NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
HONORÁRIOS A ADVOGADO
NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA RECTIFICADA
RECLAMAÇÃO
Sumário

I- No cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deve ser atendido o valor do remanescente de taxa de justiça que seja devido o qual, no momento da apresentação da nota justificativa, não se encontrará pago, relevando apenas as taxas de justiça que foram pagas ao longo do processo;
II- Porém, não tendo a parte vencida reclamado da “Nota Discriminativa e Justificativa” inicialmente apresentada que considerou, no valor de referência para compensação da parte vencedora por despesas com honorários do mandatário judicial a que se refere a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P., o da taxa de justiça remanescente, e tendo a mesma liquidado até o montante que lhe foi pedido com base nesse mesmo critério, não pode mais tarde reclamar da nova “Nota Discriminativa e Justificativa” apresentada e retificada quanto ao valor na sequência da conta de custas entretanto elaborada nos autos (cfr. art.º 25, nº 1, do R.C.P.) com o fundamento de que o valor do remanescente de taxa de justiça não deve ser ali atendido.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório:
No procedimento cautelar de arresto que A [ ….Construções ,SA] moveu contra B [ ….Actividades Hoteleiras,SA ] , e C [  Olhar….SA ], foi proferida sentença, em 21.4.2021, que ordenou o levantamento do arresto decretado por despacho de 11.2.2021.
Interposto recurso pela requerente, foi, por decisão singular de 28.7.2021 proferida neste Tribunal da Relação, julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença recorrida, sendo a recorrente condenada nas custas.
Em 23.8.2021, apresentaram as requeridas “Nota Discriminativa e Justificativa” de custas de parte, ao abrigo dos art.ºs 25 e 26 do R.C.P., indicando o valor de €2.448,00 devido a título de honorários dos mandatários “Ao qual sempre deverá acrescer a quantia de €43.299,00 (…), caso venha a ser indeferido o pedido de dispensa de taxa de justiça remanescente apresentado pela Requerente, a qual fica já peticionada para os devidos efeitos. Tal montante poderá ainda vir a ser actualizado posteriormente, em conformidade com o que venha a ser decidido pelo tribunal quanto ao referido pedido de dispensa de taxa de justiça remanescente apresentado pela Requerente.”
Por decisão singular de 27.8.2021 deste Tribunal da Relação foi dispensada a apelante “do pagamento da taxa de justiça remanescente, na proporção de 3/4 do que for devido, em ambas as instâncias.”
Em 17.9.2021, apresentaram as requeridas “Nota Discriminativa e Justificativa” de custas de parte atualizada de acordo com a dita decisão singular de 27.8.2021, indicando o valor de €2.448,00 devido a título de honorários dos mandatários (art.ºs 25, nº 2, al. d), e 26, nºs 3 e 4, do R.C.P.) “Ao qual acresce a quantia de €10.824,75 (…), a título de taxa de justiça remanescente”, contabilizando o valor global devido em €16.536,75.
A requerente procedeu ao respetivo pagamento.
Em 2.3.2022, foi à requerente apresentada a conta de custas, num total de €43.299,00, sendo este valor respeitante a “Taxa de Justiça Cível”.
Desta conta não houve reclamação ou pedido de reforma.
Em 17.3.2022, apresentaram as requeridas à requerente nova “Nota Discriminativa e Justificativa” de custas de parte atualizada indicando o valor de €2.448,00 devido a título de honorários dos mandatários “Ao qual acresce a quantia de €21.649,50 (…), a título de 50% de taxa de justiça remanescente apurada e discriminada na conta de custas elaborada nos autos pela Secretaria do Tribunal, em 02.03.2022, e notificada à ilustre Mandatária da Requerente através de notificação elaborada em 03.03.2022”, indicando que falta por isso ainda pagar o montante de €10.824,75 para além da quantia de €16.536,75 já paga.
Em 28.3.2022, veio a requerente reclamar desta última “Nota Discriminativa e Justificativa” apresentada, ao abrigo do art.º 26-A do R.C.P.([1]), sustentando que o valor agora peticionado a título de custas de parte não é devido, uma vez que as taxas de justiça a que se refere o art.º 26, nº 3, al. c), do R.C.P., inclui apenas as que foram efetivamente pagas por ambas as partes e não o valor correspondente ao remanescente da taxa de justiça. Invoca, subsidiariamente, que a referida nota é extemporânea.
Responderam as requeridas, defendendo que a quantia de €21.649,50 indicada naquela nota corresponde, nos termos do art.º 26, nº 3, al. c), do R.C.P., a 50% das duas taxas de justiça remanescentes apuradas e discriminadas na conta de custas elaborada pelo tribunal em 2.3.2022, sendo devida pela requerente, e que a parte vencedora pode retificar a nota discriminativa e justificativa das custas de parte nos termos do art.º 25, nº 1, parte final, do mesmo R.C.P., sendo por isso tempestiva a apresentada em 17.3.2022.
Em 17.6.2022, foi proferido despacho que, apreciando a questão, decidiu: “(…) Começaremos por dizer que a nova nota actualizada remetida pela Requerente não é extemporânea, uma vez que a mesma foi elaborada na sequência da conta elaborada pelo Tribunal apenas 02/03/2022 e notificada à parte em 03/03/2022. Só com a elaboração desta conta ficou a parte ciente do exacto valor da taxa remanescente que o tribunal entendeu ser o devido pela Requerente, e que de resto esta não pagou no respectivo prazo, só fez agora, em 07/06/2022, depois de novamente notificada para o efeito.
Como tal, a rectificação era permitida nos termos do art.º 25º nº 1 parte final do R.C.P. e foi feita dentro do prazo aqui previsto, que se contava desde a notificação da conta de custas e diga-se que estava em consonância com a salvaguarda feita na nota primeiramente remetida, ainda antes da decisão do Tribunal da Relação quanto à dispensa parcial da taxa remanescente.
Prosseguindo, está em discussão saber se é devida a quantia de €21.649,50, correspondente a 50% de €43.299,00 (valor correspondente à taxa remanescente exclusivamente paga pela Requerente), a título de compensação da parte vencedora face às despesas com mandatário judicial.
Nos termos do art.º 26º, nº 3 al. c) do R.C.P., a título de compensação com honorários com mandatário é devido 50% das taxas pagas pela parte vencida e vencedora, não distinguindo a Lei entre taxa principal e taxa remanescente e independentemente de a taxa remanescente apenas ter sido paga por uma parte.
Ou seja, a taxa remanescente ainda que exclusivamente paga por uma das partes também serve de referência para o cálculo da compensação devida pelos honorários. Com efeito, se é devida taxa remanescente é porque a causa tem um valor superior e como tal é tendencialmente mais complexa (caso contrário teria havido maior redução ou dispensa), justificando honorários mais elevados.
Tratando-se de uma componente que se destina a compensar a parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, só haveria enriquecimento sem causa se os valores reclamados a este título - €2.488,00+€21.649,50 - fossem superiores aos valores efectivamente suportados pela parte vencedora para compensar os honorários do seu mandatário, algo que a Requerente não alega ou coloca em causa, radicando o alegado enriquecimento sem causa na mera circunstância de se tratar de uma taxa que não foi paga pela parte (vencedora) que agora a reclama em parte (50%) para este efeito de compensação de honorários.
Ou seja, a nosso ver esta componente deve ser balizada pelos valores efectivamente pagos a título de honorários, aqui sim sob pena de enriquecimento sem causa, mas a taxa remanescente não deixa de relevar para o seu cálculo, sem prejuízo de a parte estar obrigada a indicar as quantias pagas a título de honorários de mandatário salvo quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do nº 3 do art.º 26º do R.C.P., nos termos do art.º 25º nº 2 al. d) do R.C.P..
Mas, como se disse, apesar dos valores ultimamente considerados e reclamados pelas Requeridas a este título ascenderem ao total de €24.137,50 (€2.488,00+€21.649,50), a Requerente não questiona o valor dos honorários que terão sido efectivamente pagos, designadamente no sentido de que tenham ficado aquém dos valores ora reclamados. Donde, são devidos.
Assim, pelas razões expostas, indefere-se a reclamação apresentada pela Requerente.
(…)”
Inconformada, recorreu a reclamante/requerente, culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem:

A. A decisão recorrida padece de erros de direito que deverão determinar a sua revogação por este Venerando Tribunal e a sua, consequente, substituição por outra decisão que considera procede a reclamação apresentada pela ora Recorrente da nota discriminativa e justificativa das custas de parte atualizada, apresentada pelas Requeridas, em 17.03.2022.
B. As Requeridas vieram peticionar o pagamento adicional, pela ora Recorrente, do montante de EUR 21.649,50, correspondente segundo aquelas, a «50% da taxa de justiça remanescente» discriminada pelo Tribunal na conta de custas remetida pelo Tribunal a quo às partes;
C. O pedido das Requeridas de pagamento de 50% da taxa de justiça remanescente para efeitos de compensação das despesas com honorários do seu mandatário judicial parte do pressuposto incorreto de que o remanescente da taxa de justiça, ainda que apenas pago pela parte vencida na ação, deve ser tido em conta no cálculo da compensação prevista no artigo 23.º n.º 3, alínea c) do RCP, devida à parte vencedora, para fazer face às despesas desta com seu mandatário judicial.
D. Com efeito, o somatório de 50% das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora a que a alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP faz referência, e que se destina a compensar a parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, refere-se a taxas de justiça efetivamente pagas por ambas as partes, aí não se incluindo (por maioria de razão) o valor correspondente ao remanescente da taxa de justiça.
E. É esse, de resto, o entendimento da jurisprudência dominante de que é exemplo o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 09.02.2021, no processo com o n.º 1705/16.0T8VRL-D.G1.S1, do Relator Conselheiro Acácio das Neves.
F. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo faz uma análise leviana das normas em causa e parece não compreender os impactos práticos muito gravosos que o entendimento que sustenta poderão implicar.
G. Não se discute o valor dos honorários devidos (ou não) aos mandatários da parte vencedora, o que se contesta, isso sim, é que a compensação devida à parte vencedora pela despesa com esses honorários seja calculada com base num montante que a parte vencedora não suportou, porque é a própria lei que refere que tal compensação deve ser calculada com base nas taxas de justiça efetivamente pagas por ambas as partes.
H. Um pressuposto que deve sempre nortear o aplicador do direito na sua tarefa de aplicação do direito ao caso concreto é o de que o legislador se soube exprimir em condições de fazer constar da letra da lei aquela que foi a sua vontade efetiva ao ter consagrado uma determinada norma.
I. O teor da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do RCP é claro e isento de dúvidas quando afirma que que «a parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial ( ...)».
J. Não se admite uma interpretação extensiva da letra da lei e da vontade do legislador e incluir aí também, para além das taxas de justiça pagas por ambas as partes, o remanescente da taxa de justiça, cujo pagamento é da exclusiva responsabilidade da parte vencida, porque nesse sentido também dispõe a letra da lei.
K. Considerar que o remanescente da taxa de justiça, pago unicamente pela parte vencida deve ser tido em conta para efeitos do cálculo da compensação devida à parte vencedora para fazer face às despesas desta com seu mandatário judicial seria permitir um enriquecimento sem causa da parte vencedora, o que, em caso algum, se pode admitir.
L. Ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, não está em causa uma a mera circunstância de se tratar de uma taxa que não foi paga pela parte (vencedora) que agora a reclama em parte para este efeito de compensação de honorários.
M. Está em causa, sim, uma interpretação da lei que é contrária ao seu teor expresso e que, por essa razão, não é admissível.
N. O entendimento do Tribunal a quo sobre esta questão assenta em erro clamoroso: o valor da compensação devida à parte vencedora para fazer face à despesa com os honorários do seu mandatário judicial não deve ser balizado pelos valores efetivamente pagos a título de honorários, mas sim pelo somatório do valor das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, pois é isso que decorre expressamente do texto da lei.
O. Não restam dúvidas de que o valor ora peticionado pelas Requeridas a título de custas de parte não é devido pela Recorrente.
P. Nestes termos e com estes fundamentos, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que considere procedente a reclamação apresentada pela Recorrente da nota discriminativa e justificativa de custas de partes atualizada, apresentada pelas Requeridas e, em consequência, considere que o valor peticionado pelas Requeridas a título de custas de parte não é devido pela Recorrente.”
Em contra-alegações, sustentam as requeridas o acerto do decidindo, concluindo, por sua vez:

1) Para o cálculo da compensação prevista no art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, a lei exige, tão somente, que se tenha em consideração as taxas de justiças pagas quer pela parte vencida quer pela parte vencedora, seja a que título for (principal ou remanescente);
2) O remanescente da taxa de justiça também é taxa de justiça e, por isso, deve ser considerado para efeitos de apuramento do valor a que se refere o art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP;
3) A lei não exige, para esse efeito, que ambas as partes paguem exactamente a mesma quantia de taxa de justiça, na mesma proporção e pelo mesmo título (principal ou remanescente);
4) A lei exige, apenas e tão somente, que se tenha em consideração as taxas de justiça pagas tanto pela parte vencida como pela parte vencedora, incluindo, pois, a taxa de justiça principal (paga pelo impulso processual a que respeitar ou prática do acto processual a ela sujeito) e o remanescente da taxa de justiça, e, neste último caso, independentemente de a taxa remanescente poder vir a ser paga apenas pela parte totalmente vencida (como sucedeu no caso concreto dos presentes autos);
5) O douto despacho recorrido não fez qualquer interpretação extensiva da norma do art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, contrariamente ao que a Recorrente — sem razão — sustenta, pois limitou-se a interpretar e a aplicar correctamente tal normativo, no sentido de considerar, para efeitos de cálculo da compensação aí prevista, todas as taxas de justiça pagas tanto pela parte vencida como pela parte vencedora, e seja a que título for (isto é, quer se trate de taxas de justiça pagas pelas partes com o respectivo impulso processual, ao longo do processo, quer se trate do remanescente da taxa de justiça que seja imputado unicamente à parte vencida e incluído na conta de custas final), tal como resulta dessa mesma norma;
6) A possibilidade de rectificação da nota de custas de parte, prevista na parte final do n.º 1 do art.º 25.º do RCP, é permitida, desde logo, para correcção de eventuais lapsos de cálculo verificados em face da conta final de custas, designadamente, com vista a possibilitar a contabilização de 50% do remanescente de taxa de justiça para efeitos de cálculo da compensação para fazer face a despesas com honorários do mandatário judicial, nos casos em que tal remanescente seja totalmente imputado à parte vencida e considerado na conta a final, nos termos do art.º 14.º, n.º 9, in fine, do RCP — tal como sucedeu no caso dos autos;
7) Foi precisamente o que as Recorridas vieram fazer através da nota de custas de parte actualizada, de 17/03/2022, ao verificarem, face à conta de custas de 02/03/2022, que o montante equivalente a 50% do somatório das taxas de justiça remanescentes, que deve ser considerado no cálculo da compensação prevista no art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, corresponde, em rigor, a € 21.649,50, e não a € 10.824,75 (como, por lapso de cálculo, tinham feito constar da nota de custas de parte de 17/09/2021);
8) As Recorridas procederam à rectificação da nota de custas de parte de 17/09/2021, rectificação essa que é permitida, para todos os efeitos legais, ao abrigo do disposto no art.º 25.º, n.º 1, parte final, do RCP, e apresentaram, em 17/03/2022, dentro do prazo assinalado por tal norma, a nota de custas de parte actualizada, no valor total de €27.361,50, do qual permanece em dívida, pela Recorrente, a quantia de €10.824,75;
9) Com a apresentação da primeira nota de custas de parte, em 23/08/2021, as Recorridas tinham feito expressamente constar a ressalva de poderem vir a actualizar o valor correspondente à compensação para despesas com honorários do mandatário judicial, para o montante de €43.299,00, caso viesse a ser indeferido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que a Recorrente tinha dirigido ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa em 12/08/2021, tal como, aliás, foi expressamente reconhecido pela Recorrente nas suas alegações e consta do douto despacho recorrido;
10) Não se trata de "penalizar a parte vencida" nem de "permitir um enriquecimento sem causa da parte vencedora", contrariamente ao que a Recorrente pretende, mas apenas e tão somente de considerar o montante equivalente a 50% do somatório de todas as taxas de justiças (incluindo as taxas de justiça remanescentes) pagas quer pela parte vencida, quer pela parte vencedora, para efeitos do cálculo da compensação prevista no art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP, como determina tal norma legal;
11) Não considerar, nesse cálculo, o montante equivalente a 50% das taxas de justiça remanescentes é que resultaria em penalização injustificada da parte vencedora, que assim veria diminuída, sem qualquer fundamento, a compensação a que tem direito ao abrigo do disposto no art.º 26.º, n.º 3, alínea c), do RCP;
12) Tratando-se de uma componente que se destina a compensar a parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, só haveria enriquecimento sem causa se os valores reclamados a este título fossem superiores aos valores efectivamente suportados pela parte vencedora para compensar os honorários do seu mandatário, o que não sucede no caso dos autos nem a Recorrente colocou em causa;
13) O valor peticionado pelas Recorridas na nota de custas de parte actualizada, de 17/03/2022, é correcto, tendo a Recorrente pago já a quantia de € 16.536,75, pelo que se encontra em dívida, pela Recorrente às Recorridas, o montante de € 10.824,75;
14) O douto despacho recorrido não merece qualquer censura, pelo que deverá manter-se.”
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentos de Facto:
A factualidade a ponderar é a que acima consta do relatório.
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III- Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, a única questão suscitada respeita a saber se o somatório de 50% das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P., se refere apenas a taxas de justiça efetivamente pagas por ambas as partes, aí não se incluindo o valor correspondente ao remanescente da taxa de justiça, devendo, em consequência, julgar-se procedente a reclamação apresentada pela requerente da nota discriminativa e justificativa de custas de parte atualizada de 17.3.2022.
Vejamos.
O regime geral em matéria de custas prevê que as mesmas sejam, em princípio, suportadas pela parte que a elas houver dado causa – entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for – e, subsidiariamente, quando não haja vencimento por qualquer das partes, por quem do processo tirou proveito (art.º 527 do C.P.C.).
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 529, nº 1, do C.P.C., e 3, nº 1, do R.C.P.).
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, sendo fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais (nº 2 do art.º 529). Os encargos integram todas as despesas resultantes da condução do processo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa (nº 3). As custas de parte, por sua vez, compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do mesmo Regulamento das Custas Processuais (nº 4).
A taxa de justiça é paga apenas por quem demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido (artigo 530, nº 1, do C.P.C.).
De acordo com o art.º 533, nº 1, do C.P.C., as custas da parte vencedora são em princípio suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no R.C.P., a título de custas de parte, nelas se incluindo, entre outras despesas (nº 2):
“a) As taxas de justiça pagas;
b) Os encargos efetivamente suportados pela parte;
c) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas;
d) Os honorários do mandatário e as despesas por este efetuadas.”
Tais despesas são objeto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes (nº 3).
De acordo com o nº 1 do art.º 6 do R.C.P. “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”, estabelecendo o nº 7 que “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Por seu turno, dispõe o art.º 11 do mesmo R.C.P. que: “A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.”
Prevê, ainda, o art.º 14, nº 1, do R.C.P., que “O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito”, estabelecendo o nº 2 que a segunda prestação deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final.
Por força da redação atual do nº 9 do art.º 14 do R.C.P., nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do artigo 6 do mesmo Regulamento, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.
Essa conta é elaborada pela secretaria do tribunal que funcionou em 1ª instância no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final (art.º 29, nº 1, do R.C.P.), sendo que as custas de parte não se incluem na referida conta (art.º 30 da Portaria nº 419-A/2009, de 17.4).
Por sua vez, até 10 dias após o trânsito em julgado (ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos), as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida (e ainda para o agente de execução, quando aplicável) a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo desta poder vir a ser retificada até 10 dias após a notificação da conta de custas (art.º 25, nº 1, do R.C.P.).
Deve constar da nota justificativa, além do mais (art.º 25, nº 2, al. b), do R.C.P.), a “Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça.”
As custas de parte serão, em regra, pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora (art.º 26, nº 2, do R.C.P.), sendo a primeira condenada ao pagamento, a esse título, do seguinte (nº 3): “a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.”
Diz Salvador da Costa([2]), referindo-se à al. c) do nº 3 deste art.º 26 (ainda que em anterior versão, para o caso irrelevante): “(…) Trata-se de uma espécie de responsabilidade processual civil, cujo montante é liquidado por referência ao valor do prévio pagamento da taxa de justiça por ambas as partes, a vencedora e a vencida.
Destina-se a compensar a parte vencedora, na proporção em que o for, pelas despesas com honorários do mandatário judicial ou do agente de execução, ou de ambos, conforme os casos.
(…).”
Como dissemos, o remanescente da taxa de justiça que não for dispensado, no todo ou em parte, é considerado apenas na conta a final (art.º 6, nº 7, do R.C.P.).
Deste modo, tendo em conta os tempos da elaboração da conta e da apresentação da nota discriminativa e justificativa, é evidente que, aquando desta última, as taxas de justiça já pagas pela parte vencida e pela parte vencedora não incluem, não podem incluir, o remanescente da taxa de justiça que não se encontrará entretanto pago.
Ainda que a nota justificativa possa ser retificada nos termos da parte final do nº 1 do art.º 25 do R.C.P., é incontornável que as quantias que da mesma devem constar são as indicadas na al. b) do respetivo nº 2 como as “efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça”, isto é, as já liquidadas a esse título, conforme se entendeu no Ac. da RE de 10.9.2015([3]).
Daí que, e fazendo uma interpretação literal da norma, no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deva ser atendido, a nosso ver, o valor do remanescente de taxa de justiça que seja devido o qual, no momento da apresentação da nota justificativa, não se encontrará pago, como sucedeu no caso([4]).
Dir-se-á que a parte vencedora, podendo retificar aquela nota discriminativa e justificativa até 10 dias após a notificação da conta de custas (art.º 25, nº 1, do R.C.P.), pode ainda vir a incluir o valor do remanescente de taxa de justiça que, entretanto, se mostre pago.
Cremos, todavia, que, para além da dificuldade prática dessa verificação, o argumento não terá em conta o exato sentido da norma ínsita na al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P..
Na verdade, estamos perante um critério de referência, não se tratando do pagamento dos honorários devidos ao mandatário da parte vencedora mas apenas de um valor compensatório. Por sua vez, não fica prejudicado qualquer reembolso à parte vencedora por taxa de justiça que tenha desembolsado, pois, à luz do atual art.º 14, nº 9, do R.C.P. (com a redação da Lei nº 27/2019, de 28.3), a parte vencedora encontra-se dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao contrário do que sucedia com a anterior versão do preceito([5]).
Nessa medida, afigura-se-nos ajustado considerar que no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P. não deve ser atendido o valor do remanescente de taxa de justiça, imputado diretamente à parte responsável na conta final, relevando apenas as taxas de justiça que foram pagas ao longo do processo([6]).
E assim sucederá ainda que ambas as partes devam proceder ao pagamento do remanescente previsto no nº 7 do art.º 6 do R.C.P., por terem sido ambas condenadas nos autos e do mesmo modo vencidas.
Sucede, no entanto, que a situação em análise se reveste de especiais contornos, exigindo uma especial ponderação.
Na verdade, e como acima consta da factualidade elencada no relatório, as requeridas apresentaram, em 17.9.2021, “Nota Discriminativa e Justificativa” de custas de parte atualizada de acordo com a decisão singular de 27.8.2021 deste Tribunal da Relação (que dispensara a apelante “do pagamento da taxa de justiça remanescente, na proporção de 3/4 do que for devido, em ambas as instâncias”), indicando o valor de €2.448,00 devido a título de honorários dos mandatários “Ao qual acresce a quantia de €10.824,75 (…), a título de taxa de justiça remanescente”, contabilizando o valor global devido em €16.536,75 (€3.264,00+€2.448,00+€10.824,75).
Sucede que a requerente não apresentou qualquer reclamação dessa “Nota Discriminativa e Justificativa” e procedeu ao pagamento peticionado, como expressamente reconhece.
Ou seja, a requerente aceitou então considerar no cálculo a que alude a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P., sob o item “Honorários dos Mandatários (cfr. artigos 25º, nº 2, al. d) e 26º, nºs 3 e 4 do R.C.P.)”, o valor da taxa de justiça remanescente e procedeu à liquidação daquela nota em conformidade.
Só na sequência da conta de custas que lhe foi apresentada em 2.3.2022 (num total de €43.299,00 respeitante a “Taxa de Justiça Cível”) e da “Nota Discriminativa e Justificativa” de custas de parte atualizada que as requeridas lhe apresentaram em 17.3.2022 – indicando o valor de €2.448,00 devido a título de honorários dos mandatários “Ao qual acresce a quantia de €21.649,50 (…), a título de 50% de taxa de justiça remanescente apurada e discriminada na conta de custas elaborada nos autos pela Secretaria do Tribunal, em 02.03.2022, e notificada à ilustre Mandatária da Requerente através de notificação elaborada em 03.03.2022” reclamando o montante de €10.824,75 para além da quantia de €16.536,75 já paga – veio a requerente reclamar (em 28.3.2022), ao abrigo do art.º 26-A do R.C.P., nos moldes sobreditos.
Daqui se retira, inevitavelmente, que a requerente não reclamou em tempo da “Nota Discriminativa e Justificativa” apresentada pelas requeridas (em 17.9.2021) que considerou, no valor de referência para compensação da parte vencedora por despesas com honorários do mandatário judicial a que se refere a al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P., o da taxa de justiça remanescente.
Ao invés, liquidou às requeridas, conforme refere, o montante que lhe foi pedido com base nesse mesmo critério.
Deste modo, e salvo melhor entendimento, não pode depois reclamar, com tal fundamento e repudiando agora o critério, da Nota Discriminativa e Justificativa” atualizada que lhe foi apresentada em 17.3.2022 em face da conta final de custas que veio a ser elaborada nos autos.
Note-se que desta conta final de custas de 2.3.2022 não houve reclamação ou pedido de reforma, nos termos do art.º 31 do R.C.P., não sendo questionado o valor aí encontrado que baseou a nova “Nota Discriminativa e Justificativa” de 17.3.2022 de que a requerente reclamou.
Desta forma, e independentemente da interpretação que façamos da al. c) do nº 3 do art.º 26 do R.C.P., não havendo outro motivo apontado na reclamação apresentada em 28.3.2022, não pode a mesma ser deferida, como pretende a apelante.
Em suma, improcede o recurso, sendo de manter a decisão recorrida, ainda que com diverso fundamento.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Lisboa, 24.1.2023
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                             
Edgar Taborda Lopes
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[1] Assinala-se que a reclamante comprova o depósito a que alude o art.º 26-A, nº 2, do R.C.P..
[2] “Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado”, 2ª ed., 2009, págs. 330/331.
[3] Proc. 1100/11.7TBABT-A.E1, em www.dgsi.pt.
[4] Como se refere na decisão recorrida, o valor da taxa remanescente só veio a ser pago pela requerente em 7.6.2022, muito depois da reclamação de que aqui se conhece e que foi apresentada em 28.3.2022.
[5] Dispunha o nº 9 do art.º 14 do R.C.P., na redação conferida pela Lei nº 126/2013, de 30.8, que: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.”
[6] Neste sentido o Ac. da RC de 10.5.2022, Proc. 1295/16.3T8GRD-A.C1, em www.dgsi.pt, citado pela apelante no recurso.