CONTRATO DE EMPREITADA PARA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS
PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS
PROCEDÊNCIA DE EXCEPÇÃO QUE NÃO CORRESPONDE A DECAIMENTO TOTAL OU PARCIAL DO PEDIDO
Sumário


I - O contrato de empreitada quando tem por objeto a construção de imóveis não integra o conceito de «execução de trabalhos» a que se refere a al. b) do artigo 317.º do Código Civil.
II - Sendo as custas calculadas e pagas em função do valor do processo, nos termos do artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais, se à procedência de uma exceção não corresponder o decaimento total ou parcial do pedido, essa procedência não determina qualquer repartição de custas, uma vez que não lhe foi atribuído valor e não entrou na formação do valor do processo para efeito de custas.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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Recorrente …………………..F..., Lda. com sede na Rua ... – ..., freguesia ..., concelho ....

Recorrida……………………AA, residente na Travessa ..., ... – ..., ... ..., freguesia ..., concelho ....


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I. Relatório

a) O presente recurso insere-se numa ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias a qual se iniciou como processo de injunção.

A empresa Autora demanda a ré AA para obter desta o pagamento da quantia de €5.906,90, acrescida de juros desde a citação, quantia que lhe deverá por causa de um barracão que construiu para a Ré, cujo custo, diz, importou em €14.319,78, tendo a Ré pago apenas a quantia de €9.319,78, factualidade esta que a Ré negou, alegando que foi dado pela Autora um orçamento entre €5.000,00 e €6.000,00;  que a Autora abandonou a obra sem a concluir; que a mesma apresenta defeitos e que foram aplicados materiais não solicitados, pelo que caso soubesse que a obra poderia custar aquilo que a Autora pede jamais teria contratado, concluindo pela improcedência da ação.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Por tudo o exposto o tribunal julga procedente a presente acção, procedente a excepção e em consequência disso:

A. Condena a ré a pagar à autora o valor de €4.925,73, pelos trabalhos realizado na propriedade desta;

B. Condena a autora a reparar as infiltrações no barracão, no prazo de 30 dias após o transito em julgado da sentença;

C. declara que só será exigível o valor em causa, após a realização das reparações, excepto se não ocorreram por facto imputável à ré.

Custas a cargo da ré.»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Ré, cujas conclusões são as seguintes:

«01. A Ré não aceita que sejam dados como provados os factos 2., 5., 6., e 12.

02. O Tribunal não se pronunciou quanto ao Abandono da Obra, porquanto, em caso de paragem da obra pela A pelo período de dois anos, sem que se prove que a mesmo prestou à Ré qualquer informação explicativa para tal paragem, é lícito concluir-se que existe um incumprimento definitivo, pois tal traduz-se num comportamento inequívoco de quem não quer ou não pode cumprir.

03. Tal omissão de pronúncia consubstancia NULIDADE da actual decisão, nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

04. Existe causa legítima que desonera a Ré no cumprimento do remanescente invocado no requerimento de injunção. - Cfr. Artigo 428º CC.

05. O Tribunal a quo, não se pronunciou quanto à Prescrição da Dívida, e que a Ré invocou em sede de oposição e em alegações orais.

06. Tendo decorrido mais de dois anos, desde a data em que a A deixou a obra, até à data da propositura da acção, a dívida encontra-se prescrita.

07. É a ré, AA que confirma o início e o fim daquelas obras no seu depoimento de 07-07-2022, reportando o seu começo em março de 2018 “Ré min 5:00: Devia ter sido ali em março, por ali”, esclarecendo que terminaram em finais de maio de 2018 Ré min 5:14: Sei lá, lá para fins de maio, ou isso assim, Ré min17:42: Eu não sei, mas lá para fins de maio, depois vieram os homens para a casa, os empreiteiros da casa e eles já lá não andavam Adv. da Ré min 17:48: Portanto, fins de maio de 2018? É isso? Ré min 17:54: Sim.

08. Sendo ainda a ré mais esclarecedora quanto ao facto de a Autora nunca mais ter aparecido na obra Adv. da Ré min 17:57: Olhe, depois de maio de 2018, voltou a ser feita mais alguma coisa naquela obra? Ré min 18:09: Então, ele nunca mais lá apareceu.

09. Aliás posição confirmada pelo legal representante da Autora no seu depoimento de 07-07-2022 11:12:41, quando a Instâncias do Meritíssimo Juiz relativamente ao facto se na data em recebe o cheque, dezassete de maio de 2018, já não estar na obra Juiz min 23:58: 17.05.2018, altura em que recebe o cheque. Gerente da A min 24:01: Acho que já tinha saído Senhor Doutor. Não tenho agora a certeza quando é que eu acabei, eu acho que sim que já tínhamos acabado.

10. É o gerente da Autora quem assume que terminou a obra em maio de 2018 Adv.ª da Autora min 26:03: Oh Senhor BB quando então é que o Senhor acabou mais ou menos a obra?

Gerente da Autora min 26:09: Foi em 2018 agora o mês certo…

Adv.ª da Autora min 26:11: Em que altura?

Gerente da Autora min 26:13: Talvez ao meio do ano, não sei…

Adv.ª da Autora 26:24: Foi em Maio? Foi em Maio?

Gerente da Autora min 26:27: Sim.

11. Não pode admitir-se que o Tribunal “a quo” dê por provado em «2. No decurso dessa actividade e em início de Junho de 2018, foi contactada pela requerida para proceder à construção de uns barracões contíguos à sua casa de habitação.», e em «5. Os trabalhos realizados e materiais fornecidos são os discriminados na factura FT 18/83, emitida e entregue à requerida em 2018-07-12 e com vencimento em 2018-08-11, no valor de €14.319,78.», quando é por demais evidente, que a Autora iniciou a obra em princípios de 2018 (março), e depois de maio de 2018, a Autora não mais prestou qualquer trabalho.

