RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Sumário


I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.
II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.
III - Provando-se que “O autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.

1- AA, residente na ..., intentou, em 29/03/2017, no Juízo Central Cível ..., ação declarativa, de condenação, com processo comum, contra o “BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.”, formulando o seguinte pedido:

-DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE POR PROVADA E, EM CONSEQUÊNCIA:

A) SER O RÉU CONDENADO A PAGAR AO A. O MONTANTE DE € 50.000,00 (CINQUENTA MIL EUROS) CORRESPONDENTE AO VALOR DO CAPITAL QUE LHE FOI ENTREGUE E GARANTIDO PELO BANCO, ACRESCIDO DE JUROS VENCIDOS À TAXA DE 4% AO ANO CONTADOS DESDE 7/05/2015 ATÉ AO PRESENTE 28/03/2017, NO VALOR DE € 3.786,30 E, JUROS VINCENDOSÀ TAXA LEGAL DE 4% AO ANO, CONTADOS DESDE A PRESENTE DATA ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.

OU, CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA:

B) DEVE SER DECLARADO NULO QUALQUER DOCUMENTO SUBSCRITO PELO A., BEM COMO QUALQUER EVENTUAL CONTRATO DE ADESÃO OU OUTRO QUE O RÉU INVOQUE PARA TER APLICADO OS € 50.000,00 QUE O A. ENTREGOU AO RÉU, E POR ELE APLICADO EM OBRIGAÇÕES SLN 2006.

C) SER DECLARADO INEFICAZ EM RELAÇÃO AO A. A APLICAÇÃO QUE O RÉU TENHA FEITO DESSES MONTANTES.

D) CONDENAR-SE O RÉU A RESTITUIR AO A. A QUANTIA DE € 50.000,00, ACRESCIDA DE JUROS LEGAIS VENCIDOS Á TAXA LEGAL SUPRA DESCRITA DE 4% AO ANO, CONTADOS DESDE 7/5/2015 ATÉ AO PRESENTE NO VALOR DE € 3.786,30, ACRESCIDO DE JUROS VINCENDOS CONTADOS DESDE A PRESENTE DA TA A TÉ EFECTIVO E INTEGRAL CUMPRIMENTO.

DEVENDO EM QUALQUER DOS CASOS, SEMPRE,

E) SER 0 RÉU CONDENADO A PAGAR AO A. A QUANTIA DE € 5.000,00, A TÍTULO DE DANO NÃO PATRIMONIAL.

- Para fundamentar o pedido, alega que:

-O BPN - Banco Português de Negócios S.A. era uma sociedade anónima, com o NIPC nº ..., a qual tinha por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

-O Banco BIC Português S.A. é uma sociedade anónima, com o NIPC nº ... (antes ...10), que tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

-As referidas sociedades bancárias viriam a fundir-se entre si no ano de 2012, dando lugar ao Banco BIC Português S.A. o qual passou a ser detentor de todo o património de ambos os Bancos, bem como de todos os respetivos direitos e obrigações, sendo que o NIPC n° ... antes pertencente ao BPN passou, após fusão, a ser o NIPC do Banco BIC.

-O autor era cliente do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., com a conta à ordem n° ...85, onde movimentava uma parte dos seus dinheiros, conta essa que ainda mantém, através da qual recebia e efetuava pagamentos, existindo da parte do autor para com o BPN uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente ao gerente da agência de ..., BB, que aliás era o gerente de conta do autor.

-No início do mês de abril de 2006, na sequência de uma deslocação do autor à agência do BPN de ..., o referido gerente, BB, transmitiu àquele que tinha uma aplicação muito boa para ele, com uma taxa de juros semestral excelente, em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo Banco.

-Mais transmitiu ao autor que o prazo da aplicação era de 10 anos, o valor da aplicação de €50.000,00, que não corria qualquer risco, dado que o Banco garantia o pagamento do capital e juros, referindo mesmo que era como um depósito a prazo.

-Perante a descrição de que tal produto tinha o capital garantido pelo Banco, com juros assegurados semestralmente a uma taxa superior às aplicações em depósitos a prazo e que não corria qualquer risco, o autor, que é uma pessoa humilde, confiou e autorizou que o Banco procedesse ao débito da quantia de € 50.000,00 na sua conta, para aplicação naquele produto, o que o banco fez.

-O autor nunca viu qualquer especificação ou folheto informativo daquele produto, nem tal lhe foi explicado, vindo, posteriormente, a tomar conhecimento, no verão de 2015, tratar-se de aplicações em uma obrigação SLN 2006 que se encontra depositada no Banco ora aqui réu.

-Ao efetuar a aplicação naquele produto, o autor fê-lo na convicção de que estava a efetuar uma aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, com a garantia do capital e juros pelo próprio Banco, como lhe fora transmitido pelo referido gerente do Banco.

-Após a referida aplicação, efetuada em 18.04.2006, tudo correu conforme fora transmitido ao autor, até maio de 2015, com o Banco a pagar os respetivos juros semestrais e aquele convicto de que o seu dinheiro tinha sido aplicado num produto idêntico a um depósito a prazo, com garantia do próprio Banco e que, no final do prazo, que se vencia em maio de 2016, poderia levantar a quantia aplicada, cujos juros venciam semestralmente.

-E mesmo quando o Banco foi nacionalizado, nada de anormal se passou.

-No verão de 2015, mais precisamente no início de setembro de 2015, o autor foi surpreendido com uma carta da Galilei (ex SLN), através da qual lhe dava conhecimento de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e a convidar o autor para participar nas negociações.

-O autor deslocou-se à agência do BIC em ..., “onde lhe terá sido dito que o Banco agora já não era responsável pelo pagamento”, mas sim a Galilei, devendo reclamar o seu crédito no âmbito daquele processo de revitalização da Galilei, o “que deixou o autor indignadíssimo”.

-“Segundo o autor agora tem conhecimento”, os próprios funcionários do Banco recebiam ordens internas escritas deste, no sentido de venderem o produto com indicação de que se tratava de um produto igual a um depósito a prazo com capital garantido pelo Banco e elevadas taxas de remuneração, motivo pelo qual os referidos funcionários, em representação do Banco, apresentavam o produto aos clientes com a indicação de capital garantido pelo Banco, tal como o fizeram com o autor, o que se traduz na garantia do pagamento do capital e juros pelo Banco a quem aplicasse o seu dinheiro em tal produto.

-O autor, se tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi proposto não era de capital garantido, ou mesmo que apresentava algum risco, jamais teria autorizado tal aplicação, pois nunca foi sua intenção aplicar o dinheiro das suas poupanças em capital de risco, o que aliás era do conhecimento do gerente do Banco aqui réu na delegação da ..., que conhecia o seu perfil conservador no que toca a aplicações do seu dinheiro e que este não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros.

-O autor, quando assinou o documento que lhe foi dado a assinar pelo gerente da delegação de ..., em 18.04.2006 - conforme cópia que juntou - efetuou tal assinatura sem se ter apercebido do que aí constava ou do que estava a assinar, tendo reparado apenas na sigla do BPN no canto superior do referido documento.

-Nunca foi explicado ou transmitido ao autor o que eram obrigações em concreto, ou o que era a SLN 2006, pelo que nunca teve conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro.

-“Segundo o autor agora tem conhecimento, o Banco atuou de forma dolosa, omitindo e distorcendo todo o processo informativo daquele produto quanto à liquidez do capital e juros. Porém garantiu o seu pagamento como supra referido”.

-E se existirem quaisquer outros documentos assinados pelo autor, além do acima referido, só poderá tratar-se de contratos com cláusulas gerais, cujas assinaturas eventualmente aí constantes terão sido feitas sem que o que aí consta seja do conhecimento do autor e sem que lhe tenha sido explicado o seu conteúdo, não tendo o mesmo, por conseguinte, qualquer validade, por os contratos serem nulos, não correspondendo à real vontade do autor.

-São nulas as cláusulas principais e essenciais constantes dos contratos, sendo nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 50 e seguintes do DL. 446/85 de 15/10.

Invocou, seguidamente, a violação, pela, ré dos deveres dos intermediários financeiros - nomeadamente, do dever de informação - e alicerçou o seu dever de indemnizar nas normas próprias do regime dessa atividade.

Concluiu que a ré é responsável pelo pagamento do capital e juros, não só por ter garantido o mesmo, como ainda e, caso a sua atuação se tivesse limitado a mera intermediação, por ter omitido o dever informativo de tal produto, tendo ainda, atuado com manifesto dolo.

Acrescentou que a conduta dolosa do Banco lesou o autor não só nos valores que ainda não recebeu no montante de €50.000,00, juros vencidos entre maio de 2015 e data da petição - no valor de € 3.786.30 - e juros vincendos, mas ainda lhe provocou “permanente estado de preocupação”, “grande ansiedade, stress e nervosismo”, “por ter sido desapossado das suas economias de uma vida”, “devendo, como tal, ser indemnizado a título de dano não patrimonial, num mínimo de €5.000,00”.


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Regularmente citada, a ré apresentou contestação.

Exceciona a incompetência, em razão do território, tribunal e a ineptidão da petição inicial.

Mais arguiu a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelo autor, da subscrição do produto em apreço.

Em sede de defesa por impugnação motivada, alegou, em síntese:

-O juízo respeitante ao risco do investimento na obrigação em causa tem que ser feito retroagindo ao momento da subscrição e tendo por base a prognose que então era possível fazer com os dados conhecidos.

-Dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição do produto em causa; o risco de um depósito a prazo no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição – pelos fundamentos que melhor desenvolveu.

-Na data da contratação, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do banco BPN não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data.

-O investimento efetuado era, assim, um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”, sendo que, nesse momento, não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

-O Banco réu não estava, como não está, obrigado a advertir o investidor sobre essa hipótese de insolvência do emitente.

-Aquilo que não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao autor, era que, em novembro de 2008, aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.

-Toda a lógica que presidiu à prestação de informação no momento da contratação ficou aí subvertida.

-Não foi também violado qualquer dever legal de informação, sendo a subscrição em análise perfeitamente válida e eficaz relativamente ao autor.

-O autor é uma pessoa informada, meticulosa e ciosa do seu investimento e património, sendo que a ré, tal qual estava obrigada, lhe prestou a informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

-O autor subscreveu, junto da ré, outro produto, mais arriscado e sujeito a cotação e a perda de valor, assim como ainda um produto BPN conservador.

Concluiu pugnando pela procedência das exceções ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação.


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O autor, no exercício do seu direito ao contraditório acerca da matéria de defesa por exceção, respondeu no sentido de não se verificar qualquer uma das exceções invocadas na contestação e de reafirmar que o produto lhe foi vendido como “se de um depósito a prazo se tratasse, sem qualquer risco e com o capital garantido pelo próprio banco”.

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Em seguida, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se afirmaram todos os pressupostos de validade e de regularidade da instância, havendo-se, nomeadamente, concluído pela improcedência da exceção da incompetência territorial e pela não verificação do vício da ineptidão da petição inicial. Nele foi relegada para final a apreciação da exceção perentória invocada pela ré.

Foi consignado o objeto do litígio e foram elencados os temas da prova, dos quais não houve reclamações.


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- Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença, em 16/02/2018, que, julgando a ação improcedente, absolveu o Réu de todos os pedidos deduzidos pelo Autor.

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Inconformado com a sentença, dela Apelou o Autor.

Efetuado o julgamento, acordaram os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente a Apelação, revogando parcialmente a sentença recorrida:

-Julgaram improcedente a exceção da prescrição;

-Julgaram a ação parcialmente procedente, condenando o Réu, “BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, vencidos desde a citação e dos vincendos, até integral pagamento.

-Absolveram o Réu no demais.


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Inconformado com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ o réu Banco BIC Português, S.A., e formula as seguintes conclusões:

1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso.

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10.O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11.E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12.A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13.O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!

14.A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido. 

15.A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.

16.A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.

19.Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20.O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21.A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22.A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23.O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco. 

24.O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa. 

25.No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26.Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente. 

27.Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28.Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29.Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30.E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. 

31.Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32.Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33.A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34.O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35.São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.

36.A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37.Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

38.O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

39.Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40.A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41.Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.

42.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43.Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivação do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!

44.O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45.Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição.

46.A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47.No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48.Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade. 

49.E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50.Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51.Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar. 

52.Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53.A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.

54.Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55.Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56.Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57.O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58.É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59.O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61.No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62.O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63.Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64.Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. 

65.Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66.E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.

67.E nada disto foi feito!

68.A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido.

Foram apresentadas contra-alegações pelo autor AA, nas quais conclui:

1. Não se conformando com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que revogou a decisão de 1ª Instância e, condenou o recorrente no pagamento ao recorrido da quantia de € 50.000,00 acrescida de juros, vem o recorrente do mesmo interpor recurso de revista para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça. 

2. Alegando para tanto que, o douto acórdão recorrido violou e fez uma errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7º, 290 nº 1 alínea a), 304-A e 312 a 314 D, 323 a 323 D, 327 do CVM e, 4, 12, 17 e 19 do D. Lei 69/2004 de 25/2 e, da diretiva 2004/39/CE e, artigo 364, 483 e ss, 563 e 628 a 798 do C.C. 

3. Entendendo ainda o recorrente, não se ter verificado qualquer violação do dever de informação, que o A. não demonstrou a ilicitude, bem como o nexo causal e o dano, referindo ainda que, à data não existia qualquer risco de liquidez, porque a procura superava em muito a oferta destes produtos, que o risco era inexistente, que existe risco em todo o tipo de contratos, que o risco do instrumento financeiro em causa era semelhante ao de um depósito a prazo no Banco Réu, que tudo o que foi informado ao Autor ora recorrido era verdadeiro, que não houve qualquer omissão, entendendo ter cumprido o dever de informação a que se encontrava obrigado e, como tal, refere que, no seu entendimento, o douto acórdão recorrido terá efetuado uma errada interpretação das disposições legais descritas nas doutas alegações de recurso parte da qual, salvo melhor entendimento, nem se aplica ao caso concreto. 

4. Mais entende ainda o recorrente que, seria indispensável que o investidor aqui recorrido tivesse provado que sem a violação do dever de informação não teria celebrado aquele negócio, e que, no contrato de responsabilidade contratual se presume a culpa, cabendo a quem alega o direito, demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que refere não se presumir.

5. Terminando por referir em resumo que, o A. aqui recorrido, tinha a obrigação de provar que, se tivesse sido cumprido o dever de informação pelo banco recorrente, não teria realizado o investimento ou, então, terá de arcar com as consequências. 

6. Refere ainda que, não foi demonstrado a ligação causal entre a falta de conhecimento das características da obrigação subordinada e a decisão de contratar e consequente dano, que entende não ter sido provado pelo que o A. recorrido e, que nos contratos de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano. 

7. Respondendo às doutas alegações de recurso, refere-se desde já que à data em que foi aplicado o dinheiro do A. ora recorrido e conforme resulta do artigo 7 do CVM em vigor à data dos factos, os intermediários financeiros devem prestar uma informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita, referindo ainda o artigo 312 nº 1 do mesmo código que, o intermediário financeiro deve prestar relativamente aos serviços que oferece, lhe sejam solicitados e que presta, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente dos riscos especiais envolvidos na operação e, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou, da proteção que abrange os serviços e partes. 

8. Mais refere o nº 2 do mesmo artigo 312 que, a extensão e profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. 

9. E o artigo 314 do CVM refere que, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade que lhe sejam impostas por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, referindo o nº 2 do mesmo preceito legal que, a culpa do intermediário financeiro se presume quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação dos deveres de informação. 

10. No caso dos autos, conforme consta da matéria de facto provada, que o A. recorrido, em 18 de Abril de 2006 na Agência do BPN de Nazaré  subscreveu uma obrigação SLN 2006 no valor de € 50.000,00 (Ponto 5 dos factos provados), resulta ainda do ponto 13 que o perfil do Autor era tendencialmente conservador no que toca à aplicação do seu dinheiro e que não possuía qualificação ou formação técnica especifica na área das finanças que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles, resultando ainda do ponto 14 que o A. ficou sem dinheiro e do ponto 15 resulta que na agência do BPN de ..., o gerente BB, transmitiu ao A. que tinha uma aplicação muito boa com um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio banco. 

11. Mais resulta do ponto 16 dos factos provados que, Ao Autor não foi bem explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto, ou o que era a SLN 2006, pelo que este, aquando da respetiva subscrição, não teve conhecimento das reais características do produto onde foi aplicado o seu dinheiro e, no ponto 17 resulta que: O Autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto. 

12. Ora, relativamente às características do depósito a prazo e obrigações subordinadas, verifica-se que existe uma diferença abismal quanto ao risco e que deveriam ter sido transmitidos ao A. recorrido. 

13. Pois os depósitos a prazo, são produtos simples, que as instituições financeiras utilizam para captar as poupanças dos investidores, que têm a particularidade de terem reembolso garantido de capital e tipicamente uma taxa de juro fixas, sendo que beneficiam da proteção do fundo de garantia de depósitos, que colmata o eventual risco de a instituição não cumprir com os seus devedores.

14. Ao passo que, as obrigações, são títulos de uma determinada entidade, que no caso concreto nem sequer eram do banco, e cujo reembolso está dependente essencialmente da capacidade do emitente, ao contrário do que acontece nos depósitos a prazo em que o capital é garantido pelo fundo de garantia, sendo que, no caso das obrigações, em caso de incapacidade do emitente cumprir, o investidor não conseguirá receber o seu investimento. 

15. Pelo que, não resulta qualquer dúvida de que a subscrição de uma obrigação tem um risco manifestamente superior ao de um depósito a prazo, dado que este tem o capital garantido pelo Banco e, ainda, pelo Fundo de garantia de depósito, ou seja, investir o dinheiro num depósito a prazo, é investir na certeza de que passado o prazo de tal investimento, o capital e juros lhe é devolvido pelo Banco ou, na ausência deste, pelo Fundo de Garantia, ao passo que, investir em obrigações, corresponde a um elevado risco a que o investidor se submete, ficando dependente da capacidade da entidade emitente que não beneficia de qualquer proteção do fundo de garantia, não havendo assim comparação possível, entre depósitos a prazo e obrigações, pelo que não tem o recorrente qualquer razão no que alega. 

16. Relativamente ao dever de informação e, no que se refere às características do que é uma obrigação, que no caso concreto era ainda subordinada, nada foi transmitido ou explicado ao A. recorrido, o qual desconhecia ainda o que era a SLN. 

17. Resulta assim da legislação supra descrita e, em vigor à data dos factos, que era dever do Banco recorrente, através dos seus funcionários, prestar uma informação verdadeira, completa, clara e objetiva ao Autor Recorrido sobre as reais características do produto que lhe apresentaram, designadamente, esclarecendo-o sobre o que eram obrigações subordinadas, tanto mais que, conforme consta provado, o A. Recorrido era considerado pelos funcionários do Banco BPN antes da subscrição como um investidor de perfil tendencialmente conservador e que não possuía qualificação ou formação técnica especifica que lhe permitisse à data dos factos conhecer o produto em causa e o riscos do mesmo. 

18. Não tendo o banco recorrente prestado os esclarecimentos necessários e, tendo o funcionário do Banco recorrente convencido o A. recorrido de que o produto que estava a adquirir era semelhante a um depósito a prazo, sem risco e, com capital garantido, o Réu recorrente atuou culposamente no exercício da sua atividade de intermediação financeira nos preliminares e na conclusão do contrato de subscrição da obrigação. 

19. A culpa do Banco recorrente é grave, pois impunha-se-lhe, como entidade patronal, dar instruções rigorosas para que, ao apresentar esse produto ao recorrido, o esclarecessem das suas verdadeiras características deste, o que não foi feito e, o que foi dito não corresponde à verdade. 

20. Face aos supra exposto, os factos que foram considerados provados e, à legislação em vigor à data da subscrição, importa concluir que, o Banco recorrente, através dos seus funcionários, não transmitiu ao Autor as verdadeiras características do produto que estava a vender e, o que transmitiu, não era verdadeiro, levando-o a aplicar as suas poupanças de uma vida de trabalho, num produto de risco que nunca quis, e em cujo investimento foi induzido de forma enganosa e com culpa grave ou dolo do Banco recorrente, culpa essa que aliás se presume nos termos dos artigos 314 nº 2 do CVM e 799. 

21. Verifica-se assim uma violação culposa pelo Réu recorrente dos deveres a que se encontra obrigado enquanto intermediário financeiro, cuja culpa se presume, conforme previsto nos artigos 314 nº 2 do CVM e 799 do C. Civil,  sendo que, a violação de tal dever de informação enquanto intermediário financeiro, é facto gerador de indemnização dos danos causados, como muito bem refere a douta decisão recorrida, por não ter sido esclarecido o A. Recorrido sobre as características do produto. Artigo 314 nº 1 do CVM 

22. Finalmente, quanto ao capital garantido e nexo de causalidade, ilicitude e dano, entende o recorrente que não foi provado a relação causal entre a informação prestada e o dano, e que cabia ao A demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano.

23. Analisando os factos provados, verifica-se que dos mesmos consta expressamente e, com especial clareza no ponto 16 e 17, que ao A. não foi explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto ou o que era a SLN não tendo o A. aquando da subscrição tomado conhecimento das reais características onde foi aplicado o seu dinheiro e, que se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio banco, não teria subscrito tal produto ou seja, o banco recorrente enquanto intermediário financeiro, violou de forma clara todos os deveres a que se encontrava obrigado, com especial incidência do dever de informação, bem sabendo que o A. recorrido era pessoa de perfil conservador e que não tinha conhecimento técnico que lhe permitisse conhecer o mesmo e que só investia o seu dinheiro por lhe ter sido garantido que era semelhante a um depósito a prazo. 

24. Dos factos provados resulta ainda que o A. ora recorrido investiu os € 50.000,00, e que tal montante não lhe foi devolvido, facto este que naturalmente representa para si um dano no valor investido acrescido de juros.

25. Ora, conforme supra exposto e, consta dos factos provados supra referidos, o A. recorrido subscreveu obrigações SLN 2006 no valor de € 50.000,00, o que fez por ter sido transmitido pelo funcionário do banco que o produto era semelhante a um depósito a prazo. 

26. Nunca lhe foi transmitido em concreto o que eram obrigações em concreto ou o que era a SLN 2006. Nunca tendo tido conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, do qual repete-se, nunca lhe foi devolvido.  O que ocorreu devido à insolvência da Entidade emitente conforme é do conhecimento geral e, à não existência de um fundo como existe nos depósitos a prazo.  

27. Resulta assim, ter ficado provado que o recorrido, se o banco réu aqui recorrente lhes tivesse prestado as informações a que se encontrava obrigado,  esclarecendo-os das reais características do produto obrigações SLN 2006 subordinadas e, da ausência de qualquer fundo de garantia, que o A não teria investido em tal produto.  

28. Resulta ainda provado que, foi a falsa informação transmitida ao A. recorrido e omissão de outra que deveria ter sido prestada, que levou o A. recorrido a aplicar o seu dinheiro naquele produto, o qual nunca teria adquirido se o banco lhe tivesse transmitido as reais características do mesmo e o tivesse informado devidamente dos riscos, o que o banco não fez, atuando desta forma ilicitamente, causando ao A. recorrido um dano no valor do capital investido de € 50.000,00 e respetivos juros.  

29. Pelo que, se verificam todos os requisitos de responsabilidade civil como muito bem decidiu o douto acórdão recorrido, o que implica a obrigação do banco recorrente em indemnizar o recorrido dos prejuízos/ danos que a sua conduta ao não cumprir com o dever de informação e enquanto intermediário financeiro causou ao A. recorrido, que é no valor do capital investido de € 50.000,00 acrescido de juros, como muito bem decidiu o douto acórdão recorrido, o qual apreciou devidamente os factos e, aplicou o direito corretamente, não merecendo assim a douta decisão recorrida qualquer censura ou reparo e, como tal, deverá manter-se nas integra, sendo que neste sentido decidiu igualmente o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1 de 26/03/2019.


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O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.


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Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados, os seguintes factos:

- Factos provados:

1.O BPN - Banco Português de Negócios S.A. era uma sociedade anónima, com o NIPC n° ..., a qual tinha por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

2.O Banco BIC Português S.A. é uma sociedade anónima, com o NIPC n° ... (antes ...10), que tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.

3.As referidas sociedades bancárias fundiram-se, entre si, no ano de 2012, dando lugar ao Banco BIC Português S.A., o qual passou a ser detentor de todo o património de ambos os Bancos, bem como de todos os respetivos direitos e obrigações, sendo que o NIPC n° ..., antes pertencente ao BPN, passou, após fusão, a ser o NIPC do Banco BIC.

4.O autor era cliente do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., com a conta à ordem n°...85, onde movimentava uma parte dos seus dinheiros, através da qual recebia e efetuava pagamentos, existindo da parte do autor para com o BPN uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente ao então gerente da agência de ..., de nome BB, que era o gerente de conta do autor.

5.Em 18 de abril de 2006, o autor subscreveu, junto dessa agência, uma obrigação SLN2006, no valor de €50.000,00.

6.Aquando do referido em 5., o autor assinou o boletim de subscrição respetivo, o que fez deforma deliberada e consciente.

7.Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, datado de 18 de abril de 2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (...)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maior de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 50 ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

CupõesTaxa anual nominal
1° semestre4,5%*
9 cupões seguintesEuribor a 6 meses+1,15%
Restantes semestresEuribor a 6 meses+1,50%

*Taxa anual efetiva líquida: 3,632%

8.Foi transmitida ao autor a informação de que era um produto seguro  (porquanto não era produto de risco significativo), que tinha uma boa rentabilidade, com juros semestrais e foram-lhe apresentadas as condições do produto, concretamente, a sua remuneração, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que seria possível obter, a qualquer momento, num prazo de alguns dias, por via de endosso.

9. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

10.A circunstância de a emitente do produto referido em 5. ser a empresa que detinha o BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser um dos principais ativos do seu património, aliada às características específicas das obrigação - que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente - levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco, não sendo então previsível que viesse a ocorrer uma nacionalização parcelar do grupo, que o mesmo fosse divido e o Banco separado da empresa que o detinha.

11.As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco. Para tanto, era argumentado que a SLN Valor era a maior acionista da SLN SGPS, sendo que esta detinha 100% do BPN, pelo que não era vista qualquer diferença entre o risco BPN e o risco daquelas aplicações SLN.

12.O autor subscreveu a mencionada obrigação no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação de baixo risco, cujo reembolso do capital seria previsivelmente obtido e que lhe seriam pagos os juros, o que sucedeu, até maio de 2015.

13.O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco significativo, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, que conheciam o seu perfil tendencialmente conservador no que toca a aplicações do seu dinheiro, bem como sabiam que, sendo pessoa informada, não possuía qualificação ou formação técnica específica na área das finanças que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles.

14.O autor tem estado impedido de usar o dinheiro aplicado na obrigação referida em 5., o que lhe tem causado preocupação.

15.Na agência do BPN de ...,, o gerente, BB, transmitiu ao Autor que tinha uma aplicação muito boa, com um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco.

16.Ao Autor não foi bem explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto, ou o que era a SLN 2006, pelo que este, aquando da respetiva subscrição, não teve conhecimento das reais características do produto onde foi aplicado o seu dinheiro.

17.O autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto.


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Factos não provados:

a)Que na sequência de uma deslocação do autor à agência do BPN de ...,, o referido gerente, BB, transmitiu ao Autor que tinha uma aplicação, em tudo igual a um depósito a prazo, sendo o pagamento do capital e dos juros garantido pelo próprio Banco.

b)Que tenha sido referido ao autor que ele estava a subscrever um depósito a prazo, cujo pagamento do capital e dos juros era garantido pelo próprio Banco.

c)Que o autor seja pessoa humilde.

d)Que o autor nunca tenha visto qualquer especificação ou folheto informativo daquele produto, nem tal lhe foi explicado, só no verão de 2015 tendo tido conhecimento que se tratava de aplicações em uma obrigação SLN 2006 que se encontra depositada no Banco ora aqui réu.

e)Que os funcionários do Banco hajam recebido ordens internas escritas deste no sentido de venderem o produto com indicação de que se tratava de um depósito a prazo ou de um produto em tudo igual a (no sentido de coincidente com) um depósito a prazo com capital diretamente garantido pelo próprio Banco,

g) Que o autor, quando assinou o documento que lhe foi dado a assinar pelo gerente da delegação de ..., em 18.04.2006 - supra mencionado em 6. e 7. - haja efetuado tal assinatura sem se ter apercebido do que aí constava ou do que estava a assinar, tendo reparado apenas na sigla do BPN no canto superior do referido documento.

i)Que tenha sido o BPN ou o BIC a proceder ao pagamento, ao autor, dos juros devidos pela subscrição da referida obrigação.

j)Para além da preocupação aludida em 14., quais as consequências advindas para o autor do facto de não poder utilizar o dinheiro investido na mencionada obrigação.


*

Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608º, 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1, do C.P.C.        

No caso em análise questiona-se:

-Se o Banco réu deu cumprimento, em relação ao autor, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 18-04-2006.

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação.

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos de que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73 e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7, 304, 309, 312 e 314 do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1. Por isso, das várias publicações doutrinais, nomeadamente dos pareceres juntos aos autos, subscrito um pelo Prof. Pinto Monteiro e outro pelo Prof. Menezes Cordeiro apenas servem para debate da matéria na generalidade.

Mas, mesmo em casos concretos idênticos e relativos à matéria em análise, não se verificava uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, havendo necessidade de uniformização, o que veio a acontecer através de AUJ proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022], com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré -contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

- ponto 8- Se tratava de produto seguro, sem risco significativo;

- ponto 10 - o risco era semelhante ao de um depósito a prazo;

- ponto 11 – As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco;

- ponto 12- O autor subscreveu a obrigação no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação de baixo risco;

-ponto 13 - O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco significativo, como era do conhecimento dos funcionários da ré que com ele contactavam, que conheciam o seu perfil tendencialmente conservador no que toca a aplicações do seu dinheiro, bem como sabiam que, sendo pessoa informada, não possuía qualificação ou formação técnica específica na área das finanças que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, com toda a precisão, os riscos de cada um deles;

- ponto 15 - Na agência o gerente transmitiu ao Autor que tinha uma aplicação muito boa, com um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco;

- ponto 16 - Ao Autor não foi bem explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto, ou o que era a SLN 2006, pelo que este, aquando da respetiva subscrição, não teve conhecimento das reais características do produto onde foi aplicado o seu dinheiro;

- ponto 17 - O autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto.

Desta matéria de facto se pode concluir que o reu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira e não preencheu os critérios ético-normativos impostos pelo CMV, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo.

O autor subscreveu a Obrigação de forma deliberada e consciente - ponto 6 -, mas a consciência que tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida.

Não é de acolher o entendimento expresso pelo recorrente nas suas conclusões, de que o risco sobre o qual há dever de informação respeita ao contrato de intermediação financeira e não ao risco resultante da subscrição do instrumento financeiro. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário a querer subscrever determinada Obrigação, mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere CC e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.

II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque o autor investidor perdeu os montantes que havia investido na aquisição das Obrigações.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314 do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do CC, nomeadamente, o art. 798- responsabilidade contratual e os arts. 563 e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que o autor sofreu o dano que invoca e cuja reparação peticiona.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

Como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, a resposta é positiva face ao ponto 17 dos factos provados: O autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto”.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelo autor, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como condição sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342 do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312 do CVM o qual visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo o autor recebido o valor da subscrição da Obrigação SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), o mesmo teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que “O autor, se não lhe fosse assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco semelhante ao de um depósito a prazo junto do próprio Banco, não teria subscrito tal produto”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 29-11-2022

Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo- Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto