CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO
CONVERSÃO EM CONTRATO SEM TERMO
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
PROCEDIMENTO CONCURSÓRIO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
RELAÇÃO LABORAL NULA
REINTEGRAÇÃO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
Sumário


I – O contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converte-se em contrato de trabalho sem termo no caso do trabalhador permanecer em actividade após a data de caducidade indicada em comunicação do empregador, por força do disposto no art. 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.
II – Todavia, no caso de contrato celebrado com Unidade de Saúde, entidade pública empresarial (E.P.E.), o contrato sem termo assim convertido é nulo por inexistência de prévio procedimento concursório de recrutamento que assegurasse a observância dos princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.
III – A invocação pelo empregador da cessação do contrato por alegada caducidade decorrente do termo no âmbito de contrato de trabalho sem termo convertido, ainda que nulo, consubstancia um despedimento ilícito, mas a nulidade do contrato exclui a possibilidade de reintegração do trabalhador.
IV – Não tendo a nulidade do contrato sido declarada pela 1ª instância e sendo apenas invocada pelo empregador em sede do recurso da sentença, as retribuições intercalares consequentes à ilicitude do despedimento são devidas apenas até à data da notificação ao trabalhador da interposição do recurso.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Apelação n.º 1594/21.2T8GRD.C1

(secção social)

Relator: Azevedo Mendes

Adjuntos:

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Autora: AA

Ré: Unidade Local de Saúde ..., EPE

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato individual de trabalho sem termo entre ela e a ré, que seja declarada a nulidade do seu despedimento, por ilícito, que seja a ré condenada na sua reintegração e que seja condenada no pagamento das retribuições que deixou de auferir e que lhe eram devidas se prestasse normalmente a sua actividade à ré, desde a data do seu despedimento a 15 de Novembro de 2021 até ao trânsito em julgado da decisão.

Alegou, em resumo, que em 16.12.2019 foi admitida ao serviço da ré, por contrato individual de trabalho a termo incerto, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Técnica de Radiologia, no Centro de Saúde .... E que foi contratada para substituição de trabalhadora ausente, cessando quando regressasse a trabalhadora substituída. E que tal aconteceu em 1 de Março de 2021, findando essa ausência incerta com o regresso da substituída, tendo, todavia, ela ficado ausente em férias do dia 1 até ao dia 17 de Março de 2021 e o contrato celebrado a termo incerto não foi cessado anteriormente a essa data já prevista (1 de Março de 2021) como deveria ter acontecido. Invoca, ainda, que, não tendo assinado nenhum novo contrato, manteve-se no exercício normal das suas funções, tendo estado a trabalhar 17 dias decorridos 15 dias após a verificação do termo, sendo que a trabalhadora substituída ficou após as suas férias de novo ausente em 18 de Março de 2021 até 11 de Novembro de 2021, altura em que a autora recebeu para seu espanto uma carta a fazer cessar o seu contrato por caducidade para o dia 11 de Novembro de 2021. Não obstante, ainda trabalhou para a ré nos dias 12 (sexta feira) e 15 de Novembro de 2021.

A ré contestou a acção alegando, em resumo, que o contrato da autora cessou por caducidade em 11.11.2021, data comunicada à autora, já que a data que a trabalhadora ausente comunicou como aquela em que se apresentaria ao serviço foi a de 12.11.2021. Mais referiu que a execução da prestação de trabalho da autora nos dias 12 e 15 de Novembro foi realizada à revelia e sem o consentimento da ré. Concluiu pela improcedência da acção.

Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, declarou que o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre a autora e a ré se converteu em contrato de trabalho sem termo, declarou ilícita a cessação do contrato de trabalho operada pela ré e condenou-a a reintegrar a autora no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir e que lhe eram devidas com a prestação normal da sua actividade à ré, desde 15.11.2021 até ao trânsito em julgado da sentença.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, concluiu:                                                                   

“1- Constam do processo elementos probatórios suficientes que, por si só, implicam uma decisão diversa da que foi proferida e, ao contrário do que entende a sentença recorrida, a ação deveria ser julgada parcialmente improcedente, nomeadamente na parte em que é peticionada a reintegração da A. nos serviços da Ré.

2- Dos autos resultam documentos, nomeadamente contrato de trabalho a termo incerto celebrado com a A. dos quais resulta que a Ré é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, a qual foi criada pelo Dec-Lei nº 183/2008 de 4.09, por fusão do Hospital ..., Hospital ... e vários Centros de Saúde situados no distrito ..., nomeadamente o Centro de Saúde ....

3- Ou seja, não obstante o caracter empresarial e sujeição ao direito privado, a Recorrente é uma pessoa coletiva de direito público, a quem estão materialmente acometidas funções públicas de prestação de cuidados de saúde à população

4- Pelo que deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a Ré é uma entidade pública empresarial sujeita ao disposto nos no Dec-Lei nº 183/2008 de 4.09.

5- Acresce que no contexto supra mencionado e tendo em conta o disposto no art. 47º nº 2 da CRP, e bem assim o previsto no DL nº 183/2008 de 4. 09, não obstante a natureza empresarial do Réu e a submissão dos trabalhadores ao regime do contrato individual de trabalho de acordo com o Código do Trabalho (art. 12º nº 1), também prevê, no nº 4 do art. 12º, um processo de recrutamento dos trabalhadores sujeito a princípios, designadamente, da igualdade de oportunidades e da publicidade.

6- Não tendo a A. provado que a sua contratação haja sido precedida de qualquer processo de recrutamento para contrato sem termo, designadamente do previsto nos diplomas em vigor à data da sua contratação (DL nº 183/2008), sendo que a ela lhe competia, porque constitutivo do seu direito, o ónus de alegação e prova de tal facto (art. 342º, nº 1 do Cód. Civil),

7- e bem assim que o Réu possuía um quadro de pessoal próprio, não pode o contrato de trabalho em causa, convalidar-se por força do Código do Trabalho, designadamente pelo art.º 147.º, n.º 2, al. c).

8- Pelas razões e com os fundamentos que se deixam alegados, a douta sentença recorrida deve ser revogada quanto à conversão do contato a termo incerto em contrato sem termo e consequente reintegração da Recorrida a prestar funções nos Serviços da Recorrente.

9- A douta sentença recorrida viola, além de outras indicadas disposições e princípios supra indicados, o disposto no art. . 47º nº 2 da CRP e nº4 do art. 12º do DL nº 183/2008 de 4.09 e art. 14 do Dec-Lei nº 110/2017 de 31 de agosto.

10- Face a tudo quanto se deixa alegado e vertido nestas conclusões, concedendo-se provimento ao presente recurso»

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.  

O Ex.mo PGA junto desta Relação apresentou parecer no sentido da improcedência do recurso.


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II- FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

1. A autora foi admitida pela ré ao seu serviço, em 16.12.2019, por contrato de trabalho a termo incerto, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Técnica de Radiologia, no Centro de Saúde ..., com a remuneração mensal de €1.201,48, acrescida de um subsídio de refeição diário no valor de €4,77.

2. A autora foi contratada para substituição de trabalhadora, enquanto perdurasse a ausência da TSDT – área de Radiologia, BB, por gravidez de risco, cessando o contrato de trabalho da autora quando regressasse a trabalhadora substituída.

3. Por carta datada de 25.10.2021, a ré comunicou à autora a cessação do contrato de trabalho, por caducidade, mais referindo que a autora deveria manter-se em funções até 11.11.2021, inclusive.

4. A trabalhadora substituída, BB, esteve de férias desde 01.03.2021 até 17.03.2021, tendo ficado novamente ausente ao serviço desde 18.03.2021 até 11.11.2021.

5. A autora esteve ao serviço da ré nos dias 12.11.2021 e 15.11.2021.


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Do mesmo despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como não provada: “não resultaram apurados quaisquer outros factos para além dos que se descreveram supra, designadamente não tendo resultado provado que a trabalhadora substituída, BB, comunicou à ré que se apresentaria ao serviço no dia 12.11.2021 e que a execução da prestação de trabalho referida em 5. foi à revelia, com desconhecimento e sem autorização da ré”.

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III- APRECIAÇÃO

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se pode considerar-se como estabelecido “que a Ré é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, a qual foi criada pelo Dec-Lei nº 183/2008 de 4.09, por fusão do Hospital ..., Hospital ... e vários Centros de Saúde situados no distrito ..., nomeadamente o Centro de Saúde ...”;

- em consequência e sucedendo que não se provou que a contratação da autora haja sido precedida de qualquer processo concursório para contrato sem termo, se  pode ou não pode ocorrer a conversão do contato a termo incerto em contrato sem termo e ocorrer a reintegração da autora como consequência de despedimento ilícito, tal como foi decidido na sentença recorrida.

Vejamos, assim:

Concluiu-se na sentença da 1ª instância que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes se converteu em contrato sem termo.

A esse propósito, nela se escreveu o seguinte:

«(…) o artigo 147.º, n.º 1 do Código do Trabalho dispõe que (…) “Converte-se em contrato de trabalho sem termo: (…) c) O celebrado a termo incerto, quando o trabalhador permaneça em atividade após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador ou, na falta desta, decorridos 15 dias após a verificação do termo”.

Ora, in casu, deu-se como provado que a autora foi contratada como trabalhadora da ré para substituir uma trabalhadora da ré que estava ausente, por gravidez de risco, estando esta situação prevista no artigo 140.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho como sendo um dos casos em que é permitido ao empregador o recurso à contratação de trabalhadores a termo (que poderá ser incerto, nos termos do n.º 3 deste mesmo artigo), não se vendo que seja necessário mais do que a menção que contava do respectivo contrato de trabalho para justificar o recurso a esta forma de contratação da autora, tendo-se também dado como provado que correspondia à verdade o fundamento invocado para a celebração deste contrato (a trabalhadora em questão da ré estava, efectivamente, de baixa médica por gravidez de risco).

Por outro lado, resultou provado que a autora se manteve ao serviço nos dias 12.11.2021 e 15.11.2021, ou seja, após 11.11.2021, data aposta na comunicação da ré de cessação do contrato de trabalho por caducidade.

A este respeito, e conforme impressivamente sintetiza o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2019 (disponível em www.dgsi.pt): “Tendo-se provado que um trabalhador no período compreendido entre 1 de agosto de 2015 e 12 de novembro de 2015 desenvolveu por conta do empregador uma atividade ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto e não resultando da matéria de facto provada que o exercício dessa atividade tenha passado a desenvolver-se em moldes essencialmente distintos dos que vigoravam durante a relação de trabalho, o contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converteu-se em contrato de trabalho sem termo, por força do disposto no supracitado art.º 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.”.

Assim, entendemos que, tendo a autora continuado a exercer as suas funções para a ré após o dia 11.11.2021, data aposta na comunicação remetida pela ré à autora, a informar a cessação do contrato de trabalho, o contrato de trabalho em apreço converteu-se num contrato de trabalho sem termo.

Pelo que, concluímos pela invalidade da cessação do contrato de trabalho operada pela ré, tendo, por conseguinte, a autora sido ilicitamente despedida pela ré, nos termos do disposto no artigo 381.º, al. b), do Código do Trabalho.

Posto isto, passando já para os concretos pedidos deduzidos pela autora e aplicando o regime do Código do Trabalho em vigor aquando da cessação deste contrato de trabalho, temos que a autora tem, então, direito a ser reintegrada pela ré, nos termos do disposto no artigo 389.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho, devendo, ainda, a ré pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir e que lhe eram devidas com a prestação normal da sua actividade à ré, desde a data do seu despedimento, a 15.11.2021, até ao trânsito em julgado da presente decisão, conforme peticionado pela autora.»

A apelante não contesta no recurso que se verificaram as condições reconhecidas na sentença para a conversão do contrato de trabalho em contrato sem termo à estrita luz do disposto no art. 147.º n.º 2 al.  c) do Código do Trabalho, na medida em que a autora continuou ao serviço após a data de caducidade indicada na comunicação do empregador

A verdadeira e única questão colocada no recurso vai para além da configuração desenhada na sentença. Ou seja, a questão colocada é a de saber se é possível reconhecer tal conversão (para contrato por tempo indeterminado) no caso de o contrato dela resultante ser nulo, face à natureza de E.P.E. (entidade pública empresarial) que a ré tem e face ao não acatamento da exigência legal e constitucional da precedência de procedimento concursório.

No que toca à natureza de E.P.E. da ré, ela deve considerar-se assente para todos os efeitos, uma vez implícita na sua própria denominação (assumida na identificação da pessoa colectiva contra quem a autora dirigiu a acção) e, também, uma vez que isso mesmo resulta do artigo 1.º do decreto lei n.º 183/2008, de 4 de Setembro, o diploma que a instituiu como entidade pública empresarial, por integração do Hospital ..., do Hospital ... e alguns centros de saúde da ....

Nos termos do artigo 12.º n.º 1 (regime de pessoal) desse DL n.º 183/2008, os trabalhadores de E.P.E., como a ré, “estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos”. O que significa ser lícito o recurso ao contrato individual de trabalho regulado no Código do Trabalho, como uma das formas de contratação de trabalhadores.

Porém, conforme o n.º 4 do mesmo artigo é exigido que, em qualquer caso, os processos de recrutamento assegurem os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade, entre outros. Ou seja, é exigido um prévio procedimento concursório que assegure o desenvolvimento desses princípios.

A mesma exigência resulta, com clareza, do disposto nos artigos 27.º e 28.º do decreto lei n.º 18/2017, que veio regular o regime jurídico e os estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais, diploma em vigor aquando da contratação da autora (e, depois, recentemente revogado pelo DL n.º 52/2022, de 4/8).

Exigência que é, afinal, a consignada no art. 47.º n.º 2 da Constituição quando acentua que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, o que já levou o Tribunal Constitucional a declinar a possibilidade da convertibilidade do contrato de trabalho a termo em sem termo no seio da Administração Pública, no seu acórdão n.º 368/2000, com força obrigatória geral (publicado no DR I Série-A, de 30.11.2000).

Por conseguinte, nos termos do artigo 280.º n.º 1 do Código Civil não nos merece dúvida que, tratando-se de normas imperativas, a violação das normas que obrigam ao referido prévio procedimento de concurso gera a nulidade do contrato que tenha sido celebrado sem ele e com o fim de assegurar a observância dos princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.

No caso, a autora não alegou ou provou que a sua contratação sem termo tenha sido precedida de qualquer processo de recrutamento nos termos exigidos, mas também é óbvio que tal não sucedeu tendo em conta as concretas vicissitudes do respectivo surgimento, por conversão e não por negociação prévia.

Assim, sempre seria nulo o contrato sem termo determinado pela conversão ope legis reconhecida na sentença recorrida.

A apelante parece defender que sendo nulo o contrato a conversão não poderia ocorrer. Mas não é assim, uma vez que o Código do Trabalho contém um regime próprio no que concerne aos efeitos da invalidade do contrato de trabalho, designadamente nos arts. 122.º e 123.º, aqui plenamente convocáveis (neste sentido, v. o Ac. da Relação do Porto de 19/05/2014, proc. 372/09.1TTVRL.P1, relatora: Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, num caso muito semelhante ao dos autos).

Dispõem tais arts. 122.º n.º 1 e 123.º n.º 1 que o “contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que seja executado” e que o “facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato”.

Para a determinação de tais efeitos, portanto e no caso dos autos, o contrato de trabalho deve em qualquer caso ser considerado como sem termo, embora nulo, por força da conversão.

 Nos termos do art. 286.º do Código Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. No caso presente, junto da autora, a ré nunca invocou a nulidade da relação laboral para fazer cessar tal relação, limitando-se a invocar a caducidade do contrato sem termo. Na contestação nesta acção, também não invocou a nulidade da contratação sem termo da autora, limitando-se a sustentar a validade da cessação por caducidade do contrato a termo. A nulidade apenas veio agora a ser invocada pela ré no recurso que agora apreciamos, sendo que a sentença recorrida também não abordou ou declarou a nulidade da contratação sem termo, por conversão ope legis.

A comunicação da caducidade do contrato de trabalho sem termo consubstanciou-se num despedimento ilícito, tal como ficou dito na sentença recorrida, e ainda que o contrato seja nulo, dizemos agora nós. Tal despedimento ocorre no âmbito de uma relação laboral nula e antes de ter ocorrido a declaração dessa nulidade.

Sendo declarada a nulidade do contrato sem termo, como temos de declarar, é de concluir que, como efeito do despedimento ilícito, não é já possível acolher o pedido de reintegração da trabalhadora autora (v. também neste sentido o acórdão acima mencionado). Esta peticionou apenas a reintegração e já não a sua alternativa de indemnização de antiguidade, pela qual poderia optar. Mas a reintegração é naturalmente impossível no plano da conversão de contrato de trabalho a termo em contrato sem termo válido. E como a autora não exerceu o seu direito de opção pela indemnização em substituição da reintegração (art. 391.º, n.º 1 do CT) e considerando o princípio do dispositivo e o disposto no art. 609.º nº 1, do Código de Processo Civil não pode agora o tribunal condenar em tal prestação, já que, cessando a relação laboral, cessou a natureza indisponível dos créditos laborais.

Mesmo no âmbito do contrato nulo, contudo, continua a autora a ter direito nos termos do disposto no art. 390.º do CT ex vi art. 123.º n.º 1, em consequência da ilicitude do despedimento, a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento (considerando que este ocorreu a 15.11.2021 e a acção foi intentada a 22.11.2021). Tendo em conta, todavia, que como já se disse a nulidade da contratação sem termo apenas foi invocada pela ré no recurso interposto da sentença, o termo final a considerar para efeitos do cálculo dos salários intercalares será a data da notificação à autora do recurso interposto.

No caso, o recurso foi interposto, via citius, aos 30.09.2022, constando do respetivo formulário que a notificação entre mandatários é efectuada por via eletrónica. Assim, a notificação da interposição do recurso à autora presume-se feita no dia 03.10.2022 (art. 248.º do Código de Processo Civil e arts. 25.º e 26.º da Portaria 280/2013, de 26.12).

Por conseguinte, as retribuições intercalares são apenas devidas até 03.10.2022 e não já até à data do trânsito da decisão final neste processo.
Por conseguinte, a apelação apenas poderá proceder parcialmente em conformidade com o exposto, ficando em resultado útil a ré apenas condenada a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde 15.11.2021 até 03.10.2022.


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Sumário:

(…).


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IV- DECISÃO
Por tudo o exposto, delibera-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a sentença recorrida do seguinte modo:
a) revogando-a na parte em que declarou que o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre a autora e a ré se converteu em contrato de trabalho sem termo e condenou a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho;
b) e alterando-a no que toca à condenação da ré a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir e que lhe eram devidas com a prestação normal da sua actividade à ré desde 15.11.2021 até ao trânsito da decisão, de modo a que a ré fica apenas condenada a pagar à autora tais retribuições vencidas desde 15.11.2021 até 03.10.2022.
Custas na acção e no recurso na proporção de 50% para cada uma das partes.


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   Coimbra, 27 de Janeiro de 2023


 (Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

     (Paula Maria Roberto)