12. Deverão os pontos 2 e 5 da sentença ser dado como não provados, devendo passar a constar da matéria dada como assente, que o início das obras remonta a início de 2018 (março), e os trabalhos da autora terminaram em maio de 2018.

13. Também a Testemunha, CC, nas suas declarações de 07-07-2022 12:04:54, confirma esta realidade Adv. da Ré min 5:42: Recorda-se em que altura é que eles saíram da obra? CC min 5:48: Então a casa começou em junho, final de maio por aí, início de junho no máximo. CC min 6:00: Talvez final de maio, não sei. Em junho começaram as obras da casa, e nessa altura já lá não andavam, isso recordo-me. Adv da Ré min 12:35: Portanto de maio para lá, não mais o Senhor BB, com a excepção dessa ida desse tal funcionário, se deslocou, procurou inteirar se havia defeitos se não havia defeitos se os havia de reparar se não havia de reparar. O Senhor alguma vez o proibiu de continuar a obra? CC min 12:53: Eu não. A única coisa que eu disse ao Senhor BB foi, eu dei-lhe um esboço, tínhamos combinado exactamente o que era para ele fazer (…)

14. De igual modo, no documento de fls. 11 e 12, e que o gerente da Autora assume, com efeito confessório como sendo da sua autoria, numa comunicação datada de 10 de outubro de 2018, escreve: “A obra foi acabada nos fins de maio…”

15. Tendo a A finalizado os trabalhos em maio de 2018, e tendo a Injunção sido intentada contra a Ré a 24-09-2020, há muito que a dívida prescreveu.

16. O Tribunal “a quo” não conheceu, nem se pronunciou sobre a prescrição invocada e alegada pela Ré, o que consubstancia NULIDADE da actual decisão, nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

17. O Tribunal “a quo” ignorou a matéria confessória do legal representante da autora, quer do seu depoimento, quer do documento por si emitido, porquanto, no documento de fls. 11 e 12 é a Autora que confessa “Recebi até à data um total de 11.894,05 €…”

18. Por conseguinte, deve alterar-se o ponto 6 dos factos provados na sentença proferida pelo Tribunal “a quo” devendo ficar a constar que “Por conta da referida factura, a requerida procedeu ao pagamento da quantia de € 11.894,05.

19. O Mmo. Juiz “a quo” refere que para julgar como provado os factos o Tribunal fundou a sua decisão no conjunto de provas processualmente adquiridas conjugadas com as regras da distribuição do ónus da prova e da experiência comum, nomeadamente na missiva de fls.11 e 12 que consubstancia a resposta, pela Autora, ao mandatário da ré, cujo teor se dá por reproduzido, logo, é evidente o não acerto da decisão proferida, pois que, é o documento emitido pela A, que assume o recebimento de €11.894, 05, e não, como consta da sentença, € 9.318,78.

20. A 1.ª instância fundamentou e decidiu sobre a matéria de facto, de forma errónea, quanto ao ponto 12 dos factos provados.

21. No relatório de fls. 43, para o Senhor Perito, o muro em questão aparenta ser ciclópico.

22. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

23. Em parte alguma da sua fundamentação da sentença, o Mmo. Juiz a quo, justifica ou fundamenta o porque de afirmar que o muro foi realizado em betão armado.

24. Para afastar-se do juízo científico, o Tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva, e cotejando toda a sentença, nada é referido nesse concreto aspecto que possa contrariar o conhecimento técnico ou cientifico do Senhor Perito.

25. O Tribunal atribui € 2637,59 por considerar ser o muro em betão armado, quando para o Senhor Perito o valor justificado seriam € 889,61, desde logo porque na sua ótica (fls.43 do relatório pericial), o muro “pela qualidade do betão, aparenta ser ciclópico”.

26. Assim deverá o ponto 12 dos factos provados ser alterado, ficando a constar que: No muro de suporte de fundação do edifício do lado pendente da serra, foi despendido o valor de € 889,61, uma vez que, não sendo possível determinar a sua natureza, aparenta ser em betão ciclópico, sendo tal muro essencial para estabilizar o edifício, atendendo á orografia do terreno onde foi o mesmo implantado.

27. Sendo alterada a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de se considerar NÃO PROVADOS os factos supra transcritos, e dando como provado nos termos explanados é evidente que a Ré nada tem que pagar à autora.

28. A dívida encontra-se prescrita.

29. Sendo condenada, o que apenas por hipótese académica se admite, nunca no valor a pagar tem qualquer correspondência com o montante fixado na sentença.

30. Finalmente, não pode ainda deixar de apontar-se outro evidente erro de direito à decisão de mérito no que à responsabilidade das custas imputadas em exclusivo à Ré diz respeito.

31. É o Tribunal a quo, que julga procedente a execpção invocada pela Ré – A excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) prevista no artº 428º do Código Civil.

32. É a própria sentença que condena a Autora a reparar as infiltrações no barracão.

33. com base nessa condenação, condiciona até exigibilidade do pagamento da Ré à Autora, uma vez que declara que só será exigível o valor em causa, após a realização das reparações.

34. Afinal a ré teve, nesta parte, ganho de causa.

35. O critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

36. Existindo uma parte vencedora, mas não se reconhecendo uma parte vencida, a primeira não pode ser condenada no pagamento de custas por ter havido vencimento e a segunda não o pode ser por não se verificar a causalidade.

37. Jamais as custas poderão ser a cargo exclusivamente pela Ré, devendo, salvo o devido respeito por opinião diversa, serem repartidas pela Autora e Ré em partes iguais, e quando muito, na proporção do decaimento.

38. Foram violados entre outros, os artigos 316º, 317º, 428º, 808º e 1208º do Código Civil, e o artigo 527º do CPC

Nestes termos e melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente e por via do mesmo, revogar-se a decisão “sub judice”, substituindo-a por outra que absolva a ré em conformidade (…)»

c) A Autora contra-alegou e concluiu assim:

«1. A autora dedica-se em exclusivo à atividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais), comercialização de materiais de construção e ferragens; carpintaria e mobiliário, sua produção e comercialização, fazendo disso a sua única atividade lucrativa e por tal a sua única fonte de rendimento.

