TESTAMENTO
NULIDADE
INCAPACIDADE ACIDENTAL DO TESTADOR
DEMÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

A prova dos factos integradores da incapacidade acidental no momento da declaração negocial (testamento) incumbe ao interessado na invalidade (art.º 342º, nº 1 do CC).
Apenas no caso de o testador padecer de doença mental caracterizada por quadro crónico e irreversível, com características tais que as incapacidades a tal doença associadas se mantenham contínua e permanentemente, que a referida doença cause um estado continuado, permanente, de incapacidade volitiva, caberá à parte que pugna pela validade do testamento a prova de que o mesmo foi lavrado num momento de lucidez.
A demência enquanto doença mental que afeta o pensamento, a memória, a atenção, não é estática, nem linear, variando ao longo do tempo e de paciente para paciente.
Assim, a mera prova de que o testador sofria de demência em data anterior à realização do testamento não basta para que se considere verificada a incapacidade acidental no momento da feitura do testamento, o que implicaria o recurso a presunção judicial (art.º 349º do CC), no sentido de que aquela doença se manteve sem interrupção no futuro e, concretamente, no momento da declaração negocial.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

AS instaurou ação declarativa comum contra MM, pedindo a declaração de anulação ou nulidade do testamento, lavrado no dia 24 de maio de 2019, pelo Cartório Notarial.
Para o efeito alegou, em síntese, que a testadora se encontrava incapacitada física e psiquicamente, não estava em condições mentais que lhe permitissem perceber e apreender que estava a elaborar um testamento e de compreender o que este acarretava. Mais alegou que a Ré se aproveitou do seu estado, levando-a a outorgar testamento em que a constituiu sua única herdeira, quando sempre foi por aquela dito que o seu património seria dividido por todos os seus herdeiros.
A R. apresentou contestação, excecionando a ilegitimidade ativa. Mais impugnou a versão apresentada pela A., sustentando que ER se encontrava lúcida e no uso das suas faculdades, tendo perfeita noção do que fazia ao outorgar, sendo essa a sua vontade.
A A. respondeu à exceção e ao pedido de litigância de má fé, concluindo pela sua improcedência.
 Foi proferido despacho saneador com dispensa de realização de audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa. Mais foi delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Em face de todo o exposto julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se a Ré de todos os pedidos contra si deduzidos.
Custas pela Autora.”

A A. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões (após sintetização), que aqui se reproduzem:
“1- A Recorrente notificada da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal “a quo”, em que foi declarado improcedente o pedido de declaração de anulação ou nulidade do testamento de ER  lavrado em 24 de Maio de 2019,, e não se conformando com o seu conteúdo, interpõe recurso, em que alega de facto e de direito.
2- Foi lavrado testamento no dia 24 de Maio de 2019, no qual a ER instituiu sua única herdeira a ora Recorrida.
3- A testadora não tinha capacidade para celebrar o testamento na data em que o fez, e para além da demência, padecia de doença cardíaca, de arteriosclerose, e a partir de Maio de 2019, o estado de saúde da ER agravou-se,
4- Em 30 de Abril de 2019, a ER sofreu uma paragem cardiorrespiratória, ou síncope, ficando inconsciente durante algum tempo, tendo sido hospitalizada no Centro Hospitalar de Lisboa onde permaneceu durante 22 dias,
5- A testadora ER, durante o internamento sofreu novos episódios de paragens cardiorrespiratórias ou síncopes, tudo conforme nota de alta, de fls. 119 a fls. 121 dos autos, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
6- A testadora de há muito já tinha sincopes, pois em 26/06/2014, conforme refere relatório de neurologia de fls. 142 a 143 dos autos, “26/6/14 voltou a ter 2 síncopes em Fevereiro c/ pouco intervalo, (…)”, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
7- A testadora ER teve alta hospitalar em 22 de Maio de 2019,
8- Em Maio de 2019, a testadora para além da demência, de doença cardíaca e de arteriosclerose e da sua avançada idade de 98 anos, passou a estar completamente dependente de terceiros para todas as atividades da vida diária, cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, idas a casa de banho, não controlava os esfíncteres urinárias, nem anais, usando fralda de dia e noite, tudo conforme relatório social da residência para idosos VL, de fls. 114 a 116 dos autos, bem como nota de alta clínica de fls. 119 a 121 dos autos, bem como da nota de alta medicina de fls. 220 a 221 dos autos,
9- Em 01/06/2019, a ER teve nota de alta de fls. 220 a 221 dos autos, constando da mesma que a ER passa a maior parte do tempo na cama e tem discurso pouco percetível, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
10- A testadora ER, no dia 17 de Junho de 2019, foi internada no estabelecimento de apoio a idosos, VL, onde ficou internada até o dia 02/10/2019, quando faleceu, ou seja, durante 3 meses e 15 dias,
11- O Lar VL, elaborou um relatório social de fls. 114 a 116 dos autos, informando que aquando da sua admissão, em 17/06/2019, no lar de idosos, a ER estava dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, idas à casa de banho, e não controlava os esfíncteres urinários nem anais usando fralda dia e noite, documento que foi ignorado pela Meritíssima Juiz do Tribunal a “quo”,
12- A testadora em 22 de Maio de 2019 teve alta hospital e 2 dias depois, em 24 de Maio de 2019, fez o testamento instituindo sua única herdeira a Ré, ora Recorrida,
13- O internamento da testadora foi feito pela Recorrida e era esta que fazia o pagamento das mensalidades do lar e tratava de todas as questões a ER, tudo conforme relatório social de fls. 114 a 116 dos autos, documento que foi ignorado pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
14- A recorrida era responsável pelo internamento da testadora, cabendo-lhe o pagamento das mensalidades do lar e todas as questões relativas à ER, conforme relatório social de fls. 114 a 116 dos autos,
15- Em 2 de Outubro de 2019, a ER faleceu, tendo à data 98 anos de idade,
16- Pergunta-se assim, como pode a sentença recorrida entender que na data em que foi celebrado o testamento em 24 de Maio de 2019, a ER estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração quando esta padecia de demência, era doente cardíaca, sofria de arteriosclerose e aquela data estava totalmente dependente de terceiros?
17- Na opinião da ora Recorrente não podia a douta sentença recorrida ter o entendimento que teve, pois a ER, em 24 de Maio de 2019, não tinha capacidade para celebrar o testamento, não entendendo o sentido da sua declaração.
18- Pelo que a douta decisão proferida enferma por uma análise pouco ponderada quanto a prova produzida em audiência de julgamento,
19- A Autora, ora Recorrente, entende haver contradição entre a matéria dada como provada e a aplicação do Direito, e haver contradição entre a matéria provada, bem como haver contradição entre a matéria provada e não provada, e os documentos juntos ao processo.
20- Assim, a douta sentença recorrida deve ser substituída por outra, sendo proferido Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Juiz “a quo”, determinando procedentes os pedidos deduzidos pela Autora, ora Recorrente, e declarando-se a anulação ou nulidade do testamento, lavrado no dia 24 de Maio de 2019, pelo Cartório Notarial de …, de fls. 29 a fls. 29 verso do Livro de Notas número 18 para Testamentos Públicos e Revogação de Testamentos Públicos,
21 – Na sentença recorrida deram-se como Factos Provados os pontos constantes do A até EE da sentença recorrida,
22- Nos factos provados nos pontos Z. e AA., ficou provado apenas que ER faleceu no estado de solteira, a 02 de Outubro de 2019, e que a ER faleceu sem descendentes ou ascendentes vivos, quando a Autora, ora Recorrente, alegou que a mesma faleceu com 98 anos de idade, pois nasceu em 16 de Março de 1921, conforme assento de óbito que se encontra junto aos autos de fls. 17 e 17 verso, conforme alegou nos artigos 1º, 24º, 59º, e 60º da p.i.,
23- Pelo que a douta sentença recorrida ignorou que, conforme fora alegado pela Autora, ora Recorrente, a falecida ER tinha a avançada idade de 98 anos, quando fez o testamento, e quando faleceu, o que está comprovado pelo documento nº. 1 da p.i. de fls. 17 e 17 verso dos autos,
24- Há assim contradição entre os factos provados, os documentos juntos aos autos, e o alegado, bem como entre os factos provados e a decisão proferida, e os documentos juntos aos autos,
25- Nos factos provados, ponto E., ficou provado que a testadora ER costumava vir à Madeira todos os anos, e ficava em casa da sua irmã IM, da qual era muito amiga e à qual sempre disse que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros,
26- Os factos provados, no ponto DD., ficou provado que o referido em CC. deixou a Autora espantada, pois a tia ER sempre dissera que os seus bens eram para todos os seus herdeiros, havendo assim, contradição entre os factos provados e a decisão,
27- Como poderia a testadora ter a vontade de fazer um testamento a favor da Ré, ora Recorrida, quando sempre foi a sua intenção, e assim o manifestou, durante a sua longa vida, 98 anos de idade, deixar os seus bens para todos os seus herdeiros,
28- Fê-lo em momento em que estava incapacitada de entender o sentido e de querer no acto que declarou e ficou exarado contrariando a vontade que sempre manifestou de não testar em tais termos, pois sempre disse ao longo da sua vida que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros, só o fez porque sofria de demência,
29- O testamento em causa contraria a sua vontade, que sempre manifestou, dizendo que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros, fez um testamento aos 98 anos de idade, depois de ter tido paragens cardiorrespiratórias, de ter estado internada no hospital durante 22 dias, de ter saído do hospital à 2 dias, de estar dependente e 4 meses e oito dias antes do seu falecimento,
30- E não fez o testamento antes, porquê? Porque não era essa a vontade da testadora, nunca foi, e no momento em que foi lavrado o testamento, a ER não sabia o que estava a fazer, sofria de demência, era cardíaca, sofria de arteriosclerose, dependia fisicamente de terceiros para a sua higiene, alimentação, locomoção, estava frágil e influenciável,
31- A testadora ER teve uma longa vida e muito tempo para dispor dos seus bens, mas só o fez depois de ficar dependente de terceiros, de ter sofrido sincopes, ter sido hospitalizada, de estar doente e incapacitada, quatro meses e oito dias antes do seu falecimento, quando já tinha 98 anos de idade, quando já não tinha capacidade para querer e entender o alcance desse ato, e não tinha capacidade para se exprimir,
32- Há assim uma clara contradição entre os factos provados e a decisão, pois a testadora dizia que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros, e acabou celebrando testamento a favor da Ré, ora Recorrida,
33- No ponto M. dos factos provados, ficou provado que, no testamento referido em K. foi pelo Notário consignado “fiz à testadora a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo e porque a testadora declarou não poder assinar vai apor a sua impressão digital”, mas a testadora era enfermeira reformada, e sabia assinar o seu nome, conforme provados nos pontos B. e C. dos factos provados,
34- No entanto, na data em que o testamento foi lavrado em 24 de Maio de 2019, a testadora estava incapacitada, ao ponto de ter de apor a sua impressão digital por não poder assinar,
35- Conforme ponto L. dos factos provados, o testamento foi celebrado na Rua …, na casa da testadora, pois a mesma já não tinha capacidade para se deslocar ao cartório notarial, a ER, pois conforme se pode verificar no testamento de fls. 18 a 19 dos autos, o Cartório Notarial do Notário, que fica localizado na Rua…,
36- Não foi a testadora quem tratou do testamento, pois encontrava-se doente, incapacitada, tendo saído do Hospital, onde esteve internada durante 22 dias, no dia 22 de Maio de 2019, e celebrado o testamento em 24 de Maio de 2019, ou seja, dois dias depois de sair do Hospital,
37- A Recorrida vivia na Madeira e deslocou-se ao Continente para efetuar o testamento, e foi esta a contactar o notário, e a falar com o mesmo, comunicando o teor do testamento ao notário, tendo sido esta quem solicitou a presença das testemunhas, e até levou consigo uma testemunha, residente na Madeira, nomeadamente, JV,, viúvo, residente no .., concelho de Machico, conforme consta do documento de fls. 18 a 19 dos autos, testamento,
38- O texto do testamento, aquando da chegada do senhor notário, a casa da testadora, já estava pré-elaborado, e dactilografado, em computador, e impresso em suporte físico, ou seja, em papel,
39- E pergunta-se, como era possível a ER tratar do testamento que foi exarado em 24 de Maio de 2019, ou seja, contactar o cartório notarial, transmitir o que pretendia, indicar as testemunhas, quando não andava, estava dependente de terceiros para a sua higiene, alimentação e locomoção, não podia assinar, saíra do hospital 2 dias antes, em 22 de Maio de 2019, sofria de demência, de arteriosclerose e era cardíaca, tinha 98 anos de idade, e foi internada num lar de idosos, logo de seguida, em 17 de Junho de 2019, atestando o próprio lar que a mesma era completamente dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, alimentação, e a resposta só pode ser uma, a testadora não tinha capacidade para celebrar o testamento em causa,
40- E tendo a testadora já 98 anos de idade, e estar incapacitada, a mesma não foi submetida a qualquer exame as suas faculdades mentais, o que a ter-se feito, teria revelado a sua falta de sanidade mental e de capacidade física e psíquica, conforme o artigo 173º nº. 2 do Código do Notariado,
41- No testamento poderia ter havido a intervenção de médico, o que não sucedeu, nem foi precedido de qualquer relatório médico que atestasse estar a testadora na plena posse das suas capacidades psíquicas e mentais, e capaz de entender o significado da sua declaração, o que normalmente acontece com pessoas de avançada idade e doentes, conforme o artigo 173º nº. 2 do Código do Notariado, o que deveria ter sido dado como provado e resulta do alegado nos artigos 23º e 24º da p.i., e comprovado pelo documento nº. 2 da p.i., testamento de fls. 18 a 19 dos autos,
42- No ponto EE. dos factos provados, foi dado como provado que na data e momentos referidos no ponto K., a ER estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração,
43- Como é possível entender que a testadora estava lúcida, quando na realidade, padecia de demência, conforme consta do relatório do médico de família da falecida, Dr. Y, do Centro de Saúde …, Lisboa, de fls. 123 a fls. 129 dos autos,
44- Na informação clínica referente a ER, fornecida pelo médico de família Dr. Y, do Centro de Saúde …, Lisboa, que acompanhava a falecida ER, conforme documento junto aos autos, de fls. 123 a fls. 129 dos autos, informando que em resposta à solicitação de Vas. Exas., cumpre-me informar que a referida utente: ER, S.N.S. nº. 00000, no período do ano de 2017 até 18/03/219 (data da última referenciação), foi assistida neste Centro de Saúde, devido sobretudo a perturbação cognitiva, diagnosticada como síndrome demencial senil, juntando-se em anexo as folhas de consulta referente ao respectivo período.
45- Em todos os registos clínicos das consultas, dos dias 18/09/2017; 11/07/2018; 27/11/2018; 28/01/2019, em todas as consultas foi referida a demência, demência senil, senilidade, e foi receitado Acutil, vitaminas para a memória, conforme fls. 123 a 129 dos autos,
46- Acresce que, o Dr. Y, foi ouvido como testemunha da Autora neste processo, tendo prestado declarações, no sentido de que a testadora sofria de demência, conforme depoimento da testemunha Dr. Y (médico), no dia 06/05/2022, 00:00:01 a 00:21:18, anteriormente transcrito,
47- Assim, podemos concluir, pelo depoimento da testemunha Dr. Y, que sabia do estado de demência que diagnosticara a falecida ER, pelo menos desde o ano de 2017, que esta não se encontrava em condições de celebrar o testamento na data em que foi feito, pois esta não tinha capacidade física nem psíquica para testar,
48- Declarando no seu depoimento que se lembrava da falecida ER, que esta sofria de demência, de perturbação cognitiva, explicando que a ER, tinha e apresentava alterações ao nível cognitivo, ao nível da memória, ao nível de atenção, ao nível do seu discurso, e ao nível do entendimento e pensamento, que não tinha dúvidas quanto ao diagnóstico de demência perante o que esta demonstrava, concretizando que demonstrava uma grande lentidão psíquica, sobretudo grande perturbação ao nível da sua atenção, a nível da memória,
49- Realçou ainda no seu depoimento, que a ER esquecia-se sobretudo no seu discurso, inicialmente o seu discurso acerca de uma coisa e depois não sabia o que estava a dizer, e que a ER nas consultas, tinha alguma dificuldade, por vezes, em perceber o que lhe estava a ser transmitido, e que em termos a gestão da sua pessoa havia algumas falhas, a nível de higiene, a nível de se vestir, e sobretudo nas deslocações, deslocava-se com algumas dificuldades,
50- Contrariamente ao referido na douta sentença recorrida, existem nos autos, exames de neurologia, exames ao sangue, efetuados pela ER, no Centro Hospital Universitário de Lisboa Central, de fls. 178 a 180 dos autos,
51- Provado teria de ser, em face da documentação junta aos autos, diagnóstico de demência, de fls. 123 a fls. 129 dos autos, relatório do médico de família, Dr. Y, médico de família da falecida ER, Centro de Saúde …, Lisboa, que esta sofria de perturbação cognitiva, demência,
52- A douta sentença recorrida, não teve em conta a informação clínica do médico de família, de fls. 123 a fls. 129 dos autos, que foi desvalorizada incorretamente, uma vez que sustentada por depoimento testemunhal do próprio médico de família da ER, Dr. Y, que confirmou que esta padecia de demência,
53- Também erradamente a douta sentença recorrida desvalorizou o depoimento do médico de família, Dr. Y, depoimento técnico prestado por um médico, profissional de saúde, que acompanhava a ER, que nenhum interesse tinha na causa, e que resultou das consultas que deu, lembrando-se da falecida ER, dos relatórios, dos exames, valorizando o depoimento de um leigo, da testemunha MC, que nada sabe sobre demência,
54- A douta sentença do Tribunal “a quo” desvalorizou o relatório ou informação clínica de fls. 123 a fls. 129 dos autos, dizendo que das fichas clínicas não se extrai que tenham sido feitos exames específicos (radiológicos ou de outra natureza) tendentes a sustentar essas anotações, quando na verdade foram realizados exames neurológicos, tratando-se de uma informação clínica fornecida no período entre 2017 a 2019, com várias consultas, conforme documento de fls. 123 a 129 dos autos, bem como exames de neurologia que foram efectuados, conforme documento de fls. 178 a fls. 179 e 179 verso dos autos,
55- Razão pela qual, deveria ser dado como provado que a ER sofria de demência, no momento em que celebrou o testamento, ou seja, em 24 de Maio de 2019,
56- E dando-se como provado o estado demencial, em período que abranja o acto anulando, neste caso, o testamento, é de presumir, sem necessidade para mais, que na data do mesmo, o estado de demência se mantinha sem interrupção, a outra parte caberá ilidir a presunção, pois se, à data do testamento a situação da testadora ER era o do estado de demência, a verdade é que esse estado demencial existia no momento da celebração do testamento,
57- A doença, neste caso, demência de que padecia a testadora ER estava e está no plano clínico e científico, comprovada a degenerescência evolutiva das condições de percepção, compreensão, pelo que a Autora da acção, ora Recorrente, apenas tem de alegar, e provar a doença de que padecia a ER, uma vez que é previsível a luz da ciência e da experiência comum que este tipo de situações, demência, não são compatíveis com período de lucidez ou compreensão,
58- No momento em que foi outorgado o testamento, e mesmo antes desse acto, a testadora ER já não tinha capacidade de conhecimento, de decisão, de vontade, e não tinha consciência do que estava a fazer, nem do significado do testamento,
59- Enquanto, o artigo 2199º do Código Civil, quer proteger o testador, a anulação do testamento por idêntica razão, incapacidade acidental, não é exigida essa notoriedade, bastando-se com a prova da existência do estado de incapacidade natural que seja contemporânea do momento em que o testador emite a declaração relativa a disposição dos seus bens post mortis, ao passo que, contrariamente, ao consagrado no artigo 257º do C.C., que exije que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário, exigência que não se encontra no artigo 2199º do C.C., e isto, porque as incapacidades de testar são menos rigorosas, mais restritas que as incapacidades gerais.
60- Na verdade, a incapacidade para entender e querer no momento em que é feito o testamento, não tem de estar afirmada por sentença que declare a interdição do testador, o que pressupõe um ato continuado, permanente, de incapacidade volitiva, essa incapacidade pode ser meramente ocasional, transitória, desde que seja contemporânea do testamento.
61- Sem dúvida que o estado demencial da ER, preexistia a data do testamento, fora diagnosticado pelo seu médico de família pelo menos desde o ano de 2017, e permanecia nessa data, privando a testadora de vontade e discernimento para o ato de disposição gratuita de todos os seus bens, o que demonstra ausência de vontade livre e esclarecida e determina a anulabilidade do testamento.
62- A douta sentença do Tribunal a quo ignorou estes factos, que deveriam ser dados como provados, concretamente no artigo 21º da p.i., foi alegado que a ER era doente cardíaca, contrariamente a douta sentença recorrida foi dado como não provado no ponto 5. dos factos não provados que a data da celebração do testamento e mesmo antes, ER era doente cardíaca, tal facto deverá ser dado como provado,
63- Da mesma maneira, a sentença recorrida ignorou os documentos de fls. 78 a 107 dos autos, informação clínica do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que demonstram que a ER, era doente cardíaca, e tinha um pace-maker.
64- Também a ER, sofria de artérioesclerose, tudo conforme consta dos documentos de fls. 216 a 217 dos autos, Hospital de S. José – CerebroVascular, Unidade de CerebroVascular – UCV, Neurossonologia, Exame Ultrassonográfico Grandes Vasos Pescoço, de 06-05-2019, documentos constantes dos autos que também foram ignorados pela douta decisão recorrida,
65- Ainda quanto aos factos provados em K., L., M., EE., que a ER, celebrou um testamento, e que pelo notário foi consignado “fiz a testadora a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo e porque a testadora declarou não poder assinar vai apor a sua impressão digital”, e que nessa altura a testadora estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração,
66- A sentença recorrida e na convicção do Tribunal, entende que o notário que lavrou o testamento, e que também foi testemunha neste processo, que de forma expressa referiu que a ER percebeu perfeitamente o que se estava a passar,
67- Na verdade, o Exmo. Notário nas suas declarações disse que não se lembrava daquele testamento em específico, conforme depoimento da testemunha Drº PB (notário), no dia 06/05/2022 de 00:00:00 a 00:09:28, conforme acima transcrita,
68- A afirmação feita pelo notário, de que este foi lido e explicado a testadora não fornece qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar, ou seja, que a falecida ER estava com capacidade de entender o sentido da sua declaração e que tinha o livre exercício da sua vontade,
69- Pois, a força probatória plena dos documentos autênticos, restringe-se aos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, conforme artigo 371º do Código Civil,
70- Contrariamente, os meros juízos pessoais do documentador constituem elementos sujeitos a livre apreciação do julgador, entre estes últimos factos figura o facto de os intervenientes no acto terem integras as suas faculdades mentais ao celebra-lo, conforme artigo 173º nº. 1 do Código do Notariado,
71- O facto de se tratar dum testamento público, exarado pelo notário no respectivo livro de notas e na presença de duas testemunhas, não cria nenhuma presunção de que o testador tinha aptidão para entender o que declarou perante o notário, uma vez que, a força probatória plena do documento autêntico, neste caso, o testamento, não vai além do facto do que o testador declarou perante o notário, o que este fez constar do testamento como tendo sido a sua declaração de vontade, quanto a disposição de todos os seus bens para depois da morte, conforme artigos 2205º do Código Civil e 67º nº. 1 alínea a) e nº. 3 do Código do Notariado,
72- No que ao um testamento público diz respeito, apenas goza de força probatória plena a declaração feita pelo notário de que no dia, hora e local indicados no testamento, o testador compareceu perante ele e declarou ser sua vontade, dispor do seu património nos termos exarados no documento em causa, ou seja, o testamento, bem como aquela outra declaração feita pelo notário de que leu o testamento em voz alta e explicou o seu conteúdo na presença simultânea de todos os intervenientes, nada mais,
73- A força probatória do testamento, apenas circunscreve as percepções neles afirmadas pelo notário, não se referindo a sinceridade, genuinidade, ou verdade das declarações dos intervenientes, ou a factos que não possam pelo notário ser comprovados cientificamente, o facto de não constar de uma escritura pública, suporte de um testamento, que a testadora estava acidentalmente incapaz de entender ou querer, não impede que essa prova se faça posteriormente, contrariamente ao que a douta sentença recorrida entendeu na fundamentação de direito, entendendo que, tratando-se o testamento de um documento autêntico, a incapacidade alegada pela Autora nunca provocaria a anulabilidade do testamento,
74- A douta sentença recorrida na fundamentação, também entende erradamente, que para além do notário, nada de anormal ter detetado, a circunstância de não se ter provado ter existido qualquer averbamento de interdição ou inabilitação ou de incapacidade de maior, significa que a testadora ER tinha capacidade para testar, dando por não provados os factos 4., 5., 6., e 7. dos factos não provados,
75- A sentença do Tribunal “a quo” considerou no facto provado, o ponto EE. que na data e momento referidos em K., ER estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração, tal facto dado como provado, deveria ter sido dado como não provado, comprovado conforme o depoimento da testemunha Dr. Y (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, conforme supra transcrito,
76- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha Dr. Y, que se recordava da falecida ER e que a mesma sofria de demência, desde pelo menos o ano de 2017, que esta não se encontrava em condições de celebrar o testamento na data em que foi feito, pois esta não tinha capacidade física nem psíquica para testar, que sofria de perturbação cognitiva, portanto, de demência, explicando que a ER, tinha e apresentava alterações ao nível cognitivo, ao nível da memória, ao nível de atenção, ao nível do seu discurso, e ao nível do entendimento e pensamento, que havia evidência com a senilidade da ER, que não tinha dúvidas quanto ao diagnóstico de demência perante o que esta demonstrava, concretizando que demonstrava uma grande lentidão psíquica, sobretudo grande perturbação a nível da sua atenção, a nível da memória,
77- Nas suas declarações, declarou ainda que a ER esquecia-se sobretudo no seu discurso, inicialmente o seu discurso acerca de uma coisa e depois não sabia o que estava a dizer, e que a ER nas consultas, tinha alguma dificuldade, por vezes, em perceber o que lhe estava a ser transmitido, e que em termos a gestão da sua pessoa havia algumas falhas, a nível de higiene, a nível de se vestir, e sobretudo nas deslocações, deslocava-se com algumas dificuldades,
78- O mesmo resulta da documentação junta aos autos, relatório do médico de família Dr. Y, com diagnóstico de demência de fls 123 a 129 dos autos, e relatório social do Lar para idosos “VL” de fls. 114 a 116 dos autos, também resulta que a data do testamento a ER já estava incapacitada, física e psiquicamente, incapaz de entender o sentido da sua declaração, ou seja, incapaz de entender o testamento,
79- Razão pela qual, este facto deveria ter sido dado como não provado.
80- O Tribunal “a quo” considerou nos factos provados, o ponto Z que a ERs faleceu, no estado de solteira, a 02 de Outubro de 2019, este facto dado como provado, encontra-se incompleto, ignorando a douta sentença recorrida, a idade da ER, que faleceu no estado de solteira, em 02 de Outubro de 2019, deveria ser dado como provado que a mesma faleceu com 98 anos de idade, e que fez o testamento com 98 anos de idade, conforme foi alegado nos artigos 1º, 24º, 59º, e 60º da p.i.,
81- A sentença recorrida considerou factos não provados, com relevo para a decisão da causa, os pontos 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 11., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 20., e 21.
82- Tais factos dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados ou parcialmente provados,
83- Facto 3., que a A. gostava muito da sua tia ER, e esta também gostava da Autora, estavam juntas quando vinha a Madeira, e falava com a tia por telefone, até esta ficar doente, inteirando-se da sua saúde, da sua vida, o que resulta do depoimento da testemunha NF, no dia 06/05/2022 de 00:00:00 a 00:30:52, conforme supra transcrito,
84- Assim, e perante análise da reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha NF, deverá concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 3. dos factos não provados, teria de ser dado como provado, que a A. gostava muito da ER, e esta também gostava daquela,
85- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
86- Quanto ao Facto 4., que o testamento foi feito quando a morte de ER era eminente, pois encontrava-se extremamente doente e incapacitada física e psiquicamente, o mesmo resulta do depoimento da testemunha Dr. Y (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, conforme supra transcrito, bem como do depoimento da testemunha MJ, no dia 05/05/2022 de 00:00:00 a 00:41:55, conforme supra transcrito,
87- Assim, e perante a reprodução de alguns excertos dos depoimentos das testemunhas Dr. Y e MJ, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 4. dos factos não provados, teria de ser dado como provado, que a ER já padecia de demência, e outras doenças, antes da celebração do testamento, e que veio a falecer em 02 de Outubro de 2019, pouco tempo depois da celebração do testamento em 24 de Maio de 2019,
88- O mesmo resulta da documentação junta aos autos, relatório do médico de família Dr. Y, com diagnóstico de demência de fls 123 a 129 dos autos, e relatório social do Lar para idosos “VL” de fls. 114 a 116 dos autos, também resulta que o testamento foi feito 4 meses e oito dias antes da morte da ER e que esta estava incapacitada física e psiquicamente,
89-Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
90- Factos 5., 6., 7., e 8.:
5. À data da celebração do testamento e mesmo antes, ER era doente cardíaca, já não falava, havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada, muito magrinha, acamada e totalmente dependente de terceiros para a sua alimentação, higiene e locomoção, era alimentada por uma sonda, era influenciável, não tinha a capacidade para entender o sentido e alcance de tal acto;
6. No momento da celebração do testamento, e já antes mesmo desse acto, a testadora ER estava incapacitada de entender e atingir o sentido e a vontade da sua declaração e de compreender o que a rodeava;
7. A testadora ER, à data da celebração do testamento e já antes não tinha capacidade de decisão, nem tinha consciência dos seus actos, não tinha capacidade para atender um telefonema, não conseguia falar, nem estava lúcida, não tendo consciência do que declarou nem do significado do acto;
8. A testadora já fora internada no Hospital Santa Maria com diagnóstico de AVC, que deixou sequelas, pois não falava, estava acamada,
91- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha Dr. Y, (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que os factos constantes dos números 5., 6., 7., e 8., dos factos não provados, teriam de ser dados como provados,
92- Do depoimento da testemunha Drº Y, resulta que o testamento em causa, foi exarado quando a ER já que se encontrava extremamente doente e incapacitada física e psiquicamente, era doente cardíaca, estava muito doente, muito debilitada, acamada, e totalmente dependente de terceiros, para a sua alimentação, higiene e locomoção, era influenciável não tinha capacidade de entender o sentido e alcance do testamento em causa, dizendo que se lembrava da falecida ER, que esta sofria de demência por si diagnosticada, Dr. Y, de perturbação cognitiva, portanto, de demência, explicando que a ER, tinha e apresentava alterações ao nível cognitivo, ao nível da memória, ao nível de atenção, ao nível do seu discurso, e ao nível do entendimento e pensamento, e que havia evidência com a senilidade da ER, que não tinha dúvidas quanto ao diagnóstico de demência perante o que esta demonstrava, concretizando que demonstrava uma grande lentidão psíquica, sobretudo grande perturbação a nível da sua atenção, a nível da memória,
93- Também afirmou, no seu depoimento, que a ER esquecia-se sobretudo no seu discurso, inicialmente o seu discurso acerca de uma coisa e depois não sabia o que estava a dizer, e que a ER nas consultas, tinha alguma dificuldade, por vezes, em perceber o que lhe estava a ser transmitido, e que em termos da gestão da sua pessoa havia algumas falhas, a nível de higiene, a nível de se vestir, e sobretudo nas deslocações, deslocava-se com algumas dificuldades,
94- Também a douta sentença recorrida ignorou que a data da celebração do testamento, em 24 de Maio de 2019, a ER, já fora diagnosticada com demência no ano de 2017, demência que se manteve até a data da sua morte, em 02 de Outubro de 2019.
96- Assim, estes factos deveriam ter sido dados como provados.
97- Factos 9., 15., 16., e 18.:
9. ER nem se dava com a Ré, não tendo ligação;
15. A Ré nunca foi chegada à falecida ER e só se aproximou da falecida quando esta se encontrava doente e incapacitada, à beira da morte, quatro meses antes da sua morte, com um único intuito de ser a sua única herdeira;
16. A Ré internou a falecida ER e logo regressou a Madeira, abandonando-a ao seu destino, pois já tinha o que queria, um testamento;
18. A R., sabendo do estado de saúde e da capacidade da falecida ER, foi a Lisboa, tratou do testamento, internou a falecida num Lar e regressou a Madeira, deixando a falecida abandonada, sem lhe prestar atenção, cuidados ou sequer visitas,
98- Perante a reprodução de alguns excertos dos depoimentos das testemunhas NF no dia 06/05/2022 de 00:00:00 a 00:30:52, supra transcrito, e MJ, terá de concluir-se, necessariamente, que os factos constantes dos números 9., 15., 16. e 18., dos factos não provados, teriam de ser dados como provados,
99- Assim, há que concluir, através da análise dos depoimentos das testemunhas NF e MJ, que a ER não se dava com a Ré, ora Recorrida, nem tinha ligação, bem como a Ré nunca foi chegada a esta, e só se aproximou desta quando estava doente e incapacitada quatro meses antes da sua morte, com o intuito de ser a sua única herdeira,
100- Foi a Recorrente, que tratou do testamento, e do internamento no lar de idosos, deixando a falecida abandonada, atendendo ao estado de saúde da ER,
101- Razão pela qual, estes factos deveriam ter sido dados como provados.
102- Quanto ao Facto 11., que a Autora, sabendo que a sua tia, a falecida ER, estava doente, ligava para o Lar VL, localizado na Rua…, onde aquela estava internada, uns três meses antes do seu falecimento, para saber da mesma e para falar com esta, tendo-lhe sido transmitido pela chefe AA, que não podiam passar a chamada, e que a ER “Estava muito acabadinha, e que não falava”, “que não comia por si e era alimentada por uma sonda, e que estavam a espera que o dia dela chegasse,
103- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha NF, no dia 06/05/2022 de 00:00:00 a 00:30:52, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 11., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
104- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha NF, que a Autora, sabendo da sua tia falecida ER estava doente, ligava para o lar “VL”, onde esta estava internada, os três meses antes do seu falecimento para saber da mesma e falar com esta, tendo a Chefe AA do lar, dito que não podia passar a chamada, que a ER estava muito acabadinha e que não falava, já comia por sonda e que estava a espera que o dia dela chegasse,
105- A douta sentença recorrida ignorou a documentação junta aos autos, relatório do médico de família Dr. Y, com diagnóstico de demência de fls 123 a 129 dos autos, e relatório social do Lar para idosos “VL” de fls. 114 a 116 dos autos, também resulta que o testamento foi feito 4 meses e oito dias antes da morte da ER e que esta estava incapacitada física e psiquicamente,
106- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
107- Quanto ao Facto 12., que Toda a gente sabia que a falecida ER, não se encontrava em condições de celebrar testamento na data em que este foi feito, pois sabiam que não tinha capacidade de celebrar tal testamento na data em que foi lavrado,
108- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha Dr. Y, (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 12., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
109- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha Dr. Y, que sabia do estado de demência que diagnosticara a falecida ER, pelo menos desde o ano de 2017, não se encontrava em condições de celebrar o testamento nada data em que foi feito, pois esta não tinha capacidade física nem psíquica para testar,
110- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
111- Facto 17., que a Ré foi a Lisboa, tendo mentido e dito à família que fora ao Porto Santo, e poucos dias ficou no Continente,
112- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha NF, no dia 06/05/2022 de 00:00:0 a 00:30:52, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 17., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
113- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha NF, que a Ré mentiu a família e disse que fora ao Porto Santo, quando fora a Lisboa,
114- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
115- Facto 19., que a doença de que padecia a falecida ER afectava a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, disturbando e comprometendo a sua vontade, na sua vivência quotidiana e corrente, concretamente na sua disposição dos bens por morte,
116- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha Dr. Y, (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 19., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
117- O que não veio acontecer, contraditoriamente ao depoimento transcrito da testemunha Dr. Y,
118- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha Dr. Y, que sabia do estado de demência que diagnosticara a falecida ER, pelo menos desde o ano de 2017, não se encontrava em condições de celebrar o testamento nada data em que foi feito, pois esta não tinha capacidade de percepção, compreensão, discernimento, entendimento, disturbando e comprometendo a sua vontade, na sua vivência quotidiana, concretamente, a sua disposição por morte,
119- Ainda no seu depoimento, disse que a ER esquecia-se sobretudo no seu discurso, inicialmente o seu discurso acerca de uma coisa e depois não sabia o que estava a dizer, e que a ER nas consultas, tinha alguma dificuldade, por vezes, em perceber o que lhe estava a ser transmitido, e que em termos a gestão da sua pessoa havia algumas falhas, a nível de higiene, a nível de se vestir, e sobretudo nas deslocações, deslocava-se com algumas dificuldades,
120- A douta sentença recorrida ignorou a documentação junta aos autos, relatório do médico de família Dr. Y, com diagnóstico de demência de fls 123 a 129 dos autos, e relatório social do Lar para idosos “VL” de fls. 114 a 116 dos autos, também resulta que o testamento foi feito 4 meses e oito dias antes da morte da ER e que esta estava incapacitada física e psiquicamente,
121- Bem como dos documentos de fls. 18 e 19 dos autos, testamento, de fls. 17 e 17 verso dos autos, assento de óbito, resulta que a ER faleceu 4 meses e oito dias após a celebração do testamento, e a data em que o testamento foi celebrado, em 24 de Maio de 2019, a sua capacidade de percepção, compreensão, estava afetada, não tendo capacidade para celebrar o testamento,
122- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
123- Facto 20., que foi a Ré quem se deslocou da Madeira ao Continente, para efectuar o testamento, tendo sido esta a contactar o Notário e a falar com o mesmo, comunicando o teor do testamento, sendo esta quem solicitou a presença das testemunhas, e até levou consigo uma testemunha residente na Madeira, designadamente, JV, viúvo, residente no …, Machico;
124- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha Dr. PB, (notário), no dia 06/05/2022 de 00:00:00 a 00:09:28, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 20., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
125- Podemos concluir, através do depoimento da testemunha Dr. PB, que celebrou o testamento em casa da falecida ER, que este testamento, é chamado, testamento externo, é um ato externo, portanto, é feito em casa, quer dizer, o testamento vai feito,
126- A douta sentença recorrida ignorou o documento de fls. 18 e 19 dos autos, testamento, resulta que o testamento foi celebrado em casa da falecida ER, que esta não pode assinar por não poder faze-lo e que a testemunha JV tem residência na Região Autónoma da Madeira, concelho de Machico,
127- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
128- Facto 21, que a falecida ER, tinha médico de família, que a acompanhava e sabia do seu estado de saúde, que era doente cardíaca, já não falava  havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada,
129- Perante a reprodução de alguns excertos do depoimento da testemunha Dr. Y, (médico), no dia 06/05/2022 de 00:00:01 a 00:21:18, supra transcrito, terá de concluir-se, necessariamente, que o facto constante do número 21., dos factos não provados, teria de ser dado como provado,
130- Afirmou, no seu depoimento que se lembrava da falecida ER, que sofria de demência, por si diagnosticada, Dr. Y, de perturbação cognitiva, portanto, de demência, explicando que a ER, tinha e apresentava alterações ao nível cognitivo, ao nível da memória, ao nível de atenção, ao nível do seu discurso, e ao nível do entendimento e pensamento,
131- A douta sentença recorrida ignorou a documentação junta aos autos, relatório do médico de família Dr. Y, com diagnóstico de demência de fls 123 a 129 dos autos, e relatório social do Lar para idosos “VL” de fls. 114 a 116 dos autos, bem como resulta dos documentos, informação clínica do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que demonstram que a ER era doente cardíaca e tinha pace-maker, tudo conforme consta dos autos de fls. 78 a 107 dos autos,
132- Assim, este facto deveria ter sido dado como provado.
133- Conforme o artigo 640º do C.P.C., cabe ao Recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, indicar os concretos pontos que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos na matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre questões de facto impugnadas,
134- Ainda conforme o artigo 662º do C.P.C., a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Termos em que
Deve ser proferido Douto Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Juiz “a quo”, determinando procedentes os pedidos deduzidos pela Autora, ora Recorrente, declarando-se a anulação ou nulidade do testamento, lavrado no dia 24 de Maio de 2019, pelo Cartório Notarial de …, de fls. 29 a fls. 29 verso do Livro de Notas número 18 para Testamentos Públicos e Revogação de Testamentos Públicos, pois só assim será feita JUSTIÇA!
- A sentença recorrida viola entre outros, os artigos:
Do Código Civil: 371º, 2205º, 2180º, 2199º, 257º nºs 1 e 2, 2179º, e 2191º.
Do Código do Notariado: 173º nº. 1 alínea c) e nº. 2, 67º nº 1 alínea a) e nº. 3, 174º nº. 2.”

A R. apresentou contra-alegações, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“A. ER e IM eram irmãs;
B. ER era enfermeira reformada;
C. ER sabia assinar o seu nome;
D. ER vivia no Continente;
E. A falecida ER costumava vir à Madeira todos os anos, e ficava em casa da sua irmã IM, da qual era muito amiga e à qual sempre disse que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros;
F. IM teve seis filhos, de seus nomes: AS (aqui Autora), MM (aqui Ré), MZ, MD, CP e JA;
G. A 30 de Abril de 2019, quando estava sentada na companhia da sua vizinha MC, ER perdeu a consciência subitamente e sofreu uma paragem cardiorrespiratória, tendo sido hospitalizada no Centro Hospitalar de Lisboa, onde permaneceu durante 22 dias;
H. MC informou a Ré do referido em G., tendo-se esta dirigido a Lisboa, a fim de apoiar ER;
I. A Ré esteve com a sua tia ER, acompanhando-a diariamente durante todo o período em que esteve internada;
J. A 22 de Maio de 2019, ER teve alta hospitalar, tendo sido recomendado pelo Centro Hospitalar que fosse internada num lar onde pudessem ser prestados todos os cuidados;
K. A 24 de Maio de 2019, ER celebrou testamento através do qual instituiu MM como sua única herdeira;
L. O testamento referido em K. foi celebrado na Rua…, em Lisboa, pelo Notário PB, tendo como testemunhas JV e MC;
M. No testamento referido em K. foi pelo Notário consignado “fiz à testadora a leitura deste testamento e a explicação do seu conteúdo e porque a testadora declarou não poder assinar vai apor a sua impressão digital”;
N. Até Maio de 2019, ER era autónoma nas suas actividades da vida diária, contando com o apoio da sua vizinha, MC;
O. ER e a Ré falavam via telefone;
P. Os contactos de ER, em termos familiares, de há uns anos, que passaram a ocorrer quase exclusivamente com a Ré;
Q. Quando a ER teve alta hospitalar em Maio de 2019, era intenção da Ré trazê-la para a Madeira, para residir no prédio urbano que esta tinha no Funchal e, assim, poder prestar todos os cuidados que a tia necessitasse;
R. Os médicos informaram que ER não poderia viajar atendendo ao seu estado de saúde, pelo que regressou a sua casa, em Lisboa, na companhia da Ré;
S. A Ré continuou a cuidar da sua tia ER, na casa desta, onde permaneceu até 17 de Junho de 2019;
T. No dia 1 de Junho de 2019 e com receio, dado os antecedentes da sua tia, a Ré levou ER ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa, por se queixar de dores no punho direito e joelho esquerdo;
U. ER teve alta para o domicílio nesse mesmo dia, com medicação analgésica em SOS;
V. Decorridos quase dois meses desde que a Ré saíra da Região Autónoma da Madeira para cuidar da sua tia ER, teve de regressar;
W. Atendendo a que necessitava de cuidados diários, ER foi residir a 17 de Junho de 2019 para o estabelecimento de apoio a idosos "VL", sito na Rua …;
X. A Ré passou a estabelecer contacto com a sua tia ER através do Lar VL, para onde ligava diariamente, sendo a Ré o único elemento da família responsável pela referida ER e único elemento de ligação com esta instituição;
Y. A ré pediu inclusivamente a uma pessoa amiga, que conheceu em Lisboa, MF, para ir visitar a sua tia ao VL, para que ER não se sentisse só;
Z. ER faleceu, no estado de solteira, a 02 de Outubro de 2019;
AA. ER faleceu sem descendentes ou ascendentes vivos;
BB. À data da sua morte, ER tinha registada em seu nome o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 000, sito à …, Funchal;
CC. Após a morte de ER, a Ré, algum tempo após o funeral, disse que a tia ER lhe tinha deixado tudo;
DD. O referido em CC. deixou a Autora espantada, pois a tia ER sempre dissera que os bens eram para todos os seus herdeiros;
EE. Na data e momento referidos em K., ER estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração.”

A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“1. MZ e MD ficaram revoltadas, pois nunca esperavam que a irmã, a ora Ré, pudesse fazer uma coisa destas, ou seja, fosse ao Continente quando a tia já estava incapacitada, e tivesse feito um testamento a seu favor;
2. A estada referida em E. ocorreu até IM falecer em 18 de Maio de 2018;
3. A A. gostava muito da sua tia ER, e esta também gostava da Autora, estavam juntas quando vinha a Madeira, e falava com a tia por telefone, até esta ficar doente, inteirando-se da sua saúde, da sua vida;
4. O testamento foi feito quando a morte de ER era eminente, pois encontrava-se extremamente doente e incapacitada física e psiquicamente;
5. À data da celebração do testamento e mesmo antes, ER era doente cardíaca, já não falava, havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada, muito magrinha, acamada e totalmente dependente de terceiros para a sua alimentação, higiene e locomoção, era alimentada por uma sonda, era influenciável, não tinha a capacidade para entender o sentido e alcance de tal acto;
6. No momento da celebração do testamento, e já antes mesmo desse acto, a testadora estava incapacitada de entender e atingir o sentido e a vontade da sua declaração e de compreender o que a rodeava;
7. A testadora, à data da celebração do testamento e já antes não tinha capacidade de decisão, nem tinha consciência dos seus actos, não tinha capacidade para atender um telefonema, não conseguia falar, nem estava lúcida, não tendo consciência do que declarou nem do significado do acto;
8. A testadora já fora internada no Hospital Santa Maria com diagnóstico de AVC, que deixou sequelas, pois não falava, estava acamada;
9. ER nem se dava com a Ré, não tendo ligação;
10. ER não gostava da Ré, dizia para esta “Vai-te embora, o que fazes aqui, não te quero aqui”, e dizia a Autora que “não gostava da MM que ela só fazia caso das pessoas por interesse”;
11. A Autora, sabendo que a sua tia, a falecida ER, estava doente, ligava para o Lar VL, localizado na Rua …, onde aquela estava internada, uns três meses antes do seu falecimento, para saber da mesma e para falar com esta, tendo-lhe sido transmitido pela chefe AA, que não podiam passar a chamada, e que a ER “Estava muito acabadinha, e que não falava”, “que não comia por si e era alimentada por uma sonda, e que estavam a espera que o dia dela chegasse”;
12. Toda a gente sabia que a falecida ER, não se encontrava em condições de celebrar testamento na data em que este foi feito, pois sabiam que não tinha capacidade de celebrar tal testamento na data em que foi lavrado;
13. ER era muito trabalhadora e poupada, tendo deixado alguns bens móveis e dinheiro;
14. ER recebia uma pensão de aproximadamente de €1.700,00 por mês;
15. A Ré nunca foi chegada à falecida ER e só se aproximou da falecida quando esta se encontrava doente e incapacitada, à beira da morte, quatro meses antes da sua morte, com um único intuito de ser a sua única herdeira;
16. A Ré internou a falecida ER e logo regressou a Madeira, abandonando-a ao seu destino, pois já tinha o que queria, um testamento;
17. A Ré foi a Lisboa, tendo mentido e dito à família que fora ao Porto Santo, e poucos dias ficou no Continente;
18. A R., sabendo do estado de saúde e da capacidade da falecida ER, foi a Lisboa, tratou do testamento, internou a falecida num Lar e regressou a Madeira, deixando a falecida abandonada, sem lhe prestar atenção, cuidados ou sequer visitas;
19. A doença de que padecia a falecida ER afectava a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, disturbando e comprometendo a sua vontade, na sua vivência quotidiana e corrente, concretamente na sua disposição dos bens por morte;
20. Foi a Ré quem se deslocou da Madeira ao Continente, para efectuar o testamento, tendo sido esta a contactar o Notário e a falar com o mesmo, comunicando o teor do testamento, sendo esta quem solicitou a presença das testemunhas, e até levou consigo uma testemunha residente na Madeira, designadamente, JV, viúvo, residente no …, Machico;
21. A falecida ER, tinha médico de família, que a acompanhava e sabia do seu estado de saúde, que era doente cardíaca, já não falava, havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada;
22. Em 2018, a Ré foi visitar a sua tia, com quem esteve durante duas semanas;
23 A Ré mantinha contacto também frequente com a referida  MC, vizinha da sua tia ER, a fim de se inteirar do estado de saúde da sua tia;
24. Em 2018 ER solicitou à Ré que diligenciasse pela realização de obras de remodelação do prédio que aquela detinha na Região Autónoma da Madeira, sito em Santo António, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 000;
25. Em 2018, ER transmitiu à Ré ser sua intenção deixar-lhe esse bem imóvel e quaisquer bens que tivesse à data da sua morte;
26. Face a tal promessa e com a ajuda do seu filho, a Ré procedeu, em finais de 2018, a obras de remodelação do referido imóvel;
27. Antes das obras realizadas pela Ré e seu filho o referido imóvel estava degradado e agora está remodelado, nele foram colocados novos moveis, janelas, portas; o imóvel foi pintado, e foram ainda remodelados os jardins que rodeiam a casa;
28.A Ré trabalhava, na altura, no Lar … e teve de socorrer-se de baixa médica para apoio a familiar, neste caso, à sua tia;
29. Quando ER não atendia as chamadas da Ré, esta chegou por diversas vezes a contactar os bombeiros e pedir que fossem a casa da ER verificar se estava bem;
30. A Autora conhece e sempre esteve a par de todos os factos alegados, pois a Ré era muito chegada a esta sua irmã e sempre lhe contou tudo;
31. A Autora sabia que a Ré foi para o continente cuidar da tia em Abril de 2019, que a Ré mantinha contacto diário com a tia ER e que esta pretendia deixar os seus bens à Ré.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
São as seguintes as questões a decidir:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Da invalidade do testamento

1. Da impugnação da decisão de facto
A apelante entende que deve ser dado como provado que a testadora faleceu com a idade de 98 anos, conforme assento de óbito junto aos autos. A este respeito invocou, ainda, contradição entre os factos provados Z e AA e os documentos juntos e o alegado.
Adiantamos que entre factos provados e documentos e/ou alegações nos articulados não constituem vício (eventual nulidade), sendo a apontada contradição suscetível de impugnação da decisão de facto.
Apreciemos.
Efetivamente resulta do documento nº 1 junto com a petição inicial, que ER faleceu em 02/10/2019, com 98 anos de idade, pelo que deve tal facto ser aditado ao constante na alínea Z dos factos provados, o qual passa a ter a seguinte redação:
“Z. ER faleceu, no estado de solteira, a 02 de outubro de 2019, com 98 anos de idade.”
Entende, ainda, que deve ser dado como provado que ER sofria de demência no momento em que celebrou o testamento, conforme informação clínica de fls. 123 a 129, depoimento do médico de medicina geral, Dr. Y, e documentos de fls. 178 a 180.
Este facto não foi alegado na petição inicial, articulado onde se afirma que a testadora se encontrava incapacitada física e psiquicamente (cfr. artºs 17º, 21º, 22º, 24º e 25º).
Todavia, nos termos do disposto no art.º 5º, nº 2, al. b) do CPC, devem ser considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
A demência senil constitui facto concretizador da alegação efetuada na p.i. quanto à incapacidade psíquica da testadora, elemento que foi introduzido nos autos em 03/01/2022, pela junção de informação clínica do Dr. Y e registos clínicos de consultas no Centro de Saúde de ….
Ambas as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar sobre esses documentos, o que fizeram, e foi ouvido como testemunha o Dr. Y.
No seu depoimento, o Dr. Y, médico de medicina geral e familiar no Centro de Saúde …, em Lisboa, que acompanhou a testadora, nessa qualidade, desde vários anos antes do seu falecimento, confirmou ter diagnosticado demência, senilidade de ER, em 2017. A testemunha esclareceu que tal diagnóstico resultou de mero exame objetivo – e não de exames neurológicos. Mais referiu que a paciente não fazia medicação para a demência, por se mostrar relutante. Relatou o que fez consignar a tal respeito nos registos clínicos das consultas, elementos juntos aos autos em 03/01/2022. Destes resulta que ER foi consultada pelo Dr. Y cinco vezes, de 18/09/2017 a 18/03/2019, tendo sido anotado nos registos respetivos “demência”. Explicou que denotava essencialmente lentificação do pensamento, sobretudo ao nível da atenção e memória. Instado a esclarecer, afirmou que a perceção de si própria, do que pensava, gostava ou não, se encontrava preservada e que a doença se encontrava num estadio inicial, com momentos de lucidez. Referiu, ainda, que a demência não é doença linear, mas ondulante, existindo momentos de completa lucidez, o que verificou nas consultas. Mais esclareceu que ER se deslocava sozinha às consultas, que tinha ideias muito próprias quanto aos exames a efetuar e sua medicação. Acrescentou que não podia asseverar o seu estado (a nível neurológico, de perceção e vontade) na data do testamento, mas não era impossível que estivesse “orientada”.
Deslocar-se sozinha às consultas indicia autonomia, orientação espacial e também temporal. Nas consultas, ER manifestou, nas palavras do médico de família, com acerto, convicções religiosas e políticas. É, pois, manifesto que a apontada demência estava numa fase inicial, muito incipiente. Demência que não foi confirmada em especialidade de neurologia. A apelante aponta a realização de exames de neurologia, remetendo para fls. 178 a 80 dos autos.
Todavia, trata-se de ficha clínica de episódio de urgência em 01/06/2019 com alta a 03/06/2019, no Centro Hospital Universitário de Lisboa Central, tendo sido descrita a causa “quadro de mau estar geral há 8 horas, dor no punho dtº e MI e MI esq. sem trauma”. Neste contexto efetuou diversos exames, mas deles nada resulta quanto a especialidade de neurologia.
Assim, deve ser considerado provado o seguinte facto, que se adita:
“FF. Em 18/09/2017 foi diagnosticado pelo médico de família, por exame objetivo, que ER padecia de demência, que lhe afetava sobretudo o pensamento, a memória e atenção, mantendo momentos de perfeita lucidez”.
 A apelante impugnou os factos não provados nºs 3 a 9, 11, 12, 15 a 21 e o facto provado da alínea EE), entendendo que os primeiros devem ser considerados provados e o último não provado.
Indicou o depoimento do Dr. Y quanto aos factos não provados nºs 4 a 8, 11, 12, 19 e 21 e provado EE).1
O depoimento da referida testemunha não sustenta os aludidos factos não provados, com exceção da primeira parte do facto não provado nº 21, pois mencionou ter sido o médico de família de ER, o que aliás, consta do facto aditado da al. FF). A testemunha não referiu ter conhecimento dos demais aspetos relativos à saúde e incapacidades de ER constantes do ponto 21, bem como nos pontos 4 a 8, 12 e 19, com exceção do que foi objeto do facto aditado FF). Remete-se, pois, para a analise efetuada do depoimento, salientando-se que a testemunha afirmou não poder asseverar o estado da testadora (a nível neurológico, de perceção e vontade), na data do testamento, mas não era impossível que estivesse “orientada”.
O ponto 11 da factualidade não provada diz respeito a contatos entre terceiros, estado de saúde de ER depois de internada em Lar, a que a testemunha é completamente alheia, não tendo revelado qualquer conhecimento direto ou indireto desses factos.
Quanto ao ponto 21 dos factos não provados são irrelevantes os demais elementos probatórios indicados pela apelante (relatórios e elementos clínicos) uma vez que está em causa o conhecimento por parte do médico de família.
Assim, elimina-se a 1ª parte do facto não provado nº 21, que passa a ter a seguinte redação:
“21. O médico de família de ER sabia que esta era doente cardíaca, já não falava, havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada. “
Salienta-se que da nota de alta datada de 22/05/2019 consta: “à data da alta apresenta-se vigil, calma e colaborante, com discurso simples, mas coerente, orientada no espaço, tempo e na sua pessoa (…)” – elemento este que data de 2 dias antes da celebração do testamento e contraria completamente a versão da apelante quanto à incapacidade psíquica da testadora.
Em relação ao facto nº 4 a apelante também indicou o depoimento de MJ, cunhada da A. e da R..
Esta testemunha não podia asseverar – o que, aliás, não fez - que ER estivesse extremamente doente e incapacitada física e psiquicamente à data do testamento, pela simples razão de residir na Madeira e a testadora no Continente, e ter visto esta pela última vez, na sua casa de Lisboa em 2015. À pergunta de que doenças padecia ER, respondeu não saber.
Relativamente aos factos não provados 4 a 8, 12 e 19 e facto provado EE), para além do depoimento de Y, já analisado, indicou a apelante o “relatório do Dr. Y” e registos clínicos, de fls. 123 a 129, o relatório elaborado pela Residencial VL, lar onde ER foi internada em 17/06/2019 (fls. 114 a 116), informação clínica de fls. 78 e ss., assento de óbito e testamento.
Da informação clínica elaborada pelo Dr. Y consta que ER foi diagnosticada com síndrome demencial senil e os registos clínicos referentes às consultas no Centro de Saúde, acima analisados, contêm a anotação “demência”. No mais, referente a medicamentos, análises, etc., são elementos inócuos para a factualidade impugnada. Como já mencionado tal diagnóstico resultou de exame objetivo, sem que tenha sido elaborado qualquer exame da especialidade ou seguimento em consulta de neurologia ou prescrita medicação – o que foi referido pelo médico de família, Dr. Y.
Do relatório elaborado pelo estabelecimento de apoio a idosos Residencial VL, consta o seguinte:
“Aquando da sua admissão, encontra-se orientada com um discurso estruturado e coerente, dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária (cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, idas à casa de banho) à excepção das refeições, onde conseguia alimentar-se de forma autónoma desde que as refeições estivessem preparadas.
Não controlava os esfíncteres urinários nem anais usando fralda dia e noite.
Mantinha a marcha e a capacidade motora, deslocando-se pelo estabelecimento com ajuda de terceiros.
A linguagem verbal mantinha-se intacta bem como a construção de frases, a manutenção de uma conversação, o pensamento e o raciocínio.”
Estes meios probatórios manifestamente não só não sustentam a prova dos factos 4 a 8, 12, 19 e 21, nem infirmam o consignado em EE), como contrariam a versão da apelante, com a seguinte ressalva.
Do que é percetível, os elementos clínicos de fls. 78 e ss., foram emitidos pelo Serviço de cardiologia do Hospital de Santa Marta, em Lisboa, deles constando que ER efetuou consultas e exames e colocou pacemaker. Não existe informação clínica clara e inequívoca quanto a doença concreta, mas a colocação de pacemaker tem causa cardíaca, pelo que deve ser eliminado dos factos não provados, a menção a doença cardíaca, sem necessidade do aditamento aos provados, por irrelevante para a afetação mental em que se funda a ação. 
Assim, o facto não provado nº 5 passa a ter a seguinte redação:
“5. À data da celebração do testamento e mesmo antes, ER já não falava, havia sofrido um AVC, estava muito doente, muito debilitada, muito magrinha, acamada e totalmente dependente de terceiros para a sua alimentação, higiene e locomoção, era alimentada por uma sonda, era influenciável, não tinha a capacidade para entender o sentido e alcance de tal acto”.
A testemunha Dr. PB, notário que elaborou o testamento dos autos, embora não tenha recordado o caso em concreto, referiu o procedimento que adota, relatando as perguntas que coloca ao testador para aferir das suas faculdades mentais e vontade do testador (além de elementos de identificação, o que pretende fazer, porque razão o notário foi chamado a casa, etc,.) e que depois de ler o testamento pergunta se a pessoa o entendeu, assegurando-se que o compreendeu e que correspondia à sua vontade. Mais afirmou convictamente e com segurança de que se tivesse dúvidas quanto às faculdades mentais de ER se teria recusado a realizar o ato, como já o fez por diversas vezes, ao longo da sua carreira de mais de 30 anos.
Também a testemunha MC, vizinha de ER, com quem convivia diariamente, que foi testemunha no testamento, afirmou com segurança e de forma credível, que aquela era uma pessoa autónoma, que à data do testamento estava lúcida, sabia bem o que queria, que antes da realização do testamento lhe tinha manifestado a vontade de deixar os seus bens à sobrinha MM porque foi a única pessoa que a ajudou e tratou, vontade que também foi questionada pelo notário. 
A testemunha AA, proprietária da residencial VL, referiu que no momento em que ER entrou no seu estabelecimento, andava e falava, lia muitos livros. Conversou com ela, contou-lhe que tinha sido enfermeira na Mac, etc. Estava capaz de comunicar, a sua conversa tinha sentido, estava lúcida.
A apelante aludiu ainda ao testamento e ao assento de óbito afirmando que deles resulta que ER faleceu 4 meses e oito dias após a celebração do testamento. É uma conclusão a retirar da data do testamento e da data do óbito, que constam dos factos provados.
Com exceção das referidas alterações, mantêm-se como não provados os factos nºs 4 a 8, 12, 19 e 21 e como provado o facto EE).
Pugna a apelante para que os factos não provados nºs 3, 11 e 17 sejam considerados provados, indicando o depoimento da testemunha NF.
O depoimento desta testemunha, filha da A., revelou-se pouco credível. É certo que afirmou que a tia gostava muito da sua mãe, ora A., e que esta contatava regularmente ER por telefone até “esta ter mudado de casa”, que a sua mãe acabou por conseguir falar com a D. AA, do Lar onde a tia foi internada, que lhe transmitiu que a tia já não falava.
A testemunha referiu residir no Reino Unido há oito anos, pelo que desde então não tem conhecimento direto de contatos entre a mãe e ER (com exceção de período de cerca de 5 meses, no ano de 2019, em que esteve na Madeira), nem entre a mãe e o Lar de idosos, como assumiu. Acrescentou, ainda, que não via ER desde algum tempo antes de ir residir para o Reino Unido.
Acabou também por afirmar que quando souberam que ER estava doente, nenhum outro familiar, designadamente a sua mãe, ora A., teve algum tipo de atitude, como visitá-la ou, de qualquer modo, apoiá-la.
A testemunha referiu que a R. foi a Lisboa, quando soube que a tia estava doente e mentiu à família, dizendo que fora ao Porto Santo. Nesta parte, o seu depoimento é indireto, pois a afirmação terá sido feita a terceiros (eventualmente a sua mãe).
Não basta que uma testemunha afirme determinado facto para que este se considere provado.
Acresce que a testemunha MJ mencionou que os contatos entre A. e ER aconteciam quando a última se deslocava à Madeira, anualmente, em agosto, o que deixou de acontecer quando aquela sua irmã, IM (mãe da A. e da R.), adoeceu, em 2015-2016. E embora tenha referido que também falavam por telefone, acrescentou que desde que ER mudou de casa deixou de a contatar por essa via, uma vez que não deu o número da nova casa a ninguém. Instada a esclarecer se a R. havia omitido ou mentido que ia ao Continente por a tia estar doente, admitiu que a R. disse ao irmão, marido da testemunha, que tinha ido a Lisboa porque a tia estava doente.
Assim, os factos nºs 3 e 17 não têm suporte probatório no depoimento desta testemunha.
Relativamente ao facto nº 11, indicou ainda os relatórios do Dr. Y e da Residencial VL, bem como os documentos de fls. 18 e 19 e 17 e verso.
Como já assinalado, de tais documentos não se pode extrair o constante no facto nº 11 relativamente ao estado de saúde de ER. 
A testemunha AA referiu que ER dizia que não queria falar ao telefone com outros familiares, apenas atendia o telefone a MM.
Em suma os factos nºs 3, 11 e 17 devem manter-se como não provados.
Impugna a apelante os factos não provados nºs 9, 15, 16 e 21, com base nos depoimentos de NF e MJ.
Nos respetivos depoimentos, as testemunhas não concretizaram datas em que a R. se deslocou a Lisboa e regressou à Madeira, nem de forma credível mencionaram a falta de ligação da R. à falecida, embora de forma tendenciosa tenham feito juízos de valor em relação à R., apelidando-se de “interesseira”. Os referidos depoimentos além de irrelevantes, pois não acompanharam o estado de saúde, internamentos hospitalares e, por último, em lar, de ER, mostram-se em total contradição com os factos provados elencados nas alíneas G, H, I, J, Q, R, S, T, U, V, W, X e Y – factos que a apelante não impugnou.
A convicção relativamente a estes factos provados foi efetuada pela 1ª instância nos seguintes termos:
“Os factos mencionados em T. e U. mostram-se comprovados pelo teor do relatório médico de fls. 46-46V.º, que confirmam a ali exarada entrada em serviço de urgência e saída para domicílio, com medicamentos em SOS. (…)
Estribou o Tribunal a sua convicção, quanto ao referido em G., H., I. e J., no teor do depoimento de MC (vizinha da falecida ER) que, de forma clara, espontânea e credível, por relatar episódios directamente por si vividos, relatou tais factos.
A testemunha relatou o episódio de perda de consciência referida em G., a chamada de socorro médico e o internamento e, bem assim, que ER havia chamado pela Ré, pelo que lhe telefonou a contar o sucedido.
Ponderou-se, igualmente, o teor da nota de alta clínica de fls. 43-44V.º e as informações nela consignadas que, de forma clara, corroboram o relato efectuado pela testemunha e comprovam o mencionado em G..
Ponderou o Tribunal o relato desta testemunha para formar a sua convicção quanto ao elencado em N., O., P., Q., R., S., V. e W., na medida em que esta os relatou, referindo que a Ré se deslocou a lisboa, assim que lhe telefonou a dar conta do ocorrido, e ali ficou, acompanhando o internamento de ER e a sua recuperação em casa, sendo que a sua intenção seria levar a tia para a Madeira assim que tivesse alta, mas que os médicos o não permitiram.
A testemunha relatou ainda a comunicação feita pelo hospital, no sentido de que ER não podia voltar a ficar sozinha em casa, referindo que esta se recusava a ir para um lar da Santa Casa da Misericórdia e que, quando a Ré se viu forçada – pelas circunstâncias da sua vida particular – a ter que regressar a Madeira, foi a testemunha quem sugeriu o lar, por ser de uma pessoa sua conhecida.
A testemunha foi peremptória no seu relato de que ER sabia bem o que fazia e o que queria, sendo perfeitamente autónoma – a testemunha refere que ia às compras e à missa sozinha – e muito culta e conversadora, sendo hábito de ambas que ela jantasse em casa da testemunha e conversassem durante o jantar (sendo que fora isso, até, que ocorrera no dia referido em G., quando teve que chamar ajuda médica).
Teve o Tribunal em consideração o depoimento desta testemunha – que nenhuma ligação familiar possuía a qualquer uma das partes – e que lidava diariamente com ER, para formar a sua convicção quanto ao elencado em 5. a 9., 12., 15., 16., 18., 19. e 20., na medida em que do seu relato resultou que ER era autónoma - ainda que apresentasse as debilidades físicas próprias da sua idade -, estava mentalmente sã, falava e levava uma vida normal, assim expressamente contrariando o que ali se mostrava alegado.
Acresce que a Autora nenhuma prova sustentada, credível e cabal do que por si ali semostra alegado apresentou aos autos.”
No recurso nada se alega quanto a esta parte da fundamentação.
O depoimento da testemunha MC foi fundamental para formar a convicção quanto aos aludidos factos provados, pois era vizinha de ER e conviviam diariamente, como já mencionado supra.
Por último sustenta a impugnação do facto nº 20 no depoimento de PB e no próprio testamento.
No seu depoimento, o notário que elaborou o testamento junto aos autos, explicou o procedimento habitual: o Cartório é contatado a fim de elaborar testamento, na residência do testador, por dificuldades de deslocação; leva o testamento elaborado, faz determinadas perguntas ao testador a fim de averiguar das suas capacidades mentais.
A testemunha não mencionou ter sido contatado nem falado com a R., que tenha sido esta a comunicar o teor do testamento ou a solicitar a presença das testemunhas que nele figuram.
O depoimento é, nesta parte, absolutamente irrelevante para os fins pretendidos, tal como o próprio testamento, cujo texto não contempla o que a apelante deseja ver provado.
A apelante imputa à decisão recorrida, as seguintes contradições:
- entre os factos provados e a decisão proferida, e os documentos juntos aos autos, por no ponto E. dos factos provados, ter ficado provado que ER costumava vir à Madeira todos os anos, e ficava em casa da sua irmã IM, da qual era muito amiga e à qual sempre disse que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros; no ponto DD. dos factos provados, ter ficado provado que o referido em CC. deixou a Autora espantada, pois a tia ER sempre dissera que os seus bens eram para todos os seus herdeiros; e acabou celebrando testamento a favor da Ré.
Verifica-se que verdadeiramente a apelante atribui contradição entre os factos provados dos pontos E. e DD. e o facto provado da alínea K.
Todavia, não se vislumbra contradição entre tais factos, que apenas traduzem mudança de vontade por parte da testadora, e que no plano lógico racional não se revelam incompatíveis, inconciliáveis.    
- entre os factos provados da alínea M. e das alíneas B e C.
Uma realidade é a testadora não poder assinar, conforme exarado no testamento, o que revela uma incapacidade física naquela data, e outra realidade é a testadora saber assinar. Não existe, pois, contradição entre tais factos.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, com alteração da redação dos factos não provados nºs 5 e 21, e aditamento do facto provado FF), como sobredito.

2. Da invalidade do testamento
Defende a apelante que o testamento é nulo, porque a testadora não exprimiu conscientemente a sua vontade, como é exigido pelo artigo 2180º do CC e que, conforme o artigo 2199º do CC, é anulável o testamento pois a testadora à data da sua celebração, e já antes, não tinha capacidade de decisão, não tinha consciência dos seus atos, não tendo consciência do que declarou, nem o significado do ato.
Dispõe o art.º 2180º do CC que é nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade, mas apenas por sinais ou monossílabos, em resposta a perguntas que lhe fossem feitas.
Em anotação a este preceito referem Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra editora, pág. 289, que “com a alusão expressa e direta aos casos em que a expressão da vontade do testador se tenha processado, não através de declarações verbais acabadas, mas de puros sinais ou acenos (de cabeça ou de mão) ou de simples monossílabos, em resposta a perguntas que lhe foram feitas, facilmente revela ao intérprete, que a lei se quer, especificada, concreta e restritamente referir  aos casos excepcionais, mas verificáveis na prática, em que as declarações imputadas ao disponente não oferecem já (pelo estado de inconsciência, semi-consciência ou de depressão psicológica, e que se encontra, possivelmente com o espectro da morte à sua frente ou com a presença inibitória de algumas pessoas à sua volta) as garantias mínimas de certeza e de autenticidade psicológica.“
Da factualidade provada nada se extrai quanto a ter a testadora manifestado a sua vontade com sinais ou monossílabos, pelo que, sem necessidade de mais considerações, improcede o fundamento de nulidade arguido.
Estabelece o art.º 2199º do CC que é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.
Citando, de novo, Antunes Varela e Pires de Lima, ob. citada, pág. 323, esta regra específica do testamento “refere-se à incapacidade (tomada a expressão no sentido rigoroso próprio da falta de aptidão natural para entender o sentido da declaração ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens), por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada.
A disposição legal refere-se expressamente ao caráter transitório que pode ser a falta de discernimento ou de livre exercício da vontade de dispor, por parte do testador, para significar que o vício contemplado nesta norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a disposição é lavrada.”
“Estão em causa episódios que afetam a compreensão e a vontade do testador, como situações de embriaguez, situações de consumo de estupefacientes, surtos psicóticos provocados por anomalias psíquicas, estados de delírio, ou demência permanentes que não tenham gerado ainda uma decisão de interdição do testador. Assim sendo, esta norma pode abranger situações acidentais, esporádicas e transitórias, como surtos psicóticos momentâneos, que diminuam momentaneamente o discernimento e o livre exercício da vontade de dispor.
Pode abarcar ainda situações permanentes, como por exemplo, uma "doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente, podendo justificar uma ação de interdição que não existe. Ainda assim, é necessário que a incapacidade se verifique no momento da outorga do testamento.” – Ac. RL de 20/12/2018, proc. nº 4331/16.0T8LSB.L1-7, in www.dgsi.pt.
 A prova dos factos integradores da incapacidade acidental no momento da declaração negocial incumbe ao interessado na invalidade (art.º 342º, nº 1 do CC).
Determinada corrente jurisprudencial tem entendido que, existindo uma doença mental incapacitante do testador à data da realização do testamento, como a demência, caberá à parte que pugna pela validade do testamento a prova de que o mesmo foi lavrado num momento de lucidez. A apelante perfilha esta tese.
Este entendimento pressupõe que o testador esteja afetado de doença mental caracterizada por quadro crónico e irreversível, com características tais que as incapacidades a tal doença associadas se mantenham contínua e permanentemente. Para o efeito, essa doença terá que causar um estado continuado, permanente, de incapacidade volitiva.
A demência enquanto doença mental que afeta o pensamento, a memória, a atenção, não é estática, nem linear, variando ao longo do tempo e de paciente para paciente.
Segundo o site do SNS “a síndrome demencial, vulgarmente conhecida por demência é constituída por um conjunto de sintomas que correspondem a um declínio contínuo e geralmente progressivo das funções nervosas superiores, que incluem: perda de memória; diminuição da agilidade mental; diminuição das funções executivas; dificuldades de expressão; problemas de compreensão; problemas de capacidade de decisão; entre outros.”
Assim, a mera prova de que o testador sofria de demência em data anterior não basta para que se considere verificada a incapacidade acidental no momento da feitura do testamento, o que implicaria o recurso a presunção judicial (art.º 349º do CC), no sentido de que aquela doença se manteve sem interrupção no futuro e, concretamente, no momento da declaração negocial.
A presunção apenas pode funcionar perante doença mental que afete a capacidade cognitiva e volitiva de forma total, contínua e permanente.
Importa, assim, apurar as características da doença de que padecia ER à data da declaração negocial.
A demência, que foi diagnosticada à testadora, sobretudo no seu estadio inicial ou fase ligeira, mas também na fase moderada, caracteriza-se pela alternância mais ou menos duradoura de momentos  de lucidez com outros de perturbação de pensamento, memória e atenção, como, aliás, explicado pelo médico assistente da testadora (cfr. facto provado da al. FF), que efetuou o diagnóstico apenas por exame objetivo, inexistindo nos autos qualquer relatório da especialidade de neurologia.
Entendemos, pois, que o ónus da prova dos factos reveladores da incapacidade cognitiva e/ou volitiva incide sobre a A. – prova que não logrou alcançar, como flui dos factos não provados nºs 4 a 8, 12, 19 e 21.
 Estes factos não provados porque incidentes sobre o estado de incapacidade no momento da feitura do testamento impedem a prova por presunção judicial a extrair do facto provado relativo ao diagnóstico de demência.
No sentido acima exposto se pronuncia o mencionado Ac. RL de 20/12/2018 e jurisprudência nele citada:
“Note-se, porém, que a pessoa pode ter alguma lesão cerebral ou doença mental, e esta não afetar o discernimento da pessoa para querer e entender o alcance do ato que está a praticar (assim decidido pelo Ac. STJ 26/05/1964 (SJ196405260593071 www.dgsi.pt [consultado em 16-12-2016]), ou seja, a incapacidade acidental não será um efeito automático de qualquer doença mental, sendo necessário ter em conta as circunstâncias do caso concreto e que a doença em causa tenha toldado a capacidade do testador de compreender o alcance da disposição testamentária que fez (…). Até porque a mesma pessoa pode fazer o testamento num intervalo lúcido, sendo este testamento válido. Da mesma forma, o facto de o testador ter um vício, como o abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, que lhe cause uma situação de dependência, não é prova suficiente para demonstrar que, no momento da outorga do testamento, o autor do mesmo se encontrava numa situação de discernimento reduzido que não lhe permitia compreender e querer o alcance das disposições testamentárias feitas (assim decidido pelo Ac. STJ 02-05-2012 (2712/05.3TBPVZ.Pl.S1), www.dgsi.pt [consultado em 16-12-2016]), sendo necessário demonstrar a existência desse discernimento reduzido aquando da elaboração do testamento.”
Mas ainda que se considerasse que competia à R. o ónus de provar que no momento da feitura do testamento ER se encontrava lúcida, tal facto ficou demonstrado – cfr. alínea EE).
Em suma, não ocorrem as imputadas causas de invalidade do testamento.
A apelante aduziu argumentos e concluiu pela violação do disposto no art.º 173º, nº 1, al. c) e nº 2 do Código do Notariado.
Dispõe o art.º 173º que o notário deve recusar a prática do ato se tiver  dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais dos intervenientes (nº1, l. c) e que essas dúvidas deixam de constituir fundamento de recusa, se no acto intervierem dois peritos médicos que garantam a sanidade mental daqueles (nº 2).
Estes argumentos são irrelevantes para as questões a decidir, salientando-se que não se apurou que o notário tivesse alguma dúvida sobre as faculdades mentais da testadora, como resulta cristalinamente da decisão da impugnação de facto.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.

Lisboa, 26 de janeiro de 2023
Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço