PERDA DE VANTAGENS
Sumário

I -Não existe qualquer incompatibilidade entre a dedução, pelo ofendido, de pedido de indemnização civil e a declaração de perdimento, na sequência do requerimento, pelo Ministério Público, feito na acusação, da perda da vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito típico com a conduta criminosa.
II- Concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo de Competência Genérica do …, mediante acusação do Ministério Público, foi julgada em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, a Arguida a seguir identificada:

AA, filha de BB e de CC, nascida no dia …. de 1985, natural da freguesia de …, concelho de …, com residência na …, ….

A final, foi decidido julgar a acusação improcedente e, em consequência:

a) Condenar a arguida AA, pela prática, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 1 210 (mil duzentos e dez euros).

b) Julgar o pedido de indemnização civil procedente, por provado, e, em consequência, condenar a demandada AA no pagamento à demandante DD de € 120 (cento e vinte euros), acrescido de juros civis de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento.

c) Julgar improcedente a declaração de perda de vantagens requerida pelo Ministério Público.

Inconformado, o Ministério Público, interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:

“1. O Ministério Público recorre da sentença do Tribunal a quo por entender que o Tribunal violou a norma contida no artigo 110.º, n.ºs 1, 3, 4 e 6, do Código Penal.

2. E, por essa via, julgou erradamente improcedente a declaração de perda de vantagem requerida pelo Ministério Público do valor de €120,00 (cento e vinte euros).

3. Para o efeito, o Tribunal a quo considerou que “a partir do momento em que o arguido, na qualidade de demandado, deva ser condenado a ressarcir o demandante daquilo que se locupletou passa a falhar aquele pressuposto, pois, ao ressarcir o demandante, o demandado deixará de ter qualquer vantagem na sequência da prática do crime”, que “não se vê como se poderia compatibilizar em sede de execução da sentença e a declaração de perda com a indemnização a que o demandado e agente do crime seja condenado.” E que “O demandante pode, no exercício do seu direito de propriedade, exercer o direito de crédito da forma que bem entenda, desde logo quanto ao momento de o exigir”.

4. Porém, não podemos concordar com tal entendimento, porquanto não existe qualquer incompatibilidade entre a dedução, pelo ofendido, de pedido de indemnização civil e a declaração de perdimento, na sequência do requerimento, pelo Ministério Público, feito na acusação, da perda da vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito típico com a conduta criminosa.

5. Sempre com o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que o Tribunal a quo deveria ter declarado perdida a favor do Estado a quantia de €120,00, condenando-se a arguida a pagar tal quantia ao Estado, ao abrigo do disposto no artigo 110.º, n.ºs 1, alínea b), e n.º 4, do Código Penal, o que, apenas por errada interpretação deste preceito, não sucedeu.

6. Analisando o elemento literal do artigo 110.º do Código Penal, a interpretação vertida na sentença recorrida, afasta-se, por completo, daquela que foi a intenção do legislador ao consagrar o instituto do confisco, afigurando-se, o mesmo, imperativo.

7. Por outro lado, não existe na lei qualquer condicionalismo ao decretamento da perda da vantagem obtida pelo agente do facto ilícito, preenchidos que estejam os pressupostos constantes no artigo 110.º do diploma legal em análise. E, se a solução para eventuais dúvidas sobre a compatibilidade entre o decretamento da perda de vantagem e a dedução, pelo lesado, de pedido de indemnização civil já decorresse do previsto no artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal, o artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, sob a epígrafe “Indemnização do lesado” completa, reforça e consolida tal conclusão esclarecendo: “Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos”.

8. A defender-se, como aqui se pugna, não existe uma dupla condenação, porque, como é pacífico (e nem se questiona) ou o agente satisfaz o pedido formulado no pedido de indemnização civil ou liquida ao Estado o valor declarado perdido, ao abrigo do artigo 110.º do Código Penal, o qual, diga-se, mediante requerimento nos termos do artigo 130.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, até poderá ser atribuído ao lesado.

9. Com a solução vertida na sentença recorrida saem totalmente subvertidos os fundamentos que estiveram na génese do instituto do confisco, mormente, as finalidades preventivas, através do qual o Estado anuncia ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática do ilícito (i.é, o brocado “o crime não compensa”), deixando-se, por completo, nas mãos do ofendido a verificação, ou não, das finalidades legislativas que estiveram subjacentes à consagração do instituto da perda clássica.

10.Não podemos, portanto, concordar com o primeiro argumento avançado pelo Tribunal a quo, isto porque, ainda que o pedido de indemnização civil tenha sido decretado, enquanto o valor permanecer na esfera do arguido, não podemos dizer que aquele deixou de ter qualquer vantagem, esta continuará a existir enquanto estiver na sua disponibilidade.

11.Quanto ao segundo argumento, é verdade que o artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal determina, e bem, que “o disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido”, mas acontece que tal não quer dizer que a perda de vantagem não pode ser decretada quando tiver sido procedente o pedido de indemnização civil, mas sim – e antes! – que, em sede de execução, o segundo prefere ao primeiro, sendo inclusive conferido ao lesado a prerrogativa de ser pago através do disposto no artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal. Sendo que, em rigor, esta questão apenas se colocará após o trânsito da sentença, nos casos em que existe concurso entre a execução do pedido de indemnização civil e a do valor da perda de vantagens, numa fase em que aqueles valores já estão definidos e atribuídos, valores que poderão até nem coincidir nos seus montantes, dando-se aqui preferência ao pedido de indemnização civil.

12.Por fim, relativamente ao terceiro argumento, também não podemos concordar quando o Tribunal a quo refere que “o demandante pode, no exercício do seu direito de propriedade, exercer o direito de crédito da forma que bem entenda”, pois, para além dos direitos do lesado, estão as necessidades de prevenção geral e especial que aqui devem ser alvo de ponderação, não podendo, conforme referido supra, ficar dependente da vontade do lesado a perpetuação da vantagem na esfera patrimonial do condenado, vendo este assim compensado o seu crime, o que se pretende evitar.

13.Conforme referido em várias convenções internacionais que Portugal subscreveu e se comprometeu a observar, nas palavras de JOÃO CONDE FERREIRA e HÉLIO RIGOR RODRIGUES, estas “instigam implacavelmente, ao confisco dos instrumentos, produtos e vantagens do crime como forma eficaz de o combater, mas também como forma de indemnizar as próprias vítimas, sendo em ambos os casos seja no âmbito das Nações Unidas, seja no âmbito do Conselho da Europa, o confisco é independente do pedido de indemnização civil. Intervém sempre por forma a restituir o condenado ao status patrimonial anterior à prática do crime e, desta forma, mesmo que a vítima nada faça, demonstrar que ele não compensa. Porém, se houver lesados a indemnizar, os bens assim obtidos devem ser usados para esse efeito, deste modo protegendo também os seus interesses.” (obra antes citada).

14.De outra forma, e a ficar a perda de vantagens dependente da vontade do lesado que, não obstante ter visto julgado procedente o pedido de indemnização civil, nada faz para retirar aquele valor da posse do condenado, podendo, através de inércia, renúncia ou mesmo negociação, perpetuar-se-ia aquela vantagem na esfera patrimonial do condenado que veria o seu crime compensado.

15.É sobre os Tribunais, e não sobre os particulares, que recai o dever constitucionalmente consagrado de administrar a Justiça, não sendo admissível exigir aos particulares o dever de exercer o seu direito, pese embora tal desiderato se atinja naturalmente quando os mesmos conseguem cobrar de forma integral a indemnização que lhes foi atribuída, nos termos das disposições conjugadas do artigo 469.º do CPP e dos artigos 9.º, alínea b), 202.º e 219.º, todos da Lei Fundamental.

16.Por tudo o exposto, ao não ter decretado o perdimento a favor do Estado da vantagem patrimonial que a arguida AA obteve com a actividade criminosa pela qual foi condenada, tal como requerido pelo Ministério Público na acusação, com fundamento na dedução e procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 110.º n.ºs 1, alínea b), 3, 4 e 6, do Código Penal.

Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, deve ser julgado procedente o recurso interposto e, consequentemente, ser a sentença proferida substituída, nesta parte, condenando-se a arguida AA a pagar ao Estado o montante de € 120,00 (cento e vinte euros), nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, alínea b), 3, 4 e 5, do CPP, assim se fazendo, Justiça! ”

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve Vista dos autos, emitindo parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados:

“ 1. No dia 25 de Novembro de 2019, por volta das 14 horas, a arguida e outro indivíduo do sexo masculino, cuja identificação não foi possível apurar, dirigiram-se às instalações do estabelecimento comercial denominado "DD", sito na …, freguesia de …, município do …, com o propósito de se apoderarem de artigos que ali se encontravam à venda.

2. Ali, na execução de tal plano, a arguida e o outro indivíduo do sexo masculino retiraram de um dos expositores uma garrafa de vinho tinto da marca …, …, edição especial homenagem a …, referência grande reserva, no valor de €120,00.

3. Após, na posse da referida garrafa, passaram pela caixa registadora sem ter efectuado o pagamento da mesma, fazendo-a sua.

4. A arguida agiu na sequência de um plano previamente delineado e em comunhão de esforços, no propósito de se apoderar do artigo supramencionado, com vista a fazê-lo seu, como veio a conseguir, bem sabendo que este não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da sua legítima dona.

5. Agiu a arguida sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

6. A última remuneração da arguida comunicada ao ISS, I.P. data de Junho de 2019, no montante de € 0.

7. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º …, transitada em julgado a 2017/10/02, a arguida foi condenada pela prática, a 2013/03/02, de um crime de furto simples, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 6, extinta pelo pagamento.”

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“Com relevo para a boa decisão da causa, não resultaram factos não provados.”

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO

PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”

O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados e não provados:

“A arguida foi julgada na ausência, pelo que o Tribunal formou a sua convicção com base na prova testemunhal e na prova documental, à luz do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

Assim, no que concerne à prova testemunhal, foram ouvidas as testemunhas EE (funcionária da demandante), FF (funcionária da demandante), GG (funcionária da demandante) e HH (accionista e administrador da demandante).

No que respeita à prova documental, foram valoradas a pesquisa por matrícula de fls. 6, a informação do … de fls. 22, as informações da … de fls. 45-55, e a pesquisa de fls. 58 e 61.

Foram, ainda, considerados os fotogramas de fls. 24 a 26 e as imagens constantes da pen-drive junta aos autos, reproduzidas em audiência de discussão e julgamento, com particular relevo para as imagens do ficheiro …, relativo ao momento em que a garrafa foi subtraída.

Apresentada a prova que foi valorada por este Tribunal, interessa explicar como chegou o Tribunal à convicção de que a arguida praticou os factos de que vem acusada.

Em primeiro lugar, da conjugação da prova documental supra mencionada é possível determinar a identidade da pessoa que, no dia 29-11-2019, conduzia a viatura com a matrícula …, que se vê nos fotogramas e também nas imagens da pen-drive junta aos autos. De facto, a prova documental acima referida permite fazer a ligação entre o veículo com a matrícula … e a arguida (proprietário é o …, locatário é a …, e a 29-11-2019 o veículo tinha sido alugado à arguida, coincidindo os dados da documentação da … com os dados da pesquisa de fls. 58 e 61).

Em segundo lugar, tendo por base que é a arguida a mulher que se vê nas imagens, quer a sair do carro, quer na loja junto do indivíduo que subtraiu a garrafa (atenta a roupa que envergava, bem como a do seu acompanhante, é possível verificar que é sempre a mesma pessoa), vistas as imagens, concretamente o ficheiro …, é perceptível, por um lado, que o indivíduo do género masculino retirou uma garrafa e, por outro, que a arguida não só se apercebeu disso, como, previamente, adoptou uma postura de vigia em relação aos demais presentes na loja, sendo que, imediatamente após a retirada da garrafa, saiu da loja com aquele indivíduo.

Com efeito, pelas imagens é visível que quando a arguida e a pessoa que estava consigo se aproximaram da garrafa, essa pessoa apontou para a garrafa e a arguida, de imediato, adoptou uma postura de cautela, olhando para todo o lado e ficando ao lado dessa pessoa cuja identidade se desconhece, a qual, virando-se de costas, retirou a garrafa.

Pelas imagens visionadas, o Tribunal ficou, assim, plenamente convencido de que a subtracção da garrafa correspondeu à execução de um plano previamente traçado, no qual a arguida quis efectivamente participar.

Em terceiro lugar, no que respeita ao objecto retirado, o Tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas já identificadas, as quais, além de explicarem a razão de ciência dos seus relatos, tiveram depoimentos claros e isentos, coincidindo quanto ao que aconteceu depois de se terem apercebido de que faltava uma garrafa. Além disso, as testemunhas coincidiram, ainda e de modo global, na descrição da garrafa, concretamente do seu valor.

Diz-se que esta descrição da garrafa só coincidiu no global, ao invés de dizer que coincidiu na íntegra, porquanto nem todas as testemunhas se recordavam com exactidão da garrafa em causa. Todavia, atento o lapso temporal decorrido e que as testemunhas EE e FF eram as pessoas que maior contacto tinham com a garrafa, é perfeitamente compreensível e expectável que fossem estas as testemunhas que melhor conseguissem descrever a garrafa. Ainda assim, com maior ou menor detalhe, as testemunhas coincidiram quanto à garrafa em questão, nomeadamente quanto ao valor da mesma.

Em quarto lugar, quanto à intenção com que a arguida actuou, aplicando as máximas da experiência à conduta objectiva da mesma, não podia a arguida deixar de saber que estava a participar na subtracção de uma garrafa que não era sua e que o fazia contra a vontade do seu proprietário.

Por fim, no que respeita aos antecedentes criminais da arguida e às respectivas condições de vida, o Tribunal teve em consideração o certificado de registo criminal da arguida e o resultado da pesquisa efectuada à base de dados do ISS, I.P..”

O OBJECTO DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

A única questão suscitada pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

1) Se deve ser decretada a perda da vantagem patrimonial obtida pela arguida com a prática do crime.

O MÉRITO DO RECURSO MINISTÉRIO PÚBLICO

Na tese do Recorrente, a decisão recorrida ao julgar improcedente a declaração de perda de vantagem requerida pelo Ministério Público do valor de €120,00 (cento e vinte euros) violou a norma contida no artigo 110.º, n.ºs 1, 3, 4 e 6, do Código Penal.

A sentença recorrida, como já referido, julgou improcedente a declaração de perda de vantagens requerida pelo Ministério Público.

Para tanto, fundamentou-se no seguinte:

“O Ministério Público promoveu que o montante de €120 seja considerado vantagem do crime e, consequentemente, declarado perdido a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.os 1, 3, 4 e 6 do Código Penal.

O artigo 110.º, do Código Penal, determina que: «1 - São declarados perdidos a favor do Estado:

a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e

b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

(…)

6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido».

Como explicam Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, a perda das vantagens «se apresenta, não como uma pena acessória, mas sim como uma medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos e só indiretamente e imprecisamente se poderia conseguir com a multa, elevando a taxa diária ou impondo multa cumulativamente com a prisão» – Noções de Direito Penal, 5.ª edição, 2016, Rei dos Livros, página 366.

A articulação deste instituto com a indemnização civil peticionada pelo demandante é objecto de diferentes entendimentos na jurisprudência portuguesa.

Em algumas decisões dos tribunais portugueses tem-se entendido que não deve haver uma duplicação de penalizações para o agente do crime, sendo que, a procedência do pedido de indemnização civil, quando seja pelo valor que o agente do crime obteve, deverá afastar a declaração de perda de vantagens.

Em outras decisões tem-se entendido que a declaração de perda e o pedido de indemnização civil podem ambos ser procedentes, sendo apenas na fase de execução da sentença que o último tem primazia sobre o primeiro.

A primeira posição ancora-se, essencialmente, nos seguintes argumentos: o pedido de indemnização civil, correspondendo ao valor que o agente do crime conseguiu com o mesmo, já alcança as finalidades preventivas que a declaração de perda pretende conseguir; tratando-se a vantagem do crime de um bem que é propriedade do demandante, o seu interesse e forma como queira exercer o seu direito de propriedade prevalecem sobre qualquer instrumentalização que o Estado queira fazer dos mesmos.

Na explicação do Tribunal da Relação do Porto, de 07-07-2021, processo n.º 5183/16.5T9PRT.P1, a «restituição ao lesado dos bens com que o criminoso se avantajou faz perder interesse prático ao artº 110º do C. Penal, na medida em que o provimento na ação indemnizatória já logra ou tende a lograr integralmente o objetivo, a ratio legis do artº 110º do Cód. Penal: a mensagem preventiva geral que a comunidade não irá admitir que o agente do crime mantenha na sua posse as vantagens patrimoniais obtidas.

(…)

O artº 130º nº 2 do C. Penal aparenta estabelecer a primazia do direito do Estado sobre o direito do lesado (…) a que se seguiria a satisfação de um direito secundário do lesado a ser ressarcido com o produto dos seus bens. Não nos parece, contudo, que este artigo da lei deva ser lido desta forma. (…) A norma em causa deverá ser interpretada como restringindo-se aos casos em que o lesado não deduziu no processo pedido de indemnização.

A Constituição da República Portuguesa protege, no seu artº 62º, nº 1, o direito à propriedade privada. Da conjugação deste artigo da lei fundamental com o artº 1305º do C. Civil decorre que o direito de propriedade da vítima de um crime prevalece necessariamente sobre o interesse de política criminal do Estado em ver declarada a perda, a seu favor, das vantagens do crime. Nesta medida, consideramos que, na concorrência entre o pedido de indemnização por danos patrimoniais fundado na prática de um crime e a pretensão do Estado na declaração de perda a seu favor das vantagens do mesmo, este último não deverá merecer deferimento, ao menos até à parte em que coincidem a perda do lesado e a vantagem do agente do crime.

Mais, consideramos que o Estado não pode, sequer, instrumentalizar, em seu favor, o direito de propriedade privada do lesado, adquirindo os bens mesmo contra a vontade do lesado. Mesmo desapossado dos bens pelo agente do crime, o lesado não deixa de ser o legítimo proprietário dos mesmos, pelo que, na hipótese, v. g., de declarar expressamente prescindir deles em favor do agente do crime (numa palavra: oferecendo-lhos), não pode o Estado, no âmbito da sua pretensão punitiva e na prossecução da sua política criminal, sobrepor-se a esta vontade do lesado, na medida em que tal solução seria claramente inconstitucional, em face do referido artº 62º, nº 1 da CRP (que protege o direito de transmissão em vida do direito à propriedade).

(…)

Entendemos por isso que a interpretação mais adequada ao pensamento legislativo quanto ao instituto da perda de bens ou vantagens a favor do Estado é que este perdimento deve comprimir-se quando em presença do instituto concorrente do pedido de indemnização pelo lesado e deve expandir-se quando este se desinteressa do seu património, perdido para o agente do crime»

Por contraposição a este entendimento, há quem entenda que não há incompatibilidade entre a declaração de perda de vantagens e a procedência do pedido de indemnização civil, prevalecendo esta último apenas na fase de execução da pena e na medida em que a indemnização coincida com a vantagem do crime.

Neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-10-2021, processo n.º 321/19.9IDPRT.P1, onde se afirmou que «atenta a natureza autónoma e de natureza penal do instituto de perda de vantagens do crime, tais institutos não se confundem nem com a pena, nem com a indemnização civil, não podendo deixar de ser aplicado, como pedido na acusação, sem que daí resulte uma dupla ou tripla execução, pois dependerá da relação subjacente estar ou não cumprida ou satisfeita, sendo certo que, em qualquer caso, e seja qual for o beneficiário, há apenas direito a receber essa quantia uma vez.

(…) Isto sem prejuízo de se considerar que decretar o confisco poderá não ter utilidade, pois nestes casos poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá ser decretada utilmente, como sucederá quando aquilo que vier a ser declarado perdido a favor do Estado reverterá para a vítima do crime através do pedido de indemnização reclamado por esta».

Considerando os ponderosos argumentos de ambas as posições, aderimos à primeira. Em primeiro lugar, o pressuposto base da perda de vantagens é que o arguido tenho conseguido uma vantagem com a prática do crime (artigo 110.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal). Ora, a partir do momento em que o arguido, na qualidade de demandado, deva ser condenado a ressarcir o demandante daquilo de que se locupletou passa a falhar aquele pressuposto, pois, ao ressarcir o demandante, o demandado deixará de ter qualquer vantagem na sequência da prática do crime. Esta análise tem de ser feita no momento em que a sentença é proferida, e não em sede de execução da mesma.