2. No decurso dessa atividade e em início de junho de 2018, foi contactada pela requerida para proceder à construção de uns barracões contíguos à sua habitação.

3. O filho da Ré, com conhecimento e autorização desta, apresentou o desenho com as dimensões e divisões que pretendia para os barracões, constante de fls. 18, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Foi deixado à autora a escolha dos materiais e métodos de construção, atendendo à finalidade dos mesmos e condições do terreno e do clima.

5. Os trabalhos realizados e materiais fornecidos são só discriminados na fatura FT 18/83, emitida e entregue à requerida em 2018-07-12 e com vencimento em 2018-08-11, no valor de € 14.319,78 (catorze mil trezentos e dezanove euros e setenta e oito cêntimos).

6. Por conta da referida fatura, a requerida procedeu ao pagamento (e não liquidação) da quantia de € 9.319,78 (nove mil trezentos e dezanove euros e setenta e oito cêntimos).

7. No decurso dos trabalhos, a Ré e o filho disseram à autora que não havia necessidade de revestir as paredes, o que o gerente da autora realizou atendendo a que o salitre da urina dos animais iria degradar rapidamente os tijolos de argila.

8. No mesmo momento a Ré e o seu filho, mandaram a autora parar os trabalhos que estava a executar, ficando por arear o interior da zona destinada aos animais, apenas com “chapisco”.

9. A obra apresenta infiltrações, pequenas fissuras e deslizamento de terras    sob a fundação norte.

10. Foram aplicados nas obras materiais no valor de €8.328,96 (oito mil trezentos e vinte e oito euros e noventa e seis cêntimos).

11. Foi gasto na obra, em mão de obra, o valor de €4.685,04 (quatro mil seiscentos e oitenta e cinco euros e quatro cêntimos).

12. No muro de suporte e fundação do edifício do lado poente da serra foi despendido o valor de € 2.637,95 (dois mil seiscentos e trinta e sete euros e noventa e cinco cêntimos), o qual foi realizado em betão armado, sendo tal muro essencial para estabilizar o edifício, atendendo à orografia do terreno onde foi o mesmo implantado.

13. Além dos trabalhos na construção do edifício foram realizados os trabalhos discriminados com o título despesas extra, cujo teor se dá por reproduzido (fls. 45).

14. A Ré reclamou, junto do gerente da autora que havia infiltrações oriunda da cobertura.

II. O Tribunal Ad Quo deu tais fatos como provados tendo por base os depoimentos:

Depoimento do Sr. Perito – Engenheiro Civil

Não há dúvida que o perito prestou com clareza em sede de audiência de discussão e julgamento os esclarecimentos solicitados, sendo os mesmos compatíveis com o relatório pericial e com as fotografias que junto com o mesmo.

O Sr. Perito clarificou que o preço cobrado pelo empreiteiro e bem assim o materiais aplicados em obra eram os adequados para o tipo de obra em causa, a construção de um barracão.

“Mandatária da AA – (…), mas gostava que nos esclarecesse aqui, porque fala-se aqui ao longo da ação que os, os materiais que foram utilizados não são os materiais adequados para o fim ou que serão demasiado para o fim a que se destina a obra em si? O que é que o sr. enquanto engenheiro    

Mandatária da AA – são os adequados

Perito – para o barracão

Mandatária da AA –para o barracão, pronto

Mandatária da AA – mas para barracão, para o fim a que se destina

Perito – sim, não me parece que esteja mal

Mandatária da AA – o sr. respondeu aqui, escreveu 180 euros o metro quadrado

Perito – há isso. Estava a julgar que me estava a perguntar o valor da obra

Mandatária da AA – olhe e relativamente ao valor da obra? O preço de construção,

Perito: é o adequado para a época.”

Depoimento da Ré AA

A Ré no seu depoimento refere a existência de um croqui feito pelo seu filho CC, confirma a existência de divisões no barracão, inclusive uma banca e uma lareira.

“Mandatária da AA – então, mas ele não combinou a obra consigo e como seu filho?

R – Não. Ele combinou a obra, ajustou, e não houve mais nada de combinação

R – o meu filho fez um rascunho.

Meritíssimo Juiz – ouça, como está aí uma zona onde diz lareira,

R – é uma lareirinha pequenina que era só para fazer um churrasquinho, ou assar umas sardinhas ou isso assim.”

Depoimento de Parte do Legal Representante

- Do depoimento deste último resulta claro que não houve orçamento, que a obra foi feita ao dia. Refere que nunca abandonaram a obra, que quem mandou parar a obra foi o filho da Ré.

- Refere que mandou o seu funcionário em 2019 a obra reparar uma infiltração junto a uma chaminé, e que e no início de 2019 falou com a Ré e lhe pediu o valor em divida.

- Relativamente as negociações tidas entre a autora e a ré, e o fato de saber se a obra foi adjudicada ao dia ou através de orçamento é fundamental o depoimento do legal representante da autora Sr. BB:

“LEGAL REPRESENTANTE DA AA – nunca tive problemas nenhuns, nunca fiz orçamentos a nada. Pagavam-me, pagaram sempre, a prestações e eu conforme, pronto iam pagando conforme podiam, (minuto 2) nunca tive problemas.

