensagens transcritas a corroboração da versão da ofendida de ter existido entre a mesma e o arguido uma relação afetiva, que, pese embora conturbada, se manteve durante 10 meses e à qual a ofendida pôs termo, com o que o arguido não se conformou.
No referente ao tipo de relação afetiva havida entre o arguido e a ofendida:
O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 2, ter sido de “namoro”.
Conforme decidimos, no acórdão anteriormente proferido, neste conspecto, a sentença recorrida, enferma do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), do n.º 2, do artigo 410º do CPP).
Tendo o arguido/recorrente impugnado a matéria de facto dada como provada no ponto 2, no segmento referente à “relação de namoro”, fazendo-o nos termos do n.º 3 do artigo 412º do CPP, esta Relação pode modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 431º, alíneas a) e b), do CPP, sanando o apontado vício da insuficiência, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento, o que fará.
Assim, com base nos depoimentos conjugados da ofendida BB e das testemunhas FF, DD e CC, que merecerem credibilidade ao Tribunal a quo, não existindo razões objetivas para pôr em causa esse juízo, conforme supra se concluiu [tendo a testemunha FF confirmado que o arguido frequentava a casa onde residia com a sua mãe, BB e que os dois iam para o quarto e ficavam lá; relatando a testemunha DD, ter visto, várias vezes, o arguido, na aldeia de ..., onde a ofendida BB, na altura residia, indo a casa desta e vendo-os, várias vezes, juntos, no café, “sentavam-se num banco alto, que tem assim em frente ao balcão, com a pena metida um no outro, de mão dada” e assegurando a testemunha CC ter presenciado, algumas vezes, o arguido a ir ao local de trabalho da ofendida – quartel da GNR ... –, à hora de almoço e em horário de expediente, vendo-os de mão dada, a descer a rua, indo até ao café, também de mão dada] e não sendo esses depoimentos infirmados ou sequer abalados pelos depoimentos das testemunhas GG e HH, convocados pelo recorrente, levam a sustentar a convicção que o Tribunal a quo, formou, tal como consta da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida de que:
- No âmbito do aludido relacionamento que mantinham, o arguido e BB, andavam de mãos dadas, em público;
- O arguido frequentava a casa onde BB vivia com a filha;
- O arguido e BB apresentavam-se juntos em locais públicos, designadamente, tomando refeições e convivendo com outras pessoas.
Já no tocante a beijarem-se (o arguido e BB), em público e à assunção por parte do arguido, perante algumas pessoas, com quem conviviam, o primeiro facto não resultou confirmado, ante a prova produzida, sendo que a testemunha CC, embora referisse ter visto o arguido e a ofendida a cumprimentarem-se, em ocasiões em que o arguido a ia buscar ao seu local de trabalho, não concretizou a forma como o faziam e, no referente ao último segmento, apesar de a ofendida BB ter afirmado que o arguido a apresentou a duas ou três pessoas, como sua namorada, não identificou quem foram essas pessoas, não resultando, por isso, demonstrado que pertenciam ao círculo de amigos do arguido.
Neste quadro, procedendo-se à sanação do assinalado vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, de que enferma a sentença recorrida, tendo-se observado o disposto no artigo 424º, n.º 3, do CPP, procede-se à modificação da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 431º, alíneas a) e b), do CPP, aditando-se à matéria de facto provada os pontos 2.a), 2.b) e 2.c), com a seguinte redação:
2.a) - O arguido e BB, andavam de mãos dadas, em público;
2.b) - O arguido frequentava a casa onde BB vivia com a filha;
2.c) - O arguido e BB apresentavam-se juntos em locais públicos, designadamente, tomando refeições e convivendo com outras pessoas.
Neste quadro, em face da prova produzida, que foi enunciada e respetiva apreciação crítica, devidamente explicitada, na fundamentação de facto exarada na sentença recorrida, nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo ao dar como provado, no ponto 2, que a relação mantida entre o arguido e a ofendida BB foi de namoro.
Mantém-se, assim, inalterado o ponto 2, no referente ao segmento “relação e namoro”.
No tocante aos restantes factos dados como provados no ponto 2 – quais sejam, que o arguido «convenceu BB a deixar de se relacionar com diversas pessoas, incluindo amigos de longa data, uma vez que as mesmas não seriam de confiança.» – e no ponto 3 – «Nessa sequência, BB deixou de se relacionar com as aludidas pessoas.» –, o recorrente impugna-os, alegando não corresponderem à realidade e que tal resulta das declarações da ofendida BB, nos excertos que referencia.
Neste aspeto, assiste razão ao recorrente.
Com efeito, a ofendida BB, nas declarações que prestou, na audiência de julgamento, apenas referiu que arguido não gostava dos seus colegas de trabalho e dizia-lhe para não lhes contar nada da sua vida, porque “eles não eram de confiança”, não tendo, contudo, confirmado que o arguido a convencesse a deixar de se relacionar com os mesmos, muito menos, com amigos de longa data. A propósito dos amigos a ofendida referiu não ter aqui – entenda-se na zona onde vivia e trabalhava – grandes amizades, estando cá sozinha com a filha e que os amigos que tinha eram os colegas de trabalho e os amigos que o arguido lhe apresentou.
Assim e no tocante à matéria factual dada como provada, no ponto 2, no segmento «convenceu BB a deixar de se relacionar com diversas pessoas, incluindo amigos de longa data, uma vez que as mesmas não seriam de confiança.» e no ponto 3, não resultando confirmado que esses factos tenham correspondência com a realidade, não sendo confirmados pelo depoimento da ofendida BB, devem os mesmos passar a constar dos factos não provados, o que se decide.
A impugnação da matéria de facto é, assim, parcialmente procedente.

2.3.3. Do erro na qualificação jurídica dos factos
Entende o recorrente que os factos provados não são suficientes para que se tenham por verificados os elementos necessários ao preenchimento do tipo legal de crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na medida em que, por um lado, não ficou demostrada a existência de uma relação de namoro entre o arguido e BB e por outro lado, não houve qualquer abuso psíquico, domínio sobre a vítima ou demonstração de desconsideração pela mesma.
Considera, ainda, o recorrente existir erro no enquadramento dos factos, ao julgar-se verificada a circunstância de agravação do crime de violência doméstica, prevista na al. a), do n.º 2 do artigo 152º do Código Penal.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de se mostrar correta a subsunção jurídica dos factos provados ao crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal, por cuja prática o arguido/recorrente foi condenado, na sentença recorrida.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 152º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, pratica o crime de violência doméstica: «Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação,
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.»
E nos termos do estatuído no n.º 2, do mesmo artigo 152º, na redação da Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, «No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(...)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.»
Em relação ao bem jurídico protegido por esta incriminação, sendo a questão controvertida na doutrina e na jurisprudência, acolhemos a posição maioritariamente defendida, de que é a saúde, física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal da vítima, enquanto sujeito de qualquer das relações previstas no n.º 1 do artigo 152º[5].
O crime de violência doméstica é um crime específico, que pressupõe a existência de relação entre o agente e o sujeito passivo/vítima de entre as elencadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal.
O tipo objetivo do ilícito preenche-se com a ação de infligir maus tratos físicos ou psíquicos à vítima, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais.
Como se decidiu no Acórdão desta RE, de 09/01/2018[6], no crime de violência doméstica, «A descrição típica esgota-se na inflição de maus tratos físicos ou psíquicos por agente que se encontre com a vítima numa das relações mencionadas no preceito legal, ainda que se reconheça que o fundamento da ilicitude ou da sua agravação, subjacente à incriminação, se encontra na afetação da dignidade humana, decorrente da conjugação dos atos típicos ali previstos com a especial situação em que, reciprocamente, se encontram a vítima e o agente.»
Para o preenchimento do tipo legal do crime em apreço não se exige, pois, que a vitima se encontre numa posição de subalternização e/ou de dependência, designadamente económica, do agente, pois que, como se evidencia no Acórdão desta RE de 26/09/2017[7]: «Não é elemento do tipo legal de violência doméstica que a ofendida tenha uma posição de relação de “subordinação existencial” ou seja, uma posição de inferioridade e/ou dependência com o arguido, apesar de constituir uma realidade sociológica presente em muitas das situações de violência doméstica previstas no artigo 152.º do C. Penal, isso não significa que as esgote ou que constitua elemento típico de cuja demonstração depende a responsabilidade penal do agente.»
Com a redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, ao artigo 152º do Código Penal, introduzindo-se no corpo do nº. 1 o segmento «de modo reiterado ou não», foi ultrapassada a querela que se vinha suscitando de saber se para integrar o conceito de «maus tratos» bastava a prática de um só ato, ou se era necessária a reiteração de condutas. Perante a atual redação do enunciado preceito legal, é isento de dúvidas que poderá bastar só uma conduta ou ato para que possa ser preenchido o crime de violência doméstica.
A dificuldade está em delimitar os casos em que a conduta é subsumível ao crime de violência doméstica, daqueles em que integra outros tipos de crime, tais como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça, a coação, a perturbação da vida privada, entre outros.
Como se faz notar no Acórdão da RP de 13/06/2018[8], a solução está no conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos.
No caso concreto importará atentar no conceito de «maus tratos psíquicos».
Conforme faz notar Catarina Fernandes[9] «Os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caraterizar, porque se podem traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos direta ou indiretamente à vitima, que atingem e prejudicam o seu bem-estar psicológico, nomeadamente ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desmoralizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, discriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vítima (…)».
Os maus tratos psíquicos, abrangem, assim, uma multiplicidade de comportamentos, que podem consistir em humilhações, provocações, ameaças (mesmo, que – como defende Américo Taipa de Carvalho[10]– «não configuradoras em si do crime de ameaça»), os insultos, as críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, a sujeição a situações de humilhação, as ameaças, as privações da liberdade, as perseguições, as esperas inopinadas e não consentidas, os telefonemas a desoras, etc.[11]
Decisivo para que tais comportamentos possam integrar o conceito de maus tratos psíquicos passível de preencher o tipo objetivo do crime de violência doméstica é que revistam intensidade ou gravidade bastante para poder justificar «a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar»[12].
Dito de outro nodo, o comportamento tem de assumir uma dimensão ou intensidade bastante para poder ofender a saúde psíquica e emocional da vítima, de modo incompatível com a sua dignidade pessoal, enquanto sujeito compreendido no elenco definido nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 152º.
Na apreciação do(s) comportamento(s) assumido(s) pelo agente, em termos de se poder decidir se configura(m) «maus tratos psíquicos», haverá que ter em conta a imagem global do facto[13].
Quanto ao tipo subjetivo de ilícito, exige-se o dolo, em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).

