LIVRANÇA
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
RELAÇÕES IMEDIATAS
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - O avalista que intervém em pacto de preenchimento de livrança, encontra-se nas relações imediatas quando demandado pelo beneficiário.
II - Por se encontrar nas relações imediatas, pode invocar a prescrição do crédito que integra a relação subjacente.

Texto Integral

Processo n.º 9735/21.3T8PRT-A.P1

Sumário.
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1). Relatório.
Na execução que
H..., S. A., com sede na Rua ..., Oeiras, move contra
AA, residente na Travessa ..., Vila Nova de Gaia e
BB, residente no Largo ..., ..., Vila Nova de Gaia, vieram estes deduzir
Embargos de executado, alegando, em síntese, que:
. o exequente é parte ilegítima (falta de notificação de cessão de crédito aos aqui embargantes);
. a obrigação está prescrita (o contrato-base da livrança teve o seu termo em 25/11/2012; não receberam qualquer interpelação para pagamento, pelo que o prazo de prescrição de cinco anos ocorreu em 25/11/2017);
. a livrança foi preenchida abusivamente por o ter sido vários anos após a prescrição das obrigações decorrentes co contrato, tendo o princípio da boa-fé sido totalmente desconsiderado;
. do pacto de preenchimento, de que não se recordam de ter contratado, resulta que o mesmo é insuficiente para ser considerado como tal (não constam os valores máximos pelo qual a livrança poderia ser preenchida, as condições do seu preenchimento, tempo de vencimento nem taxa de juro aplicável);
. a convenção de preenchimento sempre seria absolutamente proibida, nos termos do artigo 18.º, j), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10;
. nada foi explicado aos embargantes do teor do pacto, pelo que a convenção de preenchimento sempre seria excluída, nos termos do artigo 8.º, a), do mesmo Decreto-Lei n.º 446/85;
. seria prejudicial ao credor o preenchimento da livrança na data do eventual incumprimento pois este, a ter acontecido, ocorreu com a data limite de 25/11/.2012 pelo que, se fosse preenchida nesse momento, ou ainda que em período razoável após tal data, a livrança perderia a sua qualidade de título de crédito;
. o não exercício prolongado do direito de crédito que a Exequente alega deter excedeu manifesta e claramente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim económico ou social desse direito, previsto no artigo 334.º do C. C.;
. impugnam a assinatura constante da livrança;
Pedem que os embargos sejam julgados procedentes, nos termos acima referidos.
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A exequente/embargada contestou, negando a ocorrência das exceções e, no que em especial concerne à prescrição, o prazo em causa é de 20 anos, sendo que o preenchimento da livrança não tinha data limite para ser efetuado.
Pede a improcedência dos embargos.
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Foi elaborado despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade e se fixaram como:
. objeto do litígio - extinção da execução por falsidade das assinaturas dos embargantes apostas no título, extinção da obrigação exequenda, por prescrição, liquidação e exigibilidade da quantia exequenda; litigância de má-fé de ambas as partes; e
. temas de prova:
«1. Saber se foi aposta pelo punho da embargante CC a assinatura com tal nome aposta na livrança dada à execução.
2. Saber se foi aposta pelo punho do embargante BB a assinatura com tal nome aposta na livrança dada à execução.
3. Saber se foi aposta pelo punho da embargante CC a assinatura com tal nome aposta no documento denominado «CONTRATO DE MÚTUO» datado de 25/11/2010, junto ao requerimento executivo.
4. Saber se foi aposta pelo punho do embargante BB a assinatura com tal nome aposta no documento denominado «CONTRATO DE MÚTUO» datado de 25/11/2010, junto ao requerimento executivo.
5. Conteúdo da relação subjacente à emissão da livrança dada à execução;
6. Termos do acordo que autorizava a portadora da livrança a preencher a mesma.».
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo os embargos sido julgados improcedentes.
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Inconformados, recorrem os embargantes, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou os embargos de executado totalmente improcedentes.
B. Não poderia o Tribunal a quo ter decidido como decidiu, sendo a sentença nula por falta de pronúncia sobre um dos temas objeto do litígio (fixado em sede de despacho saneador): prescrição da obrigação exequenda.
C. A sentença é igualmente nula por omissão de pronúncia quanto à nulidade do pacto de preenchimento que foi arguida, e que consta dos temas da prova (fixados em sede de despacho saneador).
D. Efetivamente, a prescrição da quantia exequenda deveria ter merecido pronúncia pelo Tribunal sendo, aliás, a prescrição é evidente.
E. Assim, deveria o Tribunal a quo ter tido em consideração o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2022 (anterior à decisão recorrida), que determina que o prazo de prescrição das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros é de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação.
F. Uma vez que o contrato de mútuo teve o seu termo, por decurso do tempo, em 25.11.2012, a última das prestações prescreveu em 25.11.2017.
G. Uma vez que a livrança foi preenchida em 05.04.2021, é evidente que todos os valores nela inscritos se encontram prescritos.
H. O preenchimento da livrança na data de 05.04.2021 é claramente abusivo, uma vez que, para além de possuir inscritos valores prescritos, o preenchimento é completamente desfasado da data de incumprimento verificada (25.11.2012).
I. Para além disso, o preenchimento tardio da livrança agrava de forma exponencial a posição do devedor, uma vez que foram também incluídos juros que naturalmente são agravados com o decorrer do tempo.».
Terminam, pedindo a «redução da providência cautelar», no que será um lapso no pedido, pretendendo-se naturalmente a revogação da decisão.
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As questões a decidir são:
. apreciação das nulidades invocadas;
. âmbito da defesa que o avalista pode fundadamente invocar quando intervém em pacto de preenchimento e o título se mantém nas relações imediatas;
. prescrição do crédito da relação subjacente.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. Nos termos da escritura pública junta com o requerimento executivo, denominada “CESSÃO DE CRÉDITOS”, outorgada em 2 de Novembro de 2017, pela Srª Notária DD, a BANCO 1... - representada no acto por EE e FF - declarou ceder à aqui exequente H..., SA, representada no acto por GG, que declarou aceitar, os créditos aí referidos, incluindo a operação com o número ....
2. A Banco 1..., SA comunicou aos embargantes que cedeu o crédito celebrado com os mesmos em 2010-11-25 à ora embargada/exequente, por cartas datadas de 02/11/2017, juntas como docs. 4 e 5 à contestação, que aqui se dão por reproduzidos.
3. No dia 30 de Julho de 2010, decorreu a Oferta Pública de Aquisição lançada pelo Montepio sobre o Banco 2... S.A, a qual se concretizou e após a mesma o BANCO 1.1..., S.A. resulta da alteração da denominação do Banco 2... S.A, ocorrida em 12 de julho de 2013, sendo integralmente detido pelo Banco 1.2..., SGPS, SA, que por sua vez é uma entidade totalmente detida pela BANCO 1....
4. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto aos mesmos com o requerimento executivo, contendo além do mais, os seguintes dizeres: “No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança à Banco 2... ou à sua ordem a quantia de dezasseis mil, quatrocentos e dezoito euros e setenta e oito cêntimos - Importância – 16.418,78 €; - Vencimento – 2021-04-05; - Local e Data de Emissão – Lisboa – 2010-11-25; - Assinatura (s) do(s) Subscritor(es): consta uma assinatura manuscrita com o nome BB, sobreposta a um carimbo com os dizeres «B..., LDA Rua ..., ... Espinho Nif ...».
5. No seu verso está manuscrita, por duas vezes a expressão «Dou o meu aval à firma subscritora», seguida cada uma delas, de assinatura manuscrita com os nomes de cada um dos embargantes.
6. A assinatura manuscrita com o nome da embargante, AA, foi aposta na livrança dada à execução pelo próprio punho da embargante.
7. A assinatura manuscrita com o nome do embargante, BB, foi aposta na livrança dada à execução pelo próprio punho do embargante.
8. A livrança referida em 4º foi entregue para garantia do integral cumprimento do acordo escrito celebrado entre o Banco Cedente e a Sociedade B..., Lda no dia 25/11/2010, representada pelos embargantes que assinaram nessa qualidade, a que as partes atribuíram o n.º ..., mediante o qual em suma as partes declararam que o Banco cedente emprestou à dita sociedade a quantia de €9.500,00.
9. Mais declararam na cláusula 5ª que: “O presente empréstimo será reembolsado no total de 25 prestações mensais e sucessivas, com início em 25-12-2010 da seguinte forma: 24 prestações, iguais de capital e juros, no montante de 333,26 (trezentos e trinta e três euros e vinte e seis cêntimos), cada; uma amortização de capital no montante de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) no termo do presente contrato, ou seja, em 25-11-2012.”.
10. E ainda, na cláusula 10ª que: “1- Sempre que o saldo do devedor não esteja, total ou parcialmente, titulado por livrança, o Banco 2... poderá, em qualquer momento, exigir do Mutuário a sua titulação por livrança, suportando esta as correspondentes despesas. 3- Quaisquer livranças que forem entregues pelo Mutuário ao Banco 2..., ainda que no momento de outorga do presente contrato, não integralmente preenchidas mas devidamente subscritas, poderão ser livremente preenchidas pelo Banco 2..., designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que, em cada momento, o Banco 2... seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes. O Banco 2... poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos. 4- Nos casos referidos nos números anteriores, o BB e AA darão o seu aval pessoal na respetiva livrança” – para além do que mais consta no documento junto ao requerimento executivo que aqui por brevidade se dá como reproduzido.
11. Na mesma data, os embargantes subscreveram pelos seus próprios punhos o documento anexo ao contrato, com o seguinte teor:
“Banco 2...
CONVENÇÃO DE PREENCHIMENTO DE LIVRANÇA EM BANCO Nº ...

Entre;
Primeiro Outorgante: (Subscritor da Livrança) – B..., Lda, pessoa colectiva n.º ..., matriculada sob o nº ... na Conservatória do Registo Comercial de Espinho, com o capital social de EUR 5.000,00 (cinco mil euros), com sede em Rua ..., ..., e representada pelo(s) seu(s) Gerente(s) Administador(es) aqui signatários.
Segundo Outorgante: Banco 2..., S.A., com sede no Porto, na Rua ..., ..., com o capital social de 180.000,00 Euros (cento e oitenta milhões de euros) matriculado na Conservatória do Registo Comercial do Porto e pessoa colectiva nº ..., representado pelos seus procuradores aqui signatários, adiante designado abreviadamente por Banco 2....
Terceiro Outorgante: BB, solteiro(a), portador do Bilhete de Identidade nº ... em Lisboa, com data de nascimento de .../.../1973, Contribuinte Fiscal nº ..., e residente no Largo ..., ... – Paredes.
Quarto Outorgante: AA, Solteiro(a), portador do Bilhete de Identidade nº ... em Lisboa, com data de nascimento de .../.../1977, Contribuinte Fiscal nº ..., e residente na Travessa ..., ... – Vila Nova de Gaia.
A livrança em anexo, subscrita pelo aqui primeiro outorgante, à ordem do Banco 2..., e avalizada por BB e AA, destina-se a garantir o bom pagamento de todas obrigações e/ou responsabilidades, constituídas ou a constituir pelo primeiro outorgante junto do Banco 2... qualquer que seja a sua origem ou natureza decorrentes de financiamento sob a forma de Empréstimo em ..., efectuado pelo Banco 2... a favor do primeiro, celebrado em 25-11-2010, na conta nº ..., cujo montante é de EUR 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros e prazo de 24 mês(es) (vinte e quatro meses), e respectivos juros, bem como das suas eventuais renovações e substituições, até à sua integral liquidação.
Pela presente convenção o aqui primeiro outorgante autoriza o Banco 2... em caso de falta de cumprimento de qualquer obrigações ou responsabilidades inerentes à operação acima referida, a preencher a Livrança em anexo, pelo valor que for devido, a fixar as datas de emissão e vencimento, a designar o local de pagamento, e bem assim, a descontar essa Livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos.
O(s) primeiro(s) outorgante(s) autoriza(m) ainda o Banco 2... a proceder ao débito, na sua conta de Depósitos à Ordem nº ..., pelo montante relativo ao pagamento do correspondente Imposto de Selo.
O(s) terceiro e quarto outorgante(s), que intervem(êm) na qualidade de avalista(s) no referido título, declara(m) que possui(uem) um perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo primeiro outorgante, do seu montante e dos termos da presente convenção, à qual dá(ão) o seu acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, autorizando assim e por isso o preenchimento da Livrança nos precisos termos exarados.

Primeiro: B..., Lda;
A Gerência BB
Segundo: Banco 2...
Terceiro: BB
BI ... ..-..-.. LX
Quarto: AA
BI ... ..-..-.. Lisboa”

12. No dia 5 de Abril de 2021 a embargada/exequente, através da sua I. Mandatária, enviou aos embargantes carta registada, em suma dando conta do montante que considerava estar em dívida e informando que havia procedido ao preenchimento da livrança e bem assim a data do seu vencimento.».
E resultaram não provados:
- que a embargante não assinou a livrança dada à execução;
- que a embargante não recebeu qualquer interpelação;
- que o embargado não comunicou à embargante o preenchimento e a quantia inscrita na livrança.».
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2.2). Do mérito do recurso.
A). Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia: a prescrição da obrigação exequenda.
Os recorrentes alegam que a sentença é nula pois não se pronunciou sobre a prescrição da obrigação exequenda, ou seja, não analisou nem decidiu se os valores do contrato de mútuo que subjazem à emissão da livrança não podem ser peticionados por ter ocorrido a prescrição.
Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C., a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Importa assim aferir se a questão da prescrição das prestações do contrato de mútuo, referido nos factos 8) e 9) – empréstimo de 9.500 EUR à empresa subscritora da livrança - Sociedade B..., Lda – e que foi avalizada pelos aqui recorrentes -, tinha de ser analisada pelo tribunal recorrido.
Na sentença, no ponto III, afirma-se que como os embargantes negam a existência de um pacto, não podem alegar o seu incumprimento. Como não alegam, não reconhecem que existiu uma relação subjacente, não pode opor exceções nela baseadas, incluindo a prescrição.
E no ponto V, afirma-se o seguinte: Relativamente à existência e liquidação da quantia exequenda, como já se disse, a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de vício de forma (artigo 32.º, da L. U. L. L.).
Atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as exceções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento, que não alega.
Ao referir que o avalista não pode alegar, com sucesso, exceções do avalizado e sendo a prescrição da obrigação do mutuário uma exceção a ser alegada por este (artigo 576.º, n.º 3, do C. P. C. e 342.º, n.º 2, do C. C.), o tribunal está a referir que nenhuma exceção que se refira à posição do avalizado pode ser procedente, salvo a do pagamento.
E ao mencionar que os embargantes não alegam um pacto de preenchimento nem reconhecem uma relação subjacente, não podem invocar a prescrição relativa a esta mesma relação, está a pronunciar-se sobre a apontada prescrição.
Por isso, pensamos que a questão da prescrição da obrigação exequenda está enquadrada nesta apreciação efetuada pelo tribunal recorrido: ao mencionar que não pode ser atendida qualquer exceção, e aquela em particular, está a tomar posição sobre a arguida prescrição, não tendo que analisar que prazo seria aplicável e se ocorria no caso concreto pois, à partida, a possibilidade dessa alegação foi negada pelo tribunal.
Não existe assim, na nossa opinião, nulidade de sentença; no entanto, no decurso da análise das questões suscitadas no recurso, abordaremos a prescrição em causa a fim de aferir se podia ou não ser atendida e, na afirmativa, de que modo.
Improcede assim esta argumentação.
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B). Nulidade de sentença por falta de apreciação da nulidade do pacto de preenchimento.
Está em causa a mesma hipotética nulidade cometida pelo tribunal por, alegadamente, não ter apreciado se o pacto de preenchimento que está provado (facto 11) que foi celebrado é nulo.
Pensamos que aqui é mais patente que não existe nulidade por falta de apreciação de questão que o deveria ter sido; na verdade, como já referimos, o tribunal recorrido concluiu que não foi alegada qualquer subscrição do pacto de preenchimento (porque não alegam que o subscreveram, nem o seu conteúdo). e, por isso, a questão da nulidade não tinha de ser apreciada pois não havia pacto de preenchimento a atender.
Daí que a análise da questão não foi descurada pelo tribunal, não ocorrendo a apontada omissão.
Improcede esta argumentação.
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C). Da prescrição da obrigação exequenda e possibilidade da sua ponderação quando alegada pelo avalista.
Dos factos, resulta que a exequente «Hefesto…», através de uma cessão de créditos de 02/11/2017, adquiriu a «BANCO 1......» o crédito resultante de mútuo celebrado em 25/11/2010 entre «Caixa…» e a empresa B..., Lda, no valor de 9 500 EUR.
O título executivo consiste numa livrança, subscrita pela referida empresa «B... …», com o valor de 16.418,78 EUR, avalizada pelos aqui recorrentes.
Essa livrança foi entregue para garantia do integral cumprimento do acordado, sendo que o mútuo seria pago em 25 prestações mensais e sucessivas, com início em 25/12/2010, da seguinte forma: 24 prestações, iguais de capital e juros, no montante de 333,26 EUR cada, uma amortização de capital no montante de 2.500 EUR, no termo do contrato, ou seja, em 25/11/2012.
No facto 10 consta que, na cláusula 10.ª do contrato de mútuo, se exarou que:
. «1- Sempre que o saldo do devedor não esteja, total ou parcialmente, titulado por livrança, o Banco 2... poderá, em qualquer momento, exigir do Mutuário a sua titulação por livrança, suportando esta as correspondentes despesas.
3- Quaisquer livranças que forem entregues pelo Mutuário ao Banco 2..., ainda que no momento de outorga do presente contrato, não integralmente preenchidas mas devidamente subscritas, poderão ser livremente preenchidas pelo Banco 2..., designadamente no que se refere às datas de emissão e vencimento e local de pagamento, pelo valor correspondente aos créditos de que, em cada momento, o Banco 2... seja titular por força do presente contrato ou de encargos dele decorrentes. O Banco 2... poderá também descontar essa livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos.
Por fim, os avalistas, embargantes/recorrente, subscreveram um acordo denominado de convenção de preenchimento de livrança em branco onde, em síntese, para o que aqui releva, os avalistas concordam que a livrança, entregue em branco, possa ser preenchida pelo portador, em caso de falta de cumprimento de qualquer das obrigações advindas do referido contrato de mútuo, pelo valor em dívida, nas datas de emissão e vencimento por si (portador) estabelecidas, podendo descontá-la para cobrança do crédito.
Não é questionado nos autos que os embargantes, apesar de avalistas, encontram-se ainda assim no âmbito das relações imediatas por terem subscrito o pacto de preenchimento (que está dado como provado e, por isso, tem de ser atendido, além de que foi alegado que existia – o que os embargantes alegaram foi que não se lembravam de o terem subscrito e que era nulo) pelo que, para nós, nada obstaria que se analisasse se o preenchimento da livrança correspondia ao que foi acordado nessa convenção ou se, por algum motivo, sendo inválido o pacto, tal poderia afetar a relação cambiária.
Mas vejamos se, considerando-se os avalistas no âmbito das relações imediatas por terem participado e celebrado um pacto de preenchimento, podem invocar a exceção da prescrição do crédito de mútuo.
A livrança, encerrando uma promessa de pagamento por parte do subscritor (emitente) a quem ou à ordem de quem deve ser paga (artigo 75.º, da L. U. L. L.), tem assim os seguintes intervenientes:
. emitente ou subscritor;
. beneficiário/tomador.
Para além destes, pode surgir o endossante, endossado, avalista e portador.
Quando a relação se estabelece entre um subscritor do título cambiário e um outro sujeito cambiário imediato que também tiveram intervenção na convenção extracartular, define-se que o título se encontra nas relações imediatas (Abel Delgado, Lei Uniforme sobre Letras e Livranças anotada, 7.ª, página 110).
Dito de outro modo, quando entre dois intervenientes num título existe uma relação subjacente diz-se que a relação é imediata; quando não estão ligadas por uma relação subjacente, diz-se que a sua relação é mediata (Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial – Títulos de Crédito, reimpressão, AAFDL, Lisboa, 1997, página 55).
Como resulta dos factos (e do contrato de mútuo junto com o requerimento executivo), os embargantes não intervieram no contrato como avalistas, mas unicamente como legais representantes da empresa mutuária (facto 8 e documento n.º 4, junto com o requerimento executivo).
Assim, pelo prisma da relação contratual, os embargantes não se encontrariam no âmbito das indicadas relações imediatas, mas antes nas relações mediatas.
Verifica-se ainda que os mesmos embargantes subscreveram uma convenção denominada convenção de preenchimento, através do qual se determinaram as condições de preenchimento da livrança que foi entregue em branco.
Seguindo o texto «Aval em branco e prescrição», de Pedro Pais de Vasconcelos, na Revista de Direito Comercial de 25/09/2022[1], este tipo de convenção pode ser definido como tendo natureza negocial. É um pacto anexo a um outro negócio, (…). Estruturalmente, é um pacto que tem como conteúdo uma estipulação, uma convenção, que quase sempre contém uma autorização concedida pelo subscritor em branco (aceitante da letra ou subscritor da livrança), autorização que pode também ser mista de autorização e mandato, e ainda limitar-se a um mandato. É uma autorização constitutiva que confere ao portador legitimidade para preencher o título (página 1483).
Ora, defende-se que, quando é celebrado este pacto e no mesmo intervém um sujeito cambiário que, por norma, não faz parte das relações imediatas (avalista, como é o caso), passa então esse mesmo sujeito a integrar-se nessas relações imediatas; são várias as decisões neste sentido, referindo-se a mero título de exemplo, todos em www.dgsi.pt:
. Ac. R. C. de 26/11/2013, rel. Freitas Neto: 1. Em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada. 2. Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.
. Ac. S. T. J. de 22/10/2013, rel. Alves Velho: Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.
Ac. da R. P. de 24/09/2018, rel. Fátima Andrade: pode porém acontecer e tal ocorre com frequência, que o avalista seja parte no contrato subjacente à emissão do título que avaliza e/ou no pacto de preenchimento do título cambiário, caso em que perante o portador/credor cambiário ligado ao avalizado se considera situar o mesmo no domínio das relações imediatas. Consequentemente, conforme é entendimento pacífico na jurisprudência, podendo então discutir com o portador as exceções derivadas da violação do acordo em que tenha intervindo.
. Ac. R. P. de 10/01/2019, desta mesma secção, rel. Aristides Almeida: I – O avalista de uma livrança em branco que interveio no pacto de preenchimento e mesmo no contrato que constitui a relação subjacente encontra-se no domínio das relações imediatas, e pode opor ao portador do título a excepção do preenchimento abusivo.
. Ac. S. T. J. de 11/02/2020, rel. Serra Baptista, depois de sumariada a autonomia do aval: 3 – Atenta esta autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento; 4 – Mas, se tiver intervindo no pacto de preenchimento, pode opor ao portador, se o título não tiver entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo;
. Ac. R. G. de 15/06/2021, rel. José Amaral: 3) Quando o avalista tenha participado e dado autorização para o preenchimento de livrança incompleta (em branco), as relações entre ele e o tomador ou beneficiário do título devem ser qualificadas como imediatas. 4) Logo, aquele garante adquire a legitimidade para arguir a invalidade do pacto, a sua violação e a má-fé ou abuso de direito;
. Ac. S. T. J. de 28/11/2022, rel. Isaías Pádua: VII - E daí que o avalista não possa, por via de regra, opor ao portador do título cambiário os meios de defesa (vg. exceções) de que possa lançar mão o avalizado perante aquele portador, e nomeadamente sustentando-os ou filiando-os na relação jurídica material subjacente à emissão do título. VIII - Limitação essa que não é, todavia, absoluta, pois que pode o avalista invocar perante o portador do título cambiário, para além da nulidade por vício de forma da obrigação garantida, a exceção do pagamento da quantia inscrita no título e bem como ainda a exceção do preenchimento abusivo desse título, desde que (neste caso), e encontrando-se no domínio das relações imediatas, tenha intervindo no respetivo pacto de preenchimento do mesmo estabelecido para o efeito.
Pensamos que em sentido contrário, encontra-se o vertido no Ac. S. T. J. de 02/12/2008, rel. Paulo Sá: III - É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança. Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor, não sendo o avalista sujeito da relação jurídica existente entre estes, mas apenas sujeito da relação subjacente à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Contudo, neste último, em que é opoente BB, avalista, refere-se ainda que «No caso vertente, conforme se mostra da declaração constante da parte final do contrato de abertura de crédito-conta corrente (…) o executado, ora opoente, por ter sido interveniente no referido contrato de abertura de crédito-conta corrente, de onde resulta o pacto de preenchimento da livrança e, por a livrança não ter sido ainda transmitida, pode invocar as excepções pessoais decorrentes da violação do pacto de preenchimento.».
Pensamos assim que existe consenso em se entender que o avalista que interveio ou no contrato ou no pacto de preenchimento, se situa no âmbito das relações imediatas com o subscritor e portador se a letra/livrança ainda se mantiver no âmbito dos mesmos, ou seja, se não tiver entrado em circulação.
E, prosseguindo, importa aferir, por um lado, se tem interesse determinar se se está no âmbito das relações imediatas quando se invoca a violação do pacto de preenchimento e, tendo, qual a abrangência da defesa permitida ao sujeito cambiário que a invoca.
O artigo 10.º, da L. U. L. L. determina que «se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.».
Carolina Cunha, in A garantia cambiária do aval, Direito das Garantias, C. E. J., 2017, páginas 15 e 16, entende que não se deve recorrer ao conceito de relações imediatas para saber se o avalista pode invocar o preenchimento abusivo. Menciona que «em meu entender, e no quadro legal fornecido pelo art. 10º LU, o avalista pode perfeitamente invocar em sua defesa a desconformidade reportada ao acordo de preenchimento celebrado entre credor e avalizado. Se não, vejamos. Se o avalista também outorgou no acordo de preenchimento, podemos dizer que a sua vontade foi expressamente manifestada (o que facilita aquela primeira prova exigida pelo art. 10º) e que o credor-portador estará certamente de má-fé (segunda prova), porque seguramente conhece o acordo de preenchimento, incorrendo quando muito em falta grave caso se haja “enganado” a completar o título.».
Na nossa perceção, o citado artigo 10.º reporta-se a uma situação em que a letra (ou livrança, por força da remissão do artigo 77.º, da L. U. L. L.) se encontra nas mãos do portador que a recebeu já preenchida. Como se menciona no Ac. do S. T. J. de 26/06/2007, rel. Garcia Calejo, no mesmo sítio, sublinhando-se as partes que encontram aplicação no presente recurso: «No caso de preenchimento pelo primeiro adquirente (a pessoa a quem o subscritor a entregou) e sendo este que reclama o pagamento, é evidente que a excepção lhe poderá ser oposta. É esta a situação dos autos. Se é, porém, um terceiro que reclama o pagamento, mas que recebeu a letra (por endosso) já preenchida, caso esteja de boa fé e não lhe seja imputável culpa grave na respectiva aquisição, não será possível ao subscritor opor a excepção. No caso de preenchimento por um terceiro, se este recebeu a letra por tradição ou sucessão mortis causa, sendo um mero cessionário ou representante de quem recebeu o título, a excepção pode-lhe ser oposta. Se, todavia, esse terceiro recebeu a letra por endosso (já preenchida), não poderá o subscritor opor-lhe a excepção, a não ser no caso desse terceiro estar de má fé ou de, na altura da aquisição, ter cometido uma falta grave. Será esta hipótese, a directamente contemplada, na disposição em análise.
Quando nesta decisão se menciona que é evidente que a exceção pode ser oposta ao primeiro adquirente que recebeu o título, tal tem de ter por base que, encontrando-se o título no âmbito de relações diretas, em que houve negociação do contrato e/ou do modo de preenchimento da letra, tem de evitar-se a circulação cambiária de uma letra que contém valores falsos porque desconformes aquele(s) acordo(s). Assim, deve evitar-se a entrada em circulação do título com valores ou outros elementos incorretos pelo que, estando-se naquelas relações imediatas, tudo pode ser discutido. E, por isso, tem de haver recurso à noção de relações imediatas que está ínsita no artigo 17.º, da L U. L. L..[2]
Não logramos descortinar como é que o portador imediato da livrança (a quem foi entregue pelo subscritor) a recebe de má-fé se a recebe em branco; só se o portador mediato a receber de má-fé (sabendo que foi mal preenchida) ou deveria ter-se apercebido que estava incorretamente preenchida (negligência) é que a exceção lhe pode ser aposta. Mas este raciocínio não nos faz sentido para quem negociou ou a relação causal subjacente (se sabe que emprestou 5.000 EUR, não pode inscrever uma quantia de capital superior, em caso de não pagamento total) ou o pacto de preenchimento (se se acordou em determinadas condições de preenchimento com a pessoa a quem se está a pedir o pagamento, as regras da boa-fé sempre impõem esse cumprimento – artigo 762.º, do C. C. -).
Deste modo, também entendemos que é com recurso à noção de relações imediatas que se pode concluir que, no caso, o avalista, pode invocar a dita exceção de preenchimento abusivo porque foi interveniente na subscrição do pacto de preenchimento juntamento com o portador imediato da livrança.
Importa agora, e por fim, aferir que tipo de defesa é permitido ao avalista apresentar quando o título é apresentado a pagamento e é suscitada a sua obrigação como avalista. Ou seja, quais são as exceções pessoais que pode invocar.
Apesar de, na nossa perceção, se notar que a exposição jurídica desta solução passa por entender que o avalista pode invocar todas as exceções que derivam da celebração do pacto de preenchimento, por vezes não conseguimos aferir se é assim ou se a defesa que se permite seria mais ampla.
Recorrendo às decisões acima apontadas, temos que:
. Ac. R. C. de 26/06/2013: - podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.
No mesmo afirma-se que «Forma-se então aqui uma relação causal do tipo triangular: se o avalista não pode opor-se ao preenchimento do título pelo credor da obrigação subjacente nos termos do pacto, também lhe é lícito defender-se com a mesma relação fundamental que autorizou o preenchimento do título nesses mesmos termos. A participação no acordo para o preenchimento associa o avalista à relação causal da subscrição do título, que, por isso, a pode discutir livremente com o respectivo credor. Idêntico efeito advirá de o avalista ter intervindo na relação contratual causante da emissão do título – nosso realce -.
Aqui pensamos que resulta a ideia de que, participando o avalista no pacto de preenchimento, fica ligado à relação causal, podendo discuti-la livremente.
. Ac. S. T. J. de 22/10/2013: Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco,…, confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.
Menciona-se que perante uma tal realidade não pode deixar de reconhecer-se que existe, no caso concreto, uma relação subjacente entre o credor cambiário e os avalistas (um dos quais o Oponente) - embora agora, em juízo, arguida de inválida - na qual se estipulou sobre determinado “pacto de preenchimento” para a livrança em branco subscrita pela empresa mutuária, pacto este destinado a vincular todos os outorgantes, designadamente o Exequente e o Oponente-avalista. Assim sendo, …, julga-se que o Oponente-recorrente pode opor à Exequente os meios de defesa relativos à relação causal a que se vincularam, designadamente discutir o alegado preenchimento abusivo da livrança que avalizou, não obstante a independência da obrigação do avalista em relação à obrigação do avalizado.
Pensamos que nesta decisão se aponta que, naquelas relações imediatas, o avalista pode invocar os meios de defesa da relação causal em que participou – pacto de preenchimento -.
. Ac. da R. P. de 24/09/2018: neste caso, o avalista terá sido interveniente do contrato subjacente à emissão do título cambiário – «(E) Figurando a aqui embargante, no âmbito do contrato celebrado, como garante/avalista da obrigação assumida pelo mutuário D…, constante de fls. 16 e ss dos presentes autos.» - pelo que não existem tantas semelhanças com a presente situação.
. Ac. R. P. de 10/01/2019: I – O avalista de uma livrança em branco que interveio no pacto de preenchimento e mesmo no contrato que constitui a relação subjacente encontra-se no domínio das relações imediatas, e pode opor ao portador do título a excepção do preenchimento abusivo.
Neste Acórdão, as questões que são apreciadas versam ou sobre o pacto de preenchimento, ou sobre a prescrição cambiária, não tendo o avalista tido participação no contrato subjacente; porém, na parte final, escreve-se o seguinte: «em suma, o direito cartular do portador do título de crédito dado à execução não se encontra prescrito (…artigos 70.º e 77.º da LULL). Da mesma forma, não estava prescrito o direito de crédito emergente da obrigação subjacente, nem o preenchimento do título com aquela data afronta os termos da relação subjacente. Aqui analisa-se a prescrição do crédito e menciona-se que o preenchimento do título respeita os termos da relação subjacente, o que inculca a ideia de que, mais do analisar os termos do pacto de preenchimento, se analisam os termos do próprio contrato para aferir se o preenchimento do título respeita os termos do contrato.
. Ac. S. T. J. de 11/02/2020: se tiver intervindo no pacto de preenchimento, pode opor ao portador, se o título não tiver entrado em circulação, a excepção do preenchimento abusivo.
Menciona-se que «Não tendo o avalista, também e ainda em princípio, legitimidade para discutir questões relacionadas com o pacto de preenchimento. A não ser que tenha também intervindo na sua celebração. Podendo então opor ao portador, se a livrança não tiver entrado em circulação, ou seja, se não tiver saído do domínio das relações imediatas, não sendo, assim, detida por alguém estranho às relações extra-cartulares, a excepção do preenchimento abusivo. Sucedendo que, in casu, a avalista interveio também no pacto de preenchimento em apreço, subscrevendo a respectiva declaração. O que significa, também a nosso ver, que pode discutir as questões relacionadas com o preenchimento abusivo.
A questão em causa não ofereceu dúvidas sobre a possibilidade de arguição do preenchimento abusivo, centrando-se mais nas consequências desse tipo preenchimento.
. Ac. R. G. de 15/06/2021: Quando o avalista tenha participado e dado autorização para o preenchimento de livrança incompleta (em branco), as relações entre ele e o tomador ou beneficiário do título devem ser qualificadas como imediatas. 4) Logo, aquele garante adquire a legitimidade para arguir a invalidade do pacto, a sua violação e a má-fé ou abuso de direito.
Estava unicamente em causa a invalidade do pacto, não se analisando de vícios da relação subjacente.
. Ac. S. T. J. de 28/11/2022: também aqui se nos afigura que só estava em causa a invalidade do preenchimento do pacto.
A nossa visão é a de que, intervindo o avalista no pacto de preenchimento, tem direta intervenção nos termos em que o título deve ser preenchido, acabando por ficar ligado a tudo o que possa afetar a validade do título, incluindo a impossibilidade de ser preenchido por a dívida subjacente já não subsistir.
Claramente que pode, no que respeita à relação causal da convenção de preenchimento, invocar as exceções que decorram da sua violação (ou invalidade – valor, data … -), mas ao participar em tal convenção, não significa que não possa invocar as exceções que são do domínio exclusivo da relação extra-cartular (subjacente) na qual não interveio.
Ao celebrar um acordo em que intervém o credor, acordo que rege sobre o que pode ser inserido (in casu) na livrança, passa a poder invocar todas as exceções que possam impedir o preenchimento do título como acordado pois o que sucede é que, nessa convenção, se está a reproduzir o que consta da relação subjacente (acordo da subscrição do título – pagamento de contrato que de mútuo) pelo que, não saindo a livrança das relações imediatas (primitivos subscritores), não tendo assim entrado em circulação, é legitimo que se possa discutir não só a violação dos termos do pacto de preenchimento mais imediatos como também toda a situação que possa impedir o preenchimento do mesmo título.
Assim se menciona no Ac. do S. T. J. de 03/05/2001, comentado pelo Prof. Menezes Cordeiro na R. O. A. n.º 61, II, Abril, página 1039, bem como Carolina Cunha, Quem vai, vai, quem está, está? A tutela do sócio que permanece na sociedade face à garantia prestada através de “aval em branco, www.revistadedireitocomercial.com, revithttps://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/6140e98f9c594c3de2c2232b/1631644052113/2021-20+-+1099-1158+-+LA-PV.pdf, que menciona: (Na verdade, os Autores acima mencionados, ao remeter a solução para a dicotomia relações imediatas/mediatas e para os quadros do art. 17.º LU, colocarão o sócio-avalista sempre em condições de invocar a tal “falta de poderes” de preenchimento perante o banco-credor com quem está em claras relações imediatas (fruto, obviamente, da participação de ambos no pacto de preenchimento)» - nosso sublinhado -.
E, pensamos que de forma clara, no Ac. da R. C. de 12/02/2019, rel. Barateiro Martins, www.dgsi.pt, se atinge esta conclusão, nos termos que se reproduzem:
«Temos pois[…], quando um litígio envolve letras ou livranças, a relação fundamental, o instrumental negócio cambiário e, “no meio”, a “explicar” a função económico-social desempenhada pelo negócio cambiário, a convenção executiva (que acaba por ser a causa próxima da negócio cambiário).
O que significa, quando da oposição/embargos do devedor cambiário, que as questões respeitantes à “falta de causa” da subscrição (assim como tudo o que foi acordado na relação inter partes) se devem colocar/pensar em sede de convenção executiva, começando justamente o devedor cambiário por estabelecer/interpretar esse “negócio charneira” em que participou e que a convenção executiva constituiu.
E que também significa que não podem invocar convenções executivas em que não se haja participado; o que a doutrina tradicional funda na abstracção das obrigações cambiárias (constante, segundo a mesma, do art. 17.º da LU) e que a doutrina recente faz decorrer do princípio (do direito das obrigações) “res inter alios acta”[…], segundo o qual um terceiro não deve ser nem prejudicado nem beneficiado por contingências de vínculos obrigacionais em que não tomou parte. Seja como for, o certo é que, consoante o devedor cambiário se encontre ou não ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda – o que de há muito está vertido na dicotomia “relações imediatas” versus “relações mediatas”[17] – ele poderá ou não suscitar, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente susceptíveis de configurar excepções causais; designadamente:
- as invalidades (nulidades e/ou anulabilidades) da relação fundamental;
- o incumprimento lato sensu da relação fundamental (excepção de não cumprimento, resolução, cumprimento defeituoso, etc.);
- a ineficácia em sentido mais ou menos amplo da relação fundamental (denúncia, revogação, caducidade, etc.);
- uma qualquer excepção de direito material atribuída (ainda que tacitamente) pela convenção executiva[…]» - nosso sublinhado -.
Quando ali se menciona a caducidade, pensamos que também o raciocínio se opera em relação à prescrição da obrigação em si e não tanto quanto ao prazo em que se pode exercer o direito.
Deste modo, o embargante/avalista pode invocar a prescrição da obrigação subjacente por ter intervindo no pacto de preenchimento, pelo que, há agora que aferir se está ou não prescrita tal obrigação.
E, brevemente, diremos que efetivamente ocorreu a apontada prescrição.
O vencimento da última prestação a pagar ocorreu em 25/11/2012 (facto 9), ou seja, a 24.ª prestação do contrato de mútuo vencia-se em tal data (a recorrente ainda alegou que considerou resolvido o contrato em 19/11/2011, mas tal não resulta dos factos).
No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (A. U. J. n.º 6/2022, de 30/06/2022, D. R. 184/2022, I, de 22/09/2022, fixou-se a seguinte jurisprudência: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.».
Como aqui se menciona, «o prazo curto de prescrição justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil (Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Bol.106/112ss.) com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor; o mesmo Autor se pronunciou na Revista Decana, 89.º/328, justificando o prazo curto com o facto de "proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser-lhe exigido de um golpe, ao cabo de um número demasiado de anos.
Visou a lei evitar que o credor deixasse acumular os seus créditos (retardando em demasia a exigência de créditos periodicamente renováveis) a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1983, pg. 452, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., pg. 278).».
Assim, na falta de outra data, temos que a partir da data do vencimento da última prestação (25/11/2012), começaram a correr cinco anos de prescrição, que ocorre em 25/11/2017.
Ora, quando a letra foi preenchida em 05/04/2021 (factos 4 e 12), já o crédito da exequente estava prescrito; note-se que não consta dos autos qualquer facto interruptivo da prescrição que não seja a citação dos executados para pagarem (artigo 323.º, n.º 1, do C. C.), ocorrida em 21/10/2021, conforme visualização do processo executivo via citius, verifica-se que já tinha prescrito o crédito da exequente.
Assim, procede esta arguição dos recorrentes, considerando-se o crédito do exequente/embargado prescrito, não podendo ser aqueles acionados na execução a que os embargos correm por apenso, julgando-se extinta a mesma execução.
Com tal extinção, torna-se desnecessária a análise das outras questões suscitadas no recurso.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, decide-se:
1). Julgar prescrito o direito do recorrido H..., S. A., nos termos dos artigos 310.º, e), do C. C..
2). Julgar extinta a execução intentada pelo recorrido contra os recorrentes.
Custas do recurso a cargo do recorrido.
Registe e notifique.

Porto, 2023/01/12.
João Venade.
Paulo Duarte Teixeira.
António Carneiro da Silva, em
substituição de Ana Márcia Vieira (ausente por doença).
__________________
[1] https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/6332c09eb496a94195bb0dcc/1664270495549/2022-29+-+1473-1514.pdf
[2] As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.