Aqui nesta, nesta construção, portanto ela tinha necessidade como ardeu, aquilo ardeu tudo, e tinha necessidade de criação de animais, então ela falou comigo para ver se eu lhe fazia, portanto, os anexos. Pronto, e foi isso que foi feito. Foi estudado, o filho dela fez-me, fez, da D. AA fez um desenho do que queriam, pronto e eu comecei a executar a obra, inclusivamente não havia luz elétrica, não havia nada e eu, fui eu que contratei a EDP para pôr lá o quadro, pronto, contratei as máquinas, contratei, pronto, tudo o que fosse, foi necessário, e aquilo deu um bocado de trabalho porque o terreno era inclinado onde eles queriam fazer a obra e teve que levar o muro em betão armado para conseguir nivelar o terreno, pronto e deu uma certa despesa. E depois, começou-se (minuto 3) então a levantar a obra, foram dois anexos, um com 50 m2 e outro com 25m2. Pronto, e correu tudo bem. Quando foi o segundo anexo, é que se intrometeu o filho dela que até aí estava tudo bem, depois começou a querer minimizar a construção, inclusivamente nem queria que eu metesse ferro, nem queria fazer a parede dupla conforme foi feita, quer dizer, que aquilo era um arrumo para lenhas que não precisava de tanto luxo, e eu disse e pá mas é que eu estou habituado a construir de uma certa maneira e tem que ser feito assim. E pronto, fizemos, inclusive drenagem, pusemos tudo em ordem, só que ele tentou foi espantar o meu pessoal de lá, pronto e não nos deixou acabar a obra como deve ser.

Pronto, mas eu dentro daquilo que pude fazer Meritíssimo Juiz – pronto, e que. Ela terá reclamado consigo para o senhor ir lá, fazer as reparações e o senhor não, acabou por não ir fazer as reparações

LEGAL REPRESENTANTE DA AA – não, desculpe, mandei logo lá o meu funcionário

Mandatário da RR – BB e o sr. também me disse que eu que não percebia nada disto, também já percebi isso, agora vamos lá ver uma coisa, agora, agora vamos lá ver uma coisa, qual foi o valor que o sr. Falou à D. AA? Ou ao filho? Ao filho e à D. AA

Meritíssimo Juiz – já disse que não fez orçamento nenhum

LEGAL REPRESENTANTE DA AA – nunca dei valores nenhuns

Mandatário da RR – nunca lhe deu valores nenhum?

LEGAL REPRESENTANTE DA AA – nunca dei valores

Mandatário da RR – qual é o valor que o senhor pediu nesta obra?

Depoimento da Testemunha DD - O depoimento da testemunha DD, confirma os trabalhos realizados, e o facto de os mesmos não terem sido concluídos em virtude de o filho da Ré, a testemunha CC, os ter mandado parar.

- O depoimento desta testemunha também foi bastante credível e convenceu o Tribunal sendo compatível com o depoimento do representante legal da autora e bem assim com o do perito no tocante aos trabalhos realizados, aos materiais usados, ao fato do filho da Ré não permitir a conclusão da obra, a data da conclusão da obra.

- Quanto aos materiais utilizados: também a testemunha DD esclareceu com clareza quais os materiais que foram usados em obra, sendo que os mesmos coincidem com os que constam da fatura

 “DD – da parte de baixo quando fizemos o outro é que disse que não era preciso tanta coisa, porque aquilo era para arrumos de lenhas, pronto, coisas agrícolas (…)

DD – verguinha de 6, 8, 10, 20, tijolo foi do grande,

Mandatária da AA – sim DD – porque eu aproveitei o tijolo do grande para fazer uma caixa de ar à volta do pilar para a humidade não entrar, o cimento do pilar não ficou exposto ao exterior, que era para não sugar

Mandatária da AA – ok, e puseram também telhado ou como é que foi?

DD – sim de chapa sandwich Mandatária da AA – chapa sandwich, pronto. Olhe, fala-se aqui que o reboco ficou muito grosso e que o reboco que, que, (minuto 8) que, como é que eu hei de dizer, que (…)”

- O depoimento do filho da Ré, a testemunha CC, confiram a elaboração de um croqui e que serviu de base as edificações que a autora fez, tenda convencer o Tribunal que houve um orçamento, mas não consegui, uma vez que não faz sentido primeiro e como refere no sue depoimento à semelhança da sua mãe que tinham um orçamento de €6.000,00 (seis mil euros) com o empreiteiro e depois venham a pagar €10.000,00 (dez mil euros); mas mais se tinham, um orçamento firmado com o empreiteiro, não tinham que se preocupar com o número de dia que este andava em obra e bem assim com as matérias, ou tipo de materiais que este utilizava, uma vez que tudo estava orçamentado, logo o preço a final seria sempre o mesmo, o que interessava era que a obra ficasse concluída e concluída devidamente e sem vícios.

“CC – não, desde, desde o orçamento que sinceramente, a minha maior frustração e, é não lhe ter pedido um orçamento por escrito”

- Ao contrário do que a Apelante quer fazer valer o Meritíssimo Juiz ad quo não omitiu o seu dever de pronúncia acerca das exceções invocadas: Prescrição e Abandono da obra.

III - Tal omissão de pronúncia não consubstancia qualquer NULIDADE.

A este respeito leia-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - Processo nº 7095/10.7 TBMTS.P1.S1, 2ª Secção:

"I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC”

O Meritíssimo Juiz, não se pronunciou sob a prescrição e sob o abandono da obra, porque tanto uma exceção como a outra, foram sobejamente provada em sede de audiência de discussão e julgamento que não se aplicação e que não aconteceram no caso sub iudice.

IV - Quanto ao valor dos trabalhos:

Dos autos resulta provado que não houve orçamento, mais resulta que a ré pediu à autora a realização dos trabalhos, não tendo havido preço inicial, o vulgarmente chamado orçamento, sendo que a execução da obra não foi discriminada pelo dono da obra, tanto quanto os materiais como o modo de execução, se em alvenaria, tijolo, ou em pilares de betão.

Resultou provado, que a autora executou a obra segundo a legis

 artis da construção civil, sendo que tal realidade foi confirmada pelo Perito, engenheiro civil de profissão.

Por último, atendendo a que a autora assume que recebeu da ré a quantia de €9.394,05 (nove mil trezentos e noventa e quatro euros e cinco cêntimos), dos €10.000,00 (dez mil euros) pagos pela Ré, sendo que a diferença foi para pagar a instalação do quadro elétrico, e da retroescavadora.

Encontrando-se, portanto, em dívida o valor de €4.925,73 (quatro mil novecentos e vinte e cinco euros e setenta e três cêntimos).

V - QUANTO À PRESCRIÇÃO:

Na verdade, a obra da Ré foi iniciada em junho de 2018, concluída em julho de 2018, depois em setembro de 2018 o mandatário da ré envia uma carta ao legal representante da autora, depois o mandatário da autora envia uma carta em 2019, até a solicitar o pagamento.

Então a fatura nº 18/83 foi emitida em 12 de julho de 2018, à luz do preceito do artigo 317º do C.C., em julho de 2019 a dívida prescrevia, sucede que, a prescrição foi interrompida por várias vezes:

- Aquando do envio da carta por parte do mandatário da autora em 23 de julho 2020 e ainda anteriormente em data que não sabe concretizar, mas foi no início de 2019, quando o legal representante foi ao encontro da ré para que esta terminasse de lhe pagar o valor.

Logo iniciando a contagem dos 2 anos no início de 2019, o prazo da prescrição terminava em no inicio de 2021, ou iniciando contagem do prazo da prescrição em 23 de julho 2020 o prazo terminava em 22 de julho de 2022.

Portanto a divida ainda não prescreveu e é exigível.

VI- QUANTO AO ABANDONO DA OBRA:

Relativamente a esta questão, do abandono da obra, sempre foi intenção do empreiteiro concluir a obra, conforme a legis artis, e foi isso que foi dado como provado em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo que muito bem decidiu o Tribunal, quando não decidir pelo parecer favorável dado à exceção invocada do abandono da obra.

Acórdão nº 626/16.0T8GMR.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

“I - O abandono da obra por parte do empreiteiro, se for revelador duma vontade inequívoca de não cumprir, pode constituir incumprimento definitivo do contrato de empreitada, não havendo nesse caso necessidade de interpelação admonitória por parte do credor.

II – Se ao invés o abandono da obra não for suficientemente revelador daquela intenção, impõe-se ao credor interpelar o devedor a.…”

Muito bem decidiu o Tribunal, em condenar:

1. Condenar a Ré a pagar à autora o valor de € 4.925,73 (quatro mil novecentos e vinte e cinco euros e setenta e três cêntimos), pelos trabalhos realizado na   propriedade desta;

2. Condenar a autora a reparar as infiltrações no barracão, no prazo de 30 dias após o Trânsito em Julgado da Sentença;

  3. Declarar que só será exigível o valor da causa, após a realização das reparações, exceto se não ocorreram por fato imputável à Ré.

Termos em que:

Devem as presentes Contra-Alegações de Recurso serem julgadas procedentes por provadas e, por via delas, manter-se a Sentença recorrida.»

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão colocada pelo recurso respeita à matéria de facto, pretendendo a Ré que os factos declarados provados sob os n.º 2., 5., 6., e 12 sejam alterados.

2 – Em segundo lugar coloca-se a questão da nulidade da sentença:

a) Por omissão de pronúncia, porquanto se alega que o tribunal não se pronunciou quanto à questão do abandono da obra por parte do Autor, abandono este que deve ser considerado no caso concreto como incumprimento definitivo do contrato.

b) Ainda por omissão de pronúncia porquanto o tribunal a quo, não se pronunciou quanto à prescrição da dívida, que a Ré invocou em sede de oposição e em alegações orais.

Tendo decorrido mais de dois anos, desde a data em que a Autora deixou a obra, até à data da propositura da ação, a dívida encontra-se prescrita.

3 – Em terceiro lugar verificar-se-á se a eventual alteração do decido em sede de impugnação da matéria de facto se reflete na decisão.

4 – Por fim coloca-se a questão da repartição das custas.

A ré diz que obteve ganho de causa na parte em que, nos termos decididos, a condenação ficou condicionada à realização das reparações, pelo que não pode suportar a totalidade das custas.

III. Fundamentação

a) Nulidades da sentença.

(I) Por omissão de pronúncia, porquanto se alega que o tribunal não se pronunciou quanto à questão do abandono da obra por parte do Autor, abandono este que deve ser considerado no caso concreto como incumprimento definitivo do contrato.

Verifica-se esta nulidade porquanto foi suscitada a questão e não foi abordada na a sentença.

Com efeito, na oposição foi exarado:

No ponto 2 da oposição «…a requerente abandonou sem mais a obra, deixando-a com inúmeros e visíveis defeitos, …»); no ponto 7 acrescentou «…que a empreitada tenha sido realizada…» e no ponto 19 disse que «…a falta de vontade do empreiteiro em eliminar os defeitos da obra, esta sua recusa em fazê-lo configura uma situação de incumprimento definitivo, não havendo, por isso, necessidade de converter a mora em incumprimento definitivo, seja mediante interpelação admonitória, seja perante a declaração de perda de interesse na prestação, nos termos do art. 808º do C. Civil.»

Declara-se esta nulidade, pelo que, face ao disposto no artigo 665.º do CPC, regra da substituição ao tribunal recorrido, este tribunal pronunciar-se-á sobre a matéria, mais abaixo, na al. d).

(II) Ainda por omissão de pronúncia porquanto o tribunal a quo, não se pronunciou quanto à prescrição da dívida, que a Ré invocou em sede de oposição e em alegações orais.

Tendo decorrido mais de dois anos, desde a data em que a A. deixou a obra, até à data da propositura da acção, a dívida encontra-se prescrita.

Verifica-se esta nulidade porquanto foi suscitada a questão e não foi abordada na a sentença.

Declara-se esta nulidade, pelo que, face ao disposto no artigo 665.º do CPC, regra da substituição ao tribunal recorrido, este tribunal pronunciar-se-á sobre a matéria, mais abaixo, na al. d).

b) Impugnação da matéria de facto

Relativamente aos pontos 2 e 5 dos factos provados da sentença.

A Recorrente pede que os respetivos factos sejam declarados não provados, devendo passar a constar da matéria dada como assente que o início das obras remonta ao início de 2018 (março) e o termo dos trabalhos a maio de 2018.

A Ré diz que a obra executada pela Autora começou pelo mês de março de 2018 (minuto 05:00) e que se estendeu até maio desse ano (minuto 05:14) e o gerente da Autora também referiu que executou os trabalhos até maio de 2018 (minuto 26:27).

Pelo exposto, o facto provado 2 ficará com esta redação: «No âmbito dessa atividade a Autora foi contactada pela requerida, no início de 2018, para proceder à construção de uns barracões contíguos à sua casa de habitação, tendo a Autora executado o que aí se encontra feito até ao final de maio desse ano».

Quanto aos factos provados do ponto 5: «Os trabalhos realizados e materiais fornecidos são os discriminados na fatura FT 18/83, emitida e entregue à requerida em 2018-07-12 e com vencimento em 2018-08-11, no valor de €14.319,78.»

Deve manter-se nos factos provados.

Com efeito, como é consensual, as obras estão executadas no local e implicaram a utilização de materiais e mão de obra.

Ora, nos termos do relatório pericial foram aplicados na obra materiais no valor de €8.328,96 e mão de obra no valor de €4.685,04, quantias que somadas perfazem €13. 014,00.

A diferença de €1.305,78 não é significativa porquanto se admite que seja difícil a um perito que observa uma obra realizada aperceber-se de todos os materiais que foram utilizados e contabilizar a mão de obra que foi despendida no caso concreto.

Por conseguinte, tendo em consideração esta prova, que se afigura mais capacitada para expressar a realidade histórica e mais credível que qualquer outra produzida nos autos, forma-se a convicção de que a fatura representa o custo real da obra aí referida, ou seja, «Construção de dois anexos…».

Quanto aos factos provados do ponto 6.

A recorrente diz que deve ficar a constar deste número que «Por conta da referida factura, a requerida procedeu ao pagamento da quantia de € 11.894,05.»

Não procede esta impugnação.

De facto, na carta emitida pela Autora, com a data de 10 de outubro de 2018 consta: «Recebi até à data 11 894.05 € dum valor total de 16 819,78 €…» Cfr. fls. 12 dos autos em papel).

Porém, nessa carta a Autora também refere que a dívida era de 16 819,78 euros, ou seja, mais 2.500,00 euros em relação ao que é pedido na ação.

Por conseguinte, para aceitar a este valor de 11 894.05 euros, teríamos de aceitar o outro valor de 16 819,78 euros, como é apropriado à regra da indivisibilidade da confissão.

É certo que esta regra não é absoluta, pois como refere o artigo 360.º do Código Civil, quem quiser aproveitar-se da confissão tem de a aceitar na integra os factos favoráveis e desfavoráveis, salvo se provar a inexatidão dos factos que lhe são desfavoráveis.

Ora, no caso, a prova produzida não mostra que o valor não ascendesse aos 16 819,78 euros.

Aliás, o perito calculou o valor dos trabalhos (materiais e mão de obra) em 13.014,00 euros.

Por outro lado, foram executados outros trabalhos para além dos dois anexos a que se refere a fatura «FT 18/83» de 12 de julho de 2018, a qual respeita à «Construção de dois anexos…».

Foi construído um muro de suporte de fundação do edifício do lado pendente da serra, cujo custo foi fixado pelo senhor perito em 2.637,59 euros, caso tenha sido executado em betão armado e em 889,61 euros tratando-se de betão ciclópico.

Fica, pois, a dúvida sobre a real extensão dos trabalhos feitos e respetivos custos e pagamentos e se a quantia pedida na ação corresponde a tudo o que foi contratado e executado, indiciando a construção do dito muro e o teor da carta mencionada que não, que os custos e pagamentos excederam o que foi alegado pela Autora no requerimento de injunção e indicado na conta corrente junta aos autos pela Autora.

Por conseguinte, o facto provado 6 ficará com a mesma redação.

Relativamente ao ponto 12 dos factos provados.

A Recorrente alega que não sendo possível determinar a composição do muro, o mesmo aparenta ser em betão ciclópico, pelo que deverá tal facto ser alterado e ficar com esta redação: «No muro de suporte de fundação do edifício do lado pendente da serra, foi despendido o valor de € 889,6.»

Verifica-se que os elementos probatórios sobre esta matéria consistem fundamentalmente no relatório pericial, do qual consta que pela mera visualização exterior do muro não é possível saber se o muro está construído em betão armado ou betão ciclópico, mas que, pela qualidade do betão aparenta ser ciclópico.

Em face das características do muro, o Sr. Perito atribuiu o valor de € 2637,59 para o muro em betão armado e de € 889,61 para o ciclópico.

Em face desta prova afigura-se procedente a impugnação.

Não podemos afirmar se o betão é «armado» ou é «ciclópico, mas sabemos que «pelo menos» foi despendida a verba de € 889,61.

Assim, o ponto 12 dos factos provados é alterado para:

«No muro de betão, de suporte da fundação do edifício do lado pendente da serra, foi despendido pelo menos o valor de € 889,61, sendo tal muro essencial para estabilizar o edifício, atendendo à orografia do terreno onde foi o mesmo implantado».

Ao dizer-se «pelo menos» pretende-se ser fiel à realidade, pois a prova não exclui que se trate de um muro de betão armado e, neste caso, a despesa teria sido mais elevada, mas não podemos afirmar que se trata de betão armado. O que se pode afirmar, com certeza, é que, pelo menos, a despesa de € 889,61 foi feita.

A redação indicada reflete esta dúvida e esta certeza. 

c) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A autora dedica-se em exclusivo à atividade de construção de edifícios (residenciais e não residenciais), comercialização de materiais de construção e ferragens; carpintaria e mobiliário, sua produção e comercialização, fazendo disso a sua única atividade lucrativa e por tal a sua única fonte de rendimento.

2. No âmbito dessa atividade a Autora foi contactada pela Ré, no início de 2018, para proceder à construção de uns barracões contíguos à sua casa de habitação, tendo a Autora executado o que aí se encontra feito até ao final de maio desse ano.

3. O filho da ré, com conhecimento e autorização desta, apresentou o desenho com as dimensões e divisões que pretendia para os barracões, constante de fls. 18, cujo teor se dá por reproduzido.

4. Foi deixado à autora a escolha dos materiais e métodos de construção atendendo à finalidades dos mesmos e condições de terreno e clima.

5. Os trabalhos realizados e materiais fornecidos são os discriminados na fatura FT 18/83, emitida e entregue à requerida em 2018-07-12 e com vencimento em 2018-08-11, no valor de €14.319,78.

6. Por conta da referida fatura, a requerida procedeu ao pagamento (e não liquidação) da quantia de €9.319,78.

7. No decurso dos trabalhos a autora e seu filho disseram à autora que não havia necessidade de revestir as paredes, o que o gerente da autora realizou atendendo a que o salitre da urina dos animais iria degradar rapidamente os tijolos de argila.

8. No mesmo momento, a autora e seu filho, mandara a autora parar com os trabalhos que estavam a executar, ficando por arear o interior da zona destinada aos animais, apenas com “chapisco”.

9. A obra apresenta infiltrações, pequenas fissuras e deslizamentos de terras sob a fundação norte.

10. Foram aplicados na obra materiais no valor de €8.328,96.

11. Foi gasto na obra, em mão de obra, o valor de €4.685,04.

12. No muro de betão, de suporte da fundação do edifício do lado pendente da serra, foi despendido pelo menos o valor de € 889,61, sendo tal muro essencial para estabilizar o edifício, atendendo à orografia do terreno onde foi o mesmo implantado.

13. Além dos trabalhos na construção do edifício foram realizados os trabalhos discriminados com o título de despesas extra, cujo teor se dá por reproduzido (fls. 45).

14. A ré reclamou, junto do gerente da autora que havia infiltrações oriundas da cobertura.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) A empreitada foi realizada, a obra e a fatura foram aceites e não reclamadas.

b) Jamais a requerida aceitaria o montante que a requerente indica para a um simples barracão de animais, até porque, não dispunha sequer de montante para esse efeito.

d) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

(I) Abandono da obra por parte do Autor.

A Ré alegou no ponto 2 da oposição à injunção o abandona da obra, de modo genérico («2. …a requerente abandonou sem mais a obra, deixando-a com inúmeros e visíveis defeitos, …»); no ponto 7 acrescentou «…que a empreitada tenha sido realizada…»; no ponto 15 «Não mais o Requerente voltou àquelas obras, deixando a obra inacabada e defeituosa e no ponto 19 diz que «…a falta de vontade do empreiteiro em eliminar os defeitos da obra, esta sua recusa em fazê-lo configura uma situação de incumprimento definitivo, não havendo, por isso, necessidade de converter a mora em incumprimento definitivo, seja mediante interpelação admonitória, seja perante a declaração de perda de interesse na prestação, nos termos do art. 808º do C. Civil.»

Analisada a matéria de facto provada verifica-se que a mesma não permite concluir pelo mencionado abandono da obra.

Por conseguinte, improcede este argumento recursivo.

(II) Prescrição da dívida.

Não ocorre a prescrição invocada.

(a) Nos termos da al. b) do artigo 317.º do Código Civil, prescrevem no prazo de dois anos «… os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efetuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.»

O contrato de empreitada quando tem por objeto a construção de imóveis não integra o conceito de «execução de trabalhos» a que se refere esta al. b) do artigo 317.º do Código Civil, porquanto o regime do contrato de empreitada de imóveis não faz parte dos casos reais que servem de fundamento ao regime das presunções presuntivas, casos esses que são constituídos por relações contratuais onde a prática é o pronto pagamento e sem recibo ou, quando este é emitido, não é usual ser conservado por parte do devedor.

Trata-se, pois, de situações em relação às quais nem o credor nem o devedor preveem que possam ter futuros desenvolvimentos suscetíveis de gerar litígios e são tratadas com ligeireza e informalidade.

Como referiu o Prof. Manuel de Andrade, sobre a razão de ser destas presunções de pagamento, a lei «…estabeleceu curtos prazos para a prescrição dos créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim dum prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, também paga estas dívidas dentro de curto prazo, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando as paga; e se exige recibo não o conserva por muito tempo» - Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra/1987, pág. 452.

Numa empreitada que envolve a construção de um imóvel, ainda que de reduzidas dimensões, como é o caso dos autos, não é usual (salvo se se pretender evitar pagar impostos) omitir a emissão de faturas e inclusive a entrega de recibos, muito embora o devedor os possa dispensar se tem outro modo de provar o pagamento, como, por exemplo, quando o faz por transferência bancária.

Por outro lado, não é usual o dono da obra desfazer-se dos recibos, antes os guarda para o caso de ser necessário invocar mais tarde o pagamento em caso de litígio.

O próprio prazo de um ano previsto, a partir da recusa da aceitação da obra ou aceitação com reservas, para a caducidade dos direitos relativos à eliminação de defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização – artigo 1224.º do Código Civil – mostra que não estamos perante um tipo de relação contratual onde são dispensadas as aludidas formalidades atinentes ao pagamento do preço.

Outro tanto se diga  do prazo de garantia de 5 anos a favor do dono da obra:  «Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.» - artigo 1225.º, n.º 1, do Código Civil.

Tudo isto nos mostra que nestes contratos de empreitada estamos perante contratos no âmbito dos quais as partes são obrigadas a aturada reflexão e ponderação e a própria lei se encarrega de prover tais contratos com uma regulamentação supletiva para acautelar os diversos interesses em jogo.

Daí que se conclua que um contrato de empreitada para a construção de um imóvel não se integra no conceito de «execução de trabalhos» a que se refere a al. b) do artigo 317.º do Código Civil.

A jurisprudência tem vindo a decidir neste sentido.

Alguns exemplos:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de novembro de 1994, (Colectânea de Jurisprudência 1994, Tomo V, pág. 215), «…sendo razão da prescrição presuntiva o pagamento imediato ou, pelo menos, em certo prazo e sem quitação, não é esse o uso nas empreitadas para construção de imóveis.»

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29 de abril de 2008, no processo 1278/05.9TBLRA: «À dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art. 317º do C.C.» -  em www.dgsi.pt.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de dezembro de 2016, no processo n.º 71368/15.1YIPRT.C1, «A prescrição de curto prazo da al. b) do art. 317º do CC não se aplica aos contratos de empreitada, exceto se os mesmos respeitarem a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho» – em www.dgsi.pt – no qual são citados vários acórdãos no mesmo sentido.

Considerando o exposto, julga-se improcedente a invocada exceção da prescrição.

 (b) Ainda se dirá o seguinte.

A Ré não assume uma postura clara sobre o pagamento, pois apesar de afirmar o pagamento, também alega dúvidas sobre a existência da dívida por outras razões que não o pagamento, alegando que é infundada.

No ponto 4 da oposição dizem: «Jamais a requerida aceitaria o montante que a requerente indica para a um simples barracão de animais, até porque, não dispunha sequer de montante para esse efeito.»

No ponto 8: «Sendo de igual modo mentira que a factura tenha sido aceite e não reclamada.»

No ponto 21 dizem: «Verificando-se até causa legítima que desonera a Requerida no cumprimento do remanescente invocado no requerimento de injunção. Cfr. Artigo 428º CC.»

E no ponto 22: «Deve também a Requerente vir indicar o valor do material que se apropriou da obra, e que alegadamente seria descontado no preço.»

E no ponto 26, referindo-se à fatura junta com a injunção: «Desconhecendo-se a origem da mesma, e não se sabe se dizem respeito às obras efectivamente realizadas na habitação do Requerido.»

A presunção de pagamento exige que se aceite a dívida tal qual, que não se conteste a mesma, afirmando-se depois que foi paga.

Como resulta do disposto no artigo 312.º do Código Civil, «As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento», baseia-se na presunção de que houve pagamento, ou seja, parte do princípio que a dívida foi paga pela Ré.

Por isso, o réu tem de alegar que pagou e depois invoca a presunção de pagamento, ficando dispensado de provar que pagou.

Como se referiu no Acórdão do S.T.J., de 19 de junho de 1999, in Colectânea de Jurisprudência – STJ – Tomo 2, pág. 134., «Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o Réu não deve negar factos constitutivos do direito do autor já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento».

Esta postura declarativa que ora afirma o pagamento, ora contesta a dívida por razões alheias ao pagamento que se alega ter sido feito, gera dúvidas sobre se ocorre de facto uma afirmação convicta relativa ao pagamento.

 (III) Eventual alteração do decido decorrente da alteração da matéria de facto.

Verifica-se que os factos 5 e 6, não sofreram alteração, ou seja:

«5. Os trabalhos realizados e materiais fornecidos são os discriminados na fatura FT 18/83, emitida e entregue à requerida em 2018-07-12 e com vencimento em 2018-08-11, no valor de €14.319,78.

6. Por conta da referida fatura, a requerida procedeu ao pagamento (e não liquidação) da quantia de €9.319,78.»

Desta factualidade resultou a condenação no pagamento da respetiva diferença, pelo que não há fundamento para alterar a decisão.

d) Questão da repartição das custas.

A ré argumenta que obteve ganho de causa na parte em que, nos termos decididos, a condenação ficou condicionada à realização das reparações e, por isso, não pode suportar as custas na sua totalidade.

Vejamos.

O artigo 527.º do CPC dispõe o seguinte:

1- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.»

O Prof. Alberto dos Reis referiu-se a esta problemática nos seguintes termos:

«Como se avalia a sucumbência? Como se determina o seu grau ou a proporção em que as partes decaem?

Não descortinamos outro critério que não seja este: a equação entre o pedido que a parte formulou ou entre a pretensão que deduziu em juízo e a rejeição que encontrou por parte do tribunal. Sucumbência quer dizer insucesso; ora o insucesso mede-se e gradua-se pelos termos em que a decisão jurisdicional tenha deixado de acolher a pretensão da parte. Sucumbe em juízo o litigante que não conseguiu obter decisão favorável à sua pretensão, e sucumbe na medida em que a decisão lhe foi desfavorável» - Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição-Reimpressão, pág. 203.

No caso dos autos, as custas incidem e foram pagas sobre o valor do pedido formulado pela Autora, sobre o valor de 5.906,90 euros, de acordo com o disposto no artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro): «A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo.»

Sucede que no caso dos autos não foi indicado qualquer valor relativamente à exceção deduzida pela Ré, como não tinha de ser, pois não foi deduzida reconvenção, nem era caso para isso.

Por conseguinte, embora procedendo a exceção, não há que condenar a Autora em custas com este fundamento, pois sendo as custas calculadas e pagas em função do valor do processo, nos termos do artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais, se à procedência de uma exceção não corresponder o decaimento total ou parcial do pedido, essa procedência não determina qualquer repartição de custas, uma vez que não lhe foi atribuído valor e não entrou na formação do valor do processo para efeito de custas.

Improcede, por isso, esta pretensão da recorrente.

Mas verifica-se que a Autora não obteve total vencimento, pois decaiu no pedido de juros.

Por conseguinte, as custas são repartidas de acordo com o vencimento e decaimento, tendo a Autora decaído em relação ao valor de 981,17 euros.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela Autora e Ré na proporção do vencimento e decaimento.


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Coimbra, 24 de janeiro de 2023