Em segundo lugar, o artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal, determina que o disposto sobre a perda de vantagens não prejudica os direitos do ofendido, de onde decorre que, no confronto, prevalece o último.

Em terceiro lugar, na sequência do ponto anterior, não se vê como se poderia compatibilizar em sede de execução da sentença a declaração de perda com a indemnização a que o demandado e agente do crime seja condenado. O demandante pode, no exercício do seu direito de propriedade, exercer o direito de crédito da forma que bem entenda, desde logo quanto ao momento de o exigir. Dos artigos 309.º e 311.º, n.º 1, do Código Civil, decorre que sendo determinado crédito reconhecido por sentença transitada em julgado o prazo de prescrição é o prazo ordinário de 20 anos, sendo certo que, depois disso, ainda assim o demandado pode proceder ao pagamento da mesma (artigo 403.º, do Código Civil). Neste quadro, não se vê em que condições é que se poderia avançar para a execução da declaração de perda, sem desrespeitar os direitos do lesado.

Em conformidade com a posição sufragada, terá de improceder a declaração de perda de vantagens.”

O Ministério Público recorrente insurge-se contra o segmento da decisão recorrida que apreciou o pedido de perda de vantagens, nos seguintes termos:

“O Ministério Público entende não existir qualquer incompatibilidade entre a dedução, pelo ofendido, de pedido de indemnização civil e a declaração de perdimento, na sequência do requerimento, pelo Ministério Público, feito na acusação, da perda da vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito típico com a conduta criminosa. E tal entendimento mantém-se, mesmo na situação em que o valor de ambos seja totalmente coincidente, não se podendo considerar, de forma alguma, que o agente do facto ilícito típico tenha sido sujeito a uma dupla condenação.

(…)

Não existe na lei qualquer condicionalismo ao decretamento da perda da vantagem obtida pelo agente do facto ilícito, preenchidos que estejam os pressupostos constantes no artigo 110.º do diploma legal em análise. E, se a solução para eventuais dúvidas sobre a compatibilidade entre o decretamento da perda de vantagem e a dedução, pelo lesado, de pedido de indemnização civil já decorresse do previsto no artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal, o artigo 130.º, n.º 2, do Código Penal, sob a epígrafe “Indemnização do lesado” completa, reforça e consolida tal conclusão esclarecendo: “Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os instrumentos, produtos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado ao abrigo dos artigos 109.º a 111.º, incluindo o valor a estes correspondente ou a receita gerada pela venda dos mesmos”.

(…)

Como se disse, a mesma solução foi adoptada na Directiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, já transposta para a ordem jurídica nacional, pela Lei n.º 30/2017 de 30 de Maio.

Com efeito, dispõe o n.º 10 do artigo 8.º da referida Directiva: “caso, em consequência de infracção penal, as vítimas possam pedir uma reparação a pessoas sujeitas a medidas de perda previstas ao abrigo da presente directiva, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que as medidas de perda não impeçam que as vítimas reclamem uma indemnização”.

Ora, o artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal veio dar concretização na ordem jurídica interna a esta disposição, salvaguardando os direitos do ofendido, visando o artigo 130.º, n.º 2, do mesmo código, tornar efectiva a reparação do dano causado ao lesado.

Neste conspecto, só uma articulação entre, por um lado, o pedido de indemnização civil efectuado pelo ofendido/lesado e, por outro, a perda de vantagem requerida pelo Ministério Público permite alcançar as finalidades que se quiseram alcançar com a consagração do confisco.

Perante a posição que aqui se defende, poder-se-á questionar como se compatibiliza, em sede de execução de sentença, a declaração de perda com a indemnização a que o demandado e o agente do crime seja condenado.

No nosso modesto entendimento, a resposta é simples.

Existindo declaração de perdimento nos termos do artigo 110.º do Código Penal e sendo, por sua vez, procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo ofendido, “o confisco apenas operará na medida e na parte em que houver interesse útil (…) e não se traduza numa dupla penalização para o agente – cfr. o já citado Acórdão do

Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de Abril de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 1487/17.89FNC.L1-9, disponível em www.dgsi.pt.”

A questão ora submetida à apreciação deste Tribunal da Relação já não é nova, tendo sido objecto de variadas decisões, umas no sentido pretendido pelo recorrente e pelo Exmº Procurador–Geral Adjunto, conforme salientado no parecer apresentado junto desta Relação, outras no sentido contrário.

Porém, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, entendemos que a razão está com o Recorrente.

«É incontroverso que o objetivo do legislador ao decretar a perda de vantagens decorrentes da prática de um crime, é dizer à comunidade e ao concreto indivíduo visado que “o crime não compensa”. Não compensa porque acarreta uma punição e não compensa, porque são perdidas as vantagens com o crime adquiridas. Esta dupla afirmação exige, portanto, coerência. E exige coerência, porque é incoerente punir alguém pela prática de um crime e permitir-lhe ficar com as vantagens adquiridas com a prática desse crime. E também é incoerente o Estado sofrer uma perda patrimonial e não procurar reconstituir a situação patrimonial que existia antes da prática do crime. Também é hoje incontroverso que a lei não deixa que a perda de vantagens de um crime, fique à mercê de interpretações ou de juízos de oportunidade. A lei impõe hoje necessariamente a perda (art. 110 nº 1 b) do CP), sem dar a possibilidade ao julgador de equacionar a sua aplicação ou não aplicação, perda esta que se não em espécie, terá de ser em valor.

(…)

A declaração de perda das vantagens de um crime, concretizada através do valor correspondente, decorre diretamente do artigo 4º, nº 1 da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, que impõe aos Estados Membros a adoção de regras mínimas em matéria de confisco e a adequação do direito interno às exigências europeias.

É que o Estado não pode pactuar com a situação antijurídica criada, limitando-se a aplicar uma pena e desinteressando-se das consequências patrimoniais da prática do crime, no caso de não ter sido deduzido pedido de indemnização civil. Está longe o tempo em que a questão patrimonial se limitava à reparação dos prejuízos sofridos por lesados. A política criminal mudou significativamente nos últimos anos. - (Veja-se por exemplo a lei 5/2002 de 11.01) – e mais do que na aplicação da pena é na privação dos benefícios patrimoniais obtidos com a prática de crimes, que o legislador vem respondendo às renovadas exigências de prevenção criminal. Daí que em caso de condenação, a perda das vantagens obtidas com a prática do crime decorra diretamente da lei. (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-03-2019, proferido no Proc. nº103/14.4TACBT.G1 no site htpp//www.dgsi.pt).

E, porque assim é – contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal “a quo” na decisão recorrida - e como certeiramente refere o Recorrente, entendemos não existir qualquer incompatibilidade entre a dedução, pelo ofendido, de pedido de indemnização civil e a declaração de perdimento, na sequência do requerimento, pelo Ministério Público, feito na acusação, da perda da vantagem patrimonial obtida pelo agente do facto ilícito típico com a conduta criminosa

Como assinala Figueiredo Dias, (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 633, editorial Notícias 1993): “À primeira vista, a consagração da perda de vantagens como providência de caráter criminal pode parecer absurda: em princípio, com efeito, ela resulta automaticamente das regras da responsabilidade civil (nomeadamente, sob a forma da restituição em espécie). A providência justifica-se, no entanto, de um duplo ponto de vista. Por uma parte, o lesado pode prescindir da reparação, não apresentando o respetivo pedido; caso em que as finalidades de prevenção geral e especial, acima apontadas, dão fundamento autónomo ao decretamento da perda. Por outra parte, casos haverá em que as vantagens vão além daquilo em que a vítima foi prejudicada. Suscita-se, nestas hipóteses, o problema de saber até onde deverá a perda das vantagens ser decretada (infra&1009). Mas seja como for quanto a este ponto, também aqui há lugar e justificação autónomos para a perda. Sem deixar de reconhecer-se, em todo o caso, que sempre que tenha havido pedido cível conexo com o processo penal, poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá vir a ser decretada utilmente”.

É que, «… concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens (…) Acontece que se, por um lado, o lesado não pode ser prejudicado pela declaração de perda das vantagens (cfr. nº 6 do artº 110º do C.P.), podendo o mesmo nos termos do artº 130º, nº 2, do C.P. “fazer-se pagar” quanto aos danos causados pelo valor das vantagens recebidas pelo Estado, por outro lado, não pode ocorrer execução simultânea pelo Estado e pelo ofendido/lesado ou só por aquele quando, como acontece muitas vezes, designadamente nos crimes fiscais, é o Estado o próprio ofendido. Mas isso é questão que só posteriormente se colocará, se for caso disso. (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 07/09/2021, relator Desembargador Nuno Garcia, proferido no Proc.nº95/18.0T9LLE.E1 no site htpp//www.dgsi.pt). (Lê-se no Ac. do Nuno de 07/09/2021:)

Por outro lado, «O Estado terá a “posse” dos bens até que se defina o seu destino ou o destino do valor da venda dos mesmos, sendo que o arresto impede o extravio desses bens por parte do arguido. Mas esse destino não poderá deixar de ter em conta os direitos do lesado que deverão ser satisfeitos em primeiro lugar, sob pena de assim não sendo ficar completamente frustrado o que dispõe o nº 6 do artº 110º do C.P. e o referido artº 8º, nº 10, da directiva. Esses direitos terão, como é evidente, como limite o montante declarado na decisão condenatória como tendo sido o seu prejuízo. Terá que ser apenas a parte restante que o Estado arrecadará por virtude do perdimento alargado decretado na sequência do crime de branqueamento de capitais. (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 11/01/2022, relator Desembargador Nuno Garcia, proferido no Proc. 368/16.7GBTVR.E1 no site htpp//www.dgsi.pt).

Destarte, «… uma vez formulado pelo Ministério Público, titular da ação penal, o respetivo pedido de declaração de perda das vantagens, preenchendo a factualidade provada atinente ao processo principal e aos mencionados apensos, factos ilícitos típicos e deles tendo resultado vantagens para os seus agentes, o tribunal terá de declarar a perda de tais vantagens patrimoniais, exceto se for demonstrado que já foram recuperadas, que o ofendido já foi efetivamente ressarcido, caso em que a perda não pode ser decretada, por se ter cumprido o fim da declaração da perda das vantagens (…) Ao contrário de outros sistemas legais, que como referimos consagraram a preferência do pedido de indemnização civil ou de outras formas de ressarcimento sobre o confisco (de tal forma que havendo possibilidade abstrata não deverá haver declaração de perda) o legislador português como (insistimos) resulta claramente do artigo 130º do Código Penal, deu preferência ao confisco enquanto manifestação do ius imperium estadual. Essas formas de reparação têm de sujeitar-se ao confisco e não ao contrário, devendo a articulação ser feita a posteriori». (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/06/2022, relatora Desembargadora Cândida Martinho, proferido no Proc. nº27/18.6GACBT.G1 no site htpp//www.dgsi.pt).

Como já referido, «concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes (…) nem o Estado poderá obter o duplo pagamento das quantias em causa (se inteiramente coincidentes) nem os arguidos terão que pagar a totalidade do valor fixado, caso já tenham feito, entretanto, reembolso parcial do mesmo à ofendida. ». (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/06/2019, relator Desembargador Cid Geraldo, proferido no Proc. nº2706/16.3T9FNC.L1-5 no site htpp//www.dgsi.pt).

Por conseguinte, em virtude de tudo o que acaba de se expender, mais nada nos resta senão afirmar que o recurso alcançou provimento, e consequentemente, forçosa é a conclusão que a decisão recorrida não pode subsistir no segmento impugnado, impondo-se a revogação e o decretamento da perda a favor do Estado da vantagem patrimonial, no valor de € 120, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 110.°, n°s 1, al. b) e 4 do Código Penal.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em em conceder provimento ao recurso do Ministério Público, decretando a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial resultante do crime cometido pela arguida AA, no valor de € 120, sem prejuízo dos direitos da ofendida DD.

Sem tributação.

Évora, 24 /01/ 2023