FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO
Sumário

I – De acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença.
II. A sentença também padece de nulidade, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
III – Procurando a síntese do que acaba se dizer, e tendo apenas em mente a forma de processo comum, a violação dos requisitos prescritos para as sentenças penais acarreta a nulidade quando ocorre:
[i] a ausência de menções obrigatórias,
[ii] a condenação para além do objeto do processo, e
[iii] a omissão ou excesso de pronúncia.
IV - A ausência de menções obrigatórias pode ocorrer:
(i) ao nível da fundamentação – por falta de indicação dos factos provados e não provados e por falta de exposição dos motivos de facto e de direito que sustentam a decisão e
(ii) de decisão propriamente dita (condenatória ou absolutória)
V - A condenação para além do objeto do processo regista-se quando ocorre condenação por factos não descritos na acusação ou, havendo instrução, por factos não constantes do despacho de pronúncia, sem que tenham sido observadas as regras constantes dos artigos 358.º (relativas à alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia) e 359.º (relativas à alteração substancial desses mesmos factos) do Código de Processo Penal.
V - A omissão ou excesso de pronúncia ocorre, respetivamente, quando o Tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhece de questões que não podia tomar conhecimento.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 176/19.3T9ALR do Juízo de Competência Genérica de ... da Comarca de ..., o Ministério Público acusou
AA, divorciado, nascido a .../.../1968, em ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., em ...,
pela prática, sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelo artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.º 5 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

O Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Segurança Social de Santarém, devidamente identificado nos autos, pediu a condenação do Arguido a pagar-lhe «a quantia de 58.506,52 € (cinquenta e oito mil, quinhentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de prejuízos patrimoniais e ainda a quantia de 14.609,91 € (catorze mil, seiscentos e nove euros e noventa cêntimos) referente a juros de mora, bem como os juros que se vierem a vencer

O Arguido apresentou contestação escrita, onde impugna os factos constantes dos pontos 4 a 11 da acusação, por não ter procedido ao pagamento dos salários nos termos declarados nas folhas de remuneração e porque não se apropriou dos descontos das retribuições que declarou, nem os afetou a qualquer outro fim. Alega, para tanto, não ter procedido ao pagamento atempado dos salários aos trabalhadores, pelas graves dificuldades económicas que, então, atravessava.
Invoca, ainda, que a imputação do crime na forma agravada viola o disposto no n.º 5 do artigo 107.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, por o valor apurado na acusação resultar, tão-só, da soma aritmética de todos os períodos de quotização pretensamente em falta.
Afirma, também, a nulidade da acusação decorrente da indicação incorreta das disposições legais aplicáveis e a prescrição referentes a julho de 2015.
Por fim, invoca a inadmissibilidade do pedido de indemnização civil, por litispendência com processos de execução fiscal e por falta de indicação dos danos efetivamente suportados.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida depositada em 9 de dezembro de 2021, foi decidido:
«(…) julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:
a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, qualificado, na forma consumada, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa à taxa diária de 6,00€;
b) condenar o arguido a pagar à Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de 58.506,52€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação até integral e efetivo pagamento.
c) mais se condena o arguido no pagamento da taxa de justiça, que se fixa em 4 UC, tendo em conta a complexidade da causa (artigos 513.º, do C.P.P., e artigo 8.º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«I- O presente recurso visa a impugnação da sentença tomada pelo Tribunal a quo, que condenou de forma ilegal o ora recorrente pelo cometimento de um crime de abuso de confiança perante a segurança social, na forma agravada.
II- O artigo 5.º do despacho de acusação apresenta um quadro com pretensas quotizações retidas que não permitem uma imputação de conduta agravada, muito menos uma condenação.
III- Não foram alvo de apreciação judicial os argumentos expostos em Contestação a partir do artigo 19.º, onde se diz que a imputação é ilegal por resultar de uma soma aritmética de todos os períodos alegadamente em falta.
IV- Ao estar em causa remissão para o n.º 5 do artigo 105.º do RGIT, não poderia deixar de ser lido o n.º 7 desse mesmo artigo 105.º, uma vez que de forma clara, o artigo 107.º, n.º 2 RGIT também para ele remete, sendo clara a norma quanto aos valores a considerar.
V- No quadro da acusação observam-se 15 períodos contributivos diferentes, o que significa 15 declarações a apresentar, sendo que o montante mais elevado é o de maio de 2018, no montante de 1.982,00€.
VI- O Tribunal a quo decidiu mal e analisou erradamente os argumentos da defesa já que em sede de fundamentação fala de pressupostos que a defesa não carreou, deixando de pronunciar sobre os que verdadeiramente contam.
VII- A defesa do arguido não referiu que o artigo 105.º n.º 1 seria aplicável ao previsto no artigo 107 n.º 1 RGIT por via da fasquia dos 7.500€, o que a defesa explanou a partir de 19.º da Contestação foi a ilegalidade da imputação agravada em face dos factos, o que é bem diverso.
VIII- Foi suscitado acórdão do STJ, processo 106/01.9IDPRT, que diz, “: “A remissão para o n.º 5 não é apenas para a pena; pois aquela pena mais agravada só faz sentido, só se justifica, só se equacionará a sua aplicação, se o valor da não entrega de uma determinada declaração (de cada declaração nos termos do n.º 7) for superior a 50.000€.”
IX- Pelo que há falta de mérito da acusação e da douta sentença que a esta aderiu, devendo ser decretada a absolvição do arguido, pois não cometeu o ilícito pelo qual foi condenado.
X- A acusação estabeleceu a dialética subsequente e os factos permaneceram imutáveis até à prolação da sentença, pelo que estando esses factos errados assim como o juízo de condenação por via de errada apreciação da prova, deverá haver lugar, à absolvição do arguido.
XI- Por outro lado, o Tribunal a quo consagrou como assentes o facto 6 e o facto 8, também á luz de uma errada apreciação da prova, pois a produzida, imporia decisão diversa.
XII-O arguido não pagou os salários aos trabalhadores (facto 6) como configurado na acusação, tendo-se produzido prova em sentido contrário, não tendo identicamente apropriado e integrado no seu património quantias que devesse entregar ao Estado (facto 8).
XIII- O arguido pagou parcialmente ou faseadamente os vencimentos declarados não os tendo pago como indicado nas fls. de remunerações, pelo que não tendo os salários sido pagos como indicado, também não existiu o prejuízo patrimonial alegado pelo Instituto de Segurança Social.
XIV- O Tribunal a quo diz a páginas 5 do texto decisório estarem provadas a retenção de quotizações, através de elementos documentais que não têm o peso probatório que lhes atribuiu, e através do depoimento de DD, o que não é idóneo.
XV- Tanto que é o Tribunal a quo que expressa: “A referida testemunha DD, por ter feito o mapa de apuramento da dívida, mostrou-se objetiva e segura no seu depoimento, mas com conhecimento limitado quanto à real situação das remunerações da referida empresa”.
XVI- Em depoimento contido no ficheiro 20211019160615_2944904_2871741, com início às 15.07, e quando inquirido pelo M.P. responde o depoente DD o seguinte a partir do minuto 3.30: “Se há declarações de remunerações, presume-se que os salários tenham sido pagos mas nós não temos forma de saber se foram pagos ou não.”
XVII- EE trabalhadora responsável pelo processamento dos pagamentos foi taxativa quanto ao facto de os salários não serem pagos como declarado nas fls. de remunerações assim como o foi quando afiançou que as quotizações não estavam a ser retidas.
XVIII- Os detalhes relevantes do seu depoimento estão transcritos a partir do artigo 37.º das presentes alegações, sendo que do seu testemunho e do testemunho de DD não se provou a vantagem patrimonial expressa no facto 8 ou que os salários em dívida foram pagos como expressa o facto 6.
XIX- Não foram produzidas em audiência outras provas aptas a contrariar a ideia veiculada pelas testemunhas, haveria que consagrar como não provado, que todos os salários foram pagos como indicado na folha de remunerações.
XX- Havendo um pagamento parcial, com atraso de 2 meses ou por via de acertos nos meses subsequentes, tal representa uma inconformidade com o expresso na folha de remunerações para o mês respetivo, como salienta o aresto que se suscita da Relação de Évora quanto ao Proc. 1332/18.....
XXI- Diz, “Assim, não tendo os vencimentos dos trabalhadores sido efetivamente pagos (no todo ou em parte), não pode haver aqui lugar, manifestamente, por ausência de suporte substantivo, ao pagamento dos “descontos” atinentes a tais vencimentos (vencimentos não pagos) e legalmente previstos para a Segurança Social, sob pena de esta instituição receber uma coisa que não tem qualquer correspondência com a realidade”.
XXII- Quanto ao facto assente 8, a prova produzida não permite afirmar este facto como verdadeiro, pelo que deveria ter sido consagrado como não provada a apropriação e integração patrimonial por parte do arguido.
XXIII- Pelo que se impugnam os factos provados 6 a 8 que em face da prova produzida deverão ser não assentes, o que deverá importar uma inversão da decisão penal mas também quanto à procedência do pedido de indemnização formulado nos autos.
XXIV- A sentença absteve-se de uma análise critica da Contestação, onde se alegou que o Instituto de segurança social usou um expediente que serve para fundamentar danos e não para pedir quotizações em atraso.
XXV- Se o arguido não pagou os salários como indicado nas folhas de remunerações que entregou à Segurança Social, então tais declarações não correspondem á realidade, e se os salários não foram pagos como indicado, não existiu prejuízo patrimonial causado aquela instituição, sob pena de a Segurança Social poder vir a receber algo que não chegou a ser descontado ao trabalhador.
XXVI- A demandante cível no artigo 3.ºdo pedido, faz equivaler as quotizações em dívida a pretensos danos patrimoniais que acaba a não fundamentar adequadamente, pedindo “quotizações deduzidas das remunerações pagas aos seus trabalhadores”, algo que não se provou.
XXVII- Inexistindo sustentação para os factos 6 e 8, tal terá que comportar impacto sobre o pedido de indemnização cível, que sem pressupostos válidos, deverá encontrar a sua improcedência, o que também se salienta por via do citado acórdão 1332/18...., tal como alegado em 56.º das presentes alegações: “A demandante não pode receber uma parte de um pagamento que, na realidade, não ocorreu”.
XXVIII- O arguido deve assim ser absolvido pois não cometeu o ilícito pelo qual foi condenado, muito menos de modo qualificado, tanto que não deduziu as quotizações como indicado na fl. de remunerações, nem se apropriou de quaisquer quantias. O Tribunal errou na apreciação da prova subjacente e não interpretou bem o artigo 105.º, n.º 5 e n.º 7 na esteira da remissão do artigo 107.º do RGIT.
XXIX- Sem conceder, a sentença padece de nulidade nos termos do artigo 379.º, n.º 1 c), já que o Tribunal deixou de se pronunciar sobre esta matéria atinente à qualificação dos factos vertida em contestação como também o fez, quanto aos concretos argumentos esgrimidos quanto ao pedido de indemnização cível.
XXX- Concorrendo também para a necessidade de reforma da decisão, a ocorrência de erro na apreciação da prova que levou à consagração dos factos assentes 6 e 8 quando a prova existente, deveria ter exatamente provocado uma solução decisória oposta.

Termos em que se requer junto dos Venerandos Desembargadores, seja o presente recurso aceite e respetivas alegações, por estarem em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao recurso, por provado, revogando a decisão proferida pelo Tribunal a quo, determinando-se assim a absolvição do arguido quanto ao ilícito penal e quanto ao pedido de indemnização cível formulado.
Possam os Venerandos Desembargadores ir ao encontro da tão almejada Justiça!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. Inconformado com a aludida Sentença, que condenou arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, qualificado, na forma consumada, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 365 dias de multa à taxa diária de 6,00€, e ainda foi condenado a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P. a quantia de 58.506,52€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação até integral e efetivo pagamento, o Recorrente dela veio interpor recurso.
2. Alega o Recorrente, na sua motivação, que a Douta Sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, alegando falta de mérito da Sentença ou a sua nulidade, bem como a impugnação dos factos 6. e 8. dados como provados na Douta Sentença, visando o recurso a impugnação da sentença tomada pelo Tribunal a quo, que condenou de forma ilegal o ora recorrente pelo cometimento de um crime de abuso de confiança perante a segurança social, na forma agravada.
3. Assim, alega o Recorrente que o artigo 5.º do despacho de acusação apresenta um quadro com pretensas quotizações retidas que não permitem uma imputação de conduta agravada, muito menos uma condenação, uma vez que a imputação é ilegal por resultar de uma soma aritmética de todos os períodos alegadamente em falta, na medida em que ao estar em causa remissão para o n.º5 do artigo 105.º do RGIT, não poderia deixar de ser lido o n.º 7 desse mesmo artigo 105.º, uma vez que de forma clara, o artigo 107.º, n.º 2 RGIT também para ele remete, sendo clara a norma quanto aos valores a considerar.
4. Assim, no quadro da acusação observam-se 15 períodos contributivos diferentes, o que significa 15 declarações a apresentar, sendo que o montante mais elevado é o de Maio de 2018, no montante de 1.982,00€, pelo que, Tribunal a quo decidiu mal e analisou erradamente os argumentos da defesa já que existe uma ilegalidade da imputação agravada em face dos factos, pelo que há falta de mérito da acusação e da douta sentença que a esta aderiu, devendo ser decretada a absolvição do arguido, pois não cometeu o ilícito pelo qual foi condenado.
5. Desta forma, a acusação estabeleceu a dialética subsequente e os factos permaneceram imutáveis até à prolação da sentença, pelo que, estando esses factos errados assim como o juízo de condenação por via de errada apreciação da prova, deverá haver lugar, à absolvição do arguido.
6. Por outro lado, o Recorrente alegou que o Tribunal a quo consagrou como assentes o facto 6 e o facto 8, também á luz de uma errada apreciação da prova, pois a produzida, imporia decisão diversa.
7. Segundo o Recorrente arguido não pagou os salários aos trabalhadores (facto 6) como configurado na acusação, tendo-se produzido prova em sentido contrário, não tendo identicamente apropriado e integrado no seu património quantias que devesse entregar ao Estado.(facto 8), sendo que pagou parcialmente ou faseadamente os vencimentos declarados não os tendo pago como indicado nas fls. de remunerações, pelo que não tendo os salários sido pagos como indicado, também não existiu o prejuízo patrimonial alegado pelo Instituto da Segurança Social.
Somos obrigados a discordar com o Recorrente, senão vejamos:
8. A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido a resolução inicial, isto é, de forma reiterada e continuada o arguido não apresentou as 15 declarações periódicas, isto é, não existiram hiatos de tempo entre eles que implicassem uma renovação da resolução criminosa, e nesse caso, sim, estaríamos perante vários crimes, e como tal atenderíamos a cada uma das declarações entregues.
9. Todavia, no caso concreto, da prova coligida, ficou provado que o arguido, de forma homogénea e continua agiu com um único propósito, de não entregar as quotizações, que reteve aos trabalhadores, ao Erário Público, e neste sentido, alude o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 155/09.9IDPRT.P1, de 14-07-2020, in www.dgsi.pt que: “A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido a resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a atuação não obedecer à mesma resolução criminosa, mas as várias resoluções criminosas estiverem interligadas por um fator externo que arrasta o agente para a reiteração de condutas; e c) um concurso de infrações, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.”
10. De facto, da matéria de facto provada consta que o arguido desde o ano de 2013, que manteve o propósito de não entregar ao Erário Publico os descontos que realizou no vencimento dos seus funcionários e que reteve para si, não as entregando ao Estado.
11. Assim, se refere na Douta Sentença: “Resultou da matéria de facto provada que o arguido, no período que mediou entre Março de 2013 e Julho de 2018, com interregnos pontuais, descontou dos vencimentos dos seus funcionários, a título de contribuições para a segurança social, o montante total de 58.506,52€, sendo que até hoje as referidas quantias não foram entregues, na sua totalidade, à segurança social. Acresce que, decorridos mais de 30 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega daquele valor, e tendo sido notificado para proceder ao pagamento, o arguido não o fez – artigo 105.º, n.º 4, alínea b).”(…) “Daí que o Tribunal entenda – devido a este modo de atuação essencialmente uniforme, e à continuidade da sua omissão mês após mês, desde o início do período em causa, apesar de alguns intervalos, que apesar de em 2016 serem por período alargado, no computo geral não alteram a qualificação dos factos – que ocorreu apenas uma resolução criminosa, daí que tenha sido praticado apenas um crime de abuso de confiança à Segurança Social.
12. Por outro lado, e mesmo que fosse diferente o entendimento, quanto à agravação do tipo legal de crime, o arguido nunca poderia ser absolvido como entende o Recorrente, porquanto o Acórdão n.º 8/2010 veio fixar jurisprudência no sentido de o montante mínimo de 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros) não ser aplicável ao crime de abuso de confiança à segurança social.
13. Refere ainda a Douta Sentença que:” Acresce que foi invocada a prescrição do procedimento criminal, pelo menos das condutas até 2015, não obstante, como já se explanou, trata-se de uma única resolução criminosa, e um único crime”
14. Por outro lado, vem o Recorrente alegar que a Douta Sentença na Douta Sentença consagra como assente, a verificação de vantagem patrimonial no caso em apreço, tendo considerado a ocorrência de integração patrimonial das quantias em dívida, o que expresso no facto provado 8., Todavia o Recorrente contrapõe que nenhuma fundamentação apoiada nos factos e na prova do caso concreto foi elaborada no sentido de justificar esta estatuição sendo que nesta esteira, o juízo que o Tribunal a quo formulou no âmbito do facto provado 6, ao determinar que “Todos os Salários referentes às contribuições em dívida foram pagos aos trabalhadores”.
15. De facto a Mm.º Juiz na Douta Sentença referiu na sua motivação “Mais resultou provado que o arguido, fez suas as referidas quantias, integrando-as no giro económico da empresa, bem sabendo que as mesmas lhes não pertenciam, tal como sabia que devia entregá-las à segurança social nos prazos legais, tendo agido de forma livre e voluntária, não desconhecendo a censurabilidade e punibilidade dos seus atos.”
16. No nosso entendimento, resultou da prova testemunhal e documental junto aos autos que os trabalhadores, apesar de terem recebido, uns em duas vezes e outros mais tarde, o facto é que todos receberam os salários, confirmando que nenhuma quantia estaria em falta. Nenhum trabalhador, referiu no depoimento prestado em sede de audiência de julgamento, que estaria alguma quantia por liquidar.
17. Assim sendo, assiste razão ao Tribunal a quo quando dá como provado que “Todos os Salários referentes às contribuições em dívida foram pagos aos trabalhadores”.
18. Ademais, como refere o Recorrente, e bem, a testemunha EE, declarou ter, por vezes, salários atrasados cerca de dois meses, mas que acabariam por ser pagos, e questionada se tinha conhecimento se os vencimentos entre 2013 e 2018 eram pagos de forma “normal”, responde ao minuto 2.05: “Não, porque começámos a atravessar uma fase complicada a nível de recebimentos exteriores e houve uma certa dificuldade em pagar aos funcionários a tempo e horas. Ou seja, nós íamos pagando conforme a receita ia entrando. Com a exceção de 3 funcionárias, uma era viúva e duas estão divorciadas com filhos. Todos os restantes era conforme havia receita, nós íamos distribuindo”
19. Ora, nenhum dos funcionários referiu que existiam quantias que não foram pagas, antes pelo contrário, as testemunhas, nos seus depoimentos referiram que não, que os salários foram efetivamente pagos, indo de encontro ao entendimento do acórdão da Relação de Évora, invocado pelo Recorrente, relativamente ao processo 1332/18...., Secção Criminal- 1ª Subsecção, Relator: Venerando Desembargador João Manuel Monteiro Amaro, onde se escreve, “Assim, não tendo os vencimentos dos trabalhadores sido efetivamente pagos (no todo ou em parte), não pode haver aqui lugar, manifestamente, por ausência de suporte substantivo, ao pagamento dos “descontos” atinentes a tais vencimentos (vencimentos não pagos) e legalmente previstos para a Segurança Social (…)”
20. Por fim, é de referir que na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º o que se prevê é o erro notório na apreciação da prova (crítica dos factos provados), e não a apreciação dos factos provados, em ordem a aplicar o direito, isto é, o vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não sendo por isso admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo, pelo que, o Recorrente ao aludir ao erro notório na apreciação da prova, não o faz corretamente.
21. Pelo exposto, da leitura da Sentença recorrida facilmente se constata que a prova produzida foi corretamente apreciada, valorada e julgada, apreciou criticamente e de forma racional, todas as provas de acordo com as regras da experiência e fixou a matéria de facto de forma correta, pelo que, não merece a Sentença qualquer censura.

Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do arguido/Recorrente não merece provimento em qualquer das suas vertentes, pelo que, deverá manter-se integralmente a Douta Sentença recorrida.
Assim, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
V. Exas, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!»

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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Concordamos e damos por reproduzidos os argumentos aduzidos na decisão impugnada, bem como na Resposta à Motivação de Recurso apresentada pela nossa Exma. Colega junto do Tribunal de 1.ª Instância, entendendo que o Recurso não merece provimento, devendo ser confirmada a decisão impugnada

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia;
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento.
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Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
«1. O arguido é titular do número de identificação da Segurança Social (NISS) ...21, tendo exercido em ... atividade no ramo da padaria/pastelaria em nome individual pelo menos desde 2011 até, pelo menos, julho de 2018.
2. O arguido durante o supra referido período temporal teve ao seu serviço diversos trabalhadores que exerciam a respetiva atividade profissional sob as suas ordens, direção e fiscalização, a quem pagava ordenado e relativamente aos quais lhe cabia a tarefa de efetuar as deduções a tais remunerações, correspondentes às quotizações devidas à Segurança Social, e entregar o respetivo montante à Segurança Social.
3. Mais concretamente o arguido, na qualidade de entidade empregadora, entregou à Segurança Social as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço eferentes ao período de março de 2013 a dezembro de 2013, fevereiro a setembro de 2014, novembro de 2014 a junho de 2015 e setembro de 2017 a julho de 2018.
4. O arguido não procedeu nos prazos legais (do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele que respeitam) nem nos noventa dias subsequentes ao pagamento do valor das quotizações deduzidas nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do regime geral, à taxa de 34,75%, relativamente aos períodos temporais supra especificados e que ascendem ao total de 58.506,52 €.,
5. O arguido deveria ter entregue à Segurança Social, e não o fez, os montantes abaixo discriminados:
Data de referência Data de
cálculo
N.º de
meses
Quotizações Juros vencidos Total em dívida
2013/03 2020/08 86 177,22€ 65,70€ 242,92€
2013/04 2020/08 86 1.441,09€ 534,26€ 1.975,35€
2013/05 2020/08 86 1.641,13€ 608,42€ 2.249,55€
2013/06 2020/08 86 1.744,33€ 646,68€ 2.391,01€
2013/07 2020/08 85 1.694,73€ 619,66€ 2.314,39€
2013/08 2020/08 84 1.573,79€ 567,43€ 2.141,22€
2013/09 2020/08 83 1.652,28€ 587,31€ 2.239,59€
2013/10 2020/08 82 1.406,00€ 492,61€ 1.898,61€
2013/11 2020/08 81 1.371,58€ 473,56€ 1.845,14€
2013/12 2020/08 80 1.458,50€ 496,15€ 1.954,65€
2014/02 2020/08 78 947,92€ 313,71€ 1.261,63€
2014/03 2020/08 77 1.499,48€ 489,34€ 1.988,82€
2014/04 2020/08 76 1.535,25€ 493,93€ 2.029,18€
2014/05 2020/08 75 1.476,47€ 468,21€ 1.944,68€
2014/06 2020/08 74 12..654,16€ 516,93€ 2.171,09€
2014/07 2020/08 73 1.561,71€ 480,83€ 2.042,54€
2014/08 2020/08 72 1.494,65€ 453,29€ 1.947,44€
2014/09 2020/08 71 1.569,83€ 468,85€ 2.171,09€
2014/11 2020/08 69 1.327,80€ 384,32€ 2.042,54€
2014/12 2020/08 68 1.414,05€ 402,76€ 1.947,94€
2015/01 2020/08 67 1.493,77€ 418,65€ 2.038,68€
2015/02 2020/08 66 1.571,72€ 433,32€ 1.712,12€
2015/03 2020/08 65 1.561,27€ 423,32€ 1.816,81€
2015/04 2020/08 64 1.810,75€ 482,70€ 1.912,42€
2015/05 2020/08 63 1.675,42€ 438,98€ 2.005,04€
2015/06 2020/08 62 1.652,10€ 425,33€ 1.984,59€
2017/09 2020/08 35 1.856,73€ 262,06€ 2.293,45€
2017/10 2020/08 34 1.821,28€ 249,52€ 2.114,40€
2017/11 2020/08 33 1.707,64€ 226,88€ 2.077,43€
2017/12 2020/08 32 1.817,29€ 233,93€ 2.118.79€
2018/01 2020/08 31 1.845,38€ 230,08€ 2.070,80€
2018/02 2020/08 30 1.859,24€ 224,28€ 1.934,52€
2018/03 2020/08 29 1.722,48€ 200,81€ 2.051,22€
2018/04 2020/08 28 1.865,55€ 209,94€ 2.075,49€
2018/05 2020/08 27 1.982,02€ 215,03€ 2.197,05€
2018/06 2020/08 26 1.856,77€ 193,92€ 2.050,69€
2018/07 2020/08 25 1.765,14€ 177,21€ 1.492,35€

6.Todos os Salários referentes às contribuições em dívida foram pagos aos trabalhadores.

7. O arguido igualmente continuou ao não efetuar o pagamento das contribuições em dívida no decurso do prazo de 30 dias após a notificação que lhe foi efetuada em 06-11-2019 para cumprimento do disposto na alínea b), do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT.
8. Até à presente data, o arguido não entregou ao Instituto da Segurança Social as descritas contribuições descontadas nas remunerações dos trabalhadores optando por fazer suas as referidas quantias, utilizando-as em seu proveito próprio e integrando-as no seu património obtendo, desse modo, vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito.
9. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, aproveitando-se da posição de recebedor das quantias apuradas pela incidência da percentagem fixada na lei sobre as remunerações dos seus trabalhadores, no âmbito do mecanismo da “substituição tributária” e da relação triangular subjacente.
10. O arguido sabia que era obrigado a entregar o valor daquelas contribuições e que ao não o fazer causava à Segurança Social um prejuízo patrimonial equivalente ao valor em falta.
11. O arguido bem sabia que os seus comportamentos eram e são proibidos e punidos pela lei penal o que, não obstante, não o demoveu de agir conforme descrito.
12. Desconhecem-se anteriores condenações penais ao arguido, constando do seu certificado de registo criminal que as não tem.
13. O arguido possui o 9.º ano de escolaridade.
14. Vive em união de facto com a companheira, em casa desta, a qual tem empréstimo ao banco no valor de 380,00€ mensais.
15. A companheira aufere o valor de 1.400,00€ mensais de salário como professora.
16. O arguido declara receber salário no valor de 665,00€ mensais.
17. Tem duas filhas maiores, de 26 e 22 anos e uma filha menor, de 8 anos de idade.
18. Declara pagar mensalmente 1.400,00€ mensais a título de amortização da hipoteca relativa à padaria, ao banco

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Não ficaram por provar quaisquer factos constantes da acusação, com interesse para a boa decisão da causa, consignando-se que não foram tomadas em conta considerações direito ou conclusivas ou irrelevantes à decisão

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«O Tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto provada e não provada com base na prova produzida em julgamento, apreciada de acordo com regras de razoabilidade, experiência e de bom senso.
Com efeito, os documentos, nomeadamente o mapa de quotizações retidas e não pagas de fls. 6 a 7, notificação do arguido, de fls. 24 e 364, recibos de vencimentos dos trabalhadores de fls. 290 a 299 e 307 a 341, extratos de remunerações de fls. 35 a 46 e 207 a 255, e extratos globais de declaração de remunerações, de fls. 57 a 206, declarações de fls. 288 a 289 e 301 a 306 e o Parecer de fls. 369 a 377 provam a retenção e não entrega à Segurança Social dos valores constantes dos recibos e dos extratos de remuneração, em termos contabilísticos, tendo sido, de resto, corroborados pelos depoimentos prestados pelo técnico do Instituto da Segurança Social, I.P., DD.
A referida testemunha DD, por ter feito o mapa de apuramento da dívida, mostrou-se objetiva e segura no seu depoimento, mas com conhecimento limitado quanto à real situação das remunerações da referida empresa.
A testemunha FF e a testemunha GG, trabalhadores do arguido, tiveram a virtualidade de, apesar de manterem que o valor dos salários não tinha sido efetivamente pago no tempo devido, ser sempre pago ao longo do mês a que reportava, mas que era pago sempre, mais cedo ou mais tarde. O mesmo acabou por ser admitido pela testemunha EE, que declarou ter, por vezes, salários atrasados cerca de dois meses, mas que acabariam por ser pagos.
Ora, tendo em conta que se trata de trabalhadores que estão há muitos anos com a empresa, nem sequer é consentâneo com as regras da experiência comum que os mesmos pudessem ficar muitos meses seguidos sem receber, e ainda assim se mantivessem no mesmo emprego, uma vez que não ganham uma fortuna compatível com a incerteza de receber, tendo casa e família para sustentar, pelo que foi dado como provado que os salários foram pagos e as deduções realizadas, na medida em que os próprios trabalhadores administrativos da empresa o admitiram – nomeadamente que a prioridade era pagar a trabalhadores e a fornecedores, pelo que face às dificuldades da empresa, a Segurança Social foi ficando para trás.

Para dar como provadas as condições sociais e económicas do arguido, foi tido em conta o relatório social que se mostra junto aos autos.
Para dar como provada a ausência de antecedentes criminais do arguido, foi tido em conta o certificado de registo criminal que se encontra junto aos autos.»

û
Conhecendo.

(i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúnciaartigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal
Diz o Recorrente, nesta sede, que não foram objeto de apreciação judicial algumas das questões e factos que invocou na contestação que apresentou, que foi admitida e se encontra junta ao processo.
E que, por isso, ocorre a nulidade prevenida na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.

Vejamos se lhe assiste razão.
O julgamento, no nosso processo penal, surge como um momento, obrigatório, de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
Terminado o julgamento, é proferida a sentença.
A sentença é a decisão final do Juiz – aquela onde se decide o conflito de interesses apresentado através do processo.

Exige a lei – no artigo 374.º do Código de Processo Penal – que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo.
A fundamentação, que se segue ao relatório, há-de conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal – n.º 2 do artigo 374.º referido.
Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.
Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.
A finalidade da fundamentação dos atos decisórios [consagrada no artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal] e da sentença encontra-se, nas palavras de Germano Marques da Silva[[3]], em «lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos

«(…) a fundamentação constitui uma garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, funcionando como condição de legitimação externa das decisões dos tribunais, ao permitir a verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que as determinaram.»[[4]]
«Para além disso, assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que assegura o conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, de modo a facultar a opção reativa (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos, revelando-se, assim, essencial para o exercício do direito ao recurso.»[[5]]
«Serve também um propósito intraprocessual voltado para a reapreciação da decisão no âmbito do sistema recursório, permitindo ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo levado a cabo pelo julgador e que este transpôs para a decisão, a partir do qual efetuará o juízo próprio da sindicância que cumpre realizar.»[[6]]

Relativamente à sentença penal, ou seja, ao ato decisório que a final conhece do objeto do processo – alínea a), do n.º 1, do artigo 97.º do Código de Processo Penal –, o mencionado dever [de fundamentação] «concretiza-se através de uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a atividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da atividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, n.º1, da Constituição da República.
Assim, de acordo com o artigo 374º, a sentença, para além de requisitos formais ali expressamente previstos, deve incluir a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.
Certo é que relativamente à escolha e à medida da pena ou sanção, o artigo 375º, n.º 1, pormenorizando e acentuando o disposto no artigo 374º, impõe um especial cuidado ao tribunal, estabelecendo, de forma expressa, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que à escolha e à medida da pena ou sanção presidiram, e indicar, sendo caso disso, o início e o regime de cumprimento da sanção, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.»[[7]]

Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver
as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º
Ou seja, de acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença.
A sentença também padece de nulidade, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Procurando a síntese do que acaba se dizer, e tendo apenas em mente a forma de processo comum, a violação dos requisitos prescritos para as sentenças penais acarreta a nulidade quando ocorre [i] a ausência de menções obrigatórias, [ii] a condenação para além do objeto do processo, e [iii] a omissão ou excesso de pronúncia.
A ausência de menções obrigatórias pode ocorrer (i) ao nível da fundamentação – por falta de indicação dos factos provados e não provados e por falta de exposição dos motivos de facto e de direito que sustentam a decisão e (ii) de decisão propriamente dita (condenatória ou absolutória)
A condenação para além do objeto do processo regista-se quando ocorre condenação por factos não descritos na acusação ou, havendo instrução, por factos não constantes do despacho de pronúncia, sem que tenham sido observadas as regras constantes dos artigos 358.º (relativas à alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia) e 359.º (relativas à alteração substancial desses mesmos factos) do Código de Processo Penal
A omissão ou excesso de pronúncia ocorre, respetivamente, quando o Tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conhece de questões que não podia tomar conhecimento.

Aqui chegados, importa, ainda, convocar o que dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, a propósito dos fundamentos do recurso.
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[8]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[9]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[10]]

De regresso à sentença recorrida, constatamos, não ter na mesma tratado da maioria das questão que o Arguido suscitou na sua contestação. Referimo-nos, concretamente, (i) à violação do disposto no n.º 5 do artigo 107.º do Regime Geral das Infrações Tributárias – imputação do crime na forma agravada –, por o valor apurado na acusação resultar, tão-só, da soma aritmética de todos os períodos de quotização pretensamente em falta, (ii) à nulidade da acusação decorrente da indicação incorreta das disposições legais aplicáveis, (iii) à inadmissibilidade do pedido de indemnização civil, por litispendência com processos de execução fiscal e por falta de indicação dos danos efetivamente suportados.
Dito de outra forma, das questões suscitadas pelo Arguido na sua contestação e que acima se deixaram enunciadas, a sentença limitou-se a tratar da prescrição dos factos constantes da acusação.
Esta falta constitui omissão de pronúncia.
E acarreta a nulidade prevenida na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Invalidade que aqui se deixa declarada.

Ao que acresce que da sentença recorrida também se não fizeram constar, como provados ou não provados, factos invocados na contestação e com indiscutível interesse para a decisão da causa.
Referimo-nos, em concreto, ao não pagamento e/ou pagamento parcelar das quantias indicadas nas folhas de pagamento, como salários dos trabalhadores e à situação difícil económica que o Arguido suportou e coincidente com o lapso temporal em que foram praticados os factos constantes da acusação.
Esta omissão acarreta a insuficiência da matéria de facto para a decisão, vício prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
E que, desde já, se deixa assinalado.

Mas os defeitos da sentença recorrida não se quedam por aqui.
O Instituto de Segurança Social, I.P. pediu a condenação do Arguido a pagar-lhe «a quantia de € 58 506,52 (cinquenta e oito mil quinhentos e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de prejuízos patrimoniais e ainda a quantia de € 14 609,91 (catorze mil seiscentos e nove euros e noventa e um cêntimos) referente a juros de mora, bem como os juros que se vierem a vencer
O Instituto de Segurança Social, I.P. atribuiu ao pedido que formulou o valor de € 73 116,43 (setenta e três mil cento e dezasseis euros e quarenta e três cêntimos).
Este pedido de indemnização civil foi admitido, aquando da prolação do despacho a que alude o artigo 311.º do Código de Processo Penal, nos precisos termos em que se encontra formulado.
A sentença, reconhecendo que o Arguido é «responsável, pelo pagamento do valor deduzido e não pago, ainda acrescido de indemnização por mora», que «as quantias deduzidas deveriam ter sido entregues à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte à sua dedução» e ter sido «o devedor interpelado nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 6 do R.G.I.T. – para pagar no prazo de 30 dias após a interpelação – e a partir dessa data constituiu-se em mora», condenou-o «a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P. a quantia de € 58 506,52, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a notificação até integral e efetivo pagamento
É manifesto o desconchavo entre a fundamentação e a decisão.
A decisão “esqueceu” os juros de mora vencidos até à notificação para contestar o pedido de indemnização civil, e que quem o formulou os contabilizou em € 14 609,91 (catorze mil seiscentos e nove euros e noventa e um cêntimos).
Registando-se, por isso, omissão de pronúncia.
Que acarreta a nulidade prevenida na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Invalidade que aqui também se deixa declarada.

Acresce que a factualidade provada não suporta conclusão alguma sobre o número de crimes cometidos pelo Arguido.
Os factos provados não esclarecem o número de resoluções subjacentes ao comportamento do Arguido e que são indispensáveis para concluir pela prática de tantos crimes quantas as declarações que emitiu de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, pela prática de um crime continuado ou pela prática de um crime de execução continuada.
E porque assim é, também aqui ocorre o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Questão esta que convoca a contradição insanável da fundamentação de direito que a sentença exibe.
No primeiro parágrafo de fls. 6 da sentença refere-se a «renovação sucessiva da resolução criminosa». E faz-se constar do parágrafo seguinte que «De notar é que o arguido agiu sempre do mesmo modo, retendo as verbas deduzidas, renovando a cada mês a sua resolução criminosa face às necessidades de fluxo económico da empresa e à não deteção da conduta pelos órgãos de fiscalização da segurança social, durante mais de quatro anos, apenas com curtos intervalos.
A figura do crime continuado mostra-se favorável ao arguido, uma vez que atendendo às circunstâncias exteriores que influenciaram a renovação da resolução criminosa, a sua culpa se entende diminuída, e a punição deve ser por um único crime e não pela pluralidade das atuações.»
Todavia, no parágrafo que de imediato se segue, de forma absolutamente surpreendente, diz-se «Daí que o Tribunal entenda – devido a este modo de atuação essencialmente uniforme, e à continuidade da sua omissão mês após mês, desde o início do período em causa, apesar de alguns intervalos, que apesar de em 2016 serem por período alargado, no computo geral não alteram a qualificação dos factos – que ocorreu apenas uma resolução criminosa, daí que tenha sido praticado apenas um crime de abuso de confiança à Segurança Social.»
Ou seja, de uma penada se afirma uma coisa e o seu contrário, sem qualquer fundamentação ou sustentação na factualidade provada – diversas resoluções criminosa e crime continuado, uma única resolução e um único crime.
A contradição é manifesta. E não dispomos de forma de a ultrapassar – o que a torna insanável.
Ocorre, pois, o vício prevenido na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Resta referir, por fim, o clamoroso erro em que labora a sentença recorrida quando refere, no período que mediou entre março de 2013 e julho de 2018, “interregnos pontuais” e “intervalos de tempo que não alteram a qualificação jurídica dos factos”.
É conhecida a influência que o decurso do tempo tem na afirmação de resoluções criminosas e na sua renovação.
Os factos imputados ao Arguido nos presentes autos decorreram entre março de 2013 e julho de 2018. Concretamente entre março e dezembro de 2013, fevereiro e setembro de 2014, novembro e dezembro de 2014, janeiro e junho de 2015, setembro e dezembro de 2017, e janeiro e julho de 2018.
Entre junho de 2015 e dezembro de 2017 decorreram 2 (dois) anos e 3 (três) meses, lapso de tempo incombinável com a designação de “interregno pontual” e claramente suscetível que gerar nova resolução criminosa.
E este aspeto é determinante para o número de crimes que podem imputar-se ao Arguido.

Isto posto e em jeito de conclusão, entendemos que a enumeração dos factos provados da sentença recorrida não contempla toda a matéria que reveste importância para a decisão da causa.
E entendemos, ainda, que a sentença recorrida exibe contradição insanável entre os fundamentos da decisão.
Esta insuficiência factual e contradição constituem os vícios prevenidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e contradição insanável da fundamentação – vícios que esta Relação não pode suprir, por falta de todos os elementos a tanto necessários, e para garantir o duplo grau de jurisdição consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Vícios que determinam o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade, dada a importância das questões assinaladas para a decisão da causa – artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Os restantes aspetos que se deixaram assinalados, que não prevalecem sobre vícios acabados de mencionar, devem ser dilucidados na nova sentença a proferir.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, julgando parcialmente procedente o recurso, decide-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade – artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.

Sem tributação.
û
Évora, 2022 janeiro 24
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Maria de Fátima Cardoso Bernardes


________________________________________
[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] ] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] ] In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, 4ª Edição Revista e atualizada, II Volume, páginas 153 e 154.
[4] ] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de março de 2005, proferido no processo n.º 05P662 e acessível em www.dgsi.pt
[5] ] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/00, de 21 de março de 2000, acessível em www.tribunalconstitucional.pt
[6] ] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, indicado na nota 17.
[7] ] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de julho de 2009, proferido no processo n.º 2956/07 – e acessível com a referência 5607/2009, em www.colectaneadejurisprudencia.com
[8] 8] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[9] 9] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[10] ] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.