*
Tendo presentes as considerações jurídicas expendidas e revertendo ao caso dos autos, confrontando a factualidade dada como provada:
Em relação à primeira vertente da questão jurídica suscitada pelo recorrente e agora em apreciação, pondo em causa a qualificação como namoro, da relação que manteve com a ofendida BB, entendemos não lhe assistir razão.
Passando a explicar:
O conceito de namoro – deixado em branco pelo legislador, sendo elemento típico do crime de violência doméstica, na previsão do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro – alterou-se através dos tempos e tem de ser preenchido pela jurisprudência de molde a ajustar-se à realidade atual.
Secundamos o entendimento que vem reunindo algum consenso na jurisprudência e doutrina, no sentido de que o conceito de namoro, para efeitos do preenchimento do elemento do tipo objetivo do crime de violência doméstica, empregue na alínea b), do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, é «um compromisso entre duas pessoas que se relacionam durante um lapso de tempo indeterminado, com partilha e comunhão de afetos e interesses pessoais», estando em causa «relações sentimentais, afetivas, íntimas e tendencialmente estáveis ou duradouras, que ultrapassam a mera amizade ou relações fortuitas[14]».
Hodiernamente deve considera-se que para o preenchimento do conceito de namoro, como refere Dora Faria Calejo Machado Pires[15] «já não será de exigir o projeto futuro de vida em comum, posto que as relações de namoro não preenchem nem têm, em princípio, a pretensão de preencher todas as características associadas à conjugalidade, como seja este futuro de vida em comum (que pode vir a ocorrer, mas que ainda não é conjeturado no início ou meio da relação).»
De igual modo não será de exigir uma situação de exclusividade no relacionamento mantido para este poder ser considerado namoro, estando abrangidas situações em que o agente ou a vítima mantenham, simultaneamente, relação dessa natureza com outra pessoa e ainda que com esta coabitem[16] e independentemente da relação com a vítima ser, ou não, do conhecimento público.
Neste conspecto, fazendo-se notar que o conceito de namoro tem de ser permanentemente ajustado à realidade atual, como se refere no Acórdão da RP de 23/02/2022[17], admite-se que «a ideia de intimidade, estabilidade, fidelidade e publicidade da união pode estar comprometida e precisa de ser repensada em termos hodiernos. (...).».
Aplicando estas considerações ao caso dos autos, perante os factos provados, dos quais decorre que o arguido e ofendida BB mantiveram uma relação amorosa, iniciada em novembro de 2018 e a qual ofendida pôs definitivamente termo, em janeiro de 2020, tendo, no decurso dessa relação o arguido e BB, andado de mãos dadas, em público, apresentando-se juntos, em locais públicos, designadamente, tomando refeições e convivendo com outras pessoas e frequentando o arguido a casa onde BB vivia com a filha, entendemos que a relação havida entre o arguido e ofendida deve ser qualificada como de namoro.
E assim sendo, mostra-se preenchida a previsão típica da alínea b) do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal, não assistindo razão ao recorrente, ao defender posição contrária.
De igual modo, entendemos não assistir razão ao recorrente, ao sustentar que os factos provados, respeitantes à sua atuação para com a ofendida BB, não são passíveis de levar a configurar qualquer abuso psíquico, domínio sobre a vítima ou demonstração de desconsideração pela mesma.
Explicitando:
Manifesta o recorrente que apenas o conteúdo da mensagem aludida no ponto 51 da factualidade provada se pode considerar como ofensivo e demonstrativo de alguma desconsideração pela vítima, sendo as demais mensagens de desabafo e que os encontros ocorridos foram casuais ou situações em que procurou a ofendida para que esta lhe devolvesse documentos seus que estavam na posse da mesma, não correspondendo à verdade que tenha feito com que a ofendida deixasse de se relacionar com diversas pessoas.
Confrontando os factos provados vertidos nos pontos 9, 29 a 34, 36 a 38, 44, 51, deles decorre que o arguido, ora recorrente, inconformado com o facto de a ofendida BB ter posto fim ao relacionamento entre ambos:
- Proferiu, em três ocasiões distintas, expressões dirigidas à ofendida do seguinte teor “não vales nada”, “não és ninguém, nem nunca vais ser”, “És uma gaiata de merda ...”, “não vales nada, és uma parva” (cf. factos provados vertidos nos pontos 9, 29 e 34);
- Enviou múltiplas mensagens para o telemóvel da ofendida, entre as quais aquela que se mostra transcrita no ponto 51 [na qual arguido reitera que a ofendida é “uma pessoa que não presta para nada”, referindo, além do mais, que “é uma triste, frustrada, doente que futuramente apenas serve para servir outros nas coisas mais básicas da vida porque de resto não presta para mais nada (...)”; que tem a “mania … pernas cheias de varizes, celulite, mamas descaídas todas flácidas com a pele de cara rugosa pra sair à rua tem de levar reparador!”; acrescentando que «Não tem nem amigos ou amigas tem.. uma verdadeira alma penada… achavas mesmo que algum dia te incluía na minha vida ou que algum te inclui???? Burra de merda … posso não valer muito mas comparado ctg uiiiiiiiii da terra até a lua. Tenho pena de ti (...) e terminando com a seguinte interpelação: Já sabes .. se queres dizer a alguma coisa aproveita até as 18h… pois serás bloqueada de vez … morre, vai embora se cremada puta que te pariu … longe de todo meu quotidiano…”.»];
- Insistiu em forçar o contato com a ofendida quando esta o recusava, o que se prolongou durante mais de três meses – de janeiro até inícios de abril de 2020 –, seguindo-a, fazendo-lhe esperas, nomeadamente, junto do local de trabalho, chegando a deslocar-se até à sua residência, efetuando dezenas contatos para o telemóvel das mesma, sem que fosse atendido.
Afigura-se-nos que o descrito comportamento do arguido, ora recorrente, globalmente considerado – manifestando, nas expressões que dirigiu à ofendida e nas mensagens que lhe enviou, profunda desconsideração pela mesma, menosprezando-a, rebaixando-a, insultando-a, ao mesmo tempo que insistia no contatá-la, por diversas formas, contra a sua vontade, procurando-a, seguindo-a, abordando-a, efetuando dezenas de chamadas para o telemóvel da ofendida, tendo, em determinada ocasião, referida no ponto 47, ido buscar a filha da ofendida à respetiva residência, para irem almoçar, sem prévia autorização da mãe –, criando na ofendida BB, um quadro de insegurança, intranquilidade e desassossego, integra o conceito de “maus-tratos psíquicos”, tendo em atenção o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, nos termos que supra se deixaram definidos, sendo tal comportamento adequado a afetar, como afetou, o bem estar psicológico e emocional da ofendida e ofendendo a sua dignidade pessoal.
Assim sendo, diversamente do propugnado pelo recorrente, há que concluir que se mostra preenchida a previsão típica do artigo 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao decidir nessa conformidade.
Entende o recorrente não estar verificada a circunstância de agravação do crime de violência doméstica, prevista na al. a), do n.º 2 do artigo 152º do Código Penal, por que foi condenado em 1ª instância, porquanto, ao contrário do que é feito constar, na fundamentação de direito exarada na sentença recorrida – onde se refere que “...várias atuações do arguido foram presenciadas pela filha da vítima, FF (ainda menor) e na residência das mesmas ...” – o único ato que ocorreu na “presença” da filha menor da vítima foi o descrito nos pontos 36 e 37 da matéria factual provada e o mesmo não é passível do enquadramento jurídico feito pelo Tribunal a quo.
Neste concreto ponto entendemos assistir razão ao recorrente.
O n.º 2 do artigo 152º do Código Penal prevê a agravação dos limites mínimo e máximo da pena aplicável ao crime de violência doméstica, nos casos enunciados nas respetivas alíneas, sendo na al. a), que aqui nos importa considerar, «se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.».
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[18], «O propósito do julgador foi o de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica, com vítimas menores ou ocorridos diante de menores, por considerar que os menores são vítimas “indiretas” dos maus-tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas.».
Ora, no caso dos autos, confrontando os factos provados – e só estes podem ser considerados – deles não se extrai que os atos praticados pelo arguido contra BB o tivessem sido na presença da menor, filha da ofendida, FF, menor, nem no domicílio da vítima.
No respeitante à conduta do arguido descrita nos pontos 47 a 49 da matéria factual provada, ao ir buscar a filha da ofendida à residência desta, a fim de irem os dois almoçar, sem previamente pedir autorização àquela, embora essa atuação, no conjunto dos comportamentos adotados pelo arguido para com a ofendida, assuma relevância, na imagem global do facto e, conforme supra se referiu, tenha de ser considerada, para efeitos do preenchimento do crime de violência doméstica, entendemos que essa atuação de per si, não permite julgar verificada a circunstância agravante prevista na al. a), do n.º 2 do artigo 152º do Código Penal.
Relativamente à atuação do arguido mencionada no ponto 36 dos factos provados, tendo, pelas 22h:30m, do dia 25/01/20, desferido pancadas na porta da entrada da residência da ofendida, não decorre da matéria factual provada que a menor FF, estivesse presente aquando dessa ocorrência, não podendo considerar-se, para este efeito, o que consta da motivação da decisão de facto.
Concluímos, assim, não estar verificada a circunstância da agravação, prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 152º do Código Penal, pelo que, tem o arguido/recorrente de ser absolvido do crime de violência doméstica, agravado nesses termos.
A conduta do arguido, ora recorrente, apurada, preenche, objetiva e subjetivamente, o crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, não se verificando quaisquer causas de exclusão da ilicitude da culpa, devendo, por isso, ser condenado pela prática de tal crime, o que se decide.
Procede, pois, parcialmente, este fundamento do recurso.

2.3.4. Da medida da pena
Em face da alteração da qualificação jurídica do crime de violência doméstica a que se procedeu, nos termos sobreditos, cumpre apreciar e decidir sobre a medida concreta da pena a aplicar ao arguido/recorrente.
Vejamos, então:
A moldura penal abstrata aplicável ao crime de violência doméstica praticado pelo arguido/recorrente, é de 1 a 5 anos de prisão (cf. artigo 152º, n.º 1, do CP).
Na determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites abstratos definidos na lei, haverá que ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, sendo aquela pena limitada pela culpa destes revelada nos factos e tendo a mesma de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial (cf. artigos 40º, n.ºs 1 e 2 e 71º, ambos do Código Penal).
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se deverá construir a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena[19], sendo tal princípio expressamente afirmado no n.º 2 do artigo 40º do CP.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção - cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico - e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Dando concretização aos mencionados vetores, o n.º 2 do artigo 71º enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação da pena, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Assim, há que ponderar:
O grau de ilicitude dos factos, que se revela mediano, tendo em conta, o modo de execução dos factos, consubstanciado no envio de mensagens com o teor apurado, na perseguição e abordagem à ofendida, contra a expressa vontade desta, para que reatasse o relacionamento consigo, durante um período temporal de cerca de três meses e atendendo a que, em consequência da conduta do arguido, a ofendida vivenciou sentimentos de perturbação, inquietação e receio pela sua segurança e da própria filha;
O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo direto, cuja intensidade se nos afigura elevada, tendo em conta o estado emocional de revolta e descontrolo evidenciados pelo arguido, perante a rutura do relacionamento com a ofendida, a que esta pôs termo e o inconformismo por não conseguir reatar essa relação;
As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas, estando o mesmo inserido profissional, familiar e socialmente.
O arguido não tem antecedentes criminais registados, circunstância que milita a seu favor.
Há, ainda, de ter em conta as exigências de prevenção, ligadas à necessidade de evitar a multiplicação de crimes desta natureza, sendo que as exigências de prevenção geral mostram-se prementes, pois, como se sabe, o tipo de crime em causa nos autos vem proliferando na nossa sociedade, sendo por todos conhecidas as consequências trágicas que, muitas vezes, lhe andam associadas; e as exigências de prevenção especial, revelam-se, à partida, medianas, tendo em conta as caraterísticas da personalidade evidenciadas pelo arguido, ao cometer os factos de que se trata, sendo que, embora possa estar ultrapassada a situação que motivou respetiva prática, potenciam o perigo de reiteração de tal tipo de conduta, em outro(s) relacionamento(s) que o arguido mantenha ou futuramente venha a manter.
Tudo visto e ponderado considera-se adequada a aplicar ao arguido a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo mesmo propugnada no recurso.
A referida pena é suspensa na sua execução, tal como decidido na sentença recorrida, sendo o período da suspensão agora fixado em 2 (dois) anos.

2.3.5. Da desproporcionalidade da aplicação do regime de prova
Alega o recorrente ser desproporcional, no caso, a aplicação de regime de prova, nos termos decididos pelo Tribunal a quo.
Pugna pela não aplicação de tal regime.
Apreciando:
Na sentença recorrida, o Tribunal a quo determinou que a suspensão da execução da pena fosse acompanhada de regime de prova, «ao abrigo do disposto nos artigos 50.º n.ºs 2 e 3 e 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP com respeito das exigências constantes do artigo 34.º - B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e das exigências de avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequado à conduta comportamental que AA evidencia.».
Como resulta, expressamente, do artigo 34º-B, n.º 1, da Lei n.º 112/2009 – diploma que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas –, quer na redação originária, sendo essa artigo aditado pela Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro, quer na atual redação, introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16, de agosto, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
Estamos perante um dos casos em que o legislador afasta a possibilidade de a suspensão da execução da pena de prisão ser simples, impondo a obrigatoriedade de subordinação ao cumprimento de deveres e/ou à observância de regra de conduta ou ao acompanhamento de regime de prova.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[20], a propósito dos casos de obrigatoriedade da sujeição do condenado a regime de prova previstos nos n.ºs 3 e 4º do artigo 53º do Código Penal, o legislador substitui-se ao tribunal nestes casos e presume as necessidades de prevenção especial de socialização do condenado.
Por conseguinte, sendo o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a), do CP, a suspensão da execução da pena é obrigatoriamente, por imposição legal, «subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio».
Não nos merece, pois, censura a decisão do Tribunal a quo ao acompanhar a suspensão da execução da pena de prisão, de regime de prova.
Questão diferente é a que se prende com a sujeição, nesse âmbito, do arguido a «avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequado à conduta comportamental que ... evidencia».
Neste ponto, a decisão recorrida não pode manter-se.
Com efeito, no tocante às regras de conduta que o tribunal pode impor ao condenado subordinando a suspensão da execução da pena de prisão ao respetivo cumprimento, a sujeição a tratamento médico, tal como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 52º do Código Penal, só pode ser determinada pelo tribunal, obtido o prévio consentimento do condenado.
Ora, no caso dos autos, confrontando as atas da audiência de julgamento, delas não resulta ter o arguido prestado o seu consentimento para ser sujeito a avaliação médica e a eventual acompanhamento psíquico e terapêutico.
Poderia, nessa situação, esta Relação determinar que a 1ª instância diligenciasse no sentido de indagar da prestação desse consentimento, por parte do arguido.
Todavia, entendemos não dever determinar a realização de tal diligência, porquanto consideramos que a obrigatoriedade de frequência, pelo arguido, de programa para Agressores de Violência Doméstica, poderá levar a alcançar o desiderato pretendido, prevenindo a reincidência, do arguido, no futuro, de comportamentos da natureza daqueles que estão em causa nos presentes autos.
Termos em que se decide revogar a sentença recorrida, na parte em que subordinou a suspensão da execução da pena de prisão, à sujeição do arguido a avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico.
No mais, mantém-se que a suspensão da execução da pena seja acompanhada de regime de prova.

2.3.6. Da inaplicabilidade das penas acessórias
Sustenta o arguido/recorrente que as penas acessórias aplicadas, na sentença recorrida, são excessivas e desproporcionais face à factualidade provada e a todas as circunstâncias que depõem a seu favor, as quais não vão no sentido de prever que volte a reincidir numa conduta ilícita ou de vir a importunar a vítima.
Defende, assim, o recorrente, que não lhe deverão ser aplicadas quaisquer penas acessórias.
Apreciando:
Na sentença recorrida, em relação às penas acessórias, escreveu-se:
«Resultaram provados factos que determinam a necessidade de aplicação de penas acessórias (de entre as elencadas nos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal). O resultado da avaliação de risco realizada em Novembro, último cujo relatório se encontra junto aos autos, é de nível baixo; no entanto, atentas as características de personalidade do arguido, a sua instabilidade e irritabilidade (tal como percepcionadas pelo próprio Tribunal no decurso da audiência) fazem concluir pela necessidade de acautelar futuras interacções entre ambos.
Assim, nos termos previstos pelos n.º 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal, aplico a AA:
- a pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido e com a duração fixada pela DGRSP, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social;
- a pena acessória de proibição de contactar com a vítima, por qualquer meio, e proibição de permanência na residência onde a mesma habita, no seu local de trabalho e em qualquer local onde saiba que esta se encontre a menos de 300 (trezentos) metros de distância pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Por se mostrar desadequada e excessiva ao caso em apreço afasta-se a aplicação da fiscalização da proibição de contactos através de meios electrónicos previsto pelo segmento final do n.º 5 do art.º 152.º do Código Penal.».
Relativamente às penas acessórias aplicáveis ao crime de violência doméstica, dispõe o artigo 152º, n.º 4, do Código Penal, na parte que para o presente caso releva: «Nos casos previstos nos números anteriores (...), podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima (...), pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica
Como vem sendo afirmado pela doutrina e jurisprudência[21], apesar da aplicação de uma pena acessória pressupor a condenação numa pena principal, não se basta com isso, pois depende ainda do preenchimento de diferentes requisitos, relacionados com a execução do crime, com a culpa do agente, sendo que nem todas as situações reclamam a aplicação destas penas.
Á aplicação de uma pena acessória, tal como como acontece em relação à pena principal, subjaz um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal. Consequentemente, na graduação da sanção acessória o Tribunal deve atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.
No caso concreto, atendendo aos traços da personalidade do arguido, que surgem refletidos na prática dos factos (impulsividade, egocentrismo, dificuldade de autocontrole) e ao posicionamento assumido, na audiência de julgamento, perante os mesmos (desculpabilizando-se, vitimizando-se, não exteriorizando qualquer atitude reveladora de juízo de autocrítica perante a conduta assumida), pese embora o tempo já decorrido desde a prática dos factos, seguindo o arguido e a ofendida as suas vidas, separadamente, havendo necessidade de manter o efetivo distanciamento entre ambos e consolidar, de forma eficaz, a segurança e tranquilidade da vítima, entendemos dever manter-se a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a ofendida, nos termos decididos pelo Tribunal a quo.
No tocante ao período de tal pena acessória reduz-se para dois anos, coincidindo com o da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido é condenado, nos termos sobreditos.
Pelas mesmas razões, considerando a personalidade evidenciada pelo arguido e os concretos factos praticados, entendemos revelar-se adequado e proporcional, a fim de prevenir a reincidência da prática de futuros ilícitos, da mesma natureza, a aplicação ao arguido da pena acessória de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, nos termos decididos pelo Tribunal a quo.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.

2.3.7. Da compensação arbitrada à vítima ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP
Invoca o recorrente não ter sido assegurado o princípio do contraditório, como se impunha, atento o disposto no artigo 82º-A, n.º 2, do CPP, quanto aos prejuízos causados à vítima e consequente valor da compensação a ser arbitrada.
Nessa decorrência, argui a nulidade da sentença recorrida, nessa parte.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de ter sido respeitado o contraditório quanto à atribuição de indemnização à vítima, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A do CPP e 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
Vejamos:
Decorre do estatuído no artigo 21º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16/9 (diploma que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das vítimas destes crimes), o qual remete para a aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal, que em caso de condenação por crime de violência doméstica, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, há que arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, à vítima, exceto se esta se opuser, expressamente, ao seu arbitramento.
O n.º 2 do artigo 82º-A do CPP preceitua que nesse caso é assegurado o respeito pelo contraditório.
Neste âmbito a questão de saber em que termos deve ser observado o contraditório tem suscitado alguma controvérsia.
A este respeito o Cons. Henriques Gaspar[22] escreve: «O arbitramento da indemnização deve respeitar o contraditório; para tanto, o tribunal comunica ao arguido a necessidade de atribuição oficiosa da reparação, dando-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre os fundamentos e o montante.».
Por sua vez, Paulo Pinto de Albuquerque refere[23]: «... em nenhuma circunstância, o tribunal pode proceder ao arbitramento oficioso de indemnização sem antes ouvir o responsável civil especificadamente sobre os alegados prejuízos e o nexo de imputação desses prejuízos à sua conduta. O respeito pelo contraditório não fica satisfeito pela circunstância de o responsável civil ter sido notificado da acusação e de os prejuízos se encontrarem descritos na acusação. Ele tem direito a pronunciar-se sobre a responsabilidade que lhe é atribuída e a fazer prova das suas alegações, razão pela qual deve ser notificado para esse efeito, antes ou durante a audiência de julgamento.».
Seguindo a mesma linha de entendimento, no Acórdão da RC de 24/04/2018[24], foi decidido:
«I – Deverá ser comunicada ao arguido/responsável civil a possibilidade de, em caso de condenação, ser arbitrada à vítima, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16-09, e 82.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPP, uma quantia a título de reparação pelos prejuízos que a última sofreu.
II – Só mediante tal comunicação poderá o arguido/responsável civil preparar, em tempo adequado, também nessa vertente, a sua defesa, de forma a não ser confrontado com uma surpresa, traduzida numa condenação cível não pedida pela vítima.».
Esta orientação merece-nos concordância.
A observância do princípio do contraditório, exige a expressa comunicação ao arguido, da possibilidade de, caso seja condenado pela prática do crime de violência doméstica por que está acusado ou pronunciado, ser arbitrada, oficiosamente, uma compensação à vítima, pelos prejuízos por esta sofridos, nos termos do disposto nos artigos 82.º-A do CPP e 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
Ora, no caso dos autos, essa comunicação foi feita ao ora recorrente.
Com efeito, no despacho que recebeu a acusação e designou datas para a realização da audiência de julgamento, a Mmª. Juiz, determinou a notificação do arguido, para este, no prazo da contestação, se pronunciar, querendo, sobre a eventual atribuição de indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 82.º-A do Código de Processo Penal e 21.º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
Foi, pois, assegurado, ao arguido, o direito ao contraditório.
Relativamente aos pressupostos para que seja, oficiosamente, arbitrada à vítima compensação, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, contrariamente ao defendido pelo recorrente, estão preenchidos.
Na verdade, presumindo a lei a existência de particulares exigências de proteção da vítima de violência doméstica – cf. artigo 21º da Lei nº 112/09 –, sendo o arguido condenado pela prática desse crime, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil e não havendo oposição, expressa, da vítima, ao arbitramento oficioso da reparação pelos prejuízos sofridos, estão reunidos todos os pressupostos para esse arbitramento não possa deixar de ter lugar.
Assim, também neste ponto, não assiste razão ao recorrente.
Quanto ao montante arbitrado, pelo Tribunal a quo, a título de reparação, fixada em €1.500,00 (mil e quinhentos euros), o recorrente reputa-o de excessivo, pugnando pela sua redução para valor não superior a €700,00 (setecentos euros).
A fixação do valor a atribuir à vítima, a título de reparação, deve fazer-se de acordo com critérios de equidade, isto é, tendo em conta, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a da vítima, as demais circunstâncias do caso[25].
Tendo em conta os enunciados critérios, no caso concreto, considerando o sofrimento e desgaste emocional sofrido pela vítima, vivenciando sentimentos de inquietude, angústia, tristeza, medo e humilhação, sendo o grau de culpa do arguido acentuado e a sua situação económica mediana, para tentar compensar, de algum modo, os danos sofridos pela vítima, tem-se por ajustado, em termos de equidade, o montante indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo, fixado em €1.500,00 (mil e quinhentos euros), que, por isso, se mantém.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso.


*
O recurso, é, pois, parcialmente procedente.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:
1. Modificar a decisão de facto proferida em 1ª instância, nos termos sobreditos, em 2.3.2, aditando-se aos factos provados os pontos 2. a), 2.b) e 2.c) e passando a constar do elenco dos factos não provados, a segunda parte do ponto 2 e a factualidade dada como provada no ponto 3.

2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência:

a) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a), do Código Penal;

b) Condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

c) Suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de 2 (dois) anos;

d) Revogar a sentença recorrida, na parte em que, no regime de prova, sujeitou o arguido à regra de conduta de se submeter a avaliação médica e eventual acompanhamento psíquico e terapêutico adequado à conduta comportamental;

e) No mais referente ao regime de prova, confirmar a sentença recorrida;

f) Confirmar a sentença recorrida no tocante às penas acessórias aplicadas ao arguido, sendo o período da proibição de contato com a vítima BB, agora fixado em 2 (dois) anos.

g) Confirmar também a sentença recorrida, na parte respeitante à compensação arbitrada à vítima BB.

Sem tributação.

Notifique.

Évora, 24 de janeiro de 2023
___________________
[1] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26.07.2018, no P.º n.º 9/17.5GBABF.E1.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23.03.2021, no P.º n.º 670/19.6SFLSB.L1-5.
[3] Cfr., entre outros, Acórdãos da RC de 18/01/2017 e de 17/05/2017, respetivamente, proferidos nos procs. 112/15.6GAPNC.C1 e 430/15.3PAPNI.C1 e Ac. da R.L. de 18/01/2017, proc. 1050/14.5PFCSC.L1-3, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
[4] Idem.
[5] Neste sentido, cf.,, entre outros, na doutrina, Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2012, págs. 511 e 512, Nuno Brandão, A tutela especial reforçada da violência doméstica, in Rev. Julgar, nº. 12, - especial -, 2010, págs. 15 e 16 e Catarina Sá Gomes, in O Crime de Maus Tratos Físicos e Psíquicos infligidos ao cônjuge ou ao convivente em condições análogas às dos cônjuges, AAFDL, 2004, p. 59; e na jurisprudência, entre outros, Acórdãos da RP de 06/02/2013, proc. 2167/10.0PAVNG.P1 e de 10/07/2014, proc. 413/11.2GBAMT.P1 e Ac. da RL de 23/04/2015, proc. 469/13.3PBAMD.L1-9, todos acessíveis no in www.dgsi.pt.
[6] Cujo sumário está publicado in CJ, Ano 2018, T. 1, pág. 317,
[7] Proferido no proc. 518/14.8PCSTB.E1, in www.dgsi.pt.
[8] Proferido no proc. 189/17.0GCOVR.P1, in www.dgsi.pt.
[9] O crime de Violência Doméstica, in Violência Doméstica implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno, Manual Multidisciplinar, Centro de Estudos Judiciários, pág. 94, citando Teresa Magalhães, Violência e Abuso – Respostas Simples para Questões Complexas.
[10] In ob. cit., pág. 332.
[11] Cf., entre outros, Ac. da R.E de 08/01/2013, proc. 113/10.0TAVV.E1 e Ac. da RL de 05/07/2016, in www.dgsi.pt.
[12] Cf. Ac. da RG de 10/07/2014, proc. 591/11.0PBGMR, in www.dgsi.pt.
[13] Cf. Nuno Brandão, in ob. cit., pág. 19 e Ac. da RC de 12/04/2018, proc. 3/17.6GCIDN.C1, in www.dgsi.pt.
[14] Cf., na doutrina, Dora Faria Calejo Machado Pires, “O sentido de o alcance da inserção das relações de namoro e equiparadas no crime de violência doméstica – Reflexões críticas acerca do alargamento do tipo”, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Nov. de 2014, págs. 39 e 40, in http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17267/1/Tese-Dora%20Calejo%20Pires.pdf e na jurisprudência, entre outros, Ac. da RE de 26/07/2018, proc. 9/17.5GBABF.E1 e Ac. da RP de 23/02/2022, proc. 666/20.5PIPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[15] In ob. cit.
[16] Neste sentido, cf. para além dos acórdãos já citados, o Ac. da RP de 08/03/2017, proc. 121/15.5JAPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[17] Proferido no proc. 666/20.5PIPRT.P1, in www.dgsi.pt.
[18] In Comentário do Código penal, à luz da Constituição da República ..., 3ª edição atualizada, novembro de 2015, Universidade Católica Editora, pág. 593.
[19] Cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas- Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[20] In Comentário do código Penal, à luz da Constituição da República …, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, 3ª edição, 2015, pág. 313.
[21] Vide, entre outros, Cristina Augusto Teixeira Cardoso, A violência doméstica e as penas acessórias, Universidade Católica, Porto, 2012 e Ac. da R.P. de 01/02/2012, proc. 170/10.0PBLMG, in www.dgsi.pt.
[22] In Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2ª edição, 2016, págs. 256 e 257.
[23] In Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República ..., Universidade Católica Editora, 3ª edição, 2009, pág. 232.
[24] Proferido no proc. 709/16.7PBFAR.C1, in ww.dgsi.pt
[25] Neste sentido, cf., por todos, Ac. do STJ de 02/05/2018, proc. 156/16.0PALSB.L1.S1 e Ac. da RC de 18/05/2016, proc. 232/12.9GEACB.C2, in www.dgsi.pt.