CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário


O artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação, sucessivamente renováveis, vigentes à data da sua entrada em vigor (13-02-2019), fixando um prazo imperativo mínimo de três anos para renovação do contrato de arrendamento.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processos comum, contra BB e mulher, CC, formulando os seguintes pedidos:

- Ser reconhecida e judicialmente decretada a cessação do contrato de arrendamento identificado nos autos, com a inerente condenação dos Réus nesse reconhecimento;

- Serem o Réus condenados a despejar imediatamente o locado e a entregá-lo à Autora livre e devoluto, nas boas condições em que o receberam;

- Serem os Réus condenados no pagamento à Autora da quantia de €850,00 relativa a rendas em atraso e na indemnização de €170,00 pela mora;

- Serem os Réus condenados a pagar à Autora o montante total de €161,87, que esta liquidou à EDP em substituição daqueles;

- Serem os Réus condenados a entregar a Autora o montante total de €310,51, em dívida EDP e Águas do Sado, por consumos por eles efetuados;

- Serem os Réus condenados no pagamento de uma compensação pela utilização do locado, no montante de €400,00 por cada mês ou fração que decorrer desde a citação até efetiva desocupação do locado devoluto de pessoas e bens e nas condições em que o receberam, acrescida de juros de mora.


Alegou para o efeito e, em síntese, que celebrou com os Réus um contrato de arrendamento para fim habitacional referente à fração autónoma designada pelas letras ..., ... andar, letra ..., do imóvel sito na Rua ... (antigo n.º 25), em ..., Setúbal, de que é proprietária, com efeitos a 01-08-2016, por um ano, sucessivamente renovável, mediante o pagamento da renda mensal de €320,00, cujo valor atualizado ascende a €400,00.
A Autora ao abrigo do artigo 1097.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, comunicou aos Réus, em 23-03-2020, através de carta por aqueles recebida, a sua oposição à subsequente renovação do arrendamento a partir de 01-08-2020, findando, assim, o contrato de arrendamento em 31-07-2020.
Os Réus rececionaram essa comunicação tendo o 1.º Réu assinado o aviso de receção em 24-03-2020.
Porém, em 09-07-2020, invocaram a legislação sanitária aprovada na sequência da epidemia Covid-19 para permanecerem no imóvel, como fizeram.
Encontra-se por pagar a renda referente ao mês de Dezembro de 2019, €50.00 da renda do mês de Outubro de 2020 e a renda do mês de Março de 2021.
Em 17-03-2021, por carta com aviso de receção, recebida pelos Réus, foram os mesmos interpelados para entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens, até ao dia 17-04-2021, o que não sucedeu.
No âmbito do referido contrato de arrendamento, porque a água e eletricidade se manteve em nome da Autora, embora em benefício dos Réus, esta teve de suportar as faturas de eletricidade nos montantes de €79,50, €82,37 e €18,83 em dívida à EDP, e €291,68 em dívida à empresa Águas do Sado, por consumos dos arrendatários, ainda por liquidar.
Os Réus não contestaram a ação.
Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa e declarados confessados os factos articulados pela Autora.

Esta apresentou as suas alegações.

Foi, então, proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente.

Inconformados, recorreram os Réus apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

1.ª Os autos não contêm factualidade reveladora de legal oposição da autora à renovação da relação locatícia que vigora entre a autora e os recorrentes;

2.ª Os autos branqueiam ou omitem cabalmente a existência de um quadro legal que garante aos recorrentes a vigência do contrato;

3.ª Por renovação do contrato por três anos a contar de 1 de agosto de 2020, caso em que o contrato cessará a sua vigência em 31 de julho de 2023, ou

4.ª Caso como tal se queira entender, a contar de 1 de agosto de 2019, cessará em 31 de julho de 2022;

5.ª Sempre e em ambos os casos o contrato está validamente vigente na data da sentença em 23 de novembro de 2021;

6.ª O despejo dos recorrentes é ilegal, viola o artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2º da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro;

7.ª O despejo assim decretado, além de ilegal, afeta gravemente os recorrentes e seus filhos menores, todo o seu núcleo familiar está em crise por causa desta decisão ilegal;

8.ª A decisão é ilegal, por falta de correto enquadramento legal e fere gravemente os direitos dos recorrentes, sob proteção da Lei e da Constituição da República;

9.ª O despacho recorrido despreza as normas vigentes, ordenando o despejo, ao invés de ordenar a improcedência da ação e dos seus pedidos;

10.ª Pois que os recorrentes nem sequer devem à recorrida as rendas que aqui peticionou;

11.ª Tendo sido violada a lei — o artigo 1096º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2º da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro - os recorrentes apelam para a revogação da decisão e a sua substituição por douto acórdão deste TRE que reponha os seus direitos e a vigência do contrato de arrendamento, até ao seu legal termo em 31 de julho de 2023.

A Autora apresentou resposta às alegações, defendendo a confirmação da sentença.


II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, as questões essenciais a apreciar consistem em saber:
- Se o contrato de arrendamento caducou por oposição à renovação da senhoria nos termos que constam da sentença;
- Em caso negativo, em que medida procedem os pedidos da Autora.

B- De Facto
Os factos provados são os articulados pela Autora e que constam do antecedente Relatório, que aqui se dão por reproduzidos.

C- De Direito
Defendem os Apelantes que a sentença violou o disposto no artigo 1096.º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo artigo 2.º da Lei nº 13/2019, de 12-02, tendo o contrato de arrendamento sido renovado por três anos a contar de 01-08-2020, consequentemente, só cessará a sua vigência por via da oposição à renovação em 31-07-2023, ou, caso se entenda dever ser tido em conta 01-08-2019, cessará em 31-07-2022.
À data da celebração do contrato de arrendamento sub judice, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14-08, estipulava do seguinte modo:
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias.
3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.»
Assim, nesta versão da lei, nenhum obstáculo existia à consagração de um período de renovação contratual inferior a três anos, como é o caso do previsto no contrato sub judice, que foi fixado em um ano, como, aliás, consta da cláusula terceira do contrato à qual foi dada a seguinte redação.
«Este arrendamento é feito pelo prazo de UM ano, com início em 01 de Agosto de 2016 e renovar-se-á automaticamente no seu termo por iguais e sucessivos períodos, sem prejuízo do direito de as partes se oporem à sua renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes.»
Porém, em 13-07-2019, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12-02[1], que introduziu várias alterações ao regime do arrendamento urbano tendo como escopo, como se diz no preâmbulo da mesma, «(…) estabelece[r] medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade (…)», procedendo a alterações, para além do mais, ao Código Civil, mormente ao seu artigo 1096.º, n.º 1.
O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, por via dessa alteração, passou, então, a dispor em relação aos contratos de arrendamento para habitação, do seguinte modo:
«1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…).»
Na sentença recorrida não foi equacionada a aplicação ao contrato de arrendamento em apreço a redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2019, de 12-02.
Questão que agora os Apelantes colocam, sem que nada impeça o seu conhecimento, considerando que se trata de uma questão de direito.
Não discutindo as partes que a alteração do referido preceito de aplica ao contrato ajuizado por via do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil (e, efetivamente, tem sido esse o entendimento que tem vindo a ser subscrito pela doutrina e jurisprudência[2]), a questão que se coloca é se a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, tem natureza imperativa ou supletiva no que concerne ao prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento, por a norma mencionar expressamente «salvo estipulação em contrário (…)», ou seja, se para além das partes poderem convencionar a exclusão da renovação do contrato, bem como convencionarem um prazo de renovação superior a três anos, se também têm a faculdade de convencionar um prazo de renovação inferior ao mínimo de três anos, caso o período inicial seja inferior a esse período (tendo sempre como limite o prazo de um ano, atento o disposto no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil).
Enquanto ao abrigo do clausulado contratual e lei vigente aquando da celebração do contrato de arrendamento em causa nos autos, a renovação automática ocorria ao fim de cada ano de vigência e por igual período, de acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, caso as partes não tenham excluído a possibilidade de renovação, a mesma passou a ocorrer pelo período mínimo de três anos.
Deste modo, o que está em causa é se a senhoria se podia opor à renovação que iria ocorrer em 01-08-2020, por o contrato não se renovar por mais um ano, mas sim por mais três, pelo que o próximo termo do contrato apenas de verificaria em 01-08-2023 e, assim, sucessivamente. Ou se ao invés, e como ficou escrito na sentença:
«A lei concede que o senhorio impeça a renovação automática do contrato de arrendamento mediante comunicação ao arrendatário com antecedência, a qual terá se ressalvar um período mínimo de 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos (art.º 1097.º n.º 1 al. b) do CCiv.), como é a situação dos autos, em que o contrato teve inicio de vigência em 1 de Agosto de 2016, pelo que a comunicação ocorrida em 23 de Março de 2020, ressalvou o prazo legal para o efeito da oposição à renovação, a qual teve lugar enquanto declaração reptícia fundada na lei, que opera por mera comunicação à contraparte.»
A questão, como é sabido, encontra-se controvertida na doutrina e na jurisprudência.
Entendeu este coletivo, por maioria, à semelhança do aresto já antes proferido no processo já citado (cfr. nota 2) interpretar a alteração introduzida ao artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, como tendo natureza imperativa e não supletiva, seguindo o sentido da jurisprudência e doutrina que tem analisado a questão de forma que se nos afigura bastante expressiva.[3]
As razões subjacentes a tal entendimento assentam no seguinte:
Não obstante o legislador ter estabelecido em prol da liberdade contratual a possibilidade de as partes excluírem a renovação, não o fazendo, agora em prol do princípio da estabilidade dos arrendamentos habitacionais (como explicita no preâmbulo do diploma), veio estabelecer um prazo mínimo de renovação, donde se pode concluir que o legislador teve como objetivo a proteção da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato.
O invocado caráter supletivo do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil reporta-se apenas e tão só ao direito das partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, logo subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes.
Ou seja, a liberdade de estipulação prevista no preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática.
Assim, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
No caso, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com o prazo de um ano, tendo-se renovado sucessiva e automaticamente por igual período, após a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12-02, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos.
É certo que esta interpretação do preceito é questionada por alguns que defendem que o segmento «salvo disposição em contrário» indicia que a norma tem natureza supletiva o que permitiria que as partes acordassem com um período de renovação mínima de um ano para contratos com igual duração.[4]
Na interpretação da lei, à luz do artigo 9.º do Código Civil, há que considerar, para além da literalidade, que funciona como ponto de partida e limite da interpretação, a sua conexão com os demais elementos da interpretação da lei (sistemático, histórico, racional ou teleológico).
No caso, o elemento teleológico (ratio legis), i.e., o fim visado pelo legislador e as soluções que visou constam da própria Lei n.º 13/2019, de 13-02, não se podendo ignorar que o mesmo refere que se visou uma uniformização do regime no que toca à duração dos contratos de arrendamento para habitação revelada na previsão do n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil ao estipular: «A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...).», contrariando, de certo modo, a estipulação que permite a celebração desse tipo de contratos por um período mínimo de um ano (artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil).
As dificuldades de interpretação do regime instituído pela Lei n.º 13/2019, afiguram-se-nos debeladas no estudo da autoria de MARIA OLINDA GARCIA[5] quando escreve:
«Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação.
Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo.
Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9.
Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos.»
Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, que entrou em vigor em 13-02-2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou a 01-08-2020 pelo período de três anos, pelo que o novo termo ocorrerá apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 31-07-2023 e, assim sucessivamente, caso não seja denunciado pelas partes nos termos contratualmente fixados.
A comunicação efetuada pela Autora, datada de 23-03-2020, de que não pretendia a renovação do contrato de arrendamento, e que este, por sua vontade, cessaria a 31-07-2020, não respeita aquele prazo mínimo de três anos, não produzindo efeitos contra os Réus, uma vez que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida em 01-08-2020, mantém-se o mesmo em vigor.
Deste modo, também, no caso, a aplicação das leis especiais que vigoraram durante o período da pandemia por COVID-19 não se aplicam por o contrato se encontrar em vigor durante o período em que se suspenderam os prazos e procedimentos processuais mormente no âmbito dos contratos de arrendamento.
Impõe-se, assim, a revogação da sentença em relação à declaração de cessação do contrato de arrendamento e restituição do locada à Autora, bem como a condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia mensal igual à renda desse a data da cessação do contrato até à efetiva entrega do locado (cfr. pontos 1), 2) e 6) da parte dispositiva da sentença).
Quanto aos demais segmentos da condenação (cfr. pontos 3), 4) e 5) da parte dispositiva da sentença), apesar dos ora Apelantes alegarem que pagaram todas as rendas e nada deverem à Autora (nada dizendo em relação às despesas objeto da condenação – cfr. ponto 5) da condenação), tal matéria não se encontra provada, sendo que os Réus não contestaram a ação.
Razão pela qual se impõe a confirmação da sentença nessa parte.

Dado o recíproco decaimento, as custas nas duas instâncias ficam a cargo da Autora/Apelada e dos Réus/Apelantes fixando-se o decaimento, respetivamente, em 80% e 20% (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença em relação aos pontos 1), 2) e 6) da sua parte dispositiva, ou seja, absolvem os Réus do pedido de cessação do contrato de arrendamento e despejo do locado, bem como do pagamento da quantia referida em 6), confirmando a sentença em relação aos pontos 3), 4) e 5) da parte dispositiva da mesma.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 25-01-2023

Maria Adelaide Domingos (Relatora por vencimento)
José Lúcio
Graça Araújo (Vencida)
Vencida quanto à revogação da sentença relativamente aos pontos 1), 2) e 6) do dispositivo, pelas razões expressas no Ac. RL de 17.3.22, http://www.dgsi.pt, Proc. nº 8851/21.6T8LRS.L1-6.
Em particular:
- No tocante ao elemento literal de interpretação, penso que a expressão "salvo estipulação em contrário", no início do preceito, abrange tudo o que nele se prevê;
- se o legislador pretendia que os arrendamentos se mantivessem em vigor por um mínimo de 3 anos, porque não foi contemplado esse prazo contratual mínimo para os novos arrendamentos no nº 2 do artigo 1095º do cód. Civ.?
- se o legislador pretendia que a oposição à renovação do contrato tivesse sempre um “período de carência” de 3 anos, porque não vedou a possibilidade de excluir por acordo a renovação automática (solução que, naturalmente, passará ser adoptada pelos senhorios com efeitos mais perversos do que os que actualmente existem)?
Confirmaria, pois, na íntegra, a decisão recorrida.

__________________________________________________
[1] Cfr. artigo 16.º da Lei n.º 13/2019, de 12-02.
[2] Cfr. Acórdão de 10-11-2022, no proc. n.º 126/21.7T8ABF.E1, igualmente relatado pela ora Relatora, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Ac. RE, de 10-11-2022, proc. n.º 983/22.0YLPRT.E1 (Maria João Sousa e Faro), Ac. RG, de 08-04-2021, proc. n.º 795/20.5T8VNF.G1 (Rosália Cunha), Ac. RG, de 11-02-2021, proc. n.º 1423/20.4T8GMR.G1 (Raquel Tavares) e Ac. RL, de 24-05-2022, proc. n.º 7855/20.0T8LRS.L1-7 (Micaela de Sousa), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Na doutrina, cfr. LUÍS MENEZES LEITÃO, Arrendamento Urbano, 10ª ed., Almedina, p. 178, MARIA OLINDA GARCIA, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março 2019, p. 11-12, em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/03/20190305-JULGAR-Altera%C3%A7%C3%B5es-em-mat%C3%A9ra-de-arrendamento-Leis-12_2019-e-13_2019-Maria-Olinda-Garcia.pd e J.A. FRANÇA PITÃO E G. FRANÇA PITÃO, Arrendamento Urbano Anotado, 3ª ed., Quid Juris, p. 390.
[4] Cfr. Ac. RL de 17-03-2022, proc. n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6 (Nuno Lopes Ribeiro) em www.dgsi.pt
[5] MARIA OLINDA GARCIA, ob. cit. p. 11-12.