CIRURGIA
ACTO MÉDICO
RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
VIOLAÇÃO DAS LEGES ARTIS
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário

I- Nas ações fundadas na responsabilidade civil médica cabe ao/à autor/a paciente alegar e provar a desconformidade objetiva entre os atos praticados/omitidos pelo réu médico e as leges artis (o incumprimento ou cumprimento defeituoso da prestação médica), bem como o nexo de causalidade entre tais atos e o dano.
II- Demonstrada a violação das leges artis, opera a presunção de culpa (art.º 799º do Código Civil), sendo que o que se presume é a culpa do cumprimento defeituoso e não o cumprimento defeituoso em si mesmo.
III- Operada a presunção de culpa incumbe ao médico – caso queira eximir-se da sua responsabilidade – provar que a desconformidade não se deveu a culpa sua, ou que o dano se deve a caso fortuito ou de força maior.
IV- Tendo a autora invocado a violação das leges artis decorrente da circunstância de o réu médico ter realizado uma cirurgia fundada em diagnóstico de tumor maligno, omitindo a repetição de exames que segundo alega a mesma autora teriam permitido detetar a inexistência desse tumor, e não se provando que os mencionados exames teriam tal virtualidade, resulta indemonstrada a invocada violação das leges artis, o que, não obstante o erro de diagnóstico, conduz à improcedência da ação.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A intentou a presente ação declarativa de condenação sob forma de processo comum, contra Lusíadas, S.A.[1] e B, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe, solidariamente, a quantia global de €139.160,08 (sendo €14.160,08 a título de danos patrimoniais e €125.000,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que o réu B  é médico e exerce funções para a ré Lusíadas, S.A., que no âmbito de tais funções o primeiro realizou, no hospital da segunda, e na pessoa da autora uma cirurgia de que resultou a remoção de um rim, por ter diagnosticado um tumor no mesmo órgão, mas que se veio a apurar que a autora não padecia daquele tumor. Sustentou que o réu Dr. B não observou as leges artis da medicina por não ter feito suficientes exames de diagnóstico antes da referida cirurgia, exames esses que teriam confirmado a inexistência do tumor. Mais alegou que em consequência dos factos mencionados sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que descreveu.
Regularmente citados, os réus contestaram, o que fizeram separadamente.
O réu Dr. B admitiu a possibilidade de ter ocorrido erro de diagnóstico, mas negou que desrespeitado as leges artis da medicina, por ter efetuado exames suficientes e os mesmos apontarem para a existência de tumor no rim da autora. Mais requereu a intervenção principal passiva da seguradora Ageas Portugal, companhia de seguros, S.A.[2] alegando ter celebrado com a antecessora da mesma (Seguradora AXA) seguro de responsabilidade civil profissional.
A ré Lusíadas acompanhou no essencial a contestação apresentada pelo réu Dr. B, e requereu a intervenção principal passiva da seguradora Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A.[3] alegando ter celebrado, com a mesma, seguro de responsabilidade civil geral e profissional.
A autora foi notificada para, querendo, se pronunciar quanto às requeridas intervenções provocadas, nada tendo dito.
Foi proferido despacho admitindo a intervenção principal passiva das chamadas.
Regularmente citadas, as chamadas contestaram, também separadamente
A chamada Ageas, admitindo a existência do contrato de seguro com o réu Dr. B, e fazendo seu o conteúdo da contestação deste.
A Chamada Fidelidade, admitindo a existência do contrato de seguro com a ré Lusíadas, e negando a sua responsabilidade sustentando para tanto que o sinistro não lhe foi participado no prazo fixado no contrato de seguro.
A ré Lusíadas respondeu à matéria de exceção invocada pela chamada Fidelidade, pugnando pela sua improcedência.
Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar, delimitado o objeto do litígio, e enunciados os temas da prova.
As partes ofereceram as suas provas.
No decurso da instrução da causa, realizou-se perícia médica, tendo sido solicitado à Ordem dos Médicos a elaboração de parecer médico legal.
Concluídas estas diligências, realizou-se a audiência final.
Finda esta, o Tribunal a quo determinou a reabertura da mesma, a fim de ser junta aos autos documentação clínica da autora que até então se achava referenciada nos autos, mas não tinha sido oportunamente carreada para os mesmos.
Obtida tal documentação, e após as partes terem tido a oportunidade se se pronunciar, em complemento de alegações, foi a audiência encerrada.
Subsequentemente foi proferida sentença, julgando a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo os réus de todos os pedidos.
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de apelação, cujos fundamentos sintetizou nas seguintes conclusões:
1. Considerando o Doc. nº 7 junto com a p.i. e o teor (confessório) dos art.º 9º da Contestação apresentada pelo R. B e 7º da Contestação apresentada pela R. Lusíadas, deverá considerar-se provado o alegado no art.º 40º da p.i.;
2. Acrescentando-se, em consequência, à matéria assente um facto com o seguinte teor: Facto nº 40: o diagnóstico inerente à cirurgia foi “Neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários”, exceto bacinete;
3. Atendendo às Respostas aos quesitos 8 e 12 do Relatório Médico do Conselho Médico Legal do INMLCF, à pág. 3 do Relatório do exame médico-legal realizado à A. em 17/01/19, ao Doc. nº 7 junto com a p.i., deveria ter-se considerado provado o alegado no art.º 40º da p.i.
4. Devendo, assim, acrescentar-se à matéria assente um facto com o seguinte teor: Facto nº 41: o 2º Réu decidiu operar a Autora, sem a sujeitar a qualquer reavaliação imagiológica (nomeadamente repetição de ressonância magnética);
5. Tendo em conta as respostas aos quesitos 12, c), g), k), p) e q), h) e i) do Relatório Médico do Conselho Médico Legal do INMLCF, os esclarecimentos do Perito relator (17:20 a 18:35, 22:35 a 23: 38, 48:15 a 51:30), não faz sentido, salvo o devido respeito e melhor opinião, concluir, como a Sentença recorrida, que não se justificava “uma investigação mais conclusiva” e que não foram violadas as “legis artis” da Medicina;
6. A conclusão, constante do referido Relatório Médico – cfr. resposta aos quesitos 12 e p) – de que foram violadas as “legis artis” da Medicina teve em consideração a circunstância, também constante do Relatório em causa – cfr. quesitos h) e i) – de que o resultado negativo de uma citologia esfoliativa ou de uma biópsia não permite excluir, de forma definitiva, a possibilidade de existência de tumor;
7. Assim, deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nos art.ºs 50º, 116º, 125º e 128º da p.i.;
8. O Relatório Médico dos autos foi elaborado pelo Conselho Médico Legal do INMLCF, tendo, por isso, um especial valor probatório;
9. Devendo acrescentar-se à matéria assente dois factos com o seguinte teor:
a. Facto 42: No caso em apreço, o 2º Réu não esgotou todos os exames e actos médicos cirúrgicos ao seu alcance para melhor estudo do paciente.
b. Facto 43: De acordo com as “legis artis” da Medicina, era prudente e aconselhável que o 2º R. B esgotasse os meios complementares de diagnóstico ao seu dispor (nova avaliação imagiológica, designadamente por intermédio de uma ressonância magnética e realização de uma biópsia) antes de operar a.;
10. Considerando o alegado pelo R. B no art.º 76º da sua Contestação, deveria ter-se dado por confessado o alegado no art.º 51º da p.i., tal como aliás consta da Ata da Audiência Prévia realizada em 16/10/17;
11. Acrescentando-se, assim, à matéria assente um facto com o seguinte teor: Facto nº 44: A intervenção a que a Autora foi submetida não é isenta de risco perioperatório, havendo, em última análise, risco de morte do paciente – nem de sequelas pós-operatórias.
12. A resposta ao quesito 7 do Relatório Médico do Conselho Médico Legal do INMLCF, o Exame Anátomo-Patológico da Peça Operatória – UDHC nº 754313, realizado em 15/09/2013, constante do Doc. nº 7 junto com a p.i., o Exame Anátomo-patológico da Peça operatória – Revisão de Lâminas, realizado em 14/10/2013, junto com o req. de 14/10/13 e o Parecer do Serviço de Clínica e Patologia Forense do INMLCF, junto aos autos em 18/03/21, impõem que se considere provado o alegado no art.º 61º da p.i.;
13.Devendo, em consequência, acrescentar-se à matéria assente um facto com o seguinte teor:
a. Facto 45: Houve erro de diagnóstico por parte do 2º R.
14. O depoimento da testemunha APO (cuja credibilidade não foi posta em causa na Sentença recorrida) (00:20 a 00:40, 04: 02 a 04:20, 10:00 a 10:45, 12:00 a 12:14), e das testemunhas SP (11:25 a 12:35, 17:50 a 18:10) e GD (04:25 a 05:15 e 07:30 a 08:05) merece credibilidade, levando a que se dê por provado o alegado no art.º 71º da p.i.;
15. Acrescentando-se, por isso, à matéria assente, um Facto com o seguinte teor: Facto nº 46: Após a cirurgia e em consequência desta, a Autora passou a ter os seus movimentos bastante limitados, tendo deixado de poder realizar diversas tarefas domésticas, como passar a ferro, limpar a casa de banho ou aspirar;
16. O depoimento das testemunhas APO (04:25 a 05:41, 11:15 a 11:30), GD (02:01 a 02:30) e SP (15:00 a 16:32), impõe a prova do alegado nos art.ºs 78º, 79º, 80º e 81º da p.i.;
17. Devendo, assim, acrescentar-se à matéria assente 4 factos, com o seguinte teor:
Facto 47: Quando o 2º Réu lhe comunicou que tinha um cancro no rim esquerdo e nos órgãos urinários, a Autora ficou bastante angustiada e apreensiva
Facto nº 48: Autora teve enorme receio de vir a morrer em consequência do cancro.
Facto nº 49: Receando também vir a falecer durante a intervenção cirúrgica que o 2º Réu lhe comunicou ser necessária para retirar o (afinal inexistente) tumor.
Facto nº 50: O que agravou mais a sua profunda angústia;
18. Os factos alegados nos art.ºs 82º, 89º e 91º da p.i. encontram-se provados pelo depoimento da testemunha APO (11:25 a 12:00, 12:15 a 12:49, 14:00 a 15:20, 15:21 a 16:00), corroborado pelo depoimento da testemunha SP (14:00 a 14:20, 15:10 a 15:50, 19:41 a 20:00, 27:55 a 29:50).
19. Devendo, consequentemente, acrescentar-se à matéria assente 3 factos com o seguinte teor:
Facto nº 51: A partir do momento em que o 2º Réu comunicou à Autora que tinha um cancro, a Autora passou a ter insónias, estando sempre triste, sem alegria de viver.
Facto nº 52: Para além disso, a Autora não conseguia dormir, devido às dores e às preocupações causadas pela cirurgia.
Facto nº 53: Tudo isto lhe causou abatimento e frustração, profunda tristeza e angústia;
20. O depoimento da testemunha APO (12:45 a 14:00, 10:00 a 10:45), leva a que se considere provado o alegado nos art.ºs 85º e 86º da p.i.;
21. Devendo, nessa medida, acrescentar-se à matéria assente 2 factos com o seguinte teor:
Facto nº 54: Durante o período de 5 dias em que esteve internada, após a operação, a Autora teve muitas dores.
Facto nº 55: Mesmo depois de ter regressado a casa, a Autora continuou a ter muitas dores e a movimentar-se com muita dificuldade.
22. O depoimento da testemunha APO (15:50 a 16:09) e da testemunha SP (20:10 a 21:00), determinam a prova do alegado no art.º 102º da p.i., acrescentando-se à matéria assente um facto com o seguinte teor:
Facto nº 56: E a circunstância de a Autora ter vindo a saber que a cirurgia não era necessária causou-lhe revolta e agravou o seu estado de angústia.
23. A declaração de IRS de 2016 junta aos autos pelo R. B e de IRC junta aos autos pela R. Lusíadas impõem que se dê por provado o alegado no art.º 106º da p.i. e acrescentar-se à matéria assente um facto com o seguinte teor:
Facto nº 57: A situação económica dos Réus é boa e desafogada;
24. Ao contrário do decidido na Sentença recorrida, a A. fez prova que o 2º R. violou os deveres de cuidado recomendados pelas “legis artis” da Medicina;
25. Verificando-se, pois, o 1º pressuposto da responsabilidade civil contratual: o ato ilícito;
26. Na responsabilidade contratual – como é a dos autos – presume-se a culpa do devedor – art.º 799º, nº 1 do C. Civil;
27. De qualquer forma, sendo o 2º R. médico há 40 anos, um dos mais reconhecidos especialistas da área da Urologia em Portugal e um profissional com elevados conhecimentos e capacidades técnicas, era-lhe exigível que esgotasse os meios de diagnóstico ao seu alcance;
28. O 2º R. podia e devia ter agido de outro modo, conforme impunham as “legis artis” da Medicina;
29. Não se verifica qualquer circunstância que permita afastar a presunção de culpa que impende sobre o 2º R;
30. Verifica-se, pois, o 2º pressuposto da responsabilidade civil contratual: a culpa;
31. Resultaram provados os danos patrimoniais constantes dos Factos 29,30 e 31;
32. Ao que acresce o direito a uma indemnização por danos morais;
33. Verifica-se, pois, o 3º pressuposto da responsabilidade civil: a existência de danos;
34. A inobservância das “legis artis” da Medicina conduziu a um diagnóstico errado por parte do 2º R.;
35. O 2º R. resolveu extirpar o rim à A. com base no diagnóstico “Neoplasia maligna do rim e dos órgãos urinários”, exceto bacinete, apesar de o rim da A. não padecer de patologia neoplásica (tumor maligno);
36. Verificando-se, por isso, o 4º pressuposto da responsabilidade civil: nexo de causalidade entre o ato ilícito e os danos;
37. A A. deverá ser compensada pelos danos patrimoniais sofridos, no montante de 10.920,04€ (acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação);
38. Atendendo à gravidade dos danos (máxime extirpação do rim e ureteres a que foi sujeita a A.), ao elevado grau de culpa do 2º R. e à boa condição económica dos RR., deverá ser arbitrada à A. uma indemnização por danos morais não inferior a 100.000,00€;
39. Ao que acrescem os correspondentes juros de mora;
40. Conforme resulta dos Factos Provados 1, 2, 20, 25 e 29, a 1ª R. utilizou os serviços do 2º R. para dar cumprimento à sua obrigação de prestar à A. cuidados de saúde, mediante o pagamento de um preço;
41. Sendo, pois, nos termos do disposto no art.º 808, nº 1 do C. Civil, solidariamente responsável com o 1º R. pelo pagamento da indemnização devida à A.;
42. Atentos os Factos provados 33 a 37, as 3ª e 4ª RR. são solidariamente responsáveis pelo pagamento da indemnização;
43. Não decidindo assim, a Sentença recorrida violou os art.ºs 574º, nº 2 do CPC e 798º e 799º do C. Civil.
Todos os apelados apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação, que sumariaram nas conclusões que se passam a transcrever:
Conclusões da apelada Fidelidade:
I - Da inadmissibilidade do recurso:
1) A Recorrente não dá cumprimento, nas conclusões das suas alegações de recurso, ao exigido pela al. b) do n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., uma vez que não indica quais os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida.
2) Na verdade, a Recorrente:
Para além de não especificar os concretos meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida, a Recorrente também não indica, com exatidão, as passagens da gravação em que funda o seu recurso.
3) O incumprimento dos requisitos fixados na lei para o recurso da decisão em matéria de facto tem por consequência a imediata rejeição do recurso, como resulta expressamente do disposto no art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C. (Neste sentido, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 24.01.2002, Proc. 0093419 e de 18.06.2009, Proc. 987/07.2TBOER.L18, disponíveis em www.dgsi.pt).
4) Por estas razões, o recurso da Recorrente deve ser rejeitado, pelo menos na parte em que se pretende a impugnação da matéria de facto decidida pela 1.ª instância, uma vez que não foi dado cumprimento aos requisitos exigidos pela al. b) do n.º 1 do artigo 640 e pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do C.P.C..
II – Do recurso sobre a matéria de facto:
5) Compulsando as alegações de recurso, verifica-se que a Recorrente impugna, praticamente, toda a matéria de facto controvertida que foi decidida na sentença recorrida, peticionado ao tribunal ad quem que altere a decisão sobre a matéria de facto proferida;
6) É entendimento firme e pacífico dos tribunais superiores que a tutela de que goza a Recorrente a um duplo grau de jurisdição, no que à matéria de facto diz respeito, não pode subverter o princípio da imediação e da livre apreciação das provas pelo tribunal de primeira instância.
7) Acontece que, a Recorrente ao pretender a reapreciação e alteração de toda a matéria de facto pretende efetivamente pôr em causa os referidos princípios, aliás basilares do processo civil português, de modo a obter um novo julgamento.
8) A reapreciação da matéria de facto pela instância de recurso não se destina a obter uma nova convicção a todo o custo, mas a verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido.
9) Efetivamente, o que a Recorrente pretende é, colocar em causa, de modo genérico e não fundamentado, a apreciação da prova que nela foi feita pelo Tribunal recorrido.
10) Nada permite concluir que a sentença recorrida tenha errado manifestamente nem extensivamente na apreciação dos elementos de prova de que o tribunal a quo dispunha para a decisão do litígio, valorando, pelo contrário, criticamente toda a prova produzida (documental, pericial e testemunhal), e densificando razão do seu entendimento em relação aos factos que deu como provados e não provados.
11) Sem prejuízo do que se deixou dito, também não assiste nenhuma razão à Autora na sua pretensão de ver alterada a decisão sobre a matéria de facto, pretensão essa que, tanto quanto se pode perceber das Alegações de recurso, será relativo a praticamente toda a matéria de facto a saber – art.ºs 1, 2, 20, 25, 29, 30, 31, 33 a 37, 40, 41, 43, 45, 46, 54, 55, 56, 82, 85, 86, 89, 91, 116, 124, 125, 128 da pi..
12) Acontece que, além dos exames médicos não pode ser descurada a avaliação objetiva da paciente feita pelo médico.
13) A A. queixava-se de perdas hemáticas e dor lombar.
14) O R. B mandou fazer todos os exames complementares de diagnóstico que considerou necessários – a saber: Eco renal e vesical, análises clínicas, Tac, duas citologias esfoliativas e também a Ressonância magnética feita e 01/08/2013 junta aos autos a fls.37. “Esgotar todos os meios ao alcance” como pretende a A. certamente seria económica, temporal e racionalmente inviável e inaceitável.
15) Aliás, não deixa se ser expressivo o depoimento do filho da A. que se insurgiu no seu depoimento em audiência de julgamento contra a quantidade de exames a que a mãe foi sujeita!
16) Como se conclui do depoimento dos peritos a biópsia não garantia a inexistência de tumor, mais, a hematúria dificultava tal exame, e por fim tal exame era de todo clinicamente desaconselhado devendo até ser evitado pois acarretava o grande risco de, no caso de haver células cancerígenas, estas poderem ser espalhadas proliferando o tumor;
17) A uretroscopia era inútil em face da hematúria e extremamente complicada tendo em conta a configuração anatómica da A. – ureter duplo.
18) E, ao contrário do que alega, fez uma RM que tem de ser analisada com todos os outros meios de diagnóstico realizados e com a análise objetiva da paciente…
19) Se A. a Ressonância efetuada era inconclusiva o que garantia que uma segunda, ou terceira não seria? Acresce que o que consta expressamente do relatório da Ressonância Magnética realizada é “reavaliação imagiológica a curto prazo vs integração com exame directo”. Ora, é a própria A. Recorrente que alega que a A. deveria ter feito outros exames, nomeadamente a Ressonância Magnética. E, a A. fez o exame objetivo e como já se disse, vários outros exames.
20) Não foi apenas o R. B que decidiu avançar para a cirurgia de remoção do rim.
21) A cirurgia de remoção do rim a que a A. foi sujeita foi objeto de discussão clínica entre o R. Dr. B, Dr. DB e o Dr. MP– médico urologista, todos médicos especialistas, todos tendo concordado com a realização da mesma.
22) Pelo exposto, deve a sentença recorrida, no que se refere à matéria de facto, manter-se nos seus exatos termos, por não merecer qualquer censura.
23) A A. vem aos autos requerer uma indemnização por negligencia médica, “por o 2º R. não ter esgotado todos os exames e actos médicos cirúrgicos ao seu alcance para melhor estudo do paciente…designadamente por o 2º R. não ter realizado uma ressonância magnética e não ter realizado uma biópsia.
24) Não tem razão.
25) O R. médico solicitou os exames que considerou necessários tendo-se o filho da A. insurgido contra a quantidade de exames pedidos.
26) Mesmo com o avanço da medicina é impossível para cada diagnóstico que o médico tem que fazer, pedir todos os exames disponíveis.
27) Veja-se as conclusões do relatório de consulta científica de fls. 286 -292 que conclui que a biopsia negativa não é suficiente para excluir a existência de tumor; a biopsia era contraindicada podendo até resultar numa disseminação das células tumorais.
28) Veja-se resposta ao quesito:
j) Constitui violação das regras de segurança, perante a suspeita de existência de tumor do urotélio, a abertura do excretor para biópsia, por tal causar risco de disseminação de células tumorais?
Sim
29)
30) Mais, ouvido em audiência de julgamento o Sr. Perito esclareceu ainda que, mesmo fazendo uma biópsia e sendo a mesma negativa, nem assim seria de excluir a existência de tumor maligno, uma vez que a biópsia é feita a uma pequena porção do tecido, sendo que o tumor pode estar localizado noutro lugar do órgão analisado que não aquele donde foi extraída a amostra para exame.
31) Não se pode, pois, concluir-se como pretende a A., porque falso, que o R. não fez exames auxiliares de diagnóstico antes da cirurgia.
32) Quanto ao facto de não ter sido feita nova ressonância magnética a verdade é que este exame já tinha sido efetuado… e, foram pedidos outros exames auxiliares de diagnóstico.
33) Ainda, ao contrário do que pretende a A. do relatório do IML não se pode concluir pela existência de erro médico. Houve sim um diagnóstico que não foi efetivamente confirmado cfr. resposta que se transcreve:
4- No caso afirmativo se essa extracção era necessária para tratar o estado clínico da doente?
Essa excisão foi realizada face à suspeição diagnóstica de neoplasia maligna do bacinete, patologia que a justificaria. Esse diagnóstico não foi justificado por estudo pelo estudo da peça operatória.
34) .
35) Ainda sobre a violação das legis artis e o aditar da matéria provada:
Facto 45: Houve erro de diagnóstico por parte do 2º R.
36) Conclui a A. no seu recurso pela violação das legis artis com base no relatório elabora do pelo Conselho médico Legal do INMCF concluindo:
6. A conclusão constante do referido Relatório Médico – cfr. resposta aos quesitos 12º p) – de que foram violadas as “legis artis” da Medicina teve em consideração circunstância, também constante do Relatório em causa – cfr. quesitos h) e i) – de que o resultado negativo de uma citologia esfoliativa ou de uma biópsia não permite excluir de forma definitiva a possibilidade de existência de um tumor; 
37)
38) Sem razão!
39) Diz o relatório
11- Se acaso tivessem sido observadas as legis artis”, era possível, mesmo depois de iniciada a cirurgia e no decurso desta, concluir pela desnecessidade de extracção dos órgãos em causa?
Seria possível, se se tivesse aberto o bacinete para inspecção. Contudo, deve evitar-se, por segurança oncológica, a abertura do excretor (bacinete) durante a cirurgia, sendo que a realização de uma nefrourectomia com cistectomia perimeática (indicada por neoplasia do bacinete) não implica a confirmação per-operatória da existência da lesão.
40) Assim, o Relatório do IML afirma que apenas seria possível concluir pela desnecessidade da extração do órgão se se tivesse aberto o bacinete para inspecção… mas tal operação sempre seria de evitar por segurança oncológica.
41) Ora, tal afirmação bastaria para concluir pela inexistência de erro ou de falta de realização de exames médicos…na verdade a única forma de, com segurança se poder concluir pela não extração do órgão era com a abertura do bacinete o que era de evitar sob pena de proliferação de células cancerígenas!!!
42) Quanto aos danos:
Facto nº 46: Após a cirurgia e em consequência desta, a Autora passou a ter os seus movimentos bastante limitados, tendo deixado de poder realizar diversas tarefas domésticas, como passar a ferro, limpar a casa de banho ou aspirar;
43) As testemunhas da A. foram vagas e sem conhecimento direto dos factos nada tendo provado.
44) Note-se bem… a filha da A. à data da cirurgia estava de férias…
45) E, não foi capaz de esclarecer se a mãe passou a necessitar de empregada apenas após a cirurgia, quantas horas, valores despendidos…
46) Não foram provados danos patrimoniais.
47) Quanto aos danos não patrimoniais como refere a douta sentença, os depoimentos dos filhos e da irmã da A. Recorrente, não podem ser valorados porque são depoimentos interessados, mas também pouco concretos e objetivos, não demonstrando um conhecimento real e direto da situação da A..
48) O Tribunal fez, pois, a correcta valoração da prova (não) produzida pela Autora.
49) Por todas as razões na Douta Sentença que, repete-se, não são postas em crise pela Autora, a acção não podia deixar de ser julgada improcedente relativamente aos RR..
50) Quanto à matéria de direito apenas se dirá que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil e, da consequente obrigação de indemnizar, nomeadamente não foi provado o facto ilícito, a culpa e muito menos a existência de danos.
51) Por fim a Chamada Fidelidade nunca poderia vir a ser responsabilizada por qualquer indemnização dado que a situação descrita sempre estaria excluída da cobertura do contrato de seguro.
52) Exclusão da garantia - De acordo com a Cláusula 5ª – cláusula temporal para funcionamento do contrato celebrado com a ora interveniente, os sinistros têm de ser participados à seguradora até 24 meses após a 1ª data geradora do dano.
53) O sinistro não foi participado à seguradora que apenas dele teve conhecimento com a citação para a presente acção.
54) De acordo com o alegado pela A. em 19/07/2013 esta recorreu à urgência e no dia 28 de Agosto de 2013 a A. foi sujeita a intervenção cirúrgica no Hospital Lusíada de Lisboa (artº 39º da petição inicial).
55) A R. Foi citada para a presente acção a 3 /01/2017. Passados, pois, mais de 24 meses sobre a data dos factos.
56) De modo que, tendo em consideração o estipulado nesta cláusula, a Interveniente Recorrida, enquanto seguradora da responsabilidade civil imputável ao “HPP Lusíadas”, não estará obrigada a satisfazer qualquer prestação indemnizatória, integrante do pedido formulado pela Autora nos presentes autos.
57) Acresce ainda que o contrato de seguro apenas garante a responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao seu segurado por danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros em consequência da exploração do hospital nos termos das condições gerais e particulares juntas aos autos o que nunca seria a situação dos autos como também alega a A. Recorrente.
58) Pelo que, em qualquer circunstância, o presente recurso também não pode deixar de ser julgado improcedente.
Conclusões do apelado Dr. B:
1. Porque já havia suspeição de neoplasia na ecografia, confirmação dessa suspeita na TAC e a ressonância magnética confirmou a alteração do pielon, a correlação da citologia esfoliativa com os “achados imagiológicos” logicamente impunha a conclusão da existência de neoplasia e a atuação em conformidade.
2. Não é, evidentemente, boa prática médica ir de confirmação em confirmação, de exame em exame, até ao óbito do paciente…
3. Embora no relatório da consulta técnico científica, de fls. 286-292, se refira que o 2º R. devia ter efectuado uma investigação mais conclusiva, o certo é que pelas explicações dadas em audiência de julgamento pelo próprio perito que assim concluiu, foram eliminados, como sendo desadequados a permitir concluir pela ausência de tumor, todos os exames aventados.
4. Havendo suspeita de neoplasia no ureter, é desaconselhado efetuar uma biópsia, atento o risco de disseminação de células tumorais.
5. Conforme a própria recorrente afirma na sua alegação, “foi correta a decisão de julgar não provado o facto alegado no art.º 48.º da pi, já que se provou que nenhum dos exames a realizar permitia afastar em definitivo a hipótese de existência de tumor”.
6. Os depoimentos das testemunhas GD, SP e APO. são insusceptíveis de levar à alteração da matéria de facto assente, as duas primeiras porque não merecem credibilidade, nos termos judiciosamente referidos na decisão recorrida, e a terceira por se limitar a declarar facto que diz ter ouvido à recorrente.
7. Não tem aplicação à situação destes autos o disposto no art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto não se trata de um contrato com obrigação de resultado.
8. O compromisso, o ”contrato”, entre recorrido e recorrente não implica que não pudesse haver erros de diagnóstico, pela simples razão de que é absolutamente impossível prevenir a sua ocorrência.
9. Da citologia esfoliativa mencionada no facto 19 resultou a clara e inequívoca indicação de que havia tumor.
10. Havendo tumor, quanto mais se protelar a intervenção e o tratamento, mais probabilidades existem de o tumor crescer, se tornar inoperável ou ocorrer disseminação pelo corpo, porque é isso que o tempo faz ou permite ao tumor: crescer e disseminar-se.
11. Com o relatório da citologia esfoliativa – afirmativo para tumor! – negligência teria o recorrido se diligenciasse por mais exames (que só porventura permitiriam confirmar essa indicação, mas nunca a poderiam infirmar).
12. O recorrido agiu com diligência e competência, não com culpa.
13. O recorrido agiu como devia agir em face do relatório positivo para tumor da citologia esfoliativa.
14. Se alguém porventura não cumpriu as “legis artis” não foi o recorrido, foi quem afirmou o que afirmou no relatório da citologia esfoliativa mencionada no facto 19, porque os exames auxiliares de diagnóstico servem para isso mesmo: auxiliar o diagnóstico, não para induzir em erro quem tem de diagnosticar.
15. O recorrido não só agiu sem negligência como, em bom rigor, nem sequer errou, pois o seu diagnóstico foi correto em face dos elementos recebidos; quem errou foi quem lhe forneceu a informação errada.
Conclusões da apelada Ageas:
a) A Recorrida nada tem a opor à inclusão dos factos alegados nos artigos 40.º a 43.º da Petição Inicial, não deixando de notar que os mesmos não têm qualquer relevância para o desfecho da causa.
b) A matéria enunciada nos artigos 50.º, 116.º, 124.º, 125.º e 128.º da Petição Inicial tem um caráter manifestamente conclusivo e encerra matéria de direito.
c) A matéria referente à afirmação de um juízo de necessidade/exigibilidade de o Réu B prescrever exames preparatórios/complementares integra matéria de direito.
d) Do esclarecimento do Senhor Perito resulta que não existia qualquer exame complementar de diagnóstico (repetição de exames ou uteroscopia) que habilitasse o Réu B a concluir pela inexistência de tumor.
e) E todos os demais meios de prova apontam nesse sentido.
f) Não assiste assim razão à Recorrente quanto à inclusão da matéria alegada nos artigos 50.º, 116.º, 124.º, 125.º e 128.º da Petição Inicial e dos factos n.º 42 a 45.
g) Do relatório de perícia médica não resulta, portanto, a prova dos factos que a Recorrente alega nos factos n.ºs 46 a 56.
h) Bem sabendo, ou devendo saber, a Recorrente que a só os médicos conhecem as consequências associadas aos atos cirúrgicos que praticam.
i) Não obstante, limitou-se a Recorrente a apresentar testemunhas que vieram tecer afirmações completamente genéricas sobre queixas da Recorrente sem que as testemunhas soubessem a origem de tais dores.
j) A Recorrente pretende acrescentar a seguinte matéria ao acervo de factos provados: “A situação económica dos Réus é boa e desafogada”.
k) Trata-se de uma referência vaga e conclusiva à situação económica dos Réus, que não pode, por esse motivo, ser incluída na matéria dada como provada.
l) Os procedimentos adotados pelo Réu B revelaram-se adequados tendo em conta as circunstâncias do quadro clínico da Recorrente, não tendo configurado só por si a causa de qualquer uma das consequências que a mesma alega terem-se verificado na sua esfera jurídica.
m) O Réu B não praticou qualquer ato ilícito, negligente ou culposo aquando da realização da cirurgia de a que a Recorrente foi submetida.
Conclusões da apelada Lusíadas:
I- O recurso interposto pela Autora carece em absoluto de fundamento.
II- Conforme resulta do disposto no artigo 608.º, n.º 2, bem como do artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto.
III- A Recorrente fundamenta o seu recurso na alegada incorreta apreciação da decisão de matéria de facto.
IV- A Recorrente pugna pelo acréscimo à matéria de facto assente de diversos factos que o Tribunal a quo alegadamente não considerou, dos quais, na perspetiva daquela, traduzem a ilicitude na atuação do Réu por violação das legis artis por não ter solicitado outros exames de diagnóstico, nomeadamente nova ressonância magnética ou, biopsia a efetuar através de ureteroscopia, antes de realização da extirpação do rim por suspeitas de tumor (factos a adicionar sob os números 41 a 43)
V- Pugna ainda pela introdução dos factos descritos sob os n.ºs 46 a 56, relacionados com os danos morais e patrimoniais sofridos.
VI- Cumpre salientar que quanto à alegada violação do dever de cuidado por parte do Réu, a Recorrente socorre-se em exclusivo do relatório pericial junto aos autos, o qual, apresenta diversas contradições e incompletudes pois o mesmo foi preparado pelo Sr. Perito numa perspetiva abstrata, ainda que tenha analisado os exames de diagnóstico efetuados.
VII- De facto, dos esclarecimentos que o Sr. Perito prestou em sede de audiência de julgamento, resultou de forma vítrea que o único meio de diagnóstico disponível para confirmar ou infirmar os resultados já apurados seria a realização de biopsia através de ureteroscopia.
VIII- Sucede que esse meio de diagnóstico é de difícil execução, sendo praticamente impossível de realizar face à anatomia específica da Recorrente (duplicidade de rim) e face à sua situação clínica, pois continuava com hemorragias, que retiravam completamente a visibilidade ao executante do exame, impossibilitando a sua execução.
IX- Acresce que, mesmo inexistindo tais dificuldades técnicas e anatómicas, o resultado da biopsia apenas poderia ser aceite indiscutivelmente caso resultasse positivo. Pelo contrário, caso resultasse negativo, tal significaria apenas que na amostra recolhida inexistiam células cancerígenas, não significando que não existisse tumor no rim. Para tal bastaria que a recolha fosse efetuada no local errado, ou em tecido saudável, ou em tecido demasiado fragmentado, tal como esclarecido pelo Sr. Perito.
X- Como tal, os resultados de uma biopsia que viesse a ser executada seriam inconclusivos e não afastariam os fortes indícios cancerígenos já apurados nos demais exames de diagnóstico realizados.
XI- Em 01.08.2013 foi realizada Ressonância Magnética onde é colocada a possibilidade de existir uma patologia proliferativa ao referir o espessamento parietal do grupo calicial inferior, com cerca de 4 mm.
XII- Em 08.08.2013 foi realizada citologia esfoliativa sendo que do seu relatório consta:  Diagnóstico: Citologia suspeita para células neoplásicas. (…). Identificamos vários pequenos agregados papilares de células uroteliais com atipia moderada, um dos quais aparentando ter um núcleo vascular. Estes achados são sugestivos de uma neoplasia urotelial papilar de baixo-grau, dado o contexto clínico de tumor no bacinete esquerdo, devendo, no entanto, ser correlacionado com os achados imagiológicos.
XIII- Tinha sido já anteriormente realizada uma ecografia renal da qual resultou a inexistência de litíase (vulgo pedras nos rins) e uma ecografia vesical, não tendo sido identificada qualquer infeção urinária.
XIV- Pelo que, de todos os exames de diagnóstico efetuados, resultavam fortes suspeitas de se estar perante um tumor.
XV- Dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, resulta que a repetição da ressonância magnética não tinha a virtude de poder afastar os indícios positivos já apurados.
XVI- Aliás, nem a realização de uma biopsia por ureteroscopia que viesse a resultar negativa teria esse efeito.
XVII- O mesmo foi explicado pelas testemunhas arroladas pela Ré, nomeadamente pelo Dr. MP, com intervenção direta na intervenção cirúrgica enquanto Primeiro Ajudante do Réu, pelo que o seu depoimento deve ser adequadamente valorizado.
XVIII- Inexistia, portanto, ao dispor dos Réus qualquer outro meio de diagnóstico, ou qualquer exame que pudesse ser repetido que pudesse afastar os indícios positivos de células cancerígenas já apurados.
XIX- Não houve, deste modo, qualquer violação dos deveres de cuidado do Réu. Pelo contrário, ignorar as fortes suspeitas de positividade cancerígena já identificadas nos exames de diagnóstico realizados é que consubstanciaria uma violação das legis artis por parte do Réu.
XX- Não se verificando a ilicitude da atuação dos Réus, não há necessidade de confirmar o preenchimento dos demais requisitos da responsabilidade civil.
XXI- Ainda assim, sempre se dirá que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que não foi produzida prova quanto aos factos indicados pela Recorrente sob os n.ºs 46 a 56.
XXII- A maioria das testemunhas que depuseram quanto a essa matéria são pessoas especialmente relacionadas com a Autora e que têm, ainda que indiretamente, interesse no desfecho da ação.
XXIII- Acresce que os seus depoimentos foram contraditórios entre si e também em relação à documentação junta aos autos, inclusivamente pela Autora.
XXIV- Por outro lado, todos os depoimentos produzidos pelas testemunhas da Autora limitavam-se a referir conceitos genéricos e vazios de conteúdo, referindo que a Autora sofreu angústia, receio, medo, etc., mas sem os concretizar, ou demonstrar efetivamente situações em que a Autora tenha efetivamente sofrido essas perturbações.
XXV- Pelo que a sentença em crise não merece qualquer censura devendo ser confirmada. 
Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos.

2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[4]). Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art.º 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[5].
Por outro lado, estabelece o art.º 635º, nº 2 do CPC que o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente o objeto do recurso.
Assim, as questões a equacionar e decidir são as seguintes:
- A impugnação da decisão sobre matéria de facto;
- A responsabilidade de cada um dos réus pelo ressarcimento dos danos invocados pela autora.
3. Fundamentação
3.1. Os factos
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
3.1.1. Factos provados
1. A 1ª Ré explora e gere o Hospital Lusíadas Lisboa, sito na Rua Abílio Mendes, em Lisboa, no qual são prestados diversos cuidados de saúde, mediante o pagamento de um preço, o que faz por intermédio de médicos e outros profissionais de saúde contratados para o efeito, dentre os quais se inclui o 2º Réu, que é médico.
2. À data dos factos, o 2º Réu era Coordenador da Unidade de Urologia do Hospital Lusíadas, cabendo-lhe a respetiva organização e planeamento, era médico há 40 anos e era muito experiente, sendo um dos mais reconhecidos especialistas na área da Urologia em Portugal.
3. O 2º Réu foi Presidente da Associação Portuguesa de Urologia entre 1993 e 1996 e foi Diretor no Instituto de Urologia entre 1996 e 2003, sendo um profissional com elevados conhecimentos e capacidades técnicas.
4. A Autora nasceu em 08-12-1946.
5. Em 19-07-2013 a. recorreu ao Serviço de Urgência do Hospital de Cascais Dr. JA, queixando-se que, desde a véspera, apresentava “perdas hemáticas vaginais abundantes” e cefaleias desde há duas semanas.
6. Foi observada pelo Ginecologista Dr. JCM que registou, designadamente: “Cúpula vaginal sem sinais inflamatórios. Neste momento não se observa sangue na vagina”.
7. Foi observada pela Médica de Medicina Interna Dra. PS que solicitou ecografia renal, relativamente à qual referiu, designadamente, “sem sinais seguros de litíase, nem dilatação das árvores excretoras, nem lesões expansivas com significado clínico”, e ecografia vesical, relativamente à qual referiu “Bexiga com pouco distendida, sem alterações com expressão endoluminial”, mais registando “não me parece haver infecção urinária”.
8. Na sequência, a Dra. PS solicitou observação por Cirurgia Geral.
9. A A. foi então observada pelo Cirurgião Geral Dr. RS que prescreveu algaliação e lavagem.
10. Por a A. manter hematúria macroscópica após algaliação, foi transferida para ao Hospital São Francisco de Xavier.
11. No dia 20-07-2013, pela 1h34m, a A. deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital São Francisco de Xavier onde foi feito o diagnóstico de Infecção do Trato Urinário, tendo alta medicada com antibioterapia, pelas 15h16 do dia 20-07-2013, com indicação para marcar consulta de urologia no hospital de referência.
12. No dia 21-07-2013, pela 1h21m a A. recorreu novamente à urgência do Hospital de Cascais queixando-se de agravamento de cólica/dor.
13. Na ocasião, foi feita citologia esfoliativa à A., em cujo relatório consta: “Citologia negativa para células neoplásicas, sugestivo de processo inflamatório agudo”.
14. Na sequência, pela médica de Medicina Interna Dra. LB, foi prescrita analgesia, tendo tido alta melhorada pelas 2h50 do dia 21-07-2013, orientada para consulta externa de urologia.
15. Em 22-07-2013, a A. teve consulta de urologia com o 2º R., na qual mostrou o resultado da citologia referida no ponto 13.. O 2º R. em tal consulta prescreveu com urgência ecografia renal e vesical, TC Abdomino-pélvica, radiografias ao tórax e ao abdómem, que realizou nas instalações da 1ª R..
16. No relatório da ecografia renal e vesical, datado de 23-07-2013, da autoria do Dr. VG, consta: “O rim esquerdo apresenta morfologia compatível com duplicidade, o pielão superior discretamente ectasiado, não se detectando causa de obstáculo por este método. Não há alteração do pielão do rim esquerdo (…)”.
17. No relatório da Dra. IN, referente à TAC, efetuada em 23-07-2013, lê-se: “Não são perceptíveis categóricas lesões expansivas, anotando-se, contudo, zona mal delimitada espontaneamente densa no seio renal ântero-inferior esquerdo, em relação provável com foco hemorrágico. Não é possível excluir eventual patologia infiltrativa a este nível (suspeição da mesma pela ausência de preenchimento da árvore excretora local nas imagens tardias após contraste efectuadas. Sugere-se correlação com RM (ressonância magnética).”.
18. Efetuada RM (ressonância magnética) em 01-08-2013, a solicitação do 2ª R., a mesma revelou “espessamento parietal do grupo calicial inferior, com cerca de 4 mm. As alterações objetivadas podem ter natureza inflamatória, não se excluindo, contudo, patologia proliferativa[6] urotelial, de reduzida expressão.". Nas conclusões do relatório, a Dra. SS fez constar: “ligeiro espessamento urotelial no grupo caliceal inferior do rim esquerdo (inflamatório? Proliferativo?), sugerindo-se reavaliação imagiológica a curto prazo vs exame directo.”.
19. Efetuada nova citologia esfoliativa, a solicitação do 2ª R., com colheita de 08-08-2013, no relatório da mesma lê-se: “Diagnóstico: Citologia suspeita para células neoplásicas. (…). Identificamos vários pequenos agregados papilares de células uroteliais com atipia moderada, um dos quais aparentando ter um núcleo vascular. Estes achados são sugestivos de uma neoplasia urotelial papilar de baixo-grau, dado o contexto clínico de tumor no bacinete esquerdo, devendo, no entanto, ser correlacionado com os achados imagiológicos.”
20. Em consulta subsequente realizada no Hospital Lusíadas Lisboa, em 19-08-2013, o 2º Réu, depois de analisar os relatórios dos referidos exames, comunicou à A. que esta iria realizar biopsia[7].
21. A Autora comunicou ao 2º Réu que, caso houvesse necessidade de intervenção cirúrgica, preferia – em virtude dos custos inerentes – ser operada no Hospital de Cascais.
22. A Autora transmitiu ao 2º Réu que gostaria de ajudar a filha a cuidar do neto no fim-de-semana próximo, tendo-lhe pedido que a operação só tivesse lugar na semana seguinte.
23. O 2º Réu não levantou qualquer objeção a esse pedido da A. por não ver inconveniente em adiar a cirurgia.
24. O 2º R. decidiu não realizar biópsia prévia à cirurgia. 
25. No dia 28-08-2013, a Autora foi sujeita a uma intervenção cirúrgica no Hospital Lusíadas Lisboa, por uma equipa médica chefiada pelo 2º R..
26. O ato cirúrgico realizado foi uma nefroureteroctomia com cistectomia perimeatica.
27. Foram extraídos à A. o seu rim esquerdo, que apresentava duplicidade pielo-uretérica, e os uréteres. 
28. O rim da A. não padecia de patologia neoplásica (tumor maligno).
29. Pela cirurgia a que foi submetida, 1ª R. cobrou à A. a quantia de 9.230,68€ (nove mil, duzentos e trinta euros e sessenta e nove cêntimos).
30. Em consultas preparatórias e de acompanhamento dessa cirurgia, a A. despendeu:
30.1. Em 29-07-2013, 90,00€
30.2. Em 05-08-2013, 80,00€
30.3. Em 08-08-2013, 80,00€
30.4. Em 27-08-2013, 90,00€
30.5. Em 27-08-2013, 90,00€
30.6. Em 03-10-2013, 80,00€
31. Em exames e análises pedidos pelo 2º R., a A. despendeu:
31.1. Em 23-07-2013, 576,50€         
31.2. Em 23-07-2013, 80,16€
31.3. Em 01-08-2013, 350,00€
31.4. Em 01-08-2013, 75,00€
31.5. Em 27-08-2013, 8,38€
31.6. Em 08-08-2013, 50,00€
31.7. Em 04-10-2013, 40,00€
32. Em virtude da referida cirurgia, a A. esteve internada pelo período de 5 dias, tendo tido alta em 02-9-2013. 
33. Entre a Fidelidade e 1ª R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Profissional, titulado pela Apólice nº 72/82507702, através do qual a Seguradora garante, dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, “(…) o pagamento de indemnizações que sejam legalmente devidas pelo Segurado a título de responsabilidade civil por danos causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional praticados no exercício da sua actividade profissional identificada nas Condições Especiais ou nas Condições Particulares.”.
34. O referido contrato garante a responsabilidade civil imputável aos Segurados pelos actos ou omissões profissionais do Corpo médico e de Enfermagem, seus auxiliares ou substitutos e demais trabalhadores/colaboradores, quando ao serviço ou sob as suas ordens e responsabilidade, bem como assim da posse e uso de bens e instalações próprias para o exercício dessa atividade.
35. O capital garantido, no ano de 2013, era de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) em caso de Danos Corporais e/ou materiais por sinistro e por anuidade, mas com as limitações de garantia previstos no art.º 2º das Condições Particulares.
36. Tendo ficado estabelecida uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de 500,00 euros e máximo de 5.000,00. 
37. O 2º réu contratou a sua adesão ao seguro de responsabilidade civil Ordens Profissionais com o número de apólice/adesão 00840593215600000 da seguradora AXA, que entretanto mudou a sua designação para AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, PORTO, mediante o que transferiu eventuais suas obrigações de indemnizar com fundamento em responsabilidade civil profissional para a referida seguradora até ao limite de €600.000,00, com um sublimite, por sinistro, de 300.000,00 euros e é aplicável uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis a cargo do segurado  - Apólice de fls. 157-175.
38. A A. padece de incontinência urinária de esforço de grau II/III, que se tem vindo a agravar com o tempo.
39. A 1ª R. não participou o sinistro à R. Fidelidade
3.1.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. Na ocasião referida em 21. o 2º Réu informou a Autora que, caso a biopsia confirmasse a existência de tumor, teria de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica. 
b. Na cirurgia foi extraída à A. a glândula supra-renal.  v. consulta técnico-científica de fls. 286-292, quesito 3.
c. Era possível ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor através de nova ressonância magnética. 
d. A realização de uma nova citologia à A., antes da cirurgia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor. 
e. A realização de uma biópsia à A., antes da cirurgia, designadamente por uretroscopia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor. 
f. O 2º Réu nunca explicou à A. a razão pela qual tinha decidido operá-la sem a prévia realização dos mencionados exames, especialmente da biopsia. 
g. Nem a informou relativamente aos riscos que poderiam advir da operação nem acerca das alternativas possíveis de tratamento.
h. Não foi disponibilizado à Autora o “Consentimento Informado”, quer para a Cirurgia quer para a Anestesia.
i. Era possível e aconselhável que a A. fosse operada por intermédio de um meio menos agressivo, a Nefrectomia Laparoscópica.
j. Nas deslocações para a realização das mencionadas consultas e meios de diagnóstico, a Autora despendeu a quantia de 184,32€ (64 km x 8 deslocações x 0,36€) – custo calculado de acordo com o km legal fixado pelo nº 4, al. a) da Portaria n.º 1533 -D/2008, alterada pelo D.L. Nº 137/2010.
k. E ainda a quantia de 23,04 € (64 km x 0,36) na deslocação de casa para o Hospital e do Hospital para casa por altura da realização da cirurgia.
l. Após a cirurgia e em consequência desta, a A. passou a ter os seus movimentos bastante limitados, tendo deixado de poder realizar diversas tarefas domésticas, como passar a ferro, limpar a casa de banho ou aspirar.
m. Consequentemente, a A. teve necessidade de alargar o horário da mulher-a-dias que, até então, lhe dava assistência nas lides domésticas, durante 8 horas semanais.
n. Assim, após a cirurgia, passou a prestar serviços em casa da A. durante 12 horas por semana.
o. A A. paga 6,00€ por cada hora de serviço, pelo que as suas despesas aumentaram, a esse título, em 96,00€ por mês.
p. Até à data, a A. teve, a título de despesas com o serviço doméstico, um acréscimo de custos de 3.072,00€ (32 meses x 96€).
q. Quando o 2º Réu lhe comunicou que tinha um cancro no rim esquerdo e nos órgãos urinários, a A. ficou bastante angustiada e apreensiva.
r. Na realidade, a A. teve receio de vir a morrer em consequência do cancro.
s. Receando também poder vir a falecer durante a intervenção cirúrgica que o 2º Réu lhe comunicou ser necessária para retirar o tumor.
t. O que agravou mais a sua profunda angústia.
u. A partir do momento em que o 2º Réu lhe fez aquela comunicação, a A. passou a ter insónias, estando sempre triste, sem alegria de viver.
v. Durante o período do internamento, a A. teve muitas dores e os movimentos bastante limitados, tanto mais que ao deslocar-se as dores aumentavam.
w. Mesmo depois de ter regressado a casa, a A. continuou a ter muitas dores e a movimentar-se com muita dificuldade.
x. A A. não conseguia vestir-se ou ministrar a si própria os normais cuidados de higiene diária.
y. A A. não conseguia dormir, devido às dores e às preocupações causadas pela cirurgia.
z. Durante uma semana, após a cirurgia, a A. esteve impossibilitada de sair de casa.
aa. Tudo isso lhe causou abatimento e frustração, profunda tristeza e angústia, tendo frequentes crises de choro.
bb. Acresce que as sequelas de uma nefroctomia tendem a agravar-se com o decurso do tempo e a possibilidade de insuficiência renal, no futuro, é muito maior para quem tem um só rim.
cc. A A. vive permanentemente angustiada com medo de morrer.
dd. O que lhe causa frequentes insónias.
ee. E fez com que a Autora se encontre permanentemente em estado de profundo cansaço, o que lhe dificulta a execução das mais básicas tarefas diárias.
ff. Em consequência da cirurgia, a A. ficou com o sistema imunitário mais frágil, o que fez com que tenha apanhado várias gripes.
gg. A incontinência urinária da A. foi causada pela cirurgia.
hh. Em virtude dessa incontinência, a A. limitou os seus contactos socias e perdeu a alegria de viver.
ii. Sentindo vergonha pela sua condição física.
jj. A circunstância da A. ter vindo a saber que a cirurgia não era necessária, causou-lhe revolta e agravou o seu estado de angústia. kk. A A. passou a ter dificuldades em confiar nos outros, nomeadamente, nos médicos a que tem que recorrer.
3.2. Os factos e o direito
3.2.1. Da Impugnação da decisão sobre matéria de facto
3.2.1.1. Admissibilidade
3.2.1.1.1. Considerações gerais
Dispõe o art.º 662º n.º 1 do CPC2013 que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou documento/s superveniente/s, impuserem decisão diversa.
Nos termos do art.º 640º n.º 1 do mesmo código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida.
Mais concretamente, no que respeita à indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a) do CPC), cremos que tal indicação deve ser clara, inequívoca, e individualizada, de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à identificação dos referidos pontos. Assim, sendo habitual que as decisões judiciais atribuam números aos diversos pontos da decisão de facto, a forma expectável de o fazer será mediante a indicação dos números correspondentes aos pontos da decisão de facto que o recorrente pretende ver reapreciados.
Como esclarece ABRANTES GERALDES[8], “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação nas alegações do recurso e síntese nas conclusões” e – acrescenta o Ilustre Conselheiro - “a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”.[9]
Na verdade, como lapidarmente se apontou no ac. STJ de 22-10-2015 (Tomé Gomes), p. 212/06.3TBSBG.C2.S1, “(…) o que, em primeira linha, se impunha aos A.A. apelantes era simplesmente indicar os juízos probatórios tidos por incorrectamente julgados no âmbito dos danos não patrimoniais, mormente com referência aos diversos artigos da base instrutória de que constavam e, em relação a cada um deles, especificar a decisão que entendiam dever ser proferida, respetivamente nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Só depois de assim definido o âmbito dessa impugnação é que caberia então convocar os meios de prova a reapreciar em relação a cada um desses pontos, tecendo as considerações pertinentes à sua valoração.
Porém, os A.A. apelantes omitiram completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.
A ser acolhida uma tal metodologia, levaria a que fosse o tribunal de recurso a respigar do acervo desse arrazoado quais os pontos de facto concretos que porventura os apelantes pretendem questionar e em que sentido o fazem, o que se afigura de molde a subverter a exigência dos requisitos formais de impugnação, a perturbar gravemente o exercício esclarecido do contraditório e até a comprometer o princípio da imparcialidade do próprio tribunal[10].
Acresce ainda, no caso vertente, a particularidade de poderem estar, aparentemente, em jogo uma pluralidade de juízos probatórios (respostas negativas aos artigos 43.º a 45.º, 48.º a 51.º, 56.º, 57.º, 68.º e 69.º da base instrutória) e, quiçá, o próprio nexo de causalidade que o tribunal de 1.ª instância deu como não provado, mas em relação ao que não se consegue sequer descortinar a posição dos impugnantes.
Nestas circunstâncias, tem-se por correta a decisão do Tribunal da Relação em não tomar conhecimento do objeto de recurso, no que aqui releva, sobre a impugnação da decisão de facto”.
Importa ainda clarificar a extensão e alcance do ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que no entender do recorrente imponham decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido, aflorado no art.º 640º, nº 1, 1l. b) do CPC, e concretizado na al. a) do nº 2 do mesmo preceito. Trata-se, no fundo, de interpretar a expressão identificar com exatidão as concretas passagens da gravação em que se funda o (…) recurso, constante do último preceito invocado.
Assim, em primeira linha, no tocante a depoimentos gravados, a observância desse ónus implica a indicação do início e fim das passagens dos depoimentos tidas por relevantes, podendo o recorrente, se assim o entender, proceder à transcrição dessas passagens. Tal indicação não tem necessariamente que constar das conclusões, mas deve constar das alegações de recurso. No sentido exposto cfr., entre muitos outros, os acs. RC 25-10-2016 (Jorge Loureiro), p. 12/14.7TBLRA.C1; RC de 17-12-2017 (Isaías Pádua), p. 320/15.0T8MGR.C1; STJ 02-06-2016 (Lopes do Rego), p. 725/12.8TBCHV.G1.S1; STJ 06-12-2016 (Garcia Calejo), p. 437/11.0TBBGC.G1.S1; e STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1.
Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que na falta de indicação das horas, minutos, e segundos em que se iniciam e terminam os excertos dos depoimentos que o apelante entende relevantes, o ónus de indicação precisa das mesmas passagens da gravação poderá considerar-se satisfeito se o apelante transcrever essas passagens, mas já não quando se limitar a resumir o sentido geral que atribuiu aos mesmos excertos – vd. acs. STJ 19-01-2016 (Sebastião Póvoas), p. 3316/10.4TBLRA.C1.S1; STJ 23-05-2018 (Ribeiro Cardoso), p. 27/14.5T8CSC.L1.S1; STJ 21-03-2019 (Rosa Tching), p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2 e STJ 18-06-2019 (José Raínho), p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.
Depois, há que sublinhar igualmente que este ónus de identificação precisa das passagens dos depoimentos invocados se aplica quer nas situações em que a impugnação da decisão sobre matéria de facto se funda exclusivamente no teor desses depoimentos, quer quando esses depoimentos constituem um dos meios de prova que sustentam entendimento diverso do expresso pelo Tribunal recorrido, a conjugar com outros meios de prova igualmente invocados pelo recorrente, nomeadamente documentais ou periciais. Nas palavras de ABRANTES GERALDES, tal ónus aplica-se “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas[11] (sublinhado nosso).
Finalmente, e no que respeita ao ónus de especificar a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cumpre sublinhar que o mesmo pressupõe a enunciação, de forma clara, das proposições de facto que devem substituir as proposições impugnadas. Neste particular, há que enfatizar que a circunstância de o recorrente impugnar um determinado ponto do elenco de factos provados não legitima a inferência de que pretende necessariamente que tal ponto de facto seja considerado não provado.
Com efeito, e em abstrato, admitem-se outras possibilidades, nomeadamente:
- Considerar provada apenas uma parte do ponto de facto impugnado, e não provada a restante;
- Aditar uma proposição fáctica que constitua uma ressalva, ou de qualquer modo restrinja o alcance da proposição de facto impugnada.
Estas considerações valem por inteiro[12] para a impugnação de factos não provados.
Assim, a impugnação de qualquer ponto de facto, desacompanhada da enunciação clara da proposição que deve substituir o ponto de facto impugnado não satisfaz este ónus.
Concluindo, diremos que não satisfaz o ónus em apreço o recorrente que se limita a manifestar discordância no tocante a determinado ponto de facto, sem enunciar, de forma clara qual ou quais as proposições de facto que devem substituir a proposição impugnada.[13]
Sumariando todos os ónus impostos pelo citado preceito, ensina ABRANTES GERALDES[14]:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…).”
Nos termos do disposto no art.º 640.º, n.º 2, al. b) do CPC, a inobservância deste ónus tem como consequência “a imediata rejeição do recurso na respetiva parte”.
Esta respetiva parte será a parte do recurso referente à impugnação da matéria de facto afetada pela inobservância daquele(s) ónus.
Assim, se o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente a cinco factos provados, e em todos eles funda a sua discordância em depoimentos gravados, não observando aquele ónus, fácil é concluir que a consequência de tal inobservância será a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no seu todo.
Se o mesmo recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto relativamente aos mesmos cinco factos provados, mas só quanto a um deles funda a sua discordância no teor da mesma prova testemunhal, motivando o seu entendimento relativamente aos demais na força probatória de documentos juntos ao processo, admitimos que a consequência da inobservância do mesmo ónus já não será a rejeição da impugnação da matéria de facto no seu todo, mas apenas quanto ao facto relativamente ao qual foi invocada a prova testemunhal. Neste caso, a rejeição do recurso cingir-se-ia a uma parte da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Finalmente, descortina-se ainda outra possibilidade, que consiste na circunstância de o recorrente impugnar a decisão sobre matéria de facto, invocando em abono do juízo probatório que sustenta relativamente a todos os pontos de facto impugnados quer o teor de prova gravada que não identifica com precisão, quer outros meios de prova, nomeadamente prova documental e/ou pericial.
Em casos como estes coloca-se, pois, a questão de saber se a consequência da inobservância daquele ónus será a rejeição do recurso no que tange à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, ou apenas na parte relativa à prova testemunhal, caso em que o Tribunal da Relação teria que reapreciar a decisão sobre matéria de facto apenas em função dos meios de prova invocados pelo recorrente que não se reconduzam a depoimentos gravados.
Cremos que numa tal situação, e sem prejuízo dos poderes de averiguação oficiosa de que a Relação dispõe, a solução correta será a rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto no seu todo, e não a mera desconsideração da prova gravada. Com efeito, resulta do disposto no art.º 662.º do CPC que na reapreciação da decisão sobre matéria de facto, a Relação deverá decidir com base no mesmo acervo probatório em que se fundou a decisão recorrida. Donde, não faria sentido interpretar a cominação processual em análise como suscetível de, relativamente a um mesmo facto, conduzir à rejeição do recurso apenas quanto a um de entre vários meios de prova.

3.2.1.1.2. O caso dos autos
No caso em apreço, sustentou a apelada Fidelidade que o recurso deve ser rejeitado, no tocante à impugnação da matéria de facto, porquanto, em seu entender, a apelante não teria observado os ónus consagrados no art.º 640º do CPC.
Não cremos que assim seja.
Com efeito, da leitura das alegações e das conclusões de recurso resulta claro que a apelante cumpriu, de modo suficiente, os ónus consagrados no art.º 640º do CPC, indicando de forma clara os pontos de facto que pretendia impugnar (por referência à petição inicial, por considerar que os mesmos não foram atendidos na decisão impugnada, que portanto seria parcialmente omissa), indicando os meios de prova que em seu entender sustentam conclusão diversa, e indicando com clareza a redação dos pontos de facto que em seu entender devem ser aditados.
No tocante aos depoimentos invocados, a apelante, nas alegações de recurso, transcreveu os trechos que considerou relevantes e, reportando-se ao respetivo registo fonográfico, indicou os momentos em que se iniciou e terminou cada um deles.
É certo que a explicitação exaustiva dos meios de prova que sustentam o entendimento da apelante consta apenas das alegações de recurso e não já das conclusões.
Mas ainda assim as conclusões contêm uma referência sucinta aos meios de prova que sustentam a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
Acresce que, como já referimos, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem considerado que estas referências não têm necessariamente que constar das conclusões de recurso, desde que sejam indicadas nas alegações. Como vimos, os elementos que obrigatoriamente devem constar das conclusões são a indicação dos pontos de facto impugnados, e a enunciação das proposições de facto que devem passar a constar do elenco de factos provados e não provados.
Ora, no caso vertente, é manifesto que as conclusões de recurso contêm estes elementos, e que da motivação do recurso (alegações) consta a indicação exaustiva dos meios de prova que sustentam a tese da apelante.
Termos em que se conclui que no caso dos autos a apelante respeitou os ónus impugnatórios consagrados no art.º 640º do CPC e que, por conseguinte, inexiste fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2. Mérito
3.2.1.2.1. Aditamento de um ponto 40 ao elenco de factos provados
Pugnou a apelante pelo aditamento de um novo ponto 40 ao elenco de factos provados, com o seguinte teor: O diagnóstico inerente à cirurgia foi “neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários (cancro no rim) excepto bacinete (cavidade, no interior do rim, que recebe a urina que depois segue pelo uréter para a bexiga)”.
Para tanto alegou, em síntese, que os factos em apreço foram por si alegados no art.º 40º da petição inicial e se acham comprovados pelo doc. nº 7 junto com o mesmo articulado (relatório de alta, fls. 29), tendo sido expressamente aceites pelos réus nas respetivas contestações (art.º 9º da contestação apresentada pelo réu Dr B, e art.º 7º da contestação da ré Lusíadas[15]. Mais sublinha que este facto havia sido considerado assente, por acordo, aquando da audiência prévia.
Para tanto argumenta nos seguintes termos:
“8. Ora, se analisarmos o Doc. nº 7 junto com a p.i.   verificamos que, na p. 3 do documento aí inserido com o nome “Processo Clínico”, consta o seguinte:
Anotação             Médico                          Especialidade          
Diagnóstico       B, Dr.                  LU – Urologia
189.0 Neoplasia Maligna do Rim, Excepto Bacinete
(…)
9. Informação que é repetida no “Relatório de Alta”, incluído no mesmo Doc. nº 7.
10. Acresce que o R. B, no art. 9º da sua Contestação, alega o seguinte:
9 - Verdadeiro: o alegado nos art.ºs 1.º a 23.º, 25.º a 27.º, 39.º a 42.º da p.i..
11.  Sendo que, no art.º 7º da sua Contestação, a R. Lusíadas alegou o seguinte:
A ora Ré aceita como verdadeiros os factos constantes dos artigos 1º a 12º, 14º a 23º, 27º, 29º, 34º, 38º (com excepção da expressão “assim”, que se impugna), 39º a 42º, 66º, 67º, 68º, 84º, 137º, 139º da p.i.
12. Aliás, em resultado, na audiência prévia realizada em 16 de outubro de 2017, ficou a constar da respetiva ata o seguinte:
B1) Factos adquiridos por acordo nos termos do art.º 574º nº 2 do CPC e provados por documento:
JJ) O diagnóstico inerente à cirurgia foi “Neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários” (cancro no rim, excepto bacinete (cavidade, no interior do rim, que recebe a urina que depois segue pelo uréter para a bexiga).”
- vd. art.ºs 15 a 26 das alegações, e conclusões 3 e 4.
Apreciando, diremos que este facto foi claramente reconhecido pelos réus Dr. B e Lusíadas, nas respetivas contestações, tendo sido considerado assente aquando da audiência prévia – al. jj) dos factos assentes, a fls. 192.
Tratando-se de um facto relevante para a decisão da causa, sendo o mesmo desfavorável aos réus, e tendo sido expressamente reconhecido pelos mesmos, esse reconhecimento expresso é de qualificar como confissão – art.º 352º do CC.
Uma vez que tal confissão foi manifestada por escrito, nos articulados, a mesma faz prova plena – art.º 356º, nº 1 e 358º, nº 1 do CC.
Contudo, por força dos incidentes de intervenção principal provocada, as seguradoras Fidelidade e Ageas passaram a assumir nos autos a posição de co-rés (vd. art.ºs 311º e 316º do CPC).
Ora, no art.º 21º sua contestação, a ré Fidelidade impugnou expressamente o alegado pela autora nos art.ºs 4º a 136º da petição inicial, bem como os documentos 1 a 21 que a acompanharam.
Já a ré Ageas aderiu à posição factual manifestada pelo seu segurado, o réu Dr. B.
Uma vez que a intervenção principal das seguradoras se fundou na celebrado de contratos de seguro que haviam outorgado com os réus Dr. B e Lusíadas, não existindo disposição legal que determine que até ao limite do capital seguro, respondem apenas as seguradoras, a situação de pluralidade passiva gerada subjacente à sua intervenção é de qualificar como litisconsórcio voluntário.
Ora, nos termos do disposto no art.º 353º, nº 2 do CPC, se o litisconsórcio for voluntário, a confissão feita por um dos litisconsortes é eficaz, embora não vincule o litisconsorte que impugnou o mesmo facto.
Donde, as confissões feitas pelos réus Dr. B e Lusíadas são eficazes, embora não vinculem a ré Fidelidade.
Porém, relativamente a esta última, o mesmo facto deve considerar-se provado, em face da livre apreciação das declarações confessórias dos réus Dr. B e Lusíadas, S.A., relativamente aos quais o facto confessado tem natureza de facto pessoal[16], nos termos previstos no art.º 361º do CPC, e em conjugação com o documento nº 7 junto com a petição inicial.
Assim sendo, decide-se aditar ao elenco de factos provados um novo ponto de facto, com o nº 25a, e com a seguinte redação:
O diagnóstico inerente à cirurgia foi “neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários” (cancro no rim) “excepto bacinete” (cavidade, no interior do rim, que recebe a urina que depois segue pelo uréter para a bexiga).
3.2.1.2.2. Aditamento de um ponto 41 ao elenco de factos provados
Pugnou também a apelante pelo aditamento ao elenco de factos provados de um novo ponto 41, correspondente ao alegado no art.º 43º da petição inicial, com o seguinte teor:
O 2º Réu decidiu operar a Autora sem a sujeitar a qualquer reavaliação imagiológica (nomeadamente sem repetição da ressonância magnética).
Para tanto invocou os seguintes argumentos:
a) Esse facto não foi impugnado pelo réu Dr. B, antes foi pelo mesmo reconhecido, no art.º 71º da sua contestação[17];
b) Em resposta ao quesito 8 do parecer elaborado pelo Conselho Medico Legal do INMLCF, no qual se inquiria “Se, conforme sugerido na ressonância magnética realizada em 01-08-2013, foi realizada nova avaliação imagiológica (nomeadamente através da repetição da ressonância magnética) ou exame directo citológico/biópsia)” ali se consignou, como resposta, “Não consta dos registos a realização desses exames”; constando do ponto 3. do mesmo parecer que foram facultados ao INMLCF “os registos clínicos do Hospital dos Lusíadas”;
c) Do processo clínico da autora no Hospital dos Lusíadas, que se acha junto aos autos como doc. nº 7 junto com a petição inicial resulta que a reavaliação imagiológica sugerida no relatório relativo à ressonância magnética de 01-08-2013[18] não foi realizada.
Apreciando, diremos que o facto em apreço foi reconhecido pelo réu Dr. B, no art.º 71º da sua contestação, o que a nosso ver configura confissão, vinculando a ré Ageas, que aderiu à posição manifestada pelo primeiro (vd. art.º 6º da sua contestação).
Porém, o mesmo facto foi expressamente impugnado pelas rés Lusíadas, e Fidelidade (vd. art.ºs 8º e 21º das respetivas contestações).
Valeriam assim as conclusões expressas no ponto anterior: a confissão do réu Dr. B faz prova plena no que lhe diz respeito, bem como relativamente à ré Ageas.
Quanto às rés Lusíadas e Fidelidade, diremos que face aos pareceres e documentos invocados pela apelante não pode concluir-se sem mais que a cirurgia não foi antecedida de novo exame imagiológico, mas apenas que de acordo com a documentação clínica junta aos autos inexiste qualquer indício de que tal reavaliação tenha tido lugar, o que é coisa diferente.
Não obstante, sendo o processo clínico da autora totalmente omisso de quaisquer referências a novos exames imagiológicos, conclui-se, com um grau de convicção próximo da certeza, que após a realização da ressonância magnética referida no ponto 18 dos factos provados, e antes da realização da cirurgia a que se refere o ponto 25 dos factos provados, a autora não realizou qualquer outra ressonância magnética ou exame imagiológico de outra natureza.
Este elemento probatório encontra também eco na livre apreciação da declaração confessória do réu Dr. B que, no tocante às rés Lusíadas e Fidelidade constitui um meio de prova sujeito à livre apreciação do Tribunal.
Assim sendo, decide-se aditar ao elenco de factos provados um novo ponto 24a, com o seguinte teor:
Após a realização da ressonância magnética referida em 18., e antes da realização da cirurgia referida em 25., a autora não foi submetida a qualquer outro exame imagiológico, nomeadamente ressonância magnética.

3.2.1.2.3. Aditamento de dois pontos, 42 e 43, ao elenco de factos provados
Pretende igualmente a apelante o aditamento ao elenco de factos provados de dois novos pontos de facto, com o seguinte teor:
42.: O 2º Réu não esgotou todos os exames e actos médicos cirúrgicos ao seu alcance para melhor estudo do paciente.
43: De acordo com as “legis artis” da Medicina, era prudente e aconselhável que o 2º R. B esgotasse os meios complementares de diagnóstico ao seu dispor (nova avaliação imagiológica, designadamente por intermédio de uma ressonância magnética e realização de uma biópsia) antes de operar a A.  
Para tanto sustenta a apelante que alegou tal matéria nos art.ºs 56º, 116º, 124º, 125º, e 128º da petição inicial, e que a mesma se deve considerar assente em função do relatório médico do Conselho Médico Legal do INMLCF, nomeadamente em função das respostas aos quesitos 12 da autora e aos quesitos c), g), k), p), e q) do réu Dr. B – vd. art.ºs 27 a 73 das alegações, e conclusões 5 a 9.
Os referidos artigos da petição inicial têm o seguinte teor:
56º
Porém, caso se tivesse procedido aos exames disponíveis à data da intervenção a que a Autora foi sujeita, realizando-se nomeadamente a biopsia, teria sido possível concluir pela inexistência de tumor e pela desnecessidade da intervenção cirúrgica realizada
116º
No caso em apreço, não foram suficientes os exames preparatórios efectuados à Autora, não tendo os Réus esgotado todos os exames e actos médicos cirúrgicos ao seu alcance para melhor estudo da paciente.
124º
De acordo com o estado da Ciência Médica ao tempo da intervenção cirúrgica dos autos, seria expectável que qualquer médico medianamente prudente e sensato esgotasse os meios de diagnóstico ao seu alcance
125º
Isto é, era exigível ao 2º Réu que ordenasse a repetição da ressonância magnética e a realização de uma biopsia.
No tocante ao ponto 42. ora proposto, é de questionar se o mesmo contem verdadeiros factos, ou uma afirmação conclusiva que configura matéria de Direito.
Uma tal questão traz à colação a clássica distinção entre factos e Direito.
Neste particular, cremos poder afirmar com segurança que se acha há muito estabilizado o entendimento de que as alegações genéricas, abstratas, vagas, imprecisas e conclusivas não podem ser consideradas factos; e que os juízos conclusivos que constituem ou podem constituir de matéria de Direito devem ser tratados de modo análogo.
Não obstante, em apesar de em abstrato, a distinção entre factos e Direito poder parecer clara e inequívoca, o certo é que a experiência demonstra que por vezes a fronteira que divide os dois conceitos nem sempre assume contornos evidentes.
Com efeito, já ANSELMO DE CASTRO[19] ensinava que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto, num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes.”
Por outro lado, nem todos os juízos conclusivos constituem necessariamente matéria de Direito.
Acresce que as expressões de cariz normativo, poderão integrar a matéria de facto da decisão judicial se corresponderem a conceitos imbuídos na linguagem comum e não tiverem relação direta com o thema decidendum ou seja, se não tiverem relação direta com o pedido ou elementos integradores da causa de pedir.
Finalmente, há que considerar que o Código de Processo Civil de 1961, continha um preceito – o art.º 646º, nº 4 - que determinava que se deveriam considerar não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou sobre factos que só possam provar-se por documentos ou que se achem plenamente provados, não versando expressamente sobre juízos conclusivos, e que o CPC 2013 não contém disposição semelhante.
Sobre esta questão se pronunciou o ac. STJ 29-04-2015 (Fernandes da Silva), p. 306/12.6TTCVL.C1.S1, nos seguintes termos:
«Dispunha o n.º 4 do art.º 646.º do C.P.C./1961 (disposição que não foi mantida, ao menos em termos de directa correspondência, na disciplina homóloga da nova Codificação[20]) que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito … assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Não se contemplava a circunstância de se tratar – …como, em parte, no caso – de matéria (respostas de facto) vaga, genérica e conclusiva.
Foi-se consolidando, porém, na produção jurisprudencial – … por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva –, o entendimento de que ”… não porque tal preceito contemple expressamente a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas (…) porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.
(…)
a proposição será conclusiva (na tríplice perspectiva dilucidada) se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo ser expurgada, por isso.”»
Em sentido semelhante, sustentando que do atual nº 4 do art.º 607º do CPC2013 se deve extrair uma leitura idêntica à que resultava do art.º 646º, nº 4 do CPC1961 vd. tb., entre outros, o ac. STJ 28-09-2017 (Fernanda Isabel Pereira), p. 809/10.7TBLMG.C1.S1, bem como o ac. STJ 01-10-2019 (Fernando Samões), p. 109/17.1T8ACB.C1.S1.[21]
Não obstante, este entendimento foi objeto de crítica por parte de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[22] que, em comentário ao último aresto citado sustentou que “A chamada "proibição dos factos conclusivos" não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil (não importando agora discutir se alguma vez teve). Se o tribunal considerar provados os factos que preenchem uma determinada previsão legal, é absolutamente irrelevante que os apresente com a qualificação que lhes é atribuída por essa previsão. Por exemplo: se o tribunal disser que a parte atuou com dolo, porque, de acordo com o depoimento de várias testemunhas, ficou provado que essa parte gizou um plano para enganar a parte contrária, não se percebe por que motivo isso há de afetar a prova deste plano ardiloso (nem também por que razão a qualificação do plano como ardiloso há de afetar a sua prova).
O exemplo acabado de referir também permite contrariar uma ideia comum, mas incorreta: a de que factos juridicamente qualificados não podem constituir objeto de prova.
(…)
A referida "proibição dos factos conclusivos" também não corresponde às modernas correntes metodológicas na Ciência do Direito, que não se cansam de referir que a distinção entre a matéria de facto e a matéria de direito é totalmente artificial, dado que, para o direito, apenas são relevantes os factos que o direito qualificar como factos jurídicos. Para o direito, não há factos, mas apenas factos jurídicos, tal como, para a física ou a biologia, não há factos, mas somente factos físicos ou biológicos. Os factos são sempre um Konstrukt, pelo que os factos jurídicos são aqueles factos que são construídos pelo direito. Em conclusão: o objeto da prova não pode deixar de ser um facto jurídico, com todas as características descritivas, qualitativas, quantitativas ou valorativas desse facto.”
O ac. STJ 22-03-2018 (Abrantes Geraldes), p. 1568/09.1TBGDM.P1.S1 parece ter-se aproximado deste entendimento, sem que contudo se possa concluir que o sufragou totalmente.
Seja como for, cremos que muitas vezes o problema não se reconduz à questão de saber se determinada expressão ou inciso verbal inserto em determinado ponto de facto deve ser pura e simplesmente suprimido, na medida em que muitas vezes é possível substituir afirmações conclusivas e/ou de Direito por formulações factuais desprovidas das mencionadas conotações.
É claro que uma tal alteração só será possível se a prova carreada para os autos o permitir. Mas também parece evidente que quando tais condições se achem reunidas, nada obsta à alteração da decisão sobre matéria de facto, e a sentença ganhará em rigor e clareza sem prejuízo de qualquer direito das partes.
No caso vertente, pretende a apelante que o Tribunal dê como provado que o réu Dr. B “não esgotou todos os exames e actos médicos cirúrgicos ao seu alcance para melhor estudo do paciente”. Trata-se de uma evidente conclusão, a extrair em função da demonstração dos concretos exames e atos médicos omitidos.
Nesta conformidade, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, conclui-se pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
No que respeita ao proposto ponto 43, que no fundo, concretiza a afirmação conclusiva constante do proposto ponto 42, verificamos que a pretensão da apelante conflituaria com o decidido pelo Tribunal a quo no tocante às alíneas c., d., e e. dos factos não provados, que a apelante não impugnou, tendo aliás aplaudido a sua não demonstração – vd. art.º 50 das alegações da apelante, em conjugação com o art.º 48º da petição inicial.
Com efeito, como se alcança da leitura de tais alíneas, o Tribunal a quo considerou não provado que:
c. Era possível ao 2º R, concluir pela inexistência de tumor através de nova ressonância magnética – al. c. dos factos não provados;
d. A realização de uma nova citologia à A., antes da cirurgia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor – al. d. dos factos não provados;
e. A realização de uma biópsia à A., antes da cirurgia, designadamente por uretroscopia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor – al. e. dos factos não provados.
Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto, no tocante a estes pontos.
3.2.1.2.4. Aditamento de um ponto 44 ao elenco de factos provados
Pretende a autora que se adite ao elenco de factos provados um ponto 44, correspondente ao alegado no art.º 51º da petição inicial, com o seguinte teor:
A intervenção a que a Autora foi submetida não é isenta de risco perioperatório - havendo, em última análise, risco de morte do paciente – nem de sequelas pós operatórias.
- Vd. art.ºs 74 a 79 das alegações e conclusões 10 e 11.
Trata-se, porém de um conjunto de afirmações conclusivas, na medida em que a apelante não indica nem os fatores de risco, nem as sequelas pós-operatórias a que se refere, e também não quantifica minimamente a probabilidade da ocorrência da morte ou das ditas sequelas.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se conclui pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto quanto a este ponto.
3.2.1.2.5. Aditamento de um ponto 45 ao elenco de factos provados
Pretende a apelante que se acrescente ao elenco de factos provados um novo ponto de facto com a seguinte redação:
Houve erro de diagnóstico por parte do 2º Réu.
- Vd. art.ºs 80 a 86 das alegações, e conclusões 12 e 13
Trata-se de mais uma afirmação conclusiva.
Na verdade, e por um lado, a utilização da expressão “erro” em proposições de facto parece envolver um juízo de valor, sem que se concretize bem o seu significado.
Por outro lado, se por “erro de diagnóstico” se pretende significar a discrepância entre a patologia diagnosticada e a patologia verificada ou a verificação ulterior da inexistência da primeira, então, o que revela são efetivamente estes factos.
Ora, tais factos constam já do ponto 25a, que supra decidimos aditar, e do ponto 28. do elenco de factos provados, os quais têm o seguinte teor:
25a. O diagnóstico inerente à cirurgia foi “neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários” (cancro no rim) “excepto bacinete” (cavidade, no interior do rim, que recebe a urina que depois segue pelo uréter para a bexiga).
28. O rim da A. não padecia de patologia neoplásica (tumor maligno).
Termos em que, também nesta parte, se conclui pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.6. Aditamento de um ponto 46 ao elenco de factos provados
Pretende a apelante que se adite ao elenco de factos provados um novo ponto, com o nº 46 e a seguinte redação, o qual, como refere, corresponde à factualidade alegada no art.º 71º da petição inicial:
Após a cirurgia e em consequência desta, a Autora passou a ter os seus movimentos bastante limitados, tendo deixado de poder realizar diversas tarefas domésticas, como passar a ferro, limpar a casa de banho ou aspirar”.
- Vd. art.ºs 87 a 140 das alegações, e conclusões 14 e 15.
Muito embora a apelante não o refira expressamente, esta matéria foi contemplada na decisão sobre matéria de facto, correspondendo à al. l dos factos não provados.
Portanto, nesta parte, ao contrário do que estava em causa nos pontos que antecedem, a impugnação da decisão sobre matéria de facto não se funda em deficiência da decisão sobre matéria de facto, mas em erro de julgamento.
No tocante a este ponto de facto, o Tribunal a quo motivou a sua convicção nos seguintes termos:
“• Pontos j. a a.a., cc. a ee. e hh. a kk. – Da ausência de prova produzida credível quanto a esta matéria. 
. O depoimento do filho da A. VE não nos mereceu qualquer credibilidade, porquanto:
. Como herdeiro da A. que é tem interesse no desfecho da causa pela perspectiva que terá de vir a herdar o valor da indemnização.
. Fez afirmações contraditórias, uma vez que refere que a mãe ficou muito abalada quando soube que tinha cancro, e também que a mãe que ficou muito abalada quando soube que não tinha. As duas afirmações não fazem sentido posto resulta da normalidade das coisas que os pacientes fiquem aliviados quando afinal se revela que não padeciam de doença oncológica.
. Limitou-se a responder afirmativamente às perguntas da Ilustre Mandatária da A. que já continham a respectiva resposta (a sua mãe ficou debilitada? revoltada? etc.). Tal resulta na total falta de espontaneidade de depoimento.
. Manifestou grande animosidade para com o 2º R. referindo não considerar justificados os exames e as consultas, manifestando estar mais preocupado com os gastos do que com a saúde da mãe.
. Acresce que, não acompanhou a A. Cascais a consultas com o Dr. Jorge Botelho, o que não se coaduna com o estado grave da mãe que relata, a demandar-lhe mais acompanhamento filial, razão pela qual também não se nos afigura credível que tenha conhecimento dos factos que afirma.
. Também o depoimento da irmã da A. GD não nos mereceu credibilidade.
. O seu depoimento foi toldado e moldado pela relação familiar que tem com a A., que defendeu como se parte fosse, admitindo que tudo o que sabe lhe foi contado pela A. e pela filha da mesma.
. Prestou um depoimento confuso e incongruente, referindo que a irmã tinha três rins e que depois da operação tem mais cuidado com o que come, eivado de incoerências, ficando o tribunal com a sensação de que nada sabia e que inventava as respostas à medida que depunha de harmonia com o que percepcionava que queria ser ouvido pela Ilustre mandatária da A..
. O depoimento da filha da A. SP qual também não nos mereceu qualquer credibilidade, porquanto:
. Também esta testemunha, como herdeira da A. que é tem interesse no desfecho da causa pela perspectiva que terá de vir a herdar o valor da indemnização.
. Prestou um depoimento contraditório com a documentação clínica no que ao estado da A. após a cirurgia.
. Acresce que, não acompanhou a A. durante a cirurgia, referindo que na altura estava de férias, o que não se coaduna com a gravidade de um diagnóstico de tumor com o estado grave em que refere ficou a mãe após a cirurgia, a demandar-lhe, também a si, mais acompanhamento filial, razão pela qual também não se nos afigura credível que tenha conhecimento dos factos que afirma ou que o que afirma se tenha verificado.
. Os depoimentos prestados por GD e por SP são ainda contraditórios entre si, afirmando a primeira que a sua irmã não adiou a cirurgia para tomar conta da neta, o que foi afirmado pela segunda.”
A apelante discorda deste entendimento, sustentando que os factos em apreço devem considerar-se provados face aos depoimentos das testemunhas APO, SP, e GD, bem como o depoimento de parte prestado pelo réu Dr. B.
Transcreve os seguintes trechos dos mencionados depoimentos:
APO
Mª Juiz: tem alguma relação de parentesco com esta senhora?
APO: não senhora, a única relação que eu tenho com a D. A é que sou cabeleireira dela há uma série de anos.
Mª Juiz: Não têm uma relação de amizade?
APO: Não.  (00:20 - 00:40)
(…) sei que quando voltei a ver a senhora passados aí sei lá mas 15 dias 3 semanas não sei, sei que quando a vejo sei que vejo com um vestido comprido com um saco algaliada eu caiu-me tudo porque a senhora parecia que tinha envelhecido 20 anos e a partir daí nunca mais foi a mesma pessoa. (04:02 - 04:20)
Mandatária da A.: E em termos de movimentos notou alguma diferença?
APO: sim, naquela altura ia com uma algália, aliás eu até a passei logo à frente pedi licença porque aquilo é um cabeleireiro com muita gente e muito calor e pronto e não ia já todas as semanas mas depois com a continuação de lá ir tirou a algália, tirou aquilo tudo …
Mandatária da A.: sim, e em termos de movimentos notou?
APO: achei-a com uma mobilidade muito mais fragilizada, sei que em casa ela dizia-me já não tenho forças para nada, sei que arranjou uma empregada, eu recordo-me disso, da empregada, porque se não tem agora não sei mas acho que sim, passou a ter empregada
Mandatária da A.: ela disse-lhe alguma coisa, porque é que tinha a empregada ou porque é que …?
APO: porque não tinha forças, ela sempre foi uma pessoa com muito, eu recordo-me que ela era uma pessoa de muito, muito alegre, muito ativa, recordo-me começar-lhe a cair muito cabelo.” (10:00 – 10:45)
“Mandatária da A.: e a partir daí?
APO: é uma pessoa com medo, ela também era muito de família, muito marido e netos e filha e o filho mas lembro-me de, não tem nada a ver, é uma pessoa muito diferente.” (12:00 – 12:14)
SP
“Mandatária da A.: em termos de …
SP: sim, em termos de mobilidade e de movimentos que fazia e também porque já não era uma pessoa nova na altura e portanto as queixas foram logo surgindo. Mandatária da A.: e diga-me uma coisa quando diz pronto que tinha a mobilidade limitada, em termos de tarefas domésticas isso teve algum impacto?
SP: Teve, obviamente, portanto como eu digo já não era uma pessoa nova, na altura já tinha alguma ajuda lá em casa, mas teve que ser feito o reforço para que essa pessoa fosse mais vezes porque ela já não conseguia fazer determinadas tarefas.
Mandatária da A.: que tarefas, já agora?
SP: o aspirar, o subir e descer escadotes para fazer limpeza mais profunda ou em termos de arrumações que precisasse tinha que se socorrer sempre de outra pessoa.
Mandatária da A.: e passar a ferro por exemplo?
SP: sim, também, passar a ferro também passou a ser uma coisa que ela se queixava bastante, já não conseguia ficar tantas horas de pé, e mesmo o movimento do ferro acabou por afetá-la.” (11:25 – 12:35)
“Mandatária da A.: sabe quanto tempo é que a sua Mãe esteve internada no Hospital?
SP: eu penso que não chegou a uma semana, não me lembro bem, eu na altura estava de férias e penso que uns 4 dias.
Mandatária da A.: e foi visitá-la ao Hospital?
SP: Fui, no dia em que eu regressei de férias a minha Mãe ainda estava internada e eu vim diretamente do sítio onde estava e fui diretamente ao Hospital visitar a minha Mãe.” (17:50 – 18:10)
Réu Dr. B
“(…) foi-se embora, aceitou ser operada, disse-me a seguir que tinha uma filha ou uma pessoa de família que tinha que cuidar, eu disse-lhe está bem então mais uma semana, dez, nove aliás foi cerca de nove dias depois foi operada, o que não interferia nada no processo dado que tinha que ir à consulta de anestesia” (12:00 – 12:04)
GD
“Mandatária da A.: e diga-me uma coisa, sabe se a partir do momento em que o médico informou a sua irmã que ela tinha que ser operada, se a sua irmã, disse, pronto eu vou ser operada já ou pediu ao médico pronto que era mais conveniente para ela não ser operada já, por alguma razão?
GD – não, ela acreditou no médico e foi logo.
Mandatária do A.: mas não sabe se ela tinha que cuidar de algum familiar, se teria pedido um tempo?
GD: não
Mandatária do A.: não tem noção disso?
GD: não.” (04:25 – 05:15)
“Mandatária da A.: mas o que eu lhe estava a perguntar é, depois da operação o que é que ela sentia em termos de tarefas domésticas, continuava a fazer as tarefas como fazia dantes ou
GD: não, não, não, nunca mais fez como fazia, mas isso ainda hoje nunca mais foi como era, não é?
Mandatária da A.: em termos de passar a ferro, essas coisas?
GD: Não, não, começou a dar tudo a fazer.
Mandatária da A.: diga, diga
GD: começou a dar tudo a fazer, mandava engomar fora até nem era lá, e tinha uma senhora pois que a ajudava em casa.” (07:30 – 08:05)
Apreciando, diremos que, para nós, os depoimentos em apreço apenas poderiam conduzir à demonstração dos factos em causa se encontrassem eco em qualquer prova medico-científica que comprovasse as invocadas debilidades da autora e o nexo de causalidade entre estas e a intervenção cirúrgica a que foi sujeita.
Com efeito, o que está em causa, no ponto de facto em discussão, é a verificação de uma diminuição da capacidade física da autora, manifestada em limitação da sua mobilidade, e causada pela intervenção cirúrgica a que foi sujeita.
Por outro lado, não tendo a autora, em momento algum invocado o caráter meramente temporário de tais limitações, teria de considerar-se que se trataria de limitações de caráter permanente, que subsistiriam mesmo depois o período pós-operatório, e se manteriam à data da propositura da presente ação (em maio de 2016). Isso mesmo se depreende, aliás, da leitura dos art.ºs 71º a 76º da petição inicial, nos quais a autora sustenta que por causa de tais limitações teve de contratar uma empregada doméstica, e invoca despesas daí decorrentes contabilizadas até à data da propositura da ação.
Ora, analisada a argumentação da própria autora, desde logo se verifica que a mesma não fez qualquer esforço probatório no sentido de obter a comprovação da invocada debilidade física por profissional de saúde, maxime por médico.
Se a autora sofreu tal debilidade, certamente terá consultado médicos que o poderiam atestar. Na difícil eventualidade de não dispor de qualquer documentação clínica que o demonstrasse, sempre poderia ter arrolado o/a seu/sua médico/a assistente, a fim de depor como testemunha, ou requerido a realização de uma prova pericial que permitisse atestar, com rigor científico, a invocada diminuição das suas capacidades físicas, o caráter duradouro das mesmas, e o nexo de causalidade entre o declínio da sua condição física e a intervenção cirúrgica a que foi sujeita.
É certo que a autora foi sujeita a perícia médico-legal que foi realizada, embora direcionada com vista a apurar os procedimentos médico-cirúrgicos a que foi sujeita: e apesar de no respetivo relatório a Sr.ª Perita tenha declinado responder aos quesitos formulados, por entender que, atento o seu objeto, “ultrapassam as competências de um perito médico legal”, não deixou a mesma de registar, no capítulo intitulado “Lesões ou sequelas relacionáveis com o evento”:
“- Tronco: Cicatriz ligeiramente hipocrómica, na transição entre o flanco e a região lombar, com vestígios de sutura, oblíqua para baixo e para a frente, medindo cerca de 18 cm. De comprimento. Sem pontos dolorosos à palpação.”
No mesmo relatório pericial, sob o título “Queixas”, a Sr.ª Perita médica consignou:
Nesta data a examinanda refere as queixas que a seguir se descrevem:
A nível funcional refere:
- Controlo de esfíncteres: incontinência urinária de esforço (“quando rio… ou choro …” sic). Ter de se levantar cerca de 3-4 vezes, durante a noite, para “fazer um bocadinho de xixi” (sic) associado a dor
- Fenómenos dolorosos: referidos à região lombar esquerda, quando faz mais esforços ou se sente mais cansada.” [23]
Contudo, estes subjetivos dolorosos, referidos no relatório médico, não foram objetivados. Com efeito a Srª Perita médica não referiu se tais dores se traduziram em efetiva diminuição da mobilidade da autora, nem esclareceu se tal diminuição da mobilidade da autora seria de molde a impedi-la de realizar tarefas domésticas e, em caso afirmativo quais. Do mesmo passo, o referido relatório pericial também não estabeleceu qualquer nexo de causa e efeito entre tais “queixas” e a cirurgia, sendo sintomático que não as considerou no capítulo intitulado “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento”.
Termos em que nesta parte se conclui pela improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.7. Aditamento de quatro pontos, com os nºs 47 a 50, ao elenco de factos provados
Pugnou a apelante pela inclusão de quatro novos pontos de facto, com os nºs 47 a 50, correspondentes aos factos alegados nos art.ºs 78º a 81º da petição inicial, com a seguinte redação:
47. Quando o 2º Réu lhe comunicou que tinha um cancro no rim esquerdo e nos órgãos urinários, a Autora ficou bastante angustiada e apreensiva.
48. Autora teve enorme receio de vir a morrer em consequência do cancro.
49. Receando também vir a falecer durante a intervenção cirúrgica que o 2º Réu lhe comunicou ser necessária para retirar o (afinal inexistente) tumor.
50. O que agravou mais a sua profunda angústia.
- Vd. art.ºs 141 a 146 das alegações, e conclusões 16 e 17.
Muito embora a apelante não o refira, estes pontos de facto correspondem às als. q. a t. dos factos não provados. Conclui-se, por isso, que nesta parte a impugnação da decisão sobre matéria de facto não se funda em omissão parcial, ou deficiência da mesma, mas em erro na apreciação da prova.
O Tribunal a quo motivou a sua convicção relativamente a estes pontos de facto nos termos já expostos.
Do ponto de vista da apelante, estes factos devem considerar-se provados em função dos depoimentos das testemunhas APO, GD, e SP, transcrevendo os seguintes excertos:
APO.
“Eu perguntei-lhe, não quer outra opinião? Já fez os exames todos e ela disse, sim, fiz os exames todos mas ele diz que é para tirar, que é para tirar, diz que não há mais nada para fazer, que já quer a operação marcada e eu até disse mas isso é uma fortuna (…) ir para o público e não para o particular mas este senhor pelo que eu percebi, por aquilo que eu entendi da senhora, fez muita pressão e pronto felizmente a senhora tinha dinheiro e ela ainda me recordo de ela dizer assim, a gente não tem muito mas pronto se é entre a vida e a morte e se tem que ser porque depois o outro rim pode ser também apanhado, pois já viu APO eu ficava com hemodiálise, eu tenho, isto é muito perigoso e é verdade vão-se os anéis ficam-se os dedos mas realimente devia ter uma opinião isto eu recordo-me perfeitamente”. (04:25 - 05:41)
“Mandatária da A.: Sabe se a D. A ficou com medo de morrer?
APO: com muitos medos, muito, lembro-me de ela dizer que tinha que tomar comprimidos para dormir, agora não lembro-me na altura porque, e muito negativa, não tinha nada a ver com, nunca mais foi a mesma pessoa (…).” (11:15 - 11:30)
GD
“Mandatária da A.: mas pode-me dizer assim para começarmos o que é que ela lhe contou sobre essa matéria?
GD: ela ligou-me a dizer muito chorosa né porque ia ser operada porque tinha um cancro no rim e que tinha que ser operada, depois contou-me que depois de ser operada que tinha feito biópsia e o médico disse que afinal que não era, que não era o que estava a pensar”. (02:01 a 02:30)
SP
“Mandatária da A.: diga-me uma coisa, em relação à operação propriamente dita, a sua Mãe tinha medo de morrer? Ou mesmo em consequência depois do tumor, ela…
SP: sim, tinha medo obviamente, ela não nos disse, nunca verbalizou mas eu sei que sim, que ela tinha porque, depois de se ter confirmado que afinal não era um tumor maligno, a falar algumas vezes ela disse que sim, que foi uma das coisas que ela teve receio, de poder morrer ou do que é que pudesse surgir depois dos tratamentos que ela tivesse que ir eventualmente fazer, da quimioterapia e disso tudo que estávamos à espera que ela fosse fazer, era o medo.”
(15:00 - 16:32)
Apreciando, diremos que dos depoimentos em apreço resulta de forma evidente que a apelante ficou com medo de falecer em consequência do tumor que lhe havia sido diagnosticado, o que aliás constitui uma reação que qualquer ser humano medianamente consciente teria se fosse colocado na mesma situação.
Por outro lado, a angústia e apreensão, são também reações perfeitamente naturais para qualquer pessoa colocada na situação da autora, sendo certo que se evidenciam reveladas pela circunstância, relatada pela testemunha GD, de a autora ter inclusivamente chorado quando lhe contou que padecia de um tumor.
Já quanto ao mais, nomeadamente no tocante ao receio de falecer no decorrer da intervenção cirúrgica, não colhemos dos depoimentos invocados qualquer elemento que o confirme.
Não descortinamos motivo suficiente para duvidar dos depoimentos das mencionadas testemunhas, que nos pareceram credíveis, e de acordo com as regras de experiência comum.
Assim sendo, decide-se aditar ao elenco de factos provados um novo ponto, com o nº 32a, com o seguinte teor:
Quando o 2º Réu lhe comunicou que padecia de um tumor, a A. ficou angustiada, apreensiva, e com medo de vir a morrer em consequência de tal doença.
Consequentemente, determina-se a supressão das als. q. e r. dos factos não provados.
3.2.1.2.8. Aditamento de três pontos, com os n.ºs 51 a 53, ao elenco de factos provados
Pugnou a apelante pela inclusão de três novos pontos de facto, com os n.ºs 51 a 53, correspondentes aos factos alegados nos art.ºs 82º, 89º, e 91º da petição inicial, com a seguinte redação:
51. A partir do momento em que o 2º Réu lhe fez aquela comunicação, a Autora passou a ter insónias, estando sempre triste, sem alegria de viver.
52. Para além disso, a Autora não conseguia dormir, devido às dores e às preocupações causadas pela cirurgia.
53. Tudo isto lhe causou abatimento e frustração, profunda tristeza e angústia, tendo frequentes crises de choro.
- Vd. art.ºs 147 a 159 das alegações, e conclusões 18 e 19.
Muito embora a apelante não o refira, estes pontos de facto correspondem às als. u., y., e aa. dos factos não provados pelo que, nesta parte a impugnação da decisão sobre matéria de facto se funda em erro na apreciação da prova, e não em omissão parcial, ou deficiência da decisão sobre matéria de facto.
A convicção do Tribunal a quo quanto aos pontos de facto em apreço foi a manifestada nos dois pontos antecedentes.
A apelante discorda de tal entendimento, considerando que estes factos devem considerar-se provados em função dos depoimentos das testemunhas APO, e SP, transcrevendo os seguintes excertos:
APO
“(…) nunca mais foi a mesma pessoa, não é a mesma, eu sei que passaram 7 ou 8 anos, não sei propriamente, em 7 anos nós mudamos, não é? e há alterações na nossa vida, mas não, era uma pessoa alegre, eu lembro-me de ela dizer, vou ao teatro com o marido, lembro-me, e (…). (11:25 – 12:00)
“Mandatária da A.: há bocadinho disse que a D. A pronto tomava comprimidos para dormir, ela explicou-lhe porquê?
APO: porque dizia que tinha dificuldades em dormir, ficou com dificuldade em dormir, com o pensamento muito negativo, sempre noto ao longo destes anos ela sempre muito adoentada, ou tem isto ou tem aqueloutro, eu não a conheci muitos anos para trás da operação, mas o que eu lidei com ela antes da operação e depois da operação é como se fosse outra pessoa.” (12:15 – 12:49)
“Mandatária da A.: e sabe se ela passou a sair menos de casa, ela falava alguma coisa consigo sobre isso?
APO: muito menos, eu recordo-me que ela nem tinha vontade de sair, acho que ela tinha, a senhora vive numa vivenda, tem assim um bom espaço e que tem jardim e isso e recordo-me perfeitamente
Mandatária da A.: recorda-se do quê?
APO: de ela dizer que não tinha vontade de sair, nem de ir à praia, estou aqui, vou à praia para quê?, não tinha vontade de nada, sinto-me mal, pois começou a ter muitos do género, como se fossem afrontamentos, mau estar, muito mau estar, sempre muito mau estar.
Mandatária da A.: E em termos anímicos, angústia, etc, o que é que a senhora lhe relatava depois da operação?
APO: Sempre com um ar muito depressivo, e que estava triste e tomava comprimidos para dormir, quer dizer eu nunca adiantava muito mais conversa com a D. A porque eu não sou amiga dela, eu só estou a relatar precisamente o pouco que falávamos enquanto eu lhe arranjava o cabelo, mas eu noto que a senhora nunca mais foi a mesma.” (14: - 15:20)
Mandatária da A.: Então e diga-me uma coisa, há pouco falou de depressivos, sabe se ela tomava alguma coisa para …
APO: Agora?
Mandatária da A.: Sim, logo a seguir à operação, se passou a tomar alguma coisa para a depressão?
APO: tomava, ela disse-me que tomava.
Mandatária da A.: tomava o quê?
APO: Os nomes não sei, mas tomava comprimidos para dormir e para se acalmar e que tinha medo e que não dormia, eu recordo-me Mandatária da A.: medo do quê? Ela disse-lhe?
APO: Ansiosa, nervosa, porque sentia-se muito injustiçada, porque sentiu-se enganada. (15:21 – 16:00)
SP
Mandatária da A.: E diga-me uma coisa, e em relação à situação anímica da sua Mãe, quais é que foram assim as grandes mudanças que notou nessa questão anímica?
SP: Como eu digo, ela passou a andar muito mais desanimada não é, logo depois da operação e depois o cansaço, apresentava bastante cansaço sempre, não é? (…) (14:00 – 14:20)
Mandatária da A.: Como é que esse medo se manifestava? Como é que?
SP: Andava mais triste, ela é uma mulher até por natureza alegre, muito participativa na vida das netas e como lhe digo ela ficava quase todos os fins-de-semana com a minha IN e acabou por, desde então, deixar de ficar com ela porque já não tinha essa genica nem capacidade para ficar com ela, portanto andava mais desanimada com a vida, mais triste. (15:10 – 15:50)
Mandatária da A.: Sabe se a sua Mãe depois de voltar da cirurgia passou a estar mais tempo em casa, sem vontade de sair?
SP: Sim, sim, mais desanimada, sim, mais cansada, como eu dizia mais cansada, mais desanimada, não lhe apetecia fazer determinadas coisas, como eu digo sempre foi uma mulher muito ativa e acabou por ficar mais por casa, sim. (19:41 – 20:00)
Mandatária da R. Fidelidade: Há bocado também referiu que a sua Mãe tem tendência para ficar com um sistema nervoso alterado, quer concretizar? Isto já acontecia antes? Se é uma pessoa nervosa, digamos assim, por natureza? Fazia medicação?
SP: Não me lembro, não me lembro se a minha Mãe fazia medicação na altura, sei que agora faz, a minha Mãe já era nervosa, mas nunca tinha sido … Mandatária da R. Fidelidade: mas não era o caso de medicação?
SP: Sim, exatamente, exatamente, e a minha Mãe hoje em dia é medicada Mandatária da R. Fidelidade: não, nunca tinha ido a nenhuma consulta de psicologia, nem de psiquiatria?
SP: que eu tenha ideia, não, que tenha memória disso, não.
Mandatária da R. Fidelidade: Mas isto era uma situação que era do conhecimento pelo menos familiar?
SP: Sim, nada de mais, portanto uma pessoa nervosa é uma pessoa, penso eu, não sendo médica, é uma pessoa às vezes mais fragilizada, portanto obviamente mais afetada ficou com esta situação, portanto só depois disso é que ela passou efetivamente a ser medicada, eu sei que ela toma medicamentos.
Mandatária da R. Fidelidade: Mas continua sem consulta de psiquiatria
SP: Não, consulta de psiquiatria …
Mandatária da R. Fidelidade: ou de psicologia?
SP: Pois, eu sei que ela é acompanhada em clínica geral pela médica, quer dizer penso que psiquiatria não foi acompanhada.
Mª Juiz: E relativamente à medicação, sabe que medicação é?
SP: são antidepressivos.
Mª Juiz: Ansiolíticos não?
SP: Ansiolíticos não, penso que não. (27:55 – 29:50)
Apreciando, diremos que sendo a insónia uma doença, e não podendo ser ministrado qualquer medicamento do tipo indutor do sono, sonífero, ansiolítico,  antidepressivo, ou outro do género sem prescrição médica, entendemos que a comprovação das invocadas insónias e da alegada toma de medicamentos por parte da apelante carecia de ser comprovada mediante depoimento do médico que os receitou, do farmacêutico que os vendeu, ou através da apresentação de cópia das receitas e/ou recibos de tais medicamentos, ou ainda por meio de declaração emitida por médico que terá prescrito esses medicamentos.
Não tendo tal prova sido carreada para os autos, e sendo a prova testemunhal invocada pela apelante insuficiente para formar convicção no sentido de que tais factos ocorreram, não podem os mesmos considerar-se provados.
Termos em que também neste ponto improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.2.9. Aditamento de dois pontos, com os nºs 54 e 55, ao elenco de factos provados
Pretende igualmente a apelante o aditamento de dois novos pontos de facto, com os nºs 54 e 55, correspondentes ao alegado nos art.ºs 85º e 86º da petição inicial, e com o seguinte teor:
54. Durante o período de 5 dias em que esteve internada, após a operação, a Autora teve muitas dores.
55. Mesmo depois de ter regressado a casa, a Autora continuou a ter muitas dores e a movimentar-se com muita dificuldade. 
- Vd. arts. 160 a 165 das alegações, e conclusões 20 e 21.
Estes pontos de facto correspondem às als. v e w dos factos não provados, pelo que também aqui a impugnação da decisão sobre matéria de facto se funda em erro na apreciação da prova, e não em omissão parcial ou insuficiência daquela decisão.
O Tribunal a quo motivou a sua decisão relativamente a estes pontos de facto nos termos já expostos.
A apelante considera que os factos a que se reporta o proposto ponto 54. se acham demonstrados por confissão da ré Lusíadas, no art.º 44º da sua contestação, que tem o seguinte teor:
“Quanto ao pós-operatório, a ora Ré acompanha todas as observações tecidas pelo Réu na sua douta Contestação: ocorreu sem complicações ou intercorrências, tendo obviamente a Autora sentido os naturais e admissíveis efeitos de dor, dentro do que será de esperar após qualquer intervenção cirúrgica e em particular como a dos autos.”
No mais, louva-se igualmente do depoimento prestado pela testemunha APO, transcrevendo o seguinte trecho:
Mandatária da A.: E em termos de dores, ela dizia-lhe alguma coisa?
APO: Dores, ela à partida começou a ser uma pessoa doente, dói-lhe os ossos, dói-lhe os rins, dói-lhe as ancas, começou a ter dores, dores em tudo.
Mandatária da A.: E sabe se pronto, se essas dificuldades que a D. A passou a ter, se depois se refletia enfim na forma como mesmo nas tarefas domésticas, de higiene diária, se ela alguma vez comentou alguma coisa em relação a isso?
APO: Logo a seguir ao acidente?
Mandatária da A.: Ao acidente? À operação?
APO: Sim, isso recordo-me que ela ia lá pronto com muita dificuldade em encostar-se para, era mais para lavar o cabelo mas eu na altura até depois o cortei bem mais curto porque caía muito e isso recordo-me
Mandatária da A.: Mas sentia que tinha dificuldade de sentar-se ali na …
APO: Tinha, na calha, eu até recordo-me das primeiras vezes enquanto coiso até lhe ia buscar uma almofadinha e punha-lhe por trás porque ela, para não fazer aquele gesto, isso recordo-me. (12:45 – 14:00)
Apreciando, diremos em primeiro lugar que muito embora a ré Lusíadas tenha, efetivamente, aceite que a autora teria sentido dores no período pós-operatório, referindo que nesse ponto acompanha a contestação do réu Dr. B, a verdade é que este havia impugnado expressamente o alegado pela autora nos art.ºs 85º e 86º da petição inicial[24].
Não obstante, cremos que pelo menos relativamente às invocadas dores no período pós-operatório, o depoimento invocado, bem como os depoimentos ponderados no ponto 3.2.1.2.6. são suficientes para formar convicção no sentido da sua demonstração.
Quanto ao mais, e pelas mesmas razões, deve concluir-se pela improcedência da impugnação.
Assim sendo, decide-se:
a) Aditar ao elenco de factos provados um ponto, com o nº 32b e com a seguinte redação: Durante o período de 5 dias em que esteve internada, após a operação, a Autora teve dores.
b) Aditar ao elenco de factos provados um ponto com o nº 32c e com a seguinte redação: Após regressar a casa e pelo menos durante algum tempo, Autora continuou a sentir dores.
c) Suprimir as alíneas v e w dos factos não provados.
 Quanto às limitações de mobilidade mencionadas na als. ora suprimidas verificamos que as mesmas se achavam já plasmadas na al. l dos factos não provados, pelo que persistindo esta, nada obsta à total supressão das als. v e w.
3.2.1.2.10. Aditamento de um ponto 56 ao elenco de factos provados
Pretende igualmente a apelante o aditamento ao elenco de factos provados de um novo ponto de facto com o nº 56, correspondente ao alegado no art.º 102º da petição inicial, e com a seguinte redação:
56. E a circunstância da Autora ter vindo a saber que a cirurgia não era necessária, causou-lhe revolta e agravou o seu estado de angústia.
- Vd. art.ºs 166 a 169 das alegações, e conclusão 22.
Mais uma vez a apelante omite que tal ponto de facto corresponde a uma alínea dos factos não provados, desta feita a al. jj. Tal significa que não se está em causa a insuficiência da decisão sobre matéria de facto, mas um eventual erro na apreciação da prova.
O Tribunal a quo motivou a sua convicção relativamente a este ponto de facto nos termos já expostos.
No entender da apelante, este facto deve considerar-se provado por força dos depoimentos das testemunhas APO e SP, transcrevendo os seguintes trechos:
APO
Mandatária da A.: medo do quê? Ela disse-lhe?
APO: ansiosa, nervosa porque sentiu-se muito injustiçada, porque sentiu-se enganada.
Mandatária da A.: revoltada?
APO: revoltada, porque é o que ela diz, se não tinha a certeza não me operavam, então fazia a biópsia ou outros exames que tivessem a certeza, não se faz isto, muito revoltada. (15:50 – 16:09)
SP
Mandatária da A.: Triste, sentia-a triste?
SP: Sim, sim, e alguma revolta também depois de saber que afinal de contas o resultado da operação não era exatamente aquele que se esperava, né? Portanto uma revolta também.
Mandatária da A.: isso quando soube o resultado …
SP: Quando soube, sim
Mandatária da A.: da análise de …
SP: Sim, que não se confirmava a neoplasia. (20:10 – 21:00)
Como decorre das transcrições supra, e muito embora se reconheça que na inquirição da testemunha APO a ilustre mandatária da apelante terá, de algum modo, sugerido a resposta à pergunta que formulou, o certo é que a testemunha se revelou capaz de justificar assertivamente a sua resposta, o que permite afastar o inicial défice de espontaneidade do seu depoimento.
Por outro lado, a testemunha SP mencionou espontaneamente a o sentimento de revolta manifestado pela autora.
Ora, de acordo com as regras de experiência comum afigura-se razoável supor que qualquer pessoa medianamente informada e esclarecida, quando colocada perante a situação em que a autora se viu, ou seja, ter sido operada, com extração de um rim, devido a um diagnóstico de tumor maligno, vindo a constatar-se, após a operação de que não padecia de tal doença, possa ter experimentado sentimentos de revolta, pela desnecessidade de tal operação, pelo impacto que a remoção de um órgão tem na saúde e bem estar de qualquer indivíduo, e também porque a mesma cirurgia não foi gratuita, antes tendo custado quantia superior a € 9.000,00.[25]
Quanto ao agravamento do estado de angústia da autora, o mesmo não encontra eco nos meios de prova invocados.
Nesta conformidade, decide-se:
a) Aditar ao elenco de factos provados um novo ponto com o nº 32c com o seguinte teor: A circunstância de ter vindo a saber de que não padecia do tumor referido em 25a causou à Autora um sentimento de revolta.
b) Alterar a redação da al jj dos factos não provados, a qual passará a ter o seguinte teor: A circunstância referida em 32c agravou o estado de angústia da autora.
3.2.1.2.11. Aditamento de um ponto 57 ao elenco de factos provados
Pretende a apelante que se adite ao elenco de factos não provados um novo ponto de facto com o nº 47 e o seguinte teor:
A situação económica dos Réus é boa e desafogada.
- Vd. art.ºs 170 a 174 das alegações, e conclusão 23.
Trata-se de mais uma afirmação manifestamente conclusiva.
Na verdade, para além de a apelante não ter concretizado minimamente os conceitos de “situação económica boa” e de “situação económica desafogada”, afigura-se manifesto que a caraterização da “situação económica” dos réus pressupunha a alegação e prova dos rendimentos por estes auferidos e das despesas que os mesmos suportam.
Ora, a simples leitura dos articulados permite concluir que a apelante em momento algum alegou tais factos.
Donde, para além de se verificar o teor conclusivo das afirmações em questão, também se verifica a absoluta omissão da alegação dos factos que as poderiam sustentar.
Finalmente diremos que tratando-se de factos nucleares essenciais à decisão da causa, porque relevantes para a quantificação da indemnização peticionada pela autora, não podem os mesmos ser indagados e extraídos dos documentos juntos aos autos (vd. art.º 5º do CPC).
Termos em que também nesta parte improcede a impugnação da decisão sobre matéria de facto.
3.2.1.3. Recapitulação dos factos provados e não provados
3.2.1.3.1. Factos provados
1. A 1ª Ré explora e gere o Hospital Lusíadas Lisboa, sito na Rua Abílio Mendes, em Lisboa, no qual são prestados diversos cuidados de saúde, mediante o pagamento de um preço, o que faz por intermédio de médicos e outros profissionais de saúde contratados para o efeito, dentre os quais se inclui o 2º Réu, que é médico.
2. À data dos factos, o 2º Réu era Coordenador da Unidade de Urologia do Hospital Lusíadas, cabendo-lhe a respetiva organização e planeamento, era médico há 40 anos e era muito experiente, sendo um dos mais reconhecidos especialistas na área da Urologia em Portugal.
3. O 2º Réu foi Presidente da Associação Portuguesa de Urologia entre 1993 e 1996 e foi Diretor no Instituto de Urologia entre 1996 e 2003, sendo um profissional com elevados conhecimentos e capacidades técnicas.
4. A Autora nasceu em 08-12-1946.
5. Em 19-07-2013 a A. recorreu ao Serviço de Urgência do Hospital de Cascais Dr. JA, queixando-se que, desde a véspera, apresentava “perdas hemáticas vaginais abundantes” e cefaleias desde há duas semanas.
6. Foi observada pelo Ginecologista Dr. JCM que registou, designadamente: “Cúpula vaginal sem sinais inflamatórios. Neste momento não se observa sangue na vagina”.
7. Foi observada pela Médica de Medicina Interna Dra. PS que solicitou ecografia renal, relativamente à qual referiu, designadamente, “sem sinais seguros de litíase, nem dilatação das árvores excretoras, nem lesões expansivas com significado clínico”, e ecografia vesical, relativamente à qual referiu “Bexiga com pouco distendida, sem alterações com expressão endoluminial”, mais registando “não me parece haver infecção urinária”.
8. Na sequência, a Dra. PS solicitou observação por Cirurgia Geral.
9. A A. foi então observada pelo Cirurgião Geral Dr. RS que prescreveu algaliação e lavagem.
10. Por a A. manter hematúria macroscópica após algaliação, foi transferida para ao Hospital São Francisco de Xavier.
11. No dia 20-07-2013, pela 1h34m, a A. deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital São Francisco de Xavier onde foi feito o diagnóstico de Infecção do Trato Urinário, tendo alta medicada com antibioterapia, pelas 15h16 do dia 20-07-2013, com indicação para marcar consulta de urologia no hospital de referência.
12. No dia 21-07-2013, pela 1h21m a A. recorreu novamente à urgência do Hospital de Cascais queixando-se de agravamento de cólica/dor.
13. Na ocasião, foi feita citologia esfoliativa à A., em cujo relatório consta: “Citologia negativa para células neoplásicas, sugestivo de processo inflamatório agudo”.
14. Na sequência, pela médica de Medicina Interna Dra. LB, foi prescrita analgesia, tendo tido alta melhorada pelas 2h50 do dia 21-07-2013, orientada para consulta externa de urologia.
15. Em 22-07-2013, a A. teve consulta de urologia com o 2º R., na qual mostrou o resultado da citologia referida no ponto 13.. O 2º R. em tal consulta prescreveu com urgência ecografia renal e vesical, TC Abdomino-pélvica, radiografias ao tórax e ao abdómem, que realizou nas instalações da 1ª R..
16. No relatório da ecografia renal e vesical, datado de 23-07-2013, da autoria do Dr. VG, consta: “O rim esquerdo apresenta morfologia compatível com duplicidade, o pielão superior discretamente ectasiado, não se detectando causa de obstáculo por este método. Não há alteração do pielão do rim esquerdo (…)”.
17. No relatório da Dra. IN, referente à TAC, efetuada em 23-07-2013, lê-se: “Não são perceptíveis categóricas lesões expansivas, anotando-se, contudo, zona mal delimitada espontaneamente densa no seio renal ântero-inferior esquerdo, em relação provável com foco hemorrágico. Não é possível excluir eventual patologia infiltrativa a este nível (suspeição da mesma pela ausência de preenchimento da árvore excretora local nas imagens tardias após contraste efectuadas. Sugere-se correlação com RM (ressonância magnética).”.
18. Efetuada RM (ressonância magnética) em 01-08-2013, a solicitação do 2ª R., a mesma revelou “espessamento parietal do grupo calicial inferior, com cerca de 4 mm. As alterações objetivadas podem ter natureza inflamatória, não se excluindo, contudo, patologia proliferativa[26] urotelial, de reduzida expressão.". Nas conclusões do relatório, a Dra. SS fez constar: “ligeiro espessamento urotelial no grupo caliceal inferior do rim esquerdo (inflamatório? Proliferativo?), sugerindo-se reavaliação imagiológica a curto prazo vs exame directo.”.
19. Efetuada nova citologia esfoliativa, a solicitação do 2ª R., com colheita de 08-08-2013, no relatório da mesma lê-se: “Diagnóstico: Citologia suspeita para células neoplásicas. (…). Identificamos vários pequenos agregados papilares de células uroteliais com atipia moderada, um dos quais aparentando ter um núcleo vascular. Estes achados são sugestivos de uma neoplasia urotelial papilar de baixo-grau, dado o contexto clínico de tumor no bacinete esquerdo, devendo, no entanto, ser correlacionado com os achados imagiológicos.”
20. Em consulta subsequente realizada no Hospital Lusíadas Lisboa, em 19-08-2013, o 2º Réu, depois de analisar os relatórios dos referidos exames, comunicou à A. que esta iria realizar biopsia[27].
21. A Autora comunicou ao 2º Réu que, caso houvesse necessidade de intervenção cirúrgica, preferia – em virtude dos custos inerentes – ser operada no Hospital de Cascais.
22. A Autora transmitiu ao 2º Réu que gostaria de ajudar a filha a cuidar do neto no fim-de-semana próximo, tendo-lhe pedido que a operação só tivesse lugar na semana seguinte.
23. O 2º Réu não levantou qualquer objeção a esse pedido da A. por não ver inconveniente em adiar a cirurgia.
24. O 2º R. decidiu não realizar biópsia prévia à cirurgia.
24a. Após a realização da ressonância magnética referida em 18., e antes da realização da cirurgia referida em 25., a autora não foi submetida a qualquer outro exame imagiológico, nomeadamente ressonância magnética.
25. No dia 28-08-2013, a Autora foi sujeita a uma intervenção cirúrgica no Hospital Lusíadas Lisboa, por uma equipa médica chefiada pelo 2º R..
25a. O diagnóstico inerente à cirurgia foi “neoplasia Maligna do Rim e órgãos urinários” (cancro no rim) “excepto bacinete” (cavidade, no interior do rim, que recebe a urina que depois segue pelo uréter para a bexiga).
26. O ato cirúrgico realizado foi uma nefroureteroctomia com cistectomia perimeatica.
27. Foram extraídos à A. o seu rim esquerdo, que apresentava duplicidade pielo-uretérica, e os uréteres. 
28. O rim da A. não padecia de patologia neoplásica (tumor maligno).
29. Pela cirurgia a que foi submetida, 1ª R. cobrou à A. a quantia de 9.230,68€ (nove mil, duzentos e trinta euros e sessenta e nove cêntimos).
30. Em consultas preparatórias e de acompanhamento dessa cirurgia, a A. despendeu:
30.1. Em 29-07-2013, 90,00€
30.2. Em 05-08-2013, 80,00€
30.3. Em 08-08-2013, 80,00€
30.4. Em 27-08-2013, 90,00€
30.5. Em 27-08-2013, 90,00€
30.6. Em 03-10-2013, 80,00€
31. Em exames e análises pedidos pelo 2º R., a A. despendeu:
31.1. Em 23-07-2013, 576,50€
31.2. Em 23-07-2013, 80,16€
31.3. Em 01-08-2013, 350,00€
31.4. Em 01-08-2013, 75,00€
31.5. Em 27-08-2013, 8,38€
31.6. Em 08-08-2013, 50,00€
31.7. Em 04-10-2013, 40,00€
32. Em virtude da referida cirurgia, a A. esteve internada pelo período de 5 dias, tendo tido alta em 02-9-2013.
32a. Quando o 2º Réu lhe comunicou que padecia de um tumor, a A. ficou angustiada, apreensiva, e com medo de vir a morrer em consequência de tal doença.
32b. Durante o período de 5 dias em que esteve internada, após a operação, a Autora teve dores.
32c. Após regressar a casa e pelo menos durante algum tempo, Autora continuou a sentir dores.
32d. A circunstância de ter vindo a saber de que não padecia do tumor referido em 25a causou à Autora um sentimento de revolta.
33. Entre a Fidelidade e 1ª R. foi celebrado um contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil Profissional, titulado pela Apólice nº 72/82507702, através do qual a Seguradora garante, dentro dos limites fixados nas Condições Particulares, “(…) o pagamento de indemnizações que sejam legalmente devidas pelo Segurado a título de responsabilidade civil por danos causados a terceiros, em consequência de erro ou falta profissional praticados no exercício da sua actividade profissional identificada nas Condições Especiais ou nas Condições Particulares.”.
34. O referido contrato garante a responsabilidade civil imputável aos Segurados pelos actos ou omissões profissionais do Corpo médico e de Enfermagem, seus auxiliares ou substitutos e demais trabalhadores/colaboradores, quando ao serviço ou sob as suas ordens e responsabilidade, bem como assim da posse e uso de bens e instalações próprias para o exercício dessa atividade.
35. O capital garantido, no ano de 2013, era de 1.000.000,00€ (um milhão de euros) em caso de Danos Corporais e/ou materiais por sinistro e por anuidade, mas com as limitações de garantia previstos no art.º 2º das Condições Particulares.
36. Tendo ficado estabelecida uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de 500,00 euros e máximo de 5.000,00. 
37. O 2º réu contratou a sua adesão ao seguro de responsabilidade civil Ordens Profissionais com o número de apólice/adesão 00840593215600000 da seguradora AXA, que entretanto mudou a sua designação para AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pessoa coletiva n.º 503454109, com sede na Rua Gonçalo Sampaio, nº 39, Apartado 4076, 4002-001 PORTO, mediante o que transferiu eventuais suas obrigações de indemnizar com fundamento em responsabilidade civil profissional para a referida seguradora até ao limite de € 600.000,00, com um sublimite, por sinistro, de 300.000,00 euros e é aplicável uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis a cargo do segurado  - Apólice de fls. 157-175.
38. A A. padece de incontinência urinária de esforço de grau II/III, que se tem vindo a agravar com o tempo.
39. A 1ª R. não participou o sinistro à R. Fidelidade
3.1.3.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. Na ocasião referida em 21. o 2º Réu informou a Autora que, caso a biopsia confirmasse a existência de tumor, teria de ser sujeita a uma intervenção cirúrgica. 
b. Na cirurgia foi extraída à A. a glândula supra-renal.  v. consulta técnico-científica de fls. 286-292, quesito 3.
c. Era possível ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor através de nova ressonância magnética. 
d. A realização de uma nova citologia à A., antes da cirurgia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor. 
e. A realização de uma biópsia à A., antes da cirurgia, designadamente por uretroscopia, teria permitido ao 2º R. concluir pela inexistência de tumor. 
f. O 2º Réu nunca explicou à A. a razão pela qual tinha decidido operá-la sem a prévia realização dos mencionados exames, especialmente da biopsia. 
g. Nem a informou relativamente aos riscos que poderiam advir da operação nem acerca das alternativas possíveis de tratamento.
h. Não foi disponibilizado à Autora o “Consentimento Informado”, quer para a Cirurgia quer para a Anestesia.
i. Era possível e aconselhável que a A. fosse operada por intermédio de um meio menos agressivo, a Nefrectomia Laparoscópica.
j. Nas deslocações para a realização das mencionadas consultas e meios de diagnóstico, a Autora despendeu a quantia de 184,32€ (64 km x 8 deslocações x 0,36 €) – custo calculado de acordo com o km legal fixado pelo nº 4, al. a) da Portaria n.º 1533 -D/2008, alterada pelo D.L. Nº 137/2010.
k. E ainda a quantia de 23,04 € (64 km x 0,36) na deslocação de casa para o Hospital e do Hospital para casa por altura da realização da cirurgia.
l. Após a cirurgia e em consequência desta, a A. passou a ter os seus movimentos bastante limitados, tendo deixado de poder realizar diversas tarefas domésticas, como passar a ferro, limpar a casa de banho ou aspirar.
m. Consequentemente, a A. teve necessidade de alargar o horário da mulher-a-dias que, até então, lhe dava assistência nas lides domésticas, durante 8 horas semanais.
n. Assim, após a cirurgia, passou a prestar serviços em casa da A. durante 12 horas por semana.
o. A A. paga 6,00 € por cada hora de serviço, pelo que as suas despesas aumentaram, a esse título, em 96,00 € por mês.
p. Até à data, a A. teve, a título de despesas com o serviço doméstico, um acréscimo de custos de 3.072,00 € (32 meses x 96 €).
q.  
r.
s. Receando também poder vir a falecer durante a intervenção cirúrgica que o 2º Réu lhe comunicou ser necessária para retirar o tumor.
t. O que agravou mais a sua profunda angústia.
u. A partir do momento em que o 2º Réu lhe fez aquela comunicação, a A. passou a ter insónias, estando sempre triste, sem alegria de viver.
v.
w.
x. A A. não conseguia vestir-se ou ministrar a si própria os normais cuidados de higiene diária.
y. A A. não conseguia dormir, devido às dores e às preocupações causadas pela cirurgia.
z. Durante uma semana, após a cirurgia, a A. esteve impossibilitada de sair de casa.
aa. Tudo isso lhe causou abatimento e frustração, profunda tristeza e angústia, tendo frequentes crises de choro.
bb. Acresce que as sequelas de uma nefroctomia tendem a agravar-se com o decurso do tempo e a possibilidade de insuficiência renal, no futuro, é muito maior para quem tem um só rim.
cc. A A. vive permanentemente angustiada com medo de morrer.
dd. O que lhe causa frequentes insónias.
ee. E fez com que a Autora se encontre permanentemente em estado de profundo cansaço, o que lhe dificulta a execução das mais básicas tarefas diárias.
ff. Em consequência da cirurgia, a A. ficou com o sistema imunitário mais frágil, o que fez com que tenha apanhado várias gripes.
gg. A incontinência urinária da A. foi causada pela cirurgia.
hh. Em virtude dessa incontinência, a A. limitou os seus contactos socias e perdeu a alegria de viver.
ii. Sentindo vergonha pela sua condição física.
jj. A circunstância referida em 32c agravou o estado de angústia da autora.
kk. A A. passou a ter dificuldades em confiar nos outros, nomeadamente, nos médicos a que tem que recorrer.

3.2.2. Da responsabilidade dos réus pelo ressarcimento dos danos sofridos pela autora
3.2.2.1. Generalidades
Conforme resulta da leitura da sentença recorrida, o Tribunal a quo enquadrou certeiramente o litígio dos autos no âmbito da responsabilidade civil, por ato médico.
Estre concreto subdomínio da responsabilidade civil acha-se na confluência da responsabilidade extracontratual, consagrada nos art.ºs 483º e segs. do Código Civil, e da responsabilidade contratual, que se rege pelo disposto nos art.ºs. 799º e segs. do mesmo código.
Sobre esta matéria se pronunciaram de forma particularmente eloquente os acs. deste Tribunal e Secção RL 28-09-2021 (Edgar Taborda Lopes), p. 612/17.3T8MTA.L2 e RL 13-10-2020 (Luís Filipe Sousa), p. 1572/13.5TVLSB.L1-7, cuja fundamentação passaremos a acompanhar de perto, por vezes mesmo de forma textual.
Como aponta CARNEIRO DA FRADA[28] “a responsabilidade civil é um instituto jurídico que comunga da tarefa primordial do Direito que consiste na ordenação e distribuição dos riscos e contingências que afectam a vida dos sujeitos e a sua coexistência social”.
Por seu turnbo, acrescenta JOSÉ ALBERTO GONZÁLEZ[29] que a “responsabilidade civil cumpre uma função: obrigar terceiro a proceder à reparação de danos provocados na esfera jurídica do lesado (credor para esse efeito)”.
Qualquer que seja o ponto vista sobre o qual se encare, o direito a ser ressarcido nos quadros da responsabildiade civil depende da verificação dos pressupostos desta.
Interpretando o disposto no art.º 483º do CC, a doutrina dominante tem entendido, de modo convergente, que a responsabilidade civil delitual depende da verificação dos seguintes pressupostos :
a) Um facto - comportamento voluntário do lesante;
b) A ilicitude e a culpa;
c) A imputação do facto ao lesante;
d) O dano; e
e) O nexo de causalidade e adequação entre o facto e o dano.
Por facto deverá entender-se todo o comportamento voluntário ou forma de conduta humana.
A ilicitude poderá resultar, da violação de direito(s) de outrem (máxime direitos absolutos), ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Mas, para uma conduta ser ilícita, a lesão desse direito de tutela erga omnes deve resultar de factos voluntários contrários ao direito.
Quanto à culpa, dispõe o art.º 487º do CC que na falta de outro critério legal, pela ela deve ser aferida pela diligência de um bom pai de família, isto é, pela diligência de uma pessoa sem especiais qualidades, qualificações, ou perícia.
O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios tutelados pela ordem jurídica.
O nexo de causalidade e adequação exprime uma relação de causa e efeito entre a conduta do lesante e o dano sofrido pelo lesado, apreciada não apenas de um ponto de vista naturalístico, mas numa perspetiva jurídica – vd. art.ºs 562º, 563º, e 566º do CC[30].
Estes pressupostos são transponíveis, mutatis mutandis, para o domínio da responsabilidade contratual.
Com efeito, no caso da responsabilidade contratual, o facto consiste na mora, incumprimento definitivo, cumprimento defeituoso ou impossibilidade culposa de uma obrigação, residindo a sua ilicitude desde logo na antinomia entre aqueles e esta – vd. art.ºs 799º e 801º do CC.
Assim, a responsabilidade civil geradora da obrigação de indemnizar será contratual quando resulte de uma relação jurídica de natureza creditícia, e decorra da violação de deveres originados nesse vínculo obrigacional originário; e será extracontratual quando resulte da violação de direitos absolutos ou da prática de actos lícitos ou ilícitos que provoquem danos a outrem.
Os pressupostos da responsabilidade civil são pois bastante semelhantes, quer numa, quer noutra modalidades, divergindo, quanto aos seguintes aspetos:
- ónus da prova da culpa (artigo 799.º, n.º 1 e artigo 487.º, n.º 1, do CC);
- prazos de prescrição (artigo 309.º e artigo 498.º do CC);
- responsabilidade por facto de outrem (artigo 800.º, n.º 1 e artigo 500.º do CC); e
- atenuação equitativa da indemnização em caso de mera culpa (artigo 494.º do CC).[31].
Atenta a semelhança de regimes, a doutrina e a jurisprudência têm admitido a sua conjugação, v.g. nas situações em que os danos ocorram no âmbito da execução de um contrato, mas se consubstanciem na lesão de direitos absolutos do lesado, como são os direitos de personalidade, maxime o direito à integridade pessoal (nas suas vertentes física e psíquica), consagrado nos art.ºs 25º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e no art. 70º, nº 1 do CC – Neste sentido se pronunciaram, entre outros, MENEZES CORDEIRO[32] E MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[33].
3.2.2.2. Da responsabilidade civil por ato médico
No caso dos autos resulta da factualidade provada que a autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica efetuada pelo réu Dr. B, no Hospital da ré Lusíadas, tendo pago a esta última, pela realização de tal operação, a quantia de €9.230,68[34].
Pode por isso concluir-se que a autora terá celebrado com a ré Lusíadas um contrato de prestação de serviços médicos, figura contratual sem regulamentação legal específica, incluída na categoria genérica dos contratos de prestação de serviços - artigo 1154.º do Código Civil - e subordinada às regras supletivas do contrato de mandato, com as devidas adaptações – artigo 1156.º do CC.
Reportando-se à figura do contrato de prestação de serviços médicos diz RUI VOUGA:
“Trata-se, afinal, de um contrato de prestação de serviços médicos autónomo, que, não encontrando a sua regulamentação específica no Cód. Civil, não deixa, ainda assim, de ser um contrato típico, na medida em que a sua tipicidade resulta não da lei, mas do simples facto da sua existência na sociedade enquanto categoria jurídica autónoma.”[35]
A esta luz, a pretensão indemnizatória manifestada pela autora pode ser apreciada nos quadros da responsabilidade contratual.
E muito embora tal pretensão convoque também elementos fortemente conexionados com a responsabilidade extracontratual (desde logo por a mesma assentar na invocação a violação de direitos absolutos, como o direito à integridade pessoal), o certo é que se justifica que iniciemos a análise do mérito da presente causa sob o prisma da responsabilidade contratual, dado que o mesmo é claramente mais favorável à autora, seja no que respeita ao ónus da prova da culpa (art.º 799º do CC), seja quanto ao regime da responsabilidade por atos dos representantes legais ou auxiliares (no caso do réu Dr. B – art.º 800º do mesmo código).  Neste sentido cfr. acs. STJ 02-06-2015 (Mª Clara Sottomayor), p. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, e STJ 07-03-2017 (Gabriel Catarino), p. 6669/11.3TBVNG.S1.
O ponto de partida desta apreciação é o incontornável art.º 799º do CC, que estabelece que “o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”. Este preceito convoca desde logo, a necessidade de determinar o conceito de falta de cumprimento da obrigação.
No que respeita à concretização conteúdo da prestação a cargo do médico no contexto da responsabilidade civil contratual decorrente do incumprimento de um contrato de prestação de serviços médicos, haverá que considerar, desde logo, as normas contidas em convenções internacionais subscritas pelo Estado Português, nomeadamente a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, celebrada em Oviedo em 1997, e habitualmente conhecida como Convenção de Oviedo[36], cujo art.º 4º estabelece que “Qualquer intervenção na área da saúde, incluindo a investigação, deve ser efetuada na observância das normas e obrigações profissionais, bem como as regras de conduta aplicáveis ao caso concreto”.[37]
Relevam igualmente as disposições constantes da Lei de Bases da Saúde vigente à data dos factos[38].
Finalmente, diremos que o conteúdo qualitativo da prestação médica se concretiza-se também em função das concretas cláusulas contratuais acordadas, mas em estreita conjugação com os regulamentos técnicos e deontológicos aplicáveis, a começar pelo Regulamento de Deontologia Médica[39], da Ordem dos Médicos.
Como sublinha J. A. ESPERANÇA PINA[40], tais regulamentos são fruto de uma milenar tradição, apontando-se como exemplos mais memoráveis o Código de Hamurabi (1000 a.c.), os Conselhos de Esculápio (1120 a.c.?), o Juramento de Hipócrates (460 a.c), o Juramento de Asaph (século VI), a Oração de Maimónides (século XII) e a Declaração de Genebra (1948).
Nos termos do disposto no art.º 5.º do mencionado Regulamento de Deontologia da Ordem dos Médicos “o médico que aceite o encargo ou tenha o dever de atender um doente obriga-se à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo sempre com correcção e delicadeza, no intuito de promover ou restituir a saúde, conservar a vida e a sua qualidade, suavizar os sofrimentos, nomeadamente nos doentes sem esperança de cura ou em fase terminal, no pleno respeito pela dignidade do ser humano”.
Por outro lado, dispõe o art.º 4º, nº 1 do mesmo Regulamento que “O médico deve exercer a sua profissão de acordo com as leges artis com o maior respeito pelo direito à saúde das pessoas e da comunidade.”[41]
Como refere GILBERTO FREYRE, “o médico moderno tem de lidar quase sempre com uma dinâmica da doença que quase nunca é puramente biológica, por um lado, ou puramente sociológica, por outra, nem sequer apenas a «biodinâmica» (…), porém, quase sempre, uma dinâmica mista, biossocial, impondo-se assim, na consideração de tal dinâmica, uma perspectiva complexamente biossocial, e o mais possível, unificada”. E esta dinâmica mista cria, para o médico, problemas “impossíveis de serem resolvidos, através de uma medicina para o qual o doente exista apenas ou simplesmente como indivíduo biológico; e a doença, invariavelmente, como distúrbio apenas ou simplesmente orgânico, físico ou físico-químico ou bio-químico ou hereditário. E se tal reorientação se impõe no caso da terapêutica, ainda mais se impõe no caso da medicina que se especialize em proteger preventiva e profilaticamente a saúde pública, ampliar a acção protectora da higiene, concorrer para o chamado bem-estar social”[42].
Como refere JOÃO LOBO ANTUNES[43], a prestação profissional do médico deve assentar nos seguintes princípios:
“1. Ter um suporte ético específico, que no caso da medicina implica altruísmo, compaixão, integridade, verdade e competência técnica, coo valores igualmente respeitáveis, e isto não deve colidir com os interesses da gestão;
2. Afirmar os seus valores, explicitando claramente as regras que os regem;
3. Participar como parceiro social independente e reconhecido como tal.
O contrato tácito que fizemos com a sociedade que nos deu a liberdade de actuar como profissionais é fundamentalmente moral e supõe, para lá do contínuo aperfeiçoamento científico e técnico, uma reflexão ética correlativa”.
Nesta base, a prestação profissional do médico assenta, em primeiro lugar, no dever de prestar os melhores cuidados, restituir ou promover a saúde ao/à paciente, suavizar-lhe o sofrimento e prolongar-lhe a vida.
Esta obrigação tem sido qualificada, pela jurisprudência maioritária, como uma obrigação de meios, visto que o médico estará obrigado a desenvolver a sua atividade, prudentemente e com diligência, visando um determinado objetivo, sem que lhe seja exigível a obtenção de um concreto resultado – Vd., entre outros, os acs. RP 17-03-2017 (Jorge Seabra), p. 7053/12.7TBVNG.P1; RG 14-01-2021 (Cristina Cerdeira), p. 304/17.3T8BRG.G2; e STJ 07-03-2017 (Gabriel Catarino), p. 6669/11.3TBVNG.S1.
Contudo, o STJ já admitiu a qualificação de tal obrigação como obrigação de resultado relativamente a cirurgias com uma probabilidade de insucesso ínfima [vd. acs. STJ 23-03-2017 (Tomé Gomes), p. 296/07.7TBMCN.P1.S1 e STJ 29-03-2022 (Mª Clara Sottomayor), p. 640/13.8TVPRT.P2.S1], ou no tocante a determinados aspetos da mesma cirurgia [ac. STJ 15-12-2020 (Ricardo Costa), p.  765/16.8T8AVR.P1.S1].
Neste contexto releva o conceito de diligência exigível que, nas palavras de MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA[44], constitui a “pedra de toque da responsabilidade por acto médico, que é, essencialmente uma responsabilidade subjectiva, pela violação de deveres de meios. (…) A negligência resulta de uma ofensa ao padrão de conduta profissional de um médico satisfatoriamente competente, prudente, e informado. As rotinas médicas e as leges artis auxiliam à concretização. O juízo correspondente deve ser temporalmente referido: além de não ser uma ciência exacta, a medicina está sujeita a um processo de evolução e aperfeiçoamento permanentes”.
A distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado tem ocupado a doutrina que se debruçou sobre este tema[45] e muito embora se afigure útil na compreensão do problema da responsabilidade médica, a sua utilidade prática nem sempre é evidente.
Como sustenta MENEZES CORDEIRO[46], “A contraposição entre prestações de conduta e de resultado acaba, assim, por ser linguística: tudo está em saber qual foi a fórmula usada na