DESPEDIMENTO DE FACTO
ÓNUS DA PROVA
RESOLUÇÃO ILÍCITA DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - Em acção de impugnação de despedimento, com fundamento em “despedimento de facto”, incumbe ao Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova dos factos que inequivocamente revelam a vontade de pôr termo ao contrato, bem como de que tais factos foram, por ele, como tal interpretados.
II - Não cumpre tal ónus o trabalhador, vigilante em empresa de segurança que, estando de baixa aquando da transmissão do contrato para outra empresa que sucedeu à anterior empregadora na prestação do serviço de vigilância, comunica à cessionária que se vai apresentar ao serviço no mesmo local, com apenas três dias de antecedência, o que faz por dois dias consecutivos, tendo sido impedido de ali entrar pelo vigilante de serviço, sem previamente contactar com a empresa para tratar do fardamento, e outras questões pertinentes ao início de funções na nova empresa, e não mais contactando esta.
III - Tendo o trabalhador enviado à empregadora carta comunicando que se considera despedido, na sequência do referido no ponto anterior, constitui a mesma comunicação de cessão do contrato por sua iniciativa.
IV - A indemnização prevista no art. 399º do Código do Trabalho opera automaticamente, sem necessidade de alegação pelo empregador da existência de prejuízos resultantes da resolução ilícita do contrato pelo trabalhador.

Texto Integral

Processo nº 3446/21.7T8VNG.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., nº ..., 3º esq., ..., com patrocínio pelos serviços jurídicos do sindicato, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra P... – Sucursal em Portugal, com sede na Praça ..., Santo Tirso, e G... Unipessoal, Lda, com sede Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia.
Formula os seguintes pedidos: “deve a R(1) ser condenada:
a) a reconhecer a posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho do A. celebrado e, por isso, a obrigação de respeitar todos os direitos de decorrentes desse contrato, incluindo os de antiguidade e demais condições de trabalho;
b) a reintegrar o A. ao seu serviço atribuindo-lhe as funções correspondentes à sua categoria profissional de vigilante, nos horários que praticava;
c) ou, em substituição da reintegração, a pagar uma indemnização em montante a determinar pelo Tribunal entre os 15 e os 45 dias de retribuição base;
d) a pagar ao A. 796,19€ de retribuição correspondente ao mês de abril p.p.;
e) a pagar ao A. as demais retribuições que se vencerem, como se estivesse no normal exercício de funções, desde 01.05.2021 até ao trânsito em julgado;
f) a pagar ao A. a compensação de 15.000€, a título de danos morais;
g) a pagar os juros moratórios, à taxa legal de 4%, contados desde o vencimento de cada uma das prestações supra identificadas desde a citação até ao efetivo e integral pagamento;
h) no pagamento das custas;
SEM PRESCINDIR E SUBSIDIARIAMENTE,
i) deve a R(2) ser condenada nos mesmos pedidos da R(1), no caso de se entender que o A. deveria prestar trabalho para a R(2), absolvendo-se a R(1) dos pedidos.”
Alega, para o efeito e em síntese: O A. tem a categoria profissional de vigilante e ambas as Rés dedicam-se à atividade de prestação de serviços de segurança privada; O A. foi admitido pela R(2) em 14.09.2018, com o salário base mensal na quantia de 796,19€, acrescendo o subsídio de alimentação de 6,07€ por cada dia de trabalho efetivo; O A. foi colocado no A... (Estaleiro / Central de Betonagem), em Matosinhos; O A. tomou conhecimento que, com efeitos em 01.03.2021, os serviços de vigilância no local de trabalho onde tinha sido colocado pela R(2); O A., estando incapaz temporariamente para prestar trabalho, dirigiu uma carta à R.; E, por carta datada de 5.03.2021, enviou uma carta à R(1) a dizer o seguinte: “(…) informo que, logo que obtida a alta médica, obviamente que me apresentarei ao trabalho no meu atual posto”; A R(2) respondeu à carta do A., datada de 03.03.2021, dizendo, além do mais: (...) vamos de imediato dar conhecimento à nova prestador de serviços”; O A. apresentou-se, conforme indicado, no dia 02.04.2021; Contudo, não lhe foi permitido prestar a sua força de trabalho; E voltou a fazê-lo no dia seguinte, 03.04.2021, com o mesmo resultado; A R(1), com os seus comportamentos, criou no A. medo profundo, decorrente da incerteza no futuro.
As rés foram regularmente citadas e realizou-se audiência de partes.
A ré P... veio contestar e reconvir pedindo a condenação do autor a pagar-lhe € 796,12, “por não ter cumprido o aviso prévio previsto no art. 401º do CT”, e € 2.000,00 por danos não patrimoniais.
Impugna o alegado pelo autor e alega em síntese: pese embora completamente desajustado e ingrato para a 1ª R. que desconhecia a existência da prestação de serviços pela 2ª R. e que esse posto de trabalho era exercido pelo A., ao que parece ter-se-á verificada a sucessão do posto de trabalho do A.; A 1ª R. e a “A...”, beneficiária da prestação de serviços, celebraram um contrato dessa espécie e natureza com início da 01.03.2021; Acontece que a beneficiária da prestação de serviços não informou a 1ª R. de que usufruía já desses serviços através da 2ª R, motivo pelo qual aquela desconhecia, em pleno, que o A. exercia ali funções/posto de trabalho; a 1ª R. já tinha contratado e destacado vigilantes seus para aquele posto de trabalho; aquando do termo da baixa-médica do A., 02.04.2021, o A. não levantou o fardamento na sede da 1ª R., nesse dia e nos dias subsequentes; por conta dessa recusa do A., pediu à 1ª R. o modelo 5044, tomando a iniciativa de “ir embora”, o que a 1ª R aquiesceu; a 1ª R. nunca obstou à prestação efectiva do trabalho do A.. Em reconvenção alega que o facto de o A. ter intentada esta acção, publicamente, já prejuízos do ponto de vista do seu bom-nome, do crédito e seriedade enquanto profissional competente do ramo.
Invoca o abuso de direito e a compensação de créditos e pede a condenação do autor como litigante de má fé.
A ré G... Unipessoal, Lda, contestou alegando, em síntese: A Ré celebrou com o A... (Estaleiro/Central de Betonagem), um contrato de prestação de serviços; Tal empresa fez cessar o aludido contrato que tinha com a aqui Ré, no passado dia 28 de fevereiro de 2021, adjudicando os serviços por esta então prestados, a partir do dia 1 de março de 2021, a uma outra empresa – P... – aqui 1ª Ré; A prestação de serviços contratada a essa nova empresa foi efetuada sem que o cliente, A..., lhe tivesse dado conhecimento que o serviço por si anteriormente prestado passaria a ser efetuado por uma outra empresa de segurança privada; Assim que tomou conhecimento de tal contratação, de imediato, a G... deu conhecimento à nova prestadora de serviços, P..., da sucessão do posto de trabalho do Autor para esta nova prestadora de serviços; Dando igualmente conhecimento ao Autor de que, apesar da baixa médica do mesmo, após seu término, deveria contactar a sua nova entidade empregadora, a fim de que esta tomasse as providências a que legalmente estava obrigada.
O autor respondeu às contestações, mantendo o alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho de aperfeiçoamento relativamente ao pedido reconvencional por danos não patrimoniais formulado pela ré P....
Foi dispensada a realização de audiência prévia, elaborado despacho saneador, que transitou em julgado, e dispensada a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Fixou-se à ação o valor de € 19.592,31.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com registo da prova pessoal produzida.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, que decidiu a final:
i. Nos termos e com os fundamentos expostos decido julgar a presente acção parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condenar a ré P... – Sucursal em Portugal a reconhecer que a posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho do autor celebrado com a ré G... Unipessoal, Lda. lhe foi transmitida;
ii. Absolvo a ré P... do demais peticionado;
iii. Absolvo a ré G... Unipessoal, Lda. dos pedidos contra ela formulados;
iv. Também com os fundamentos expostos, decido julgar parcialmente procedente e provado o pedido reconvencional deduzido pela P... – Sucursal em Portugal contra o autor AA, condenando-o a pagar a ré o montante de € 796,12 por não ter respeitado o aviso prévio na denúncia do contrato, absolvendo-o do demais peticionado.
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
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As rés não apresentaram alegações.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da procedência do recurso, parecer a que as partes não responderam.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pelo recorrente:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Se ocorreu despedimento do autor por parte da ré P..., com as legais consequências.

II. Factos provados:
1. O A. está filiado no Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticos e Profissões Similares e Atividades Diversas (STAD), onde lhe foi atribuído o número de sócio ... (doc. 1).
2. O autor tem a categoria profissional de vigilante e ambas as rés se dedicam à atividade de prestação de serviços de segurança privada.
3. O autor recebia, a título de salário base mensal a quantia de 796,19€, acrescendo o subsídio de alimentação de 6,07€ por cada dia de trabalho efetivo, cumprindo um horário de 40 horas por semana.
4. O autor foi admitido ao serviço da ré G... em 14-09-2018 e colocado no A... (estaleiro/central de betonagem), em Matosinhos.
5. No local de trabalho referido em 4. o autor procedia à abertura e fecho das instalações, controlo das luzes e controle de chaveiro.
6. O autor esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença directa de 19-02-2021 a 01-04-2021.
7. O autor tomou conhecimento que, com efeitos em 01.03.2021, os serviços de vigilância no local de trabalho onde tinha sido colocado pela G... tinham sido adjudicados a outra empresa.
8. Com a data de 03-03-2021 o autor dirigiu uma carta à G... onde consta, além do mais, o seguinte:
“...
Acontece que tomei conhecimento de que, a partir de 1 de março de 2021, os serviços de vigilância em questão foram adjudicados a uma outra empresa, a P.... Ora, de acordo com a lei, nomeadamente o disposto na cláusula 14ª do CCT aplicável, publicado no BTE nº 48, de 29/12/2018, com Portaria de Extensão no BTE nº 34, de 15/09/2019, deveriam V. Exas de acordo com a legislação citada ter procedido à minha transferência para a nova empresa uma vez que houve sucessão de empregadores na execução do contrato de prestação dos serviços de segurança...”
9. E, datada de 5.03.2021, enviou uma carta à P..., de onde consta:
“Presto trabalho como VIGILANTE, sob as ordens e direção da G... Unipessoal, Lda, desde 14/09/2018.
E, à data em que fiquei doente e impossibilitado de trabalho, 19 de fevereiro de 2021 (ver cópia da respetiva Baixa médica anexa) estava colocado no local de trabalho A... (...). Acontece que tomei conhecimento de que, a partir de 1 de março de 2021, os serviços de vigilância em questão foram adjudicados a V. Exas.
Ora, de acordo com a lei, nomeadamente o disposto na cláusula 14ª do CCT aplicável, publicado no BTE nº 48, de 29/12/2018, com Portaria de Extensão no BTE nº 34, de 15/09/2019, uma vez que houve sucessão de empregadores na execução do contrato de prestação dos serviços de segurança, visto que há mais de 90 dias ali prestava serviço, em rigor, desde 07/10/2020.
Assim, informo que, logo que obtida a alta médica, obviamente que me apresentarei ao trabalho no meu atual posto”
10. A G... respondeu à carta do autor, datada de 03.03.2021, de onde consta, além do mais:
A prestação de serviços contratada a esta empresa pela referida A... terminou (...), sem que, em momento algum, nos tivesse sido dado conhecimento que o serviço por nós anteriormente prestado passaria a ser efetuado por uma outra empresa de segurança privada.
Tal desconhecimento, obviamente, impossibilitou o cumprimento, em data anterior à receção da sua missiva, da informação da sucessão do seu posto de trabalho para esta nova entidade contratante.
Assim sendo, e em cumprimento no disposto na cláusula 14ª “Sucessão do Posto de trabalho” do CCT aplicável (...) vamos de imediato dar conhecimento à nova prestador de serviços...”
11. No dia 30 de março de 2021, o autor enviou nova carta à P..., onde consta, além do mais, que “uma vez que vou ter ALTA MÉDICA no próximo 01/04/2021, venho informar V. Exas. que me apresentarei ao trabalho, como aliás é meu dever e minha obrigação, às 19h00, hora habitual de início do meu período normal de trabalho diário, do dia 2 de abril de 2021”
12. O autor apresentou-se no local mencionado em 4., nos dias 02.04.2021 e 03-04-2021, não lhe tendo sido permitido o acesso ao mesmo.
13. Tendo chamado a polícia em ambas as circunstâncias.
14. O autor, com data de 06-04-2021 enviou uma carta à P... onde, além do mais, consta: “... Considero-me, assim, injustamente despedido porque sem procedência de processo disciplinar nem justa causa. Razão porque solicito a emissão do MOD. 5044-DGSS a fim de requerer o subsídio de desemprego nos termos do art. 73º do DL 220/2006, de 03/11, num prazo de cinco dias, visto que não tenho outra forma de subsistência que não sejam os rendimentos da prestação do meu trabalho.”
15. A G... passou ao autor o modelo 5044.
16. Nenhuma das rés pagou ao autor o montante correspondente ao mês de Abril, nem qualquer outra retribuição ou compensação.
17. A P... desconhecia que quem prestava serviços de segurança privada no local referido em 4. pelo menos até 01.03.2021 era “G...”.
18. A P... e a “A...”, beneficiária da prestação de serviços, celebraram um contrato dessa espécie e natureza com início da 01.03.2021, sendo que aquela “A...” não informou a primeira de que usufruía já desses serviços através da G....
19. A P... já tinha destacado vigilantes seus para aquele posto de trabalho.
20. Aquando do termo da baixa-médica do autor, em 02-04-2021 o autor não levantou o fardamento na sede da P..., nesse dia, nem nos dias subsequentes.
21. O autor sabe que o vigilante tem de estar ao serviço completamente fardado e identificado com o respectivo cartão profissional, o que não aconteceu nos momentos referidos em 12.
22. A P..., junto do sindicato, diligenciou pela obtenção dos contactos telefónicos e endereço electrónico do autor para que este se dirigisse às instalações daquela a fim de receber os seus créditos laborais e o modelo 5044, requeridos pelo autor.
23. Face à ausência de resposta e comunicações por parte do autor, a P... dirigiu-lhe uma carta, em 28.04.2021, diligenciando, junto do autor pelo “...levantamento dos créditos laborais a que tem direito pela cessação, por parte de V. Exa, do posto de trabalho, na se de da empresa, porquanto deverá V. Exa. assinar o recibo das contas finais. 2. Assim, deverá V. Exa contactar-nos para agendamento da hora e dia para o efeito. 3. Grato, desde já pela atenção que V. Exa. se dignar a dispensar-me....”
24. O autor não respondeu, nem compareceu na sede da empresa.
25. A P... registou o autor como seu trabalhador em 02-04-2021 tendo procedido, depois, à emissão do modelo 5044.
26. O que fez com que o autor, que viu o subsídio de desemprego deferido, o visse, imediatamente no momento seguinte, a ser suspenso.
Factos não provados
1. O autor fizesse ainda diversas horas de trabalho suplementar.
2. No local de trabalho referido em III. 4. o autor procedesse ao controlo de alarmes, controle da entrada e saída de pessoas e bens, recepção de encomendas e elaboração de relatórios diários.
3. O autor confirmou junto da G... que o informou que tinha dado os seus dados à P....
4. A G... emitiu o modelo 5044 por “razões administrativas”.
5. O autor estava certo de que continuaria a trabalhar.
6. Nas circunstâncias referidas em III. 13 a PSP tenha tomado nota da ocorrência através do auto de notícia registado sob o número NPP.141111/2021.
7. No fim do mês de abril, as rés pagaram, como de costume, os salários aos respetivos trabalhadores.
8. Nessa altura, porque nada lhe foi pago, o autor entendeu definitivamente confirmado o seu despedimento.
9. Tendo em conta a escala de horários que lhe estava atribuída, o autor deveria receber, no final de abril a retribuição de 902,35€ (salário base 796,19€, 106,16 € de subsídio de horas noturnas).
10. A P... ofereceu ao autor para levantamento/transferências na sede da sociedade € 1.800,00 a título de créditos laborais.
11. A P..., com os seus comportamentos, criou no autor medo profundo, decorrente da incerteza no futuro.
12. O autor requereu e a continuou a depender da ajuda de terceiros, tendo cumprido as suas obrigações com a ajuda dos seus amigos, sentindo-se angustiado, envergonhado e com medo de perder a capacidade de pagar as suas contas pontualmente.
13. Tudo isto causou e causa dolorosa preocupação, revolta, angústia, tristeza, desespero, perda do sono, irritabilidade, desequilíbrio emocional e necessidade de recorrer a tratamentos médicos e medicamentosos.
14. A P... é uma pessoa colectiva considerada no mercado, nacional e internacional, que frequenta feiras, simpósios e exposições, a par do que acontece com os seus concorrentes e também com os seus clientes.
15. A ré integra um grupo económico de direito francês que intervém em França e Portugal, mas com perspectiva de maior expansão internacional.
16. A P... teve de prestar justificações a vários clientes que já haviam efectuado pré- contratualizações e que ameaçavam interrompê-las.
17. Esta ré passou a ser reconhecida no mercado por “não cumprir pontualmente os contratos que outorga”.
18. O incumprimento do autor provocou na estrutura orgânica e no funcionamento da R. um profundo mal-estar.
19. O facto de o autor ter intentado a presente acção abalou o bom-nome, o crédito e a seriedade da ré enquanto profissional competente do ramo, privando-as de fazer novos negócios e fazendo-a incorrer em incumprimento de obrigações entretanto já contraídas.

III. O Direito
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O recorrente veio impugnar “os factos constantes nos pontos 20, 21, 22, 23, que devem ser eliminados e/ou alterados, com os fundamentos abaixo expostos. Requer ainda o aditamento dos factos 3 e 5 da matéria de facto considerada não provada.
O recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640º do CPC, pelo que importa conhecer da impugnação.
1.1. Alega o recorrente:
Quanto ao facto presente nos pontos 20 e 21.
(...)
Os pontos, na forma como estão redigidos, dão a entender que o A. não tinha interesse em prestar trabalho e que foi culpa deste a razão de não ter o fardamento necessário à normal prestação de trabalho. Esteve mal o Tribunal a quo quando redigiu este facto provado. Como diz o ponto 11 dos factos assentes, o A. informou: “que me apresentarei ao trabalho, como aliás é meu dever e minha obrigação, às 19h00, hora habitual de início do meu período normal de trabalho diário, do dia 02 de abril de 2021”. A informação por este prestada foi feita por carta registada com A/R, sendo esta enviada antecipadamente via e-mail para geral@P....pt (conforme consta, aliás, do documento 7, junto a fls... que a R. P... não impugnou).
Desde logo, aqui decorre duas coisas: que a R. P... soube antecipadamente da apresentação ao trabalho do A. e que este não podia ter farda, porque não a entregou nem lhe deu uma ordem para a ir buscar antecipadamente. Não existe, em nenhum momento, qualquer notificação ao A. para levantar a farda, nem oral nem escrita (aliás, note-se que quando a P... manda o A. comparecer na sede, este fá-lo, tendo-se apresentado no dia 14 na sede da R(1)). Contudo, como decorre das declarações do A., este apresentou-se no local de trabalho na mesma, apesar de não possuir farda. De facto, note-se que não seria inusitado a farda ser entregue ao vigilante no próprio local...
O douto Tribunal valoriza, todavia, apenas o facto do A. não ter farda, entendendo que a culpa de o A. não estar fardado aquando da apresentação no seu local de trabalho recai exclusivamente nele... Porém, o A. informou a R. atempadamente do término da sua baixa médica, de forma a receber instruções. E também refere que foi enviando constantemente as baixas para a P... desde 01 de março de 2021. E, conforme o mesmo esclarece, nunca foi notificado para levantar a farda (nem se apresentar noutro horário e nem sequer para se dirigir antes à sede da empresa), sendo habiué das empresas de segurança notificarem os trabalhadores para levantarem nova farda.
Assim, tendo em consideração o demonstrado, bem como os documentos, devem os presentes pontos serem alterados para o seguinte: “Aquando do termo da baixa- médica do autor, em 02-04-2021 o autor não fora notificado para levantar a farda pela P..., razão pela qual se apresentou sem farda nos momentos referidos em 12”.”
Refere o Ilustre Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer: “O Recorrente cumpre o disposto no art. 640º do CPC, indicando os pontos de facto mal julgados, o sentido em que deveriam ser e os meios de prova que demandam tal julgamento. Deverá, assim, dar-se como provada a matéria de facto nos termos referidos pelo Recorrente e decidir-se em conformidade, nos termos sugeridos. Evitando, porém, desnecessárias repetições, adere-se à alegação e conclusões do Recorrente, para as quais se remete.”
Invocou o recorrente o seu próprio depoimento como fundamento da alteração pretendida.
Consta da sentença, na motivação de tal decisão: “O autor confirmou a factualidade vertida em 20. e 21. defendendo que lhe não lhe competia a ele levantar a farda mas que a P... é “que lha devia enviar” porque “habitualmente é assim que as empresa de segurança fazem”, tal justificação parece-nos não ter qualquer fundamento, não se concebendo com é que numa situação como a dos autos a sociedade de prestação de serviços de vigilância privada vai enviar fardamento a uma pessoa que nunca viu, desconhecendo a respectiva altura, peso e número de calçado (?!).”
A matéria dos pontos 20 e 21 considerados provados, corresponde ao alegado pela recorrida P... nos arts. 15º e 16º da sua contestação, não sendo a mesma verdadeiramente contraditada pelo recorrente, que apenas pretende ver consagrada uma versão “justificativa” da sua apresentação nas instalações da empresa beneficiária da prestação de serviços sem que se encontrasse fardado.
Trata-se contudo de facto novo, que não afecta a prova em questão, sendo certo que só factos e não considerações sobre factos devem ser levados à matéria de facto provada. O demais será apreciado adiante, aquando da análise que questão jurídica.
Assim, imdefere-se o requerido, mantendo-se a decisão quanto a estes pontos da matéria de facto.
1.2. Continua o recorrente:
“Quanto ao facto presente no ponto 22
(...)
A este ponto, o A. prestou declarações, mas também devem ser analisados os documentos juntos aos autos que se identificarão. (…)
O A. enviou diversas cartas à R. P..., sendo que todas elas possuem a seguinte frase: “antecipadamente via e-mail: geral@P....pt” (vd. a título de exemplo os documentos 7 e 8 da p.i., a fls...). Logo aqui, é possível presumir que a R. P... tinha o contacto de e-mail do A. Acresce ainda que a G... (R2 no processo) confirmou que iria “de imediato dar conhecimento à nova prestado de serviços, P..., da sucessão do seu posto de trabalho para esta nova prestadora de serviços, facultando-lhe todos os elementos necessários e previstos na referida cláusula” (cfr. doc. 6, junta com a p.i. a fls...), nomeadamente: i) Nome, morada e contacto telefónico; (…)
Tendo em conta o referido, não se percebe como é que a R. P... teria de contactar o Sindicato onde o A. era filiado, quando a R. G... lhe tinha já fornecido todos os dados necessários para contactar o A., desde nome, morada e contacto telefónico. E, mesmo que não tivesse fornecido, pelo menos desde março (data em que o A. enviou cópia da “baixa”, teria o e-mail e morada deste).
Salvo o devido respeito, a P... alegou que contactou o Sindicato de forma a demonstrar “boa-fé” ao Tribunal e que, até então, não tinha hipótese de dar instruções ao A. Ora, o Tribunal a quo em vez que decidir compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, limitou-se a acreditar na palavra das testemunhas, sem atentar às provas documentais que demonstravam que a R. P... desde há muito que tinha os contactos do A. e ora Recorrente.
Assim sendo, este facto deve ser retirado da matéria de facto provada, por ser manifestamente falso.”
Sobre este ponto consta da sentença: “Na determinação da matéria de facto atrás descrita teve o Tribunal por base a análise crítica e conjunta de todos os meios de prova carreados para os autos pelas partes, a saber, os depoimentos das testemunhas, os documentos juntos autos e ainda as declarações de parte do autor e rés, seguindo de perto o por si articulado. (...) A testemunha BB, (…) referiu que a P... mostrou toda a abertura junto ao autor para resolver a questão, nomeadamente diligenciando pela obtenção dos seus contactos e apresentando propostas para aquele efeito”.
Procedeu-se à audição da totalidade da prova pessoal gravada.
A matéria em questão foi confirmada, não só pela testemunha referida BB, director comercial da P..., que acompanhou toda a situação, como também por CC, legal representante da mesma recorrida, e não se mostra infirmada pelas declarações de parte do autor.
O argumento de que consta das cartas enviadas pelo autor à recorrida P... que havia sido antecipadamente enviado um e-mail, não colhe como fundamento para se justificar o conhecimento pela mesma recorrida do endereço de e-mail do recorrente, dado que a legal representante da P... afirmou que os e-mails eram sempre provenientes do sindicato, o STAD, e depois recebiam as cartas em nome do recorrente, não tendo o autor procedido à junção de tais e-mails. Analisadas as cartas, verifica-se que as mesmas apenas têm o endereço do recorrente, sem qualquer outro contacto.
Assim, mantém-se a decisão quanto a esta matéria.
1.3. Mais acrescenta o recorrente:
“Salvo também o devido respeito, não se percebe, aliás, o porquê da P... querer entregar ao A. os seus créditos laborais... o A. escreveu na carta que enviou, além do mais, o seguinte: “assunto: sucessão do posto de trabalho / apresentação no local / disponibilidade para o trabalho” (...) estando eu com baixa médica desde 19/02/2021 até ao dia 01/04/2021, como era meu dever e obrigação apresentei-me no citado local no dia 2 de abril (aliás, como havia informado antecipadamente V. Exas). Quer nesse dia, quer no seguinte, não me foi autorizado o acesso ao meu posto de trabalho. (...) Considero-me, assim, injustamente despedido porque sem precedência de processo disciplinar nem justa causa. Razão porque solicito a emissão do MOD. 5044 – DGSS a fim de requerer o subsídio de desemprego (...) visto que não tenho outra forma de subsistência que não sejam os rendimentos da prestação do trabalho”. E incorre também o douto Tribunal em decisão errónea, quando o A., além do mais já identificado, explicou o seguinte: (…)
Exmos. Senhores Desembargadores, a comunicação do A. é clarividente. Este apresentou-se para trabalhar e não lhe foi permitido o trabalho. Se estivéssemos a falar de uma questão de farda, como o Tribunal a quo parece entender (e como veremos retira desse facto e da carta do A. que este é que denunciou o contrato de trabalho), a P... teria respondido certamente que não pretendia despedir o A. e que este fosse à sede levantar a farda... ora, isto nunca aconteceu. A R. leu que o A. se considerava injustamente despedido por não lhe ter sido permitido o trabalho e “satisfeita” por se poder livrar dele, queria pagar-lhe os créditos laborais e lançá-lo no desemprego... o que efetivamente conseguiu com sucesso fazer se a sentença ora em crise não seja revogada (já para não falar de que o A. ainda tem de pagar à P... a alegada denúncia que não ocorreu nem por ação nem por omissão)...
De facto, o A. “não pediu” o modelo 5044 no sentido questionado pelo Tribunal, uma vez que este pretendia em primeiro lugar o trabalho. E, em boa verdade, rejeitou assinar os documentos no dia 14 de abril por essa mesma razão. Este apenas requereu o modelo 5044, como decorre da carta, para sobreviver por ter sido despedido. Ora, se a P... dissesse ao A. que não aceitou a sua prestação de trabalho no início do mês por falta de farda, a fornecesse e desse as instruções ao A. para se apresentar, assim faria ele...
O A., desde o início deste processo, requereu a reintegração. Não faria sentido (inclusive litigaria em abuso de direito) denunciar o contrato de trabalho
Consta da sentença: “A missiva vertida em III. 23. encontra-se junta a fls. 63., não tendo sido colocada em causa pelo autor.”
Efectivamente, o documento encontra-se junto aos autos e não foi impugnado. Trata-se de missiva do Ilustre Mandatário da Recorrida P... que tem o teor reproduzido, sendo certo, porém, que a parte inicial do ponto em causa não resulta clara da prova produzida.
Assim, altera-se o ponto 23 da matéria de facto provada, que passa a ter a seguinte redacção: “A P... dirigiu ao autor uma carta, em 28.04.2021, diligenciando, junto do autor pelo “...levantamento dos créditos laborais a que tem direito pela cessação, por parte de V. Exa, do posto de trabalho, na se de da empresa, porquanto deverá V. Exa. assinar o recibo das contas finais. 2. Assim, deverá V. Exa contactar-nos para agendamento da hora e dia para o efeito. 3. Grato, desde já pela atenção que V. Exa. se dignar a dispensar-me....”
1.4. Alega ainda o recorrente:
“Quanto ao facto presente no ponto 3 e 5 da matéria não provada
(...)
A este ponto, o A. prestou declarações, mas também devem ser analisados os documentos juntos aos autos que se identificarão. (...)
Não restam dúvidas Colendos Juízes que o A. confirmou com a G... e também que estaria convencido que continuaria a trabalhar para a nova concessionária dos serviços de vigilância... isso decorre do seu testemunho, mas também das suas próprias ações, uma vez que este enviou, durante o mês de março, as baixas a justificar as faltas para a P..., a avisou que se iria apresentar no final da baixa e assim o fez por duas vezes. Em nenhum momento a P... o deixou prestar trabalho.
Deve, pois, o presente facto ser dado como provado, tendo em conta as declarações do A., mas também as suas ações durante o mês de março/abril.
Não podemos deixar de ficar perplexos com a decisão do Tribunal, considerando as declarações de parte do A. e os documentos por este juntos. De facto, não se compreende a conclusão do Tribunal quando afirma que o A. não tinha “vontade em prestar [trabalho], o que manifestamente não aconteceu nem no dia 2, nem no dia três, pelas razões que acabamos de enunciar”. E termina a dizer que “o autor não mais ter contactado ou procurado a P..., seja de forma ou meio que fosse só permite a conclusão de que não pretende o autor a manutenção do vínculo laboral com a empregadora”.”
Refere-se na sentença: “No tocante à matéria dada como não provada a mesma não encontrou qualquer sustentação nos documentos aportados aos autos, nem foi objecto de qualquer prova em audiência de julgamento. (...) Não foi feita qualquer prova do ponto IV. 3. (...) O Ponto IV. 5. é, desde logo, infirmado pelo facto de o autor se ter considerado despedido e ter pedido à P... a emissão do modelo 5044. Não foi junto aos autos qualquer auto de ocorrência da PSP.”
A matéria relevante já consta da matéria de facto provada sob os pontos 8 a 10. Quanto à matéria aqui em causa concorda-se com a sentença, quando se refere que “não encontrou qualquer sustentação nos documentos aportados aos autos, nem foi objecto de qualquer prova em audiência de julgamento”.
Assim, também aqui se mantém a decisão.
1.5. Finalmente, alega o recorrente:
“Quanto ao facto presente no ponto 10 da matéria não provada
(...)
O ponto 10 dos factos não provados diz o seguinte: “A P... ofereceu ao autor para levantamento/transferências na sede da sociedade € 1.800,00 a título de créditos laborais.” A este ponto, o A. prestou declarações, mas também devem ser analisados os documentos juntos aos autos, nomeadamente o doc. 7 a fls....
Neste ponto, fica claro que o A. foi convocado para uma reunião no dia 14 de abril (reunião que a R(1) confirma e o A. também) onde este foi surpreendido por lhe apresentarem um cheque com um documento para assinar, que segundo o explanado seria as contas finais do seu contrato de trabalho. Note-se que o Tribunal a quo dá como provado que a P... enviou uma carta ao A., em 28.04.2021, diligenciando junto do A. pelo levantamento dos créditos laborais a que tem direito pela cessação”... Contudo, não dá como provado, apesar das declarações do A. onde este afirma que a P... lhe terá apresentado um cheque com as contas finais. De facto, tendo em conta o explanado pelo A. e o teor da carta, não fica definido o valor, mas sempre se terá de dar como provado que “A P... ofereceu ao autor para levantamento/transferência na sede da sociedade um cheque relativo a créditos laborais pela cessação do contrato de trabalho, que o A. não aceitou”, o que desde já se requer.”
Consta da sentença: “No que toca ao ponto IV. 10. não pode o tribunal dá-lo como provado num juízo isento de dúvida, sendo certo que só a testemunha BB referiu tal montante como tendo sido oferecido ao autor numa reunião havida com o autor nas instalações da ré, não mencionada nos articulados, sendo que a ré se refere a tal montante como tendo sido mencionado na carta de fls. 63, o que não corresponde à verdade.”
Apara além do que consta do facto provado sob o ponto 23, nada mais se provou. Quanto ao mais, a reunião havida na sede da recorrida P... a 14 de Abril, foi referida pela representante da mesma recorrida, pelo recorrente e pela testemunha BB.
No entanto, a matéria que se pretende ver provada, que não corresponde à matéria não provada no ponto 10 da matéria de facto não provada, não foi alegada por nenhuma das partes, e não requereu o recorrente que fosse considerada nos termos do disposto no art. 72º do CPT.
Assim, improcede igualmente aqui a impugnação.

2. Se ocorreu despedimento ilícito do autor
Alega o recorrente:
“Retornando ao concreto dos autos, o A. apresentou-se por duas vezes no local de trabalho, tendo antecipadamente avisado que estaria disponível para trabalhar no dia 02.04.2021 (após ter recuperado da sua maleita). E fê-lo na convicção que seria aceite a sua normal prestação de trabalho (ao contrário do que o Tribunal a quo considerou, o fato de não ter farda não é da sua responsabilidade, sendo até comum a entrega no próprio local).
A R. impediu o A. de trabalhar, tanto através de outro colega vigilante, mas também do seu superior hierárquico de prestar trabalho. A conduta da R(1) nada teve a ver, salvo o devido respeito, com o facto do A. não estar fardado. Esta conscientemente e através das suas ações impediu o A. de prestar a sua força de trabalho e nunca aceitou que este voltasse a trabalhar, razão pela qual tal impedimento tem de ser considerado como um despedimento ilícito com todas as consequências legais.”
Acrescenta o Ilustre Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer:
“Da leitura dos elementos constantes do processo cremos que, salvo melhor opinião, assiste razão ao Recorrente.
Com efeito, a Ré P... sabia da existência deste trabalhador, e reconhecia-o como tal, tanto assim que pretendia pagar-lhe créditos salariais a que tivesse direito, para o que o convocou.
O Recorrente apresentou-se sem a farda da nova empresa.
Mas o que é certo é que não foi convocado para a receber, o que, salvo melhor opinião deveria partir da iniciativa da empresa e não do trabalhador.
É a esta que compete zelar pela apresentação dos trabalhadores devidamente fardados no local de trabalho.
Além disso, esta bem podia ser-lhe entregue no local de trabalho. (É do conhecimento geral que os Vigilantes têm, no local onde prestam serviço, por regra, um local de apoio onde tomam refeições ou mudam de roupa).
E ainda o facto de não se apresentar fardado não podia ser motivo para ser proibido de trabalhar; deveria, antes, ser informado que deveria solicitar a farda para retomar o trabalho e o vigilante substituído não deveria abandonar o local sem que fosse substituído.”
Consta da sentença:
“O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um acto de carácter receptício (art. 224º do CC), pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita), sendo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a declaração ter sido recebida pelo trabalhador e, a partir desse momento, como qualquer outra declaração negocial, é irrevogável (art 230º do CC).
Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.
Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.
O termo “despedimento” é utilizado como modalidade de resolução (arts. 351º e ss. do C.T., num sentido amplo, em que se incluem várias figuras – resolução do contrato por facto imputável ao trabalhador (art. 351º C.T.), a resolução do contrato por alteração das circunstâncias (art. 359º C.T.) e a resolução por impossibilidade - relativa – de realiza a prestação (v.g. despedimento por inadaptação, art. 373º do C.T.).
“O despedimento é necessariamente vinculado, não só pelo regime geral de cessação do contratos (art 432º do CC) mas, em particular, atendendo ao princípio da segurança no emprego (art 53º da CRP)... A declaração de vontade emitida pelo empregador no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho, não só é receptícia, produzindo o efeito extintivo logo que chega ao poder do trabalhador ou dela é conhecida (art 224º CC) como é constitutiva. Tal como a resolução do contrato opera por mera declaração à outra parte (art. 436º/1 do CC), o despedimento acarreta a cessação do contrato de trabalho sem necessidade de recurso ao tribunal; o efeito extintivo produz-se no momento em que o trabalhador recebe a declaração de despedimento.” – PEDRO ROMANO MARTINEZ, DIREITO DO TRABALHO, PÁG. 998
Incumbe ao trabalhador o ónus de alegar e provar os factos que, inequivocamente, revelem a vontade da entidade patronal de pôr termo à relação laboral, bem como de que tais factos foram por ele (trabalhador) interpretados como tal, por serem constitutivos do direito por si invocado, nos termos do art. 342º do Código Civil.
Com relevo para a decisão desta questão essencial, desse saber se houve um despedimento ilícito do autor pela P... há que ponderar a seguintes factualidade:
- no dia 5.03.2021, quando estava em situação de baixa médica o autor enviou uma carta à P..., de onde consta: “Presto trabalho como VIGILANTE, sob as ordens e direção da G... Unipessoal, Lda, desde 14/09/2018. E, à data em que fiquei doente e impossibilitado de trabalho, 19 de fevereiro de 2021 (ver cópia da respetiva Baixa médica anexa) estava colocado no local de trabalho A... (...). Acontece que tomei conhecimento de que, a partir de 1 de março de 2021, os serviços de vigilância em questão foram adjudicados a V. Exas. Ora, de acordo com a lei, nomeadamente o disposto na cláusula 14a do CCT aplicável, publicado no BTE nº 48, de 29/12/2018, com Portaria de Extensão no BTE nº 34, de 15/09/2019, uma vez que houve sucessão de empregadores na execução do contrato de prestação dos serviços de segurança, visto que há mais de 90 dias ali prestava serviço, em rigor, desde 07/10/2020. Assim, informo que, logo que obtida a alta médica, obviamente que me apresentarei ao trabalho no meu atual posto”
- no dia 30 de março de 2021, o autor enviou nova carta à P..., onde consta, além do mais, que “uma vez que vou ter ALTA MÉDICA no próximo 01/04/2021, venho informar V. Exas. que me apresentarei ao trabalho, como aliás é meu dever e minha obrigação, às 19h00, hora habitual de início do meu período normal de trabalho diário, do dia 2 de abril de 2021”
- o autor apresentou-se no local mencionado em A... (estaleiro/central de betonagem), em Matosinhos, nos dias 02.04.2021 e 03-04-2021, não lhe tendo sido permitido o acesso ao mesmo, tendo chamado a polícia em ambas as circunstâncias
- com data de 06-04-2021 o autor enviou uma carta à P... onde, além do mais, consta: “... Considero-me, assim, injustamente despedido porque sem procedência de processo disciplinar nem justa causa. Razão porque solicito a emissão do MOD. 5044-DGSS a fim de requerer o subsídio de desemprego nos termos do art. 73º do DL 220/2006, de 03/11, num prazo de cinco dias, visto que não tenho outra forma de subsistência que não sejam os rendimentos da prestação do meu trabalho.”
- a P... já tinha destacado vigilantes seus para aquele posto de trabalho.
- aquando do termo da baixa-médica do autor, em 02-04-2021 o autor não levantou o fardamento na sede da P..., nesse dia, nem nos dias subsequentes.
- o autor sabe que o vigilante tem de estar ao serviço completamente fardado e identificado com o respectivo cartão profissional, o que não aconteceu nos dias 2 e 3 de Abril de 2021.
- a P..., junto do sindicato, diligenciou pela obtenção dos contactos telefónicos e endereço electrónico do autor para que este se dirigisse às instalações daquela a fim de receber os seus créditos laborais e o modelo 5044, requeridos pelo autor.
- face à ausência de resposta e comunicações por parte do autor, a P... dirigiu-lhe nova missiva, em 28.04.2021, diligenciando, junto do autor pelo “...levantamento dos créditos laborais a que tem direito pela cessação, por parte de V. Exa, do posto de trabalho, na sede da empresa, porquanto deverá V. Exa. assinar o recibo das contas finais. 2. Assim, deverá V. Exa contactar-nos para agendamento da hora e dia para o efeito. 3. Grato, desde já pela atenção que V. Exa. se dignar a dispensar-me....”
- o autor não respondeu, nem compareceu na sede da empresa.
- a P... registou o autor como seu trabalhador em 02-02-2021 e procedeu, depois à emissão do modelo 5044.
Perante tal factualidade podemos concluir que a P..., manifestou, por acto unilateral a vontade, de fazer cessar o contrato de trabalho que não pôs em causa ter com o autor, mediante declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem?
Cremos não poder deixar de ser negativa a resposta a esta pergunta.
Não se concebe que um vigilante já experiente se apresente, depois de uma baixa médica e sem previamente contactar a nova empregadora (nomeadamente para levantar a nova farda e cartão de vigilante da nova empresa, ou até para aquilatar do seu posto de trabalho doravante, sendo que a rotatividade é quase um elemento caracterizador deste tipo de contatos, como atesta, aliás a cláusula 3.a do contrato de trabalho de fls. 14) se apresente desfardado e sem o cartão de vigilante no seu anterior posto de trabalho pretendendo aí continuar, nesses termos a prestar as funções de vigilante.
Assim como não se concebe que o mesmo não soubesse, previamente, que não lhe seria permitido prestar qualquer serviço de vigilância nessas circunstâncias (até sob pena de incorrer ele próprio e a entidade patronal em responsabilidade contra-ordenacional e até criminal) e daí a necessidade de chamar a polícia (desviando-a de fins bens mais importantes) para provar que ali esteve e, paradoxalmente, querendo trabalhar quando já sabia que, naquelas condições o não poderia fazer.
Em síntese, o despedimento, na perspectiva do autor tem subjacente a recusa da ré em aceitar o seu trabalho ou impedir que o prestasse. Como é lógico, tal só poderia ocorrer se ele anteriormente tivesse vontade em prestar, o que manifestamente não aconteceu nem no dia 2, nem no dia três, pelas razões que acabamos de enunciar, falta de vontade corroborada pelo pedido, três dias depois, de emissão do modelo 5044 para obtenção do subsídio de desemprego e por toda a conduta que adoptou, nunca tendo qualquer iniciativa ou dando qualquer resposta à P..., nas tentativas por parte desta de resolver a situação, tendo-o, aliás, inscrito como seu trabalhador logo no dia 02-04-2021 (sendo que sem tal inscrição nunca poderia a ré emitir o modelo 5044 pretendido pelo autor).
Do exposto resulta não assistir razão ao autor, concluindo-se não ter existido qualquer despedimento ilícito do mesmo por parte da ré P... (pedido não explicitamente formulado mas de cuja procedência dependem os demais) para quem se transmitiu o contrato de trabalho celebrado entre aquele e a G..., S.A.”
A propósito considerou-se no acórdão deste mesmo colectivo da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Setembro de 2017, processo 8233/16.1T8PRT.P1, ao que se supõe não publicado:
“(...) considerou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Outubro de 2012, processo 1059/10.8TTMTS.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“O despedimento é uma forma de cessação do contrato e traduz-se numa declaração de vontade negocial emitida pelo empregador dirigida ao trabalhador, comunicando-lhe a cessação do vínculo laboral. É estruturalmente um acto unilateral, integrado por uma declaração de vontade receptícia, cuja eficácia depende da sua recepção pelo destinatário, nos termos do art. 224º do Código Civil, pelo que o efeito extintivo do contrato só se verifica depois de a declaração ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável, salvo declaração em contrário, desde esse momento (artigo 230º, nº 1, do Código Civil).
“O nosso ordenamento jurídico-laboral não faz depender a validade de tal declaração negocial da observância de forma especial (artigo 219º do Código Civil). No domínio do despedimento promovido pela entidade empregadora, a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser inequívoca, não sendo de admitir o despedimento tácito com a amplitude decorrente do artigo 217º do CC e, muito menos, o presumido – vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.07.13, Recurso nº 916/05 – 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt. Apenas se admitem os chamados “despedimentos de facto”, corporizados numa atitude inequívoca da entidade empregadora que é levada ao conhecimento do trabalhador, quer através de palavras, quer através de actos equivalentes, que revelem, clara e inequivocamente, a vontade de fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho e, como tal, sejam entendidos pelo trabalhador.
“A referida inequivocidade visa tanto evitar o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal – vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.09.12, Recurso nº 4191/06 – 4.ª Secção. A interpretação da declaração negocial do empregador está submetida aos critérios definidos nos artigos 236º e ss. do Código Civil, valendo com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento da pessoa que as proferiu, salvo se esta não puder razoavelmente contar com ele ou se outra for a vontade do declarante e esta for conhecida do declaratário.
“Em acção de impugnação de despedimento, com fundamento em “despedimento de facto”, incumbe ao Autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova dos factos que inequivocamente revelam a vontade de pôr termo ao contrato, bem como de que tais factos foram, por ele, como tal interpretados – vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.04.05, Recurso n.º 3822/05 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.”
No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Novembro de 2012, processo 2938/07.5TTLSB.L1-4, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Janeiro de 2013, processo 886/10.0TTMAI.P1, igualmente acessíveis em www.dgsi.pt.
E acrescenta-se no acórdão, ainda desta Secção Social, de 10 de Setembro de 2018, processo 1829/17.6T8PNF.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho, que consiste na rutura do vínculo contratual por decisão unilateral do empregador. Ele consubstancia, pois, um negócio jurídico unilateral, que pressupõe a intenção de o contraente empregador pôr termo à relação jurídico-laboral e a correspondente manifestação dessa vontade ao trabalhador através de declaração a este dirigida, a qual tem natureza recetícia e que, por isso, se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário – cfr. art. 224º do Cód. Civil.
Nos termos do disposto no art. 217º, nº 1, do Cód. Civil, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade; é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
A declaração expressa não constitui requisito absolutamente indispensável da figura do despedimento, não sendo este incompatível com a manifestação tácita da vontade de por termo ao contrato; não é, porém, compatível com um mero despedimento presumido, pois que é imprescindível que, de forma inequívoca, se possa concluir do comportamento do empregador que foi sua vontade por termo à relação laboral.
E tanto a doutrina como a jurisprudência têm aceite a existência de situações em que a vontade da entidade empregadora em fazer cessar unilateralmente o contrato de trabalho com o trabalhador ao seu serviço se pode revelar, não apenas através de uma declaração expressa, mas também de atitudes do empregador, todavia desde que inequívocas, assim conduzindo à figura do despedimento de facto.
Importa também chamar à colação o disposto no art. 236º, nº 1, do Cód. Civil, nos termos do qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Tal preceito acolheu a doutrina da impressão do destinatário, de harmonia com a qual a determinação do sentido juridicamente relevante da declaração negocial será aquela que um declaratário razoável – medianamente instruído, diligente e sagaz – colocado na posição do real declaratário, deduziria, considerando todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto, salvo se o declarante não puder razoavelmente contar com ele.
Importa também referir que, porque constitutivo do seu direito, é ao trabalhador que incumbe o ónus de alegação e prova do despedimento (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).”
No caso, explicitando o decidido, importa considerar a seguinte matéria de facto provada:
11. No dia 30 de março de 2021, o autor enviou nova carta à P..., onde consta, além do mais, que “uma vez que vou ter ALTA MÉDICA no próximo 01/04/2021, venho informar V. Exas. que me apresentarei ao trabalho, como aliás é meu dever e minha obrigação, às 19h00, hora habitual de início do meu período normal de trabalho diário, do dia 2 de abril de 2021”
12. O autor apresentou-se no local mencionado em 4., nos dias 02.04.2021 e 03-04-2021, não lhe tendo sido permitido o acesso ao mesmo.
14. O autor, com data de 06-04-2021 enviou uma carta à P... onde, além do mais, consta: “... Considero-me, assim, injustamente despedido porque sem procedência de processo disciplinar nem justa causa. Razão porque solicito a emissão do MOD. 5044-DGSS a fim de requerer o subsídio de desemprego nos termos do art. 73º do DL 220/2006, de 03/11, num prazo de cinco dias, visto que não tenho outra forma de subsistência que não sejam os rendimentos da prestação do meu trabalho.”
A questão está em saber se resulta da matéria de facto provada que a recorrida P... procedeu ao despedimento do recorrente. Sucede que, da matéria de facto apenas resulta que o recorrente se apresentou no local onde antes da sua baixa e da transmissão do contrato de trabalho prestava a sua actividade, instalações da beneficiária da prestação de serviços, A..., e que o vigilante da recorrida P... que ali se encontrava a trabalhar o impediu de aceder a tais instalações.
Este facto, com respeito pela opinião do recorrente e do Ilustre Procurador Geral Adjunto, não constitui manifestação inequívoca da mesma recorrida de que pretende por termo à relação laboral com o recorrente. Repare-se que a recorrida havia recentemente inscrito o recorrente como seu trabalhador na Segurança Social.
Tanto mais que não se provou mais nada, nomeadamente que disse o vigilante em questão, se o mesmo recebera ordens para não permitir o acesso às instalações do recorrente, se transmitiu a este que a recorrida não aceitava que o mesmo fosse seu trabalhador.
Acresce que, o recorrente sabia, porque ali trabalhava anteriormente, que em princípio apenas encontraria no local um vigilante, que não representaria ou vinculava a recorrida P..., e que nenhuma indicação recebera da recorrida, para além de não possuir fardamento fornecido pela mesma.
Pretende o recorrente que impendia sobre a recorrida P... a obrigação de o convocar para lhe fornecer fardamento e instruções, ou proporcionar-lhe todas as condições para reocupar o seu trabalho no mesmo local e à mesma hora, porque aquele posto era seu.
Mas este argumento não pode colher. O recorrente enviou carta para a recorrida P... escassos três dias antes da data que indicou iria reiniciar o trabalho, depois da baixa médica, sem nunca procurar um contacto mais directo e imediato com a mesma, nomeadamente por telefone, cujo número facilmente obteria, sendo certo que sempre contactou com a mesma por carta, apenas indicando a sua morada e não qualquer outro contacto, nomeadamente o telefone através do qual pudesse ser contactado.
Não era exigível que a recorrida P... fizesse deslocar para o local onde o autor trabalhara os seus responsáveis e toda a equipa necessária a assegurar que o recorrente pudesse reiniciar a sua actividade.
Pelo contrário, o recorrente podia facilmente contactar a recorrida P... para acertar os pormenores do reinicio do trabalho, sendo certo que sabia que poderia ser determinada alteração do horário de trabalho, que necessitava de fardamento, cuja medida que teria que ser verificada previamente, e inteirar-se de eventuais métodos ou instruções de trabalho.
No mínimo, impunha-se que o recorrente procurasse conhecer os responsáveis pela sua nova entidade patronal e/ou os seus superiores hierárquicos.
De todo o modo, retomando a ideia inicial, o que importa salientar é que não logrou o recorrente fazer prova de declaração ou outro comportamento da recorrida P... de que resulta a manifestação inequívoca da sua intenção de por fim, ou não aceitar, a relação laboral com o recorrente.
Assim, soçobra este fundamento da apelação.
2.2. Mais alega o recorrente:
“O Juiz a quo fez, sem qualquer dúvida, uma errada interpretação e aplicação do artigo 400 a 402 do CT, ao considerar i) que a disponibilidade manifestada pelo A. para prestar trabalho, que informava ii) que caso não lhe permitissem a prestação de trabalho se consideraria ilicitamente despedido, iii) terminando a requerer o subsídio de desemprego, configura uma denúncia do contrato de trabalho pelo autor/trabalhador, legitimando inclusive que a R(1) fixe a qualquer momento a data da cessação do contrato e determine cessado o contrato de trabalho por denúncia por parte do trabalhador, exigindo até, como foi o caso, indemnização pela falta de aviso prévio.
O Douto Tribunal não atentou ao demonstrado pelo A., nomeadamente que este quando convocado pela P..., compareceu (já depois ter enviado a comunicação referida supra) e que nessa reunião disse, reafirmou e confirmou que queria trabalhar.”
Consta da sentença:
“No caso dos autos, como já referimos, o autor, no dia 06-04-2021 o autor enviou uma carta à P... onde, além do mais, consta: “... Considero-me, assim, injustamente despedido porque sem procedência de processo disciplinar nem justa causa. Razão porque solicito a emissão do MOD. 5044-DGSS a fim de requerer o subsídio de desemprego nos termos do art. 73º do DL 220/2006, de 03/11, num prazo de cinco dias, visto que não tenho outra forma de subsistência que não sejam os rendimentos da prestação do meu trabalho.”
Em termos objectivos, tal missiva, conjugada com a circunstância de o autor não mais ter contactado ou procurado a P..., seja de forma ou meio que fosse só permite a conclusão de que não pretende o autor a manutenção do vínculo laboral com a empregadora, de resto em consonância e a culminar com o comportamento por si adoptado desde que saiu da baixa médica, apenas pretendendo daquela a emissão do modelo 5044 para obtenção do subsídio de desemprego.
É, assim de concluir que o contrato de trabalho cessou validamente por denúncia do trabalhador (cf. Ac. REv. de 20-11-2012, Proc. 94/11.3TTEVR.E1, www.dgsi.pt – numa situação em que a trabalhadora comunicou à empregadora que só trabalhava até ao final dessa semana).
(...)
Como referimos já, somos do entendimento de que a carta enviada pelo autor á ré P... corresponde à denúncia do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 400º e 401º do Código do Trabalho, sendo por demais evidente que o mesmo não cumpriu o prazo de pré-aviso, a que estava obrigado, que no caso era de 30 dias, atenta a duração da relação laboral.
Assim, há efetivamente lugar ao pagamento pelo autor à ré da indemnização por falta de aviso prévio, prevista no artigo 401º do Código do Trabalho, correspondente a um mês de retribuição base, ou seja, € 796,19, correspondente ao período de aviso prévio em falta, que era, in casu, de 30 dias.”
Mais uma vez, não merece censura a decisão, que aqui se subscreve.
Conforme se refere no sumário do acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 1 de Junho de 2015, processo 885/13.0TTPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, “A indemnização prevista no art. 399º do Código do Trabalho opera automaticamente, sem necessidade de alegação pelo empregador da existência de prejuízos resultantes da resolução ilícita do contrato pelo trabalhador.”
Improcede, portanto, o recurso.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, embora sem influência na decisão, julgando-se improcedente a apelação e confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente sem prejuízo da isenção de que beneficia.

Porto, 23 de Janeiro de 2023
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes