AÇÃO SOCIAL DE RESPONSABILIDADE
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
ADMISSIBILIDADE
Sumário


I – Os incidentes de intervenção de terceiros previstos nos arts. 311.º e segs. do CPC – intervenção principal, intervenção acessória, assistência e oposição – destinam-se a permitir que pessoas que, não figurando originariamente na ação, possam nela intervir por, grosso modo e sem acudir a especificidades, apresentarem interesse igual ao das partes primitivas (intervenção principal), para sobre elas poder ser exercido o direito de regresso (intervenção acessória),  que tenham interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes para a auxiliarem (assistência), ou para fazerem valer um direito próprio incompatível com as pretensões deduzidas (oposição).
II – No que atine à intervenção principal provocada (objeto das decisões recorridas), o novo CPC, com exceção da situação prevista no art. 317.º do CPC, passou a limitá-lo às situações de litisconsórcio, pelo que só pode intervir na ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio.
III – É de excluir que a mesma pessoa jurídica, figurando, entre outros sujeitos passivos, como Ré no processo, possa ser chamada, a título de intervenção principal (lado ativo), ainda que para sanar a ilegitimidade que se coloque relativamente a alguns dos pedidos formulados pelo A..
(Sumario elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Apelação n.º 1126/19.2T8ACB-A.C1

Juízo de Comércio de Leiria – Juiz 2

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA, casada, contribuinte fiscal n.º ..., residente em Rua ..., ... ...

intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra

L..., Lda, sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede em IC ..., Km ..., ..., ... ...

BB e mulher CC, contribuintes fiscais n.ºs ...48 e ...55, respetivamente, residentes em Rua ..., ... ..., e com domicílio profissional em IC ..., Km ..., ..., ... ...

K..., S.A., sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede em Rua ..., ... ...

e

C..., Lda., sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede em Rua ..., ... ...

pedindo

“1.   Ser declarada a nulidade e/ou anulação de todas deliberações sociais tomadas na assembleia geral realizada em 22 de abril de 2019, com as legais consequências;

2.     Ser a 3.ª Ré condenada a cumprir a obrigação de entrada junto da 1.ª Ré, no prazo de trinta dias a contar da decisão que vier a ser proferida nestes autos;

3.     Ser decretada a destituição com justa causa do 2.º Réu da gerência da 1.ª Ré;

4.     Serem os 2.º s Réus, a 3.ª e 4.ª Rés condenadas solidariamente a pagar à sociedade, ora 1.ª Ré, e à Autora, uma indemnização por todos os prejuízos causados, cujo montante, por não ser ainda determinável se relega para execução de sentença;

5.     Serem os Réus condenados solidariamente a pagar à Autora a quantia de € 255.482,00 (duzentos e cinquenta e cinco mil quatrocentos e oitenta e dois euros), acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, às sucessivas taxas legais aplicáveis, desde 31 de julho de 2016 até integral e efetivo pagamento”.

Invocando a sua qualidade de sócia da Ré L..., Lda, alegou com vista à procedência dos pedidos, em síntese,

- no que atine ao pedido formulado em 1, a falta de cumprimento na convocatória dos requisitos previstos no art. 58.º, n.ºs 1, alínea c) e 4, alínea a), 263.º e 377.º, n.ºs 5, alínea a) e 8 do CSC, a violação do direito à informação previsto nos arts. 214.º e 290.º do CSC e não refletirem as contas apresentadas a realidade económica e financeira da empresa;

- quanto ao pedido referido em 2. a falta de cumprimento pela K..., S.A. da obrigação de realização do capital social que se lhe impunha;

- no que se refere ao pedido referido em 3, um conjunto de procedimentos do gerente da L..., Lda  (o R. BB) justificadores, a seu ver, da sua destituição com justa causa;

- quanto ao pedido referido sob o n.º 4, atos praticados pelos RR. BB, CC, K..., Lda. que justificam a atribuição à L..., Lda e à A. de indemnização pelos prejuízos causados

e, finalmente,

- quanto ao pedido enunciado sob o n.º 5, a condenação solidária dos RR. a pagarem à A. o montante indicado), respeitante, segundo se entende, ao crédito que a A. detém sobre a L..., Lda

                                                                                   *

Entretanto, a 7.07.2019, a A., por forma a, por essa via, superar o conflito de interesses entre o R. BB e a Ré L..., Lda que entendia existir, veio requerer a nomeação a esta última de representante especial de entre a lista oficial de revisores oficiais de contas para assegurar a sua representação em juízo, nos termos previstos no artigo 25.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (ref. 6003739).

Foi então que a Sra. Juíza proferiu a 17.07.2019 o seguinte despacho

A A. veio requerer a nomeação de um representante especial à sociedade L..., Lda, alegando que, de acordo com o alegado na petição inicial, existe um claro conflito de interesses entre a sociedade e o seu gerente.

Porém, o conflito de interesses, ressalvada sempre melhor opinião, não se coloca em face do que a A. alega, mas do pedido deduzido em 4).

A A., na qualidade de sócia da sociedade L..., Lda, intentou a presente acção contra L..., Lda, BB, CC, K..., S.A. e C..., Lda. pedindo para, além do mais, que o R. BB seja condenado a pagar à sociedade, L..., Lda, uma indemnização por todos os prejuízos causados, cujo montante, por não ser ainda determinável se relega para execução de sentença, invocando no art. 167º da petição o artigo 77º, nº 1 do CSC.

Estamos, assim, nesta parte, perante uma acção social de responsabilidade proposta por sócio contra gerente com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido (art. 77º, nº 1 do CSC).

Ora, refere o nº 4 do normativo citado que quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes.

Como se anota no Ac. do STJ de 3.05.00, Tomo II, CJ, 2000, o art. 77º do Código das Sociedades Comerciais concede aos sócios que reúnam as condições aí referidas, legitimidade para instaurarem a acção social proposta pelos sócios - acção social ut singuli.

A acção social uti singuli aí prevista é subsidiária da acção prevista no art. 75º (acção social da sociedade) uma vez que só pode ser proposta, nos termos do art. 77º, nº 1, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção.

O direito de acção é concedido aos accionistas não só para defesa do interesse da sociedade, mas sobretudo para tutela de um interesse próprio, que indirectamente lesado, por a sociedade não intentar a acção social ut universi.

Trata-se de acção social e não de acção pessoal porque os sócios vão pedir a condenação do gerente na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios.

Portanto, é uma acção social da iniciativa de algum ou alguns dos sócios que aproveita, directamente, à sociedade e, por via disso, aproveita, indirectamente, a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram.

A doutrina aceita que se trata de uma acção de natureza sub-rogatória indirecta ou oblíqua.

E como se trata de uma acção social de algum ou alguns dos sócios, naturalmente que proposta no interesse da sociedade, e de uma acção sub-rogatória, natural é que a lei exija a intervenção desta na acção à semelhança do que se passa com qualquer acção sub-rogatória.

Por isso é que o nº 4 do art. 77º impõe - "deve" - o chamamento da sociedade à causa.

Estamos, assim, perante um caso de litisconsórcio necessário activo imposto por lei, cuja violação determina ilegitimidade activa nos termos do nº 1 do art. 33º do Código de Processo Civil.

Deste modo, antes de mais, ao abrigo do art. 6º, nº 2 do CPC, convido a A. a, em dez dias, providenciar pelo suprimento da excepção dilatória referida, recorrendo ao incidente processual adequado.

                                                                  *

Respondendo a esse convite a A. veio, por requerimento entrado a 25.07.2019, suscitar o incidente de intervenção principal provocada da sociedade L..., Lda (ref. 6053869).

                                                                                   *

No seguimento, a Sra. Juíza proferiu, a 16.09.2019, despacho com o seguinte teor (ref. 91748138)

A A. veio, na sequência do despacho proferido em 17.07.2019, requerer a intervenção principal provocada da sociedade L..., Lda para intervir na causa como sua associada.

Impunha-se neste momento dar cumprimento ao disposto no art. 318º, nº 2 do CPC.

No entanto, como o Réu BB ainda não foi citado para a acção e a intervenção da sociedade é exigida por lei (art. 77º, nº 4 do Código das Sociedade Comercias) importa concluir, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3 e 6º do CPC, pela manifesta desnecessidade de audição do R. para admitir a intervenção da sociedade.

Decidindo:

No despacho de 17.07.2019 consta:

“ A A., na qualidade de sócia da sociedade L..., Lda, intentou a presente acção contra L..., Lda, BB, CC, K..., S.A. e C..., Lda. pedindo para, além do mais, que o R. BB seja condenado a pagar à sociedade, L..., Lda, uma indemnização por todos os prejuízos causados, cujo montante, por não ser ainda determinável se relega para execução de sentença, invocando no art. 167º da petição o artigo 77º, nº 1 do CSC.

Estamos, assim, nesta parte, perante uma acção social de responsabilidade proposta por sócio contra gerente com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido (art. 77º, nº 1 do CSC).

Ora, refere o nº 4 do normativo citado que quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes.

Como se anota no Ac. do STJ de 3.05.00, Tomo II, CJ, 2000, o art. 77º do Código das Sociedades Comerciais concede aos sócios que reúnam as condições aí referidas, legitimidade para instaurarem a acção social proposta pelos sócios - acção social ut singuli.

A acção social uti singuli aí prevista é subsidiária da acção prevista no art. 75º (acção social da sociedade) uma vez que só pode ser proposta, nos termos do art. 77º, nº 1, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção.

O direito de acção é concedido aos accionistas não só para defesa do interesse da sociedade, mas sobretudo para tutela de um interesse próprio, que indirectamente lesado, por a sociedade não intentar a acção social ut universi.

Trata-se de acção social e não de acção pessoal porque os sócios vão pedir a condenação do gerente na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios.

Portanto, é uma acção social da iniciativa de algum ou alguns dos sócios que aproveita, directamente, à sociedade e, por via disso, aproveita, indirectamente, a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram.

A doutrina aceita que se trata de uma acção de natureza sub-rogatória indirecta ou oblíqua.

E como se trata de uma acção social de algum ou alguns dos sócios, naturalmente que proposta no interesse da sociedade, e de uma acção sub-rogatória, natural é que a lei exija a intervenção desta na acção à semelhança do que se passa com qualquer acção sub-rogatória.

Por isso é que o nº 4 do art. 77º impõe - "deve" - o chamamento da sociedade à causa.

Estamos, assim, perante um caso de litisconsórcio necessário activo imposto por lei, cuja violação determina ilegitimidade activa nos termos do nº 1 do art. 33º do Código de Processo Civil”.

Deste modo, uma vez que o chamamento foi requerido na sequência de despacho que considerou que relativamente ao pedido deduzido em 4) – ( condenação do 2º Réu (BB) a pagar à sociedade L..., Lda uma indemnização por todos os prejuízos causados (…)), estamos perante um caso litisconsórcio necessário activo, cuja preterição determina ilegitimidade da A. nos termos do nº 1 do art. 33º do Código de Processo Civil e 77º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais, admito a intervenção da sociedade L..., Lda nos autos como associada da A. (arts. 311º, 312º, 316º e 318º, nº 1, al. a) do CPC).

Como o incidente foi implementado no interesse da autora as custas ficarão a seu cargo (artigo 527º do Código Processo Civil).

Assim, importa determinar a citação da sociedade nos termos e para os efeitos previstos no artigo 319º, 2 e 3 do Código Processo Civil.

No entanto, antes impõe-se aferir se é necessário a nomeação de um representante especial à sociedade.

                                                                                   *

Como já se referiu a acção ut singuli destina-se a efectivar a responsabilidade dos administradores ou gerentes para com a sociedade. A indemnização que por esta acção seja obtida ingressará no património da sociedade, pois, como expressamente refere o art.º 77º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, a acção tem em vista a “reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido” (Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, em anotação ao art. 77º do CSC, IDET, Código das Sociedades Comerciais em Comentário) e, consequentemente, é a sócia autora que tem de alegar os factos integradores daquela responsabilidade.

Assim, tendo em conta estas especificidades da acção ut singuli, a intervenção da sociedade tem de fazer-se a título principal e como associada da sócia autora, como foi admitida supra e resultava já do despacho anterior, ao abrigo do disposto nos artºs 311º, 312º, 316º e 318º, nº 1, al. a) do CPC.

Ora, decorre da certidão da Conservatória do Registo Comercial da Sociedade que é gerente de direito da sociedade apenas o Réu BB.

A representação das pessoas colectivas em juízo, e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado (artigo 163º, nº1 do Código Civil).

E, de acordo com o preceituado nos citados artigos 192º nº 1 e 252º do Código das Sociedades Comerciais, a administração e a representação da sociedade compete aos gerentes e as sociedades comerciais por quotas são administradas e representadas por um ou mais gerentes, designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato uma outra forma de deliberação.

O gerente da sociedade L..., Lda é o R. BB. Não existe outro gerente.

Nos termos do artigo 25º, nº 2 do Código de Processo Civil, “sendo demandada pessoa colectiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, o juiz da causa designa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo”.

Assim, nas acções entre a sociedade e o seu representante, como é o caso, aquelas entidades são representadas por um curador ad litem (artº 25º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Este regime justifica-se pela impossibilidade de o representante assumir, nesse caso, as suas funções de representação.

Assim, considerando as especificidades da acção supra referidas e que impõe a intervenção da sociedade a título principal e como associada da A. é manifesto que a representação da sociedade não pode ficar a cargo do gerente demandado, ou seja, do Réu BB.

Na verdade, face ao pedido deduzido pela A. em 4), (ou seja, a condenação do Réu BB a pagar à sociedade L..., Lda uma indemnização por todos os prejuízos causados) forçoso será concluir que existe um conflito de interesses entre a sociedade L..., Lda e o Réu BB, seu representante, restando concluir que a sociedade efectivamente carece de quem a represente em juízo, no que concerne pelo menos a este pedido.

Deste modo, importa nomear à sociedade um representante especial (curador ad litem) que assegure a sua representação em juízo no que concerne à sua intervenção nos autos como associada da A. na parte em que a acção se destina a efectivar a responsabilidade do gerente Réu BB.

Assim sendo, oficie à ordem dos revisores oficiais de contas solicitando a indicação de um revisor oficial de contas para ser nomeado nesta acção como representante especial da sociedade L..., Lda e ser citado, em representação da sociedade, para oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do autor, dentro de prazo igual ao facultado para a contestação.

Efectuada a indicação, conclua com vista a determinar-se a citação”.


*

Foi efetuada a nomeação de representante especial da L..., Lda e citada essa sociedade (enquanto interveniente) na pessoa do mesmo.

                                                                                   *

A L..., Lda, veio, a 16.03.2020, interpor recurso do despacho proferido a 17.07.2019, nele incluindo as seguintes conclusões (ref. 6683728):

1ª- Pelo douto despacho recorrido foi considerado que, estando-se perante uma ação proposta ao abrigo do art. 77º, nº 1, do CSC, face do estatuído no nº 4 deste artigo, a sociedade ora recorrente devia ser chamada à causa como associada da autora, importando a omissão desse chamamento, atento o disposto no art. 33º, nº 1, do CPC, a ilegitimidade ativa, tendo por isso sido a autora convidada a recorrer ao incidente processual adequado, nos termos do art. 6º, nº 2, deste último diploma.

2ª- Ora, a autora pede antes de mais seja “declarada a nulidade e/ou anulação” de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade recorrente realizada em 22/4/2019.

3ª- Atento o disposto no art. 60º, nº 1, do CSC, nas ações em que se pretende obter a invalidade (nulidade ou anulabilidade) de deliberações sociais, as sociedade respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés.

4ª- Por conseguinte, a sociedade ora recorrente não pode intervir na presente causa como associada da autora.

5ª- Acresce que a autora pede seja decretada a destituição com justa causa do réu BB de gerente da sociedade recorrente.

6ª- Em face do disposto no art. 257º, nº 4, do CSC, nas ações propostas por sócios com vista à destituição de gerentes com justa causa, as sociedades respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés.

7ª- O que uma vez mais leva a concluir que, no presente caso, a sociedade recorrente não pode intervir na causa como associada da autora.

8ª- Por fim, na p.i. é igualmente pedido que os réus, incluindo a sociedade recorrente, sejam condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de € 255.482,00, acrescida de juros.

9ª- Por conseguinte, a sociedade recorrente tem interesse direto em contradizer, dado o prejuízo que lhe advirá da eventual procedência deste pedido, sendo sujeito passivo da relação controvertida tal como esta é configurada pela autora, pelo que, em face do disposto no art. 30º do CPC, possui legitimidade passiva, não podendo por isso intervir na causa como associada da autora.

10ª- Efetivamente, como é entendimento pacífico, uma parte não pode estar num pleito simultaneamente como autora e ré.

    *

Nessa mesma data a L..., Lda interpôs também recurso do despacho proferido a 16.09.2019, nele enunciando as seguintes conclusões (ref. 6683731):

1ª- Pelo douto despacho recorrido foi admitida a intervenção da sociedade ora recorrente como associada da autora, em virtude de se haver considerado que, estando-se perante uma ação proposta ao abrigo do art. 77º, nº 1, do CSC, o chamamento de tal sociedade à causa como associada da autora é imposto pelo nº 4 desse artigo, importando a omissão do mesmo a ilegitimidade ativa, atento o disposto no art. 33º, nº 1, do CPC.

2ª- Ora, a autora pede antes de mais seja “declarada a nulidade e/ou anulação” de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade recorrente realizada em 22/4/2019.

3ª- Atento o disposto no art. 60º, nº 1, do CSC, nas ações em que se pretende obter a invalidade (nulidade ou anulabilidade) de deliberações sociais, as sociedades respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés.

4ª- Por conseguinte, a sociedade ora recorrente não pode intervir na presente causa como associada da autora.

5ª- Acresce que a autora pede seja decretada a destituição com justa causa do réu BB de gerente da sociedade recorrente.

6ª- Em face do disposto no art. 257º, nº 4, do CSC, nas ações propostas por sócios com vista à destituição de gerentes com justa causa, as sociedades respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés.

7ª- O que uma vez mais leva a concluir que, no presente caso, a sociedade recorrente não pode intervir na causa como associada da autora.

8ª- Por fim, na p.i. é igualmente pedido que os réus, incluindo a sociedade recorrente, sejam condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de € 255.482,00, acrescida de juros.

9ª- Por conseguinte, a sociedade recorrente tem interesse direto em contradizer, dado o prejuízo que lhe advirá da eventual procedência deste pedido, sendo sujeito passivo da relação controvertida tal como esta é configurada pela autora, pelo que, em face do disposto no art. 30º do CPC, possui legitimidade passiva, não podendo por isso intervir na causa como associada da autora.

10ª- Efetivamente, como é entendimento pacífico, uma parte não pode estar num pleito simultaneamente como autora e ré.

                                                                                   *

 A A. respondeu a ambos os recursos (ref. 6792431 e 6792432) tendo formulado as seguintes conclusões (de teor idêntico):

(…).

                                                           *

Também o R. BB veio interpor recursos dos despachos proferidos em 17.07.2019 e 16.09.2019 apresentando conclusões em tudo idênticas às constantes dos recursos interpostos pela L..., Lda, o que dispensa nova reprodução nesta sede (ref. 7023750 e 7023753).

                                                                                   *

A A. respondeu a esses recursos em termos idênticos aos que havia apresentado aquando das respostas aos recursos interpostos pela L..., Lda, o que nos dispensa também de reproduzir o respetivo texto (ref. 7072471 e 7072666).

    *

Os recursos tiveram tramitação unitária nos termos previstos no art. 645.º, n.º 3 do CPC.

    *

Dispensados os vistos, foi realizada conferência, com obtenção os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

    *

II- Questão prévia

Nas respostas aos recursos a A. pugnou no sentido de os mesmos não deverem ser admitidos por
i) respeitarem a despachos proferidos ao abrigo do dever de gestão processual
e
ii) serem extemporâneos, porquanto a mandatária que os subscreveu (e que representa as Rés C..., Lda. e L..., Lda), interveio pela primeira vez neste processo em 11 de julho de 2019, data em que juntou procuração a favor da Ré C..., Lda., sendo os despachos  acessíveis eletronicamente a todos os intervenientes desde a data em que foram proferidos.

Todavia, tal como decidido na primeira instância, nem os despachos recorridos se inscrevem no âmbito previsto no art. 630.º, n.º 2 do CPC, nem os mesmos foram interpostos para além do prazo fixado no art. 638.º do CPC.

Antes de mais, importa não confundir – como parece fazer a recorrida -  decisões proferidas no âmbito do “dever de gestão processual” com “decisões de simplificação ou de agilização processual e de adequação formal”, estas sim submetidas a um regime de irrecorribilidade.

Ora, nas situações subjudice, estamos em presença, no primeiro dos casos, de uma decisão proferida ao abrigo do dever imposto pelo art. 6.º, n.º 2 do CPC, tendente a sanar aquilo que a Sra. Juíza entendeu tratar-se da falta de um pressuposto processual (a legitimidade), e o segundo a admitir o incidente de intervenção principal suscitado.

Tratam-se, assim, de decisões que não são de “mero expediente”, que não foram proferidas no uso de um poder discricionário (antes de um poder vinculado com o sentido e alcance que o juiz tem o dever de as proferir) e não têm como objetivo a simplificação, agilização processual ou adequação formal.

Aliás, da mera leitura do art. 630.º, n.º 2 do CPC resulta que apenas é vedado o recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual proferidas nos termos do n.º 1 do art. 6.º (não já do n.º 2) do CPC e das decisões de adequação formal proferidas nos termos do art. 547.º, em que manifestamente as decisões em causa não se inserem.

No tocante à tempestividade, reproduz-se aqui o que foi dito pelo tribunal recorrido

“A parte nos autos não é a mandatária dos RR.. As partes são a R. L..., Lda e o R. BB e a mandatária destes não teve qualquer intervenção no processo nem juntou procuração, em representação destes RR., antes de ambos terem sido citados para a acção.

(…)

A R. L..., Lda foi citada em 31.01.2020 e o R. BB em 29.06.2020.

Deste modo, tendo a R. L..., Lda sido citada em 31.01.2020 e o R. BB em 29.06.2020, é manifesto que, em 16.03.2020 e 1.09.2020 respectivamente, quando os RR. apresentaram as suas alegações se encontravam em tempo”.

Inexiste, como tal, motivo para rejeitar os recursos com tais fundamentos, verificando-se os pressupostos da admissibilidade constantes do art. 629.º, n.º 1 e 644.º, n.º 1, a), do CPC.

III - Objeto dos recursos

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se é admissível a intervenção principal provocada (lado ativo) da sociedade L..., Lda e, consequentemente, justificar-se ou não o convite à parte para suscitar o incidente respetivo.  


*

IV-Fundamentação

De acordo com as decisões proferidas, tendo, ao demais, sido pedido na ação que o R. BB seja condenado, por atos de gestão, a pagar à sociedade, L..., Lda, uma indemnização por todos os prejuízos causados, estamos, “nesta parte, perante uma acção social de responsabilidade proposta por sócio contra gerente com vista à reparação a favor da sociedade do prejuízo que esta tenha sofrido (art. 77º, nº 1 do CSC).

Ora, refere o nº 4 do normativo citado que quando a acção social de responsabilidade for proposta por um ou vários sócios nos termos dos números anteriores, deve a sociedade ser chamada à causa por intermédio dos seus representantes.

Como se anota no Ac. do STJ de 3.05.00, Tomo II, CJ, 2000, o art. 77º do Código das Sociedades Comerciais concede aos sócios que reúnam as condições aí referidas, legitimidade para instaurarem a acção social proposta pelos sócios - acção social ut singuli.

A acção social uti singuli aí prevista é subsidiária da acção prevista no art. 75º (acção social da sociedade) uma vez que só pode ser proposta, nos termos do art. 77º, nº 1, quando a acção não tenha sido proposta pela sociedade, ou por a respectiva assembleia geral não ter deliberado nesse sentido, ou por ter deixado decorrer o prazo de seis meses sobre a deliberação sem propor a acção.

O direito de acção é concedido aos accionistas não só para defesa do interesse da sociedade, mas sobretudo para tutela de um interesse próprio, que indirectamente lesado, por a sociedade não intentar a acção social ut universi.

Trata-se de acção social e não de acção pessoal porque os sócios vão pedir a condenação do gerente na indemnização dos prejuízos causados à sociedade e não directamente a eles próprios.

Portanto, é uma acção social da iniciativa de algum ou alguns dos sócios que aproveita, directamente, à sociedade e, por via disso, aproveita, indirectamente, a todos os sócios e não apenas àqueles que a propuseram.

(…)

E como se trata de uma acção social de algum ou alguns dos sócios, naturalmente que proposta no interesse da sociedade, e de uma acção sub-rogatória, natural é que a lei exija a intervenção desta na acção à semelhança do que se passa com qualquer acção sub-rogatória.

Por isso é que o nº 4 do art. 77º impõe - "deve" - o chamamento da sociedade à causa.

Estamos, assim, perante um caso de litisconsórcio necessário activo imposto por lei, cuja violação determina ilegitimidade activa nos termos do nº 1 do art. 33º do Código de Processo Civil.”

Já os recorrentes sustentam que

- na ação é pedido que seja declarada a nulidade e/ou anulação” de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade L..., Lda, realizada em 22/4/2019;

- de acordo com o disposto no art. 60.º, nº 1, do CSC, nas ações em que se pretende obter a invalidade (nulidade ou anulabilidade) de deliberações sociais, as sociedades respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés, pelo que a sociedade ora recorrente não pode intervir na presente causa como associada da autora;

- a A. pede também que seja decretada a destituição com justa causa do réu BB de gerente da sociedade L..., Lda, pelo que, em face do disposto no art. 257º, nº 4, do CSC, nas ações propostas por sócios com vista à destituição de gerentes com justa causa, as sociedades respetivas têm necessariamente de assumir a posição de rés, não podendo, como tal, intervir na causa como associada da autora.

- é igualmente pedido que os réus, incluindo a sociedade L..., Lda, sejam condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de € 255.482,00, acrescida de juros, a qual tem interesse direto em contradizer, dado o prejuízo que lhe advirá da eventual procedência deste pedido, sendo sujeito passivo da relação controvertida tal como esta é configurada pela autora, pelo que, em face do disposto no art. 30.º do CPC, possui legitimidade passiva, não podendo por isso intervir na causa como associada da autora.

Revertendo ao básico: a chamada L..., Lda figura na ação como Ré, tendo sido demandada enquanto tal.

Por outro lado, excecionado o caso especial da intervenção acessória do Ministério Público, os incidentes regulados nos arts. 311.º e segs. do CPC  - intervenção principal, intervenção acessória, assistência e oposição - tratam-se de incidentes de intervenção de terceiros, que se destinam a permitir que pessoas que, não figurando originariamente na ação, possam nela intervir por, grosso modo e sem acudir a especificidades, apresentarem interesse igual ao das partes primitivas (intervenção principal), para sobre elas poder ser exercido o direito de regresso (intervenção acessória),  que tenham interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a uma das partes para a auxiliarem (assistência), ou para fazerem valer um direito próprio incompatível com as pretensões deduzidas (oposição).

No que atine à intervenção principal provocada (objeto das decisões recorridas), o novo CPC, com exceção da situação prevista no art. 317.º do CPC, passou a limitá-lo às situações de litisconsórcio, pelo que só pode intervir na ação, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objeto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio.

O que manifestamente é de excluir é que a mesma pessoa jurídica, possa, na mesma ação, assumir as vestes de parte primitiva e de chamado, em função da diferente natureza dos pedidos.

O tribunal recorrido, confrontado com a circunstância de, relativamente a um dos pedidos, a Ré L..., Lda dever figurar como sujeito ativo e não passivo, entendeu admiti-la a título de intervenção principal.

Contudo, salvaguardado o devido respeito, que é muito, esta ubiquidade não é processualmente admissível, não sendo de aceitar que a L..., Lda figure como Ré nos pedidos

- de declaração da nulidade e/ou anulação as deliberações sociais tomadas na assembleia geral realizada em 22 de abril de 2019,

- de destituição com justa causa do seu gerente

- a pagar à Autora a quantia de € 255.482,00 relativo à dívida existente

mas já deva intervir do lado ativo (como associado da A.) no pedido de condenação dos demais RR. no pagamento de uma indemnização por todos os prejuízos causados.

Não pode porque o incidente de intervenção principal se destina a chamar terceiros e a L..., Lda era já parte no processo, e não pode porquanto dessa forma se gera uma confusão processual inultrapassável (veja-se o que atualmente ocorre em que a mesma parte tem vindo a ser representada por pessoas diversas e assumindo posições distintas).

De resto, sem que aqui se pretenda imprimir qualquer censura ao tribunal recorrido (até porque essa matéria não é chamada ao recurso), a precocidade da decisão no tocante ao incidente (sem que todos os RR. tivessem ainda sido citados) e a falta de ponderação sobre a licitude da cumulação de pedidos efetuada pela A. (com aparente incompatibilidade em função dos sujeitos demandados), poderão explicar o paradoxo que o tribunal quis resolver casuisticamente em função dos pedidos, admitindo a intervir como terceiro e associado da A. quem já era parte na causa como Ré.

Impõe-se, por isso, a revogação dos despachos recorridos, com a não admissão da Ré L..., Lda a intervir nos autos como associado da A. a título de intervenção principal, e a nulidade dos atos subsequentes praticados pela mesma na exclusiva posição de interveniente.        


    *

Sumário[2]:

(…).

                                                                               *                                                     

V - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar procedentes os recursos, e consequentemente
a) revogam-se as decisões recorridas
b) não se admite a intervir nos autos, a título de intervenção principal, como associado da A., a Ré L..., Lda
c) anulam-se todos os atos praticados nos autos pela L..., Lda (exclusivamente) na qualidade de interveniente principal, como associado da A.

                                                                               *

Custas relativas aos 4 recursos interpostos a cargo da apelada (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                               *

Coimbra, 24 de janeiro de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)

(José Avelino)






[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).