LIBERDADE CONDICIONAL
NATUREZA
PRESSUPOSTOS NO MARCO DOS DOIS TERÇOS
Sumário

I. A liberdade condicional constitui um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, destinando-se a permitir que o recluso se possa reintegrar na comunidade, após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de pena de prisão.
II. Consiste numa modificação substancial da forma de execução da prisão, não consistindo numa medida de graça, tendo antes da natureza de um incidente da execução, dirigido à ressocialização do condenado, daí decorrendo que o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir.
III. A sua concessão depende da verificação dos seus pressupostos formais e substanciais, os quais se encontram balizados no seu artigo 61.º do Código Penal.
IV. No marco dos 2/3 da pena já cumprida são pressupostos formais da sua concessão: o cumprimento de dois terços da pena de prisão não inferior a seis meses; e o consentimento do recluso. Sendo pressuposto substancial o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em liberdade, sem cometer crimes.

Texto Integral

Nota prévia
Este processo foi redistribuído ao presente relator no dia 18 de janeiro de 2023.

ACÓRDÃO

I – Relatório

1. Por decisão proferida no processo supra identificado, do 3.º Juízo (1) do Tribunal de Execução de Penas de Évora, não foi concedida a liberdade condicional a AA, solteiro, nascido a …/…/1994, melhor identificado nos autos, em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional de …. Inconformado com tal decisão recorre o recluso concluindo a sua motivação do seguinte modo:

«1 – O presente recurso tem por objeto a Douta Sentença pelo Tribunal de Execução de Penas de Évora, que não concedeu a liberdade condicional ao ora recorrente cumpridos, neste momento, quase 5 dos 6 anos de pena de prisão a que foi condenado.

2 – Este jovem atingiu o meio da pena em 09.09.2020, tendo apenas sido ouvido em 01.07.2021 para a liberdade condicional no meio da pena, ou seja, por erro grave e atraso não imputável ao arguido, este foi ouvido para o meio da pena quando já se encontrava a cerca de dois meses para atingir os dois terços, o que terá tido repercussões gravíssimas na sua situação, isto é, não terá sido ouvido nos dois terços, tendo sido ouvido apenas em 2022.

3 – Com respeito aos factos provados a Douta Sentença considerou os pontos 1 a 12 que aqui se dão por reproduzidos e que nas motivações se transcreveram para melhor exposição.

4 – O Douto Tribunal considerou que os pressupostos materiais e requisitos substanciais para a concessão da liberdade não se encontravam preenchidos.

5 – Após a reunião do Conselho Técnico, emitiram, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

6 – Ouvido o recluso, o mesmo declarou aceitar a liberdade condicional, preenchendo o pressuposto do art.º 61.º, n.º1 do Código Penal.

7 – Entendemos que os pressupostos encontram-se preenchidos. Ora vejamos,

8 – Este jovem nunca tinha estado preso, agora, cumpridos quase 5 dos 6 anos de pena prisão a que foi condenado, sem qualquer medida de flexibilização da pena, já entendeu a relevância das suas condutas criminosas que anteriormente praticou e certamente não voltará a praticar.

9 – Aquando do início do cumprimento da pena a que foi condenado, o arguido prestava trabalho num hotel, trabalho esse que se encontra assegurado pelo seu antigo patrão que, por diversas vezes, afirmou estar garantido assim que este jovem fosse devolvido à liberdade.

10 – O recluso beneficia de apoios no exterior, nomeadamente da família que muito precisa dele, especialmente a irmã mais nova que sofre de patologia física e psiquiátrica grave, bem como tem perspetivas de integração laboral uma vez que tem emprego garantido pelo seu antigo patrão como supra se expôs, e ao contrário do que na Douta Sentença se afirmou.

11 - O seu regresso ao meio exterior não evidencia qualquer problemática relevante junto da comunidade local.

12 - Mais ainda, o ora recorrente tem investido no seu percurso, na sua formação, frequentando cursos e mantendo sempre ocupação profissional, o que demostra a sua vontade em manter hábitos de trabalho e de formação, objetivando, tal como já se referiu, uma mudança de vida, demonstrando comportamentos opostos aos de futilidade e imaturidade, como se afirmou na Douta Sentença de que se recorre.

13 – Este jovem mantém um comportamento prisional adequado às normas institucionais.

14 – O seu trajeto prisional bem como o modo adulto e honroso com que sempre assumiu os actos que cometeu, tendo confessado livre e integralmente os factos em todas as condenações que determinaram a sua actual prisão, são demonstrativos do grau de arrependimento e do espírito critico desenvolvido pelo arguido desde a sua reclusão.

15 – Os resultados dos testes realizados em 06.02.2020 e 02.12.2021 onde o ora recorrente acusou positivo a canabinóides não correspondem à realidade, pois o arguido não consome qualquer tipo de estupefacientes desde que se encontra em privação de liberdade, tendo já entendido que tais condutas não o levariam a um porto seguro.

16 – Para a realização da contraprova exigiu-se que a mesma fosse paga, despesa essa que este jovem não quis dar aos seus pais, desempenhando um digno comportamento de adulto consciente.

17 – Não tendo sido autorizado ao recluso a possibilidade para realizar a contraprova com os meios financeiros de que dispunha dentro do estabelecimento prisional, viu os seus direitos, defesas e garantias restringidos.

18 – No que concerne às declarações prestadas pelo arguido, tais são uma exteriorização clara da suficiente consciência crítica e arrependimento face à conduta ilícita pela qual foi condenado.

19 – São mais do que claros os objetivos deste jovem que passam por refazer a sua vida familiar, laboral, continuar a prestar auxílio à sua irmã mais nova com patologia física e psiquiátrica grave, bem como continuar a ajudar a sua mãe, evitando, assim, desvios de condutas que anteriormente praticou, mas que não voltará a praticar.

20 - Pergunta-se que mais será necessário, uma vez que já se encontram preenchidos todos os pressupostos exigidos, em nosso entender, para que seja concedida ao agente a liberdade condicional?

21 – E mais, se o recluso nunca beneficiou de licenças de saída jurisdicionais e por isso nunca foi possível testar o seu comportamento em meio livre, como se pode afirmar de que existe um perigo e elevado risco do arguido voltar a delinquir?

22 – Assim, deve o Douto Tribunal, em nosso entender, e salvo melhor e mais Douta opinião, analisar a condição actual do recluso, a sua evidente evolução e motivação, para aferir da sua interiorização das condutas criminosas que praticou, ao invés do que fez a Douta Sentença ao basear-se no passado do recluso para concluir pelo perigo de reincidência.

23 – Sublinha-se que este jovem nunca beneficiou de uma saída precária, perguntamos, porque? Será que este recluso, tão jovem, não pode ter uma oportunidade para refazer a sua vida e demostrar que não voltará a delinquir?

24 – Não obstante o nosso sistema prisional português visar a reintegração do agente na comunidade, sendo a liberdade condicional o meio adequado para esse fim, tal realidade parece-nos absolutamente utópica.

25 – Face ao supra exposto, não foi possível ao Douto Tribunal fazer um juízo de prognose favorável?

26 – Atento ao tudo quanto se expôs, mostram-se, assim, verificados os pressupostos materiais e requisitos substanciais, previstos no art.º 61.º do Código Penal, devendo assim, o Douto Tribunal, colmatar as lacunas, restituindo o arguido à liberdade, para assim cumprir o remanescente da pena, mediante concessão da liberdade condicional podendo, de uma vez por todas, ter a oportunidade de demostrar que entendeu e tem consciência acerca das suas condutas delinquentes e que não voltará a delinquir.»

3. Admitido o recurso o Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas de Évora apresentou-se a responder sustentando a decisão recorrida, aduzindo em síntese o seguinte:

«1. A questão suscitada quanto à oportunidade da douta decisão recorrida [conclusão 2 da peça recursiva] trata-se de uma não-questão, já que o recorrente se limita a afirmar que foi ouvido para a apreciação por referência ao meio da pena já em data próxima dos dois terços da pena e, consequentemente, que a presente apreciação está distanciada dos dois terços da pena, não invocando qualquer violação legal ou consequência jurídica – porventura porque nenhuma existe.

2. Quanto à oportunidade da apreciação dos pressupostos da liberdade condicional nenhum preceito legal foi violado porquanto o recorrente viu esta ser apreciada por referência ao meio da pena não nesse momento mas logo que a sua situação jurídico-penal estabilizou – seguindo a jurisprudência dominante de que é exemplo o Ac. do STJ de 6.9.2012, ainda que apreciando situação de habeas corpus (in www.dgsi.pt) – e vê a sua situação ser apreciada agora na sequência da douta decisão exarada em 11.7.2021 e transitada em julgado, que perfilhou o entendimento de Douto ac. do TRE de 14.2.2012 no sentido de cumprir existir um tempo mínimo de reclusão de 6 meses entre apreciações.

3. Verificados que estão os pressupostos formais, e já tendo sido atingido o cumprimento de dois terços da pena única de seis anos de prisão pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida, um crime de consumo de estupefacientes, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de tráfico de estupefacientes, a concessão da liberdade condicional depende apenas da verificação do requisito material previsto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal, ou seja, que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.

4. A decisão recorrida – de não concessão da liberdade condicional – baseou-se nos elementos constantes dos autos, de cuja conjugação resulta a conclusão de que não é possível efetuar um juízo de prognose positivo de que o recorrente, uma vez em liberdade, adote um comportamento conforme às regras penais.

5. À formulação de tal juízo de prognose estão subjacentes fortes razões de prevenção especial assentes numa inadequada consciência crítica do recorrente e ausência de reflexão sobre as consequências dos seus atos que, ademais, surgem aliadas ao registo de antecedentes criminais e à forte propensão para o incumprimento de regras.

6. A Mmª Juíza não podia ter deixado de valorar negativamente os factos objetivos relacionados com os testes de despiste de consumo de estupefacientes realizados em 6.2.2020 e 2.12.2021, mediante os quais o recorrente acusou a presença de canabinóides, sendo o Tribunal alheio às razões pelas quais aquele não solicitou a realização de contraprova e tendo apenas que valorar o resultado dos testes e o facto de, com tal resultado, o recluso revelar impreparação para a vida em sociedade na medida em que se mostra incapaz de cumprir as regras impostas intramuros.

7. Ao contrário do que o recorrente pretende convencer, a Mmª Juíza tomou em consideração todos os aspetos positivos verificados no percurso prisional daquele, entre os quais a atividade laboral desenvolvida e o apoio familiar de que beneficia bem como o facto de assumir os crimes; todavia, não considerou tais aspetos suficientes para anular o juízo negativo decorrente da já mencionada inadequada consciência crítica, do incumprimento de regras intramuros e dos antecedentes criminais registados, factos corretamente valorados ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sobretudo em indivíduo com histórico de consumo de estupefacientes.

8. A todos os aspetos negativos mencionados pela Mmª Juíza “a quo” corresponde uma impossibilidade de formular um juízo de prognose positivo – concretamente, que o recorrente uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes e perfeitamente integrado na comunidade.

9. O regime da liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende (e excecionando a liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena em certos casos), tem caráter excecional e, quando já tenha sido atingido/ultrapassado o cumprimento de dois terços da pena, apenas deverá ter lugar nos casos em que seja patente que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

10. O tribunal a quo fez uma correta e adequada interpretação e aplicação do Direito, não se mostrando violado qualquer um dos preceitos invocados pelo recorrente – maxime, o disposto no art. 61º, nº 2, al. a) do Código Penal.»

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância de recurso, na vista a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (CPP), produziu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, não foi apresentada qualquer resposta.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

II - Fundamentação

A. A decisão recorrida tem o seguinte teor:

«I – Relatório

O presente processo de liberdade condicional diz respeito ao recluso AA, com demais sinais nos autos, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Setúbal.

Com vista à apreciação dos pressupostos da liberdade condicional com referência aos 2/3 da pena em execução, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o artº 173º, 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

O conselho técnico reuniu, prestando os seus membros os esclarecimentos que lhes foram solicitados e emitindo, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional – ref.ª ….

O recluso foi ouvido e declarou, além do mais, aceitar a liberdade condicional – ref.ª …

A digna magistrado do Ministério Público emitiu parecer de sentido desfavorável à concessão da liberdade condicional – ref.ª ….

*

O Tribunal é absolutamente competente. O processo é o próprio.

Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer, pelo que nada obsta à apreciação do mérito da causa.

*

II – Fundamentação

II – A) Dos Factos

O tribunal considera provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. AA cumpre pena única de 6 anos de prisão, à ordem do Proc. n-º…, do JCC de … (J…), no qual foi realizado cúmulo das penas dos próprios autos e das penas dos Procs. n-º…, … e …, pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida, de um crime de consumo de estupefacientes, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de tráfico de estupefacientes;

2. Liquidou-se a sua execução da seguinte forma: 1/2 em 9 de Setembro de 2020; 2/3 em 9 de Setembro de 2021; e termo em 9 de Setembro de 2023;

3. Tem antecedentes criminais - pela prática de 2 crimes de roubo, de 3 crimes de consumo de estupefacientes, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, de 1 crime de ofensa à integridade física simples e de 1 crime de tráfico de estupefacientes - e penitenciários, sendo esta a primeira reclusão em cumprimento de pena (esteve anteriormente preso preventivamente);

4. Paralelamente, cumpre pena de 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano que lhe foi aplicada no processo n.º … do J… do Juízo Local Criminal de …, cujo termo está previsto para 14.05.2022, pela prática do crime de consumo de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, sujeita a regime de prova, cujo PIR é orientado para a prevenção do consumo de produtos estupefacientes;

5. Tem historial de consumo de produtos estupefacientes;

6. Assume a prática dos crimes mas sem adequada consciência crítica;

7. Regista a prática de uma infracção disciplinar cometida em 09-12-2019 (posse de telemóvel);

8. Nos dias 06.02.2020 e 02.12.2021 foi sujeito a testes de despiste de consumo de estupefacientes, tendo acusado positivo a canabinóides;

9. Desenvolve actividade laboral desde 29-04-2020, como faxina de copa e desde 12.08.2021 que passou a cumprir a pena em RAI condicionado, trabalhando na …, exercendo funções de cariz agrícola;

10. Não beneficiou de licenças de saída jurisdicionais (no passado dia 04.02.2022 foi realizado conselho técnico, tendo o parecer dos seus membros sido desfavorável por unanimidade);

11. Não tem emprego assegurado no exterior e trabalhou anteriormente de forma precária;

12. Beneficia de apoio da mãe e do padrasto, com quem irá coabitar, de situação económica estável (mas que não têm revelado apoio contentor).

*

Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.

*

II – B) Motivação

II – B – 1) Motivação Fáctica

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:

- Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena – ref.as …, … e …;

- Certificado de registo criminal do recluso – ref.ª …;

- Relatório da equipa dos serviços de educação e ensino da DGRSP – ref.ª …; - Relatório da equipa dos serviços de reinserção social da DGRSP – ref.ª …; - Ficha biográfica do recluso – ref.ª …;

- Informação sobre consumo de estupefacientes - ref.ª …;

- Acta da reunião do conselho técnico (ref.ª …) e esclarecimentos aí prestados; - Auto de audição do recluso – ref.ª ….

*

II – B – 2) Motivação de Direito

“A liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade” (Anabela Rodrigues, in “A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português”, BMJ, 380, pág. 26).

Vale isto por dizer que, alcançados os dois terços da pena, com um mínimo absoluto de seis meses (cfr. art. 61.º n.º 3 do código penal, de ora em diante designado CP), e obtido o consentimento do recluso, como é o caso, o legislador abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.

Donde, aos dois terços da pena, é único requisito material a expectativa de que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente e sem cometer crimes, ou seja, importa que se atente na prevenção especial na perspectiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). Pelo que, no que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração e na prevenção de cometimento de novos crimes.

Na avaliação da prevenção especial o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.

Ora, aquando da apreciação da liberdade condicional ao meio da pena, concluiu-se pela não verificação dos requisitos materiais/substanciais que pressupõem a concessão da liberdade condicional.

Desde então decorreram sete meses em que o quadro que existia à data da anterior apreciação dos pressupostos da liberdade condicional piorou (excepção feita à assunção da prática dos crimes pelos quais cumpre pena).

Com efeito, o recluso que após ter praticado uma infracção disciplinar em 09-12-2019 e ter acusado positivo a canabinóides no dia 06.02.2020 vinha finalmente fazendo um percurso prisional positivo, tendo passado a demonstrar comportamento adequado, tendo sido colocado em RAI condicionado onde desempenhou as suas funções com responsabilidade, volta a consumir produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, tendo acusado positivo nos testes de despistagem em 02.12.2021.

Este comportamento assume extrema gravidade, já que o consumo de estupefacientes está intimamente ligado à prática dos crimes pelos quais cumpre a pena que aqui se acompanha, sendo de destacar que paralelamente à pena de prisão efectiva cumpre uma pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, cujo PIR é orientado para a prevenção do consumo de produtos estupefacientes.

O consumo de estupefacientes assume-se como um factor de risco para voltar a delinquir e esta problemática não está ultrapassada. Acresce que, com este comportamento, o recluso demonstra que não está preparado para viver em liberdade cumprindo regras, pois que nem no estabelecimento prisional as consegue cumprir.

Por outro lado, quanto à interiorização do desvalor da acção, refira-se que evoluiu na assunção da prática dos crimes, porém sem adequada consciência crítica, havendo que continuar a reflectir sobre as consequências dos seus actos para as vítimas.

Desde os seus 18 anos de idade que o recluso tem um percurso criminal, com repetição da prática de crimes de tráfico de estupefacientes, tendo sido várias as oportunidades concedidas ao recluso – mediante penas não privativas da liberdade – para mudar os seus comportamentos a fim de passar a cumprir as normas que regem a sociedade, oportunidades que o recluso não aproveitou, sendo que mesmo agora estando preso, foi colocado em RAI (ainda que condicionado) para se aproximar do meio livre, e volta a demonstrar não ser merecedor deste benefício, pois que continua sem cumprir as regras do estabelecimento prisional.

Nada retirou das anteriores decisões condenatórias e penas aplicadas, que não serviram para o desmotivar da prática de crimes e do incumprimento de regras.

Aqui se vê o efeito pouco dissuasor que anteriores intervenções judiciais tiveram sobre o recluso.

Além do mais, refira-se que continua sem ter trabalho assegurado no exterior (o que atentos os crimes praticados se assume como um factor de risco, sobretudo pela razão pela qual praticou os crimes – imaturidade/futilidade) e continua sem beneficiar de licenças de saída jurisdicionais (por falta de mérito), razão pela qual não foi possível testar o seu comportamento em meio livre.

Não se mostram, assim, preenchidos os requisitos previstos no artº 61º, 2, do Código Penal, pelo que entendo não estarem reunidas as condições para que seja concedida a liberdade condicional ao recluso.

*

III. Decisão

Face ao exposto, não concedo a liberdade condicional a AA.

*

Renovação da instância decorridos 12 meses sobre a presente data (isto é, em 22.02.2023).

(…)»

B Apreciação do mérito do recurso

B.1 O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e dos vícios referidos no artigo 410.º, § 2.º CPP (2). O recorrente coloca duas questões: a) Impugnação da matéria de facto considerada na decisão recorrida; b) Intempestividade da apreciação da liberdade condicional aos 2/3 da pena. c) Erro de julgamento em matéria de direito (verificação dos pressupostos formais e materiais da concessão da liberdade condicional).

B.2 Impugnação da matéria de facto provada

Considera o recorrente que a matéria de facto julgada provada está errada em dois aspetos essenciais: - o recluso tem «perspetivas de integração laboral» uma vez que «tem emprego garantido pelo seu antigo patrão»; - e não consumiu canabinóides, não correspondendo o resultado dos testes realizados em 6/2/2020 e 2/12/2021 à realidade. Sobre esta impugnação caberá recordar o que vem sendo sufragado pela jurisprudência dos tribunais superiores, na interpretação ao artigo 179.º, § 1.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade CEPMPL) (3). Isto é, o recorrente só pode impugnar a matéria de facto fixada na decisão recorrida com referência a algum dos vícios previstos no artigo 410.º, § 2.º CPP, o que nas circunstâncias do presente caso se não faz; nem da análise da decisão recorrida algum se descortina. Com efeito, a decisão recorrida não é um «acórdão» nem uma «sentença» (cf. artigo 97.º, § 1.º e 2.º CPP), sendo que só destas decisões finais, previstas nos artigos 374.º a 377.º CPP, é cabível a impugnação ampla, nos termos previstos no artigo 412.º, § 3.º CPP. Mas do que aqui deveras se trata é de um despacho judicial, proferido em fase pós-sentencial, antecedido do procedimento especialmente previsto nos artigos 173.º a 177.º CEPMPL. A isso acresce que o juízo em que assentou a factualidade que o tribunal considerou relevante para a decisão que lhe cabe proferir, traz impregnada a valoração judicial de todos os dados recolhidos nos autos, nela expressamente referidos, inclusivamente quanto às questões suscitadas pelo recorrente. Deste modo, singelo, improcede este fundamento do recurso.

B.3 Da tempestividade da decisão recorrida

Alega o recorrente que tendo atingido o meio da pena a 9/9/2020, veio a ser ouvido apenas a 1/7/2021, com vista à apreciação da sua liberdade condicional no meio da pena, isto é, quando já se encontrava a cerca de dois meses de atingir os dois terços da pena, o que veio a determinar que não fosse ouvido também no tempo certo no marco dos dois terços da pena. Sobre este tema refere o MP na sua resposta, com razão, o seguinte: «logo que (…) conhecida a sentença proferida no processo n.º …, foi apreciada em 11/7/2021 a liberdade condicional, por referência ao meio da pena. Naquela douta decisão, in fine, mais decidiu a Mmª Juíza o seguinte: “Os 2/3 da pena ocorrerão já em 9 de setembro de 2021. No entanto, cumpre assegurar um período de tempo mínimo de reclusão entre apreciações que permita ao recluso alguma evolução no seu comportamento suscetível de avaliação diferente da que ora se fez – e que considero razoável fixar em 6 meses conforme parece decorrer do disposto no art.º 61 n.ºs 2 e 3 do Código Penal (cf. também Ac. RE de 14/2/2012 proferido no âmbito do Proc. 1690/10.1TXEVR-A deste TEP). Pelo que determino que a instância se renove por referência a 11.01.2022.” Esta douta decisão não mereceu qualquer reação do recluso.»

Atentemos.

Conforme dão conta os autos, a decisão relativa à possibilidade de liberdade condicional ao meio da pena (artigo 61.º, § 2.º CP) ocorreu apenas a 11/7/2021. Tal sucedeu, conforme o tribunal recorrido justificou na decisão de 11/7/2021, porquanto se tornou necessário aquilatar da estabilização da situação jurídico-penal do recluso, em razão de penderem contra ele processos criminais. Com efeito, não é irrelevante que naquele ínterim o recluso seja condenado em pena de prisão efetiva, pois essa circunstância alterará, necessariamente, os marcos do cômputo da execução sucessiva de penas. Daí que a liberdade condicional só possa ser determinada pelo TEP quando a situação prisional do arguido se mostrar estabilizada. (4) E logo que tal sucedeu os autos prosseguiram os seus regulares termos, vindo a apreciação do marco dos 2/3 a ocorrer a 22/2/2022 (decisão ora sob recurso), pois que, na sequência do que fora determinado na decisão de 11/7/2021, se dever assegurar um período de tempo mínimo entre as duas apreciações, de molde a permitir ao recluso evidenciar uma evolução comportamental, em termos de poder consolidar a nova avaliação, fixando esse período em 6 meses (o que o recluso nunca questionou), em conformidade com o que se infere do disposto no artigo 61, § 2.º e 3.º CP.

Nada havendo, pois, a censurar ao decidido.

B.4 Erro de julgamento em matéria de direito

Considerando o recorrente, como igualmente considerou o tribunal recorrido, estarem reunidos os pressupostos formais exigidos para a liberdade condicional (atingido o marco dos dois terços da pena e dado o consentimento do condenado), entende aquele que a decisão recorrida assenta num juízo errado relativamente à prognose favorável exigida pela lei. Isto é, relativamente ao comportamento do recluso/recorrente, de que quando em liberdade, saberá (ou não) conduzir a sua vida sem cometer crimes, uma vez que a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de dois terços da

pena de prisão, assenta essencialmente razões de prevenção especial (artigo 61.º, § 3.º CP).

Em verdade o recorrente faz assentar aquele seu entendimento em factualidade que intentou introduzir, nos termos que ficaram referidos, mas à qual se não poderá/deverá naturalmente atender.

Antes de nos debruçarmos sobre os critérios normativos para a concessão da liberdade condicional reclamada, importará, talvez, fazer um breve resumo da história deste instituto, para melhor se compreender a atual natureza e finalidade deste incidente da execução da pena de prisão.

Costuma fixar-se a sua origem na França do primeiro quartel do séc. XIX, ali tendo surgido como reação ao aumento significativo da reincidência criminal. Por isso mesmo foi gizado como uma «providência tendente a promover a regeneração e a reinserção social dos criminosos, e assim, de sentido eminentemente preventivo especial» (5), constituindo a última fase do cumprimento da pena de prisão, em preparação da liberdade definitiva.

Em Portugal este instituto só viria a ter consagração legal em finais do séc. XIX, com o Decreto de 6 de junho de 1893 (e o Regulamento de 16 de novembro do mesmo ano), num tempo de perspetiva ético-retributiva das penas. Foi nesse contexto concebido como um estímulo e recompensa aos condenados, por boa conduta na reclusão: como uma medida de graça.

Na reforma do sistema prisional encetada em 1936 introduziu-se no cumprimento da pena de prisão um sistema progressivo, por períodos, em que a liberdade condicional passou a ser uma fase normal da execução da pena, visando a transição (a preparação) para a liberdade definitiva. Esta fase, com vigilância institucionalizada, estava associada ao cumprimento de deveres prevenindo a defesa da sociedade face aos riscos de uma recaída. Tinha então duas modalidades: a facultativa e a obrigatória, distinguindo-se em razão da perigosidade dos criminosos, sendo a sua duração fixada no ato da sua concessão entre um mínimo de dois e um máximo de cinco anos, sendo esse decretamento da competência do Ministro da Justiça. A mais disso era prorrogável por períodos de dois anos até ao momento em que se considerasse que o criminoso estava ressocializado, podendo a mesma estender-se até 10 anos. E podia também ser revogada: automaticamente no caso de prática de crime doloso; ou facultativamente em razão do juízo a realizar sobre o não cumprimento das condições impostas ou da má conduta do libertado.

Este regime foi sofrendo ligeiras alterações ao longo do tempo, mas só foi verdadeiramente reformado em 1972 (Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de maio), assumindo-se nessa altura que a liberdade condicional constituía uma modificação da pena de prisão na fase final da execução, deixando, pois, de exceder a duração daquela (como sucedia até então). Passando a ser competente para o seu decretamento o Tribunal de Execução de Penas, após cumprimento de pelo menos metade da pena, se o condenado mostrasse «capacidade e vontade de se adaptar à vida honesta».

Nova reforma só surgiu dez anos depois, em 1982, com o novo Código Penal. Mas manteve-se o figurino de duas modalidades: uma obrigatória e uma facultativa: os condenados com pena de prisão superior a 6 anos saiam obrigatoriamente em liberdade condicional aos 5/6 da pena, se antes não tivessem já sido beneficiados com essa medida; e os condenados a penas mais leves, logo que cumprida metade da pena, podiam sair em liberdade condicional se tivessem bom comportamento e mostrassem ter capacidade e vontade de se reinserir na sociedade. A liberdade condicional tinha então de durar pelo menos 3 meses e nunca podia manter-se por mais de 5 anos.

No ponto 9 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal, a propósito da liberdade condicional, consignou-se estar «definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

A grande reforma de 1995 ao Código Penal deu ao instituto, no essencial, a sua configuração atual (6) (se bem que em 2007 se tivessem alterado alguns aspetos relevantes e que estão hoje previstos nos § 4.º e 5.º do artigo 61.º CP).

Hoje a liberdade condicional facultativa (ope judicis) e a liberdade condicional necessária (ope legis) constituem incidente na execução da pena de prisão, só podendo ser decretada com o consentimento do recluso (artigo 61.º, § 1.º do CP e 176.º, § 1.º do CEPMPL); e a sua duração não pode ultrapassar o tempo que ainda falta cumprir, nem ser superior a cinco anos (artigo 61.º, § 5.º CP), em alinhamento com a finalidade preventivo-especial de reintegração do agente do crime na sociedade (artigo 40.º CP).

O recorrente mostra-se inconformado com o facto de lhe não ter sido concedida a liberdade condicional, que deveras anseia. Vejamos, então, com referência às referências normativas e à factualidade provada, se as razões em que assentou o juízo negativo formulado pelo tribunal recorrido estão alinhadas com o preconizado na lei.

Conforme já referido, a liberdade condicional constitui um período de transição entre a prisão e a vida em liberdade, destinando-se a permitir que o recluso se possa reintegrar na comunidade, após um período de afastamento motivado pelo cumprimento de pena de prisão.

É o Código Penal que fixa os seus pressupostos formais e substanciais, os quais se encontram balizados no seu artigo 61.º, no qual se dispõe que:

«1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

(…)»

De acordo com a exegese que vem sendo feita dos normativos citados, a liberdade condicional constitui «uma modificação substancial da forma de execução da reação detentiva» (7), assumindo «não um caráter gracioso, mas a natureza de um incidente da execução da prisão dirigido à ressocialização dos condenados» (8), o que impõe que também o período de liberdade condicional seja computado na pena a cumprir. A liberdade condicional, última fase de execução da pena, visa promover a «ressocialização social dos delinquentes condenados a penas de prisão de média ou de longa duração através da sua libertação antecipada — uma vez cumprida, naturalmente, uma parte substancial daquelas — e, deste modo, de uma sua gradual preparação para o reingresso na vida livre» (9).

Pressupostos formais da concessão da liberdade condicional facultativa no marco ora relevante são, portanto: o cumprimento de dois terços da pena de prisão não inferior a seis meses; e o consentimento do recluso (§ 1.º e corpo § 2.º e 3.º do artigo 61.º CP).

E pressuposto substancial é:

- o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recluso quando em liberdade, de que saberá conduzir a sua vida em liberdade, sem cometer crimes (al. a) do § 2.º, ex vi § 3.º do artigo 61.º CP). No caso presente é indiscutida a verificação dos pressupostos formais. Assentando o único requisito substancial em razões concernentes à prevenção especial (i.e. relativas à socialização do recluso), ficando a concessão da liberdade condicional dependente de juízo favorável sobre o seu comportamento uma vez restituído à liberdade.

Para substrato de tal juízo relevam todas as circunstâncias que caracterizam o cidadão recluso em concreto, sendo através delas que se há de fundar a prognose sobre a preparação para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável em liberdade, sem cometer novos crimes. Relevante para a formulação desse juízo, diz Figueiredo Dias (10), é a «capacidade objetiva de readaptação» por forma a que aquelas expectativas sejam superiores ao risco de reincidência. Mais apontando como decisivo para este juízo «que o condenado tenha revelado “vontade séria” de se readaptar à vida social: mais que da “vontade» subjetiva”, tudo deve, em definitivo, ser função da “capacidade” (objetiva) de readaptação.»

Recordemos o essencial do acervo factológico assente:

- O recorrente encontra-se condenado e a cumprir pena pela prática de dois crimes de detenção de arma proibida, um crime de consumo de substâncias estupefacientes, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, na pena única de 6 anos de prisão;

- Liquidou-se a sua execução da seguinte forma: 1/2 em 9set2020; 2/3 em 9set2021; e termo em 9set2023;

- Tem antecedentes criminais pela prática de dois crimes de roubo; três crimes de consumo de estupefacientes; um crime de condução de veículo em estado de embriaguez; um crime de ofensa à integridade física; e de um crime de tráfico de estupefacientes. Tem também antecedentes penitenciários ainda que na situação de prisão preventiva.

- Paralelamente, cumpre pena de 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano que lhe foi aplicada no processo n.º … do J… do Juízo Local Criminal de …, cujo termo está previsto para 14mai2022, pela prática do crime de consumo de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, sujeita a regime de prova, cujo PIR é orientado para a prevenção do consumo de produtos estupefacientes;

- Tem historial de consumo de produtos estupefacientes;

- Assume a prática dos crimes, mas sem adequada consciência crítica;

- Regista a prática de uma infração disciplinar em reclusão, cometida a 9dez2019 (posse de telemóvel);

- Nos dias 6fev2020 e 2dez2021 foi sujeito a testes de despiste de consumo de estupefacientes, tendo acusado positivo a canabinóides;

- Desenvolve atividade laboral no EP desde 29abr2020, como faxina de copa e desde 12ago2021 que passou a cumprir a pena em RAI condicionado, trabalhando na Quinta …, exercendo funções de cariz agrícola;

- Não beneficiou de licenças de saída jurisdicionais;

- O conselho técnico emitiu parecer desfavorável à liberdade condicional, por unanimidade dos seus membros;

- O recluso não tem projeto de empregabilidade sustentado, tendo anteriormente trabalhado de forma precária;

- Beneficia de apoio da mãe e do padrasto, com quem irá coabitar, de situação económica estável (mas que não têm revelado apoio contentor);

- Aceita a liberdade condicional.

Vejamos, então.

Conforme bem se refere na decisão recorrida, «na avaliação da prevenção especial o julgador tem de elaborar um juízo de prognose sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e ao seu comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.»

O percurso do recorrente em reclusão foi sendo oscilante, com sinais positivos e negativos, devidamente assinalados na decisão recorrida. Mas o resultado dos testes realizados a 6fev2020 e 2dez2021, que acusaram consumo de canabinóides, compromete um juízo de prognose positivo. Sendo essa a razão da unanimidade do parecer desfavorável do Conselho Técnico.

Como bem se refere na decisão recorrida, o recorrente iniciou o seu percurso criminal com apenas 18 anos de idade, com repetida prática de crimes, entre eles o de tráfico de estupefacientes.

Ademais, como argutamente se aduz no Parecer referido supra, o consumo de estupefacientes está intimamente legado à prática dos crimes pelos quais o recorrente cumpre pena, pelo que a problemática etiológica subjacente à prática de crimes não está ultrapassada.

Ora, no marco dos dois terços da pena a lei preocupa-se apenas com as exigências de prevenção especial. E para estas concorre, mais que a vontade subjetiva do condenado, a capacidade de readaptação deste, vista esta sob parâmetros objetivos e objetiváveis, de modo a poder sustentar positivamente as expectativas de reinserção, evidenciando que estas são superiores aos riscos que a comunidade suportará com a antecipação da restituição do condenado à liberdade. Não sendo ainda irrelevante a postura interior do recluso para a aferição desse juízo prognóstico. Daí que a falta de assunção dos seus erros de percurso também não ajude.

De tudo resulta que o seu comportamento é demonstrativo de uma impreparação para viver em liberdade cumprindo regras, pois que nem no estabelecimento prisional as consegue cumprir! Acrescendo que, contrariamente ao afirmando pelo recorrente, continua sem ter trabalho assegurado no exterior, o que atentos os crimes praticados, se assume também como um fator de risco.

Em suma: em termos globais as circunstâncias da reclusão do recorrente, não sustentam ainda a confiança de que depende o juízo positivo relativamente à sua preparação para uma vida socialmente responsável, em liberdade, sem cometer crimes. Donde, a recusa em conceder a liberdade condicional se configura como a conclusão lógica das referidas premissas, as quais se mostram bem aferidas.

E, por assim ser, nada se deverá censurar à decisão recorrida.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

b) Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 UC’s.

c) Sem prejuízo de os autos aguardarem o trânsito, remeta-se já cópia do presente acórdão ao Tribunal recorrido.

Évora, 24 de janeiro de 2023

J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 Em decorrência dos art.ºs 403.º e 412.º, § 1.º do CPP, conforme decidido no Acórdão Unif. da Jurisp. n.º 7/95, de 19out1995 (Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1.ª Série A).

3 Cf. acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, 14jan2015, proc. 1855/10.6TXPRT-T.P1, Des. José Piedade («No recurso do despacho que decidiu da denegação da concessão da liberdade condicional não é admissível a impugnação da decisão sobre a matéria de facto»); e de 8fev2017, proc. 749/14.0TXPRT-E.P1, Des. Manuel Soares («a lei, fora do quadro restrito do referido artigo 410.º, não permite a impugnação da matéria de facto no recurso contra a decisão do Tribunal de Execução de Penas que nega a liberdade condicional. O artigo 179.º n.ºs 1 e 2 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade limita o recurso à questão da recusa da liberdade condicional, o que afasta a possibilidade de impugnação da matéria de facto pelo modo previsto no artigo 412.º n.ºs 3 e 4 do CPP»); e do Tribunal da Relação de Lisboa, 14abr2016, proc. 1 290/11.9TXLSB-L.L1-9, Des. Abrunhosa de Carvalho («Não há recurso da matéria de facto da decisão sobre liberdade condicional, mas é-lhe aplicável o disposto no art.º 410.º/2/3 do CPP»), todos em www.dgsi.pt

4 Neste sentido cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e 6set2012, Proc. 87/12.3YFLSB.S1, relatado pelo Cons. Santos Carvalho; e acórdão do mesmo Tribunal, de 23jul2021, proc. 6189/10.3TXLSB-S.S1, no qual foi relator a Cons. Helena Moniz.

5 António Almeida Costa, Passado, Presente e Futuro da Liberdade Condicional no Direito Português, Boletim da FDUC, LXV-1989, pp. 402, cita p. Cássia Silva, a Liberdade Condicional Obrigatória – sua existência e fundamentação, Univ. Coimbra, 2013.

6 Deve ver-se o ponto II.3. do anexo à Recomendação Rec(2003)22 do Conselho da Europa, adotado pelo Comité de Ministros a 24 de setembro de 2003, disponível em linha: https://rm.coe.int/16800ccb5d

7 Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano I, 2004, pp. 365.

8 Sandra Oliveira e Silva, A liberdade condicional no direito português: breves notas, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano I, 2004, pp. 399.

9 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências jurídicas do crime, Lisboa, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, pp. 541, § 853.

10 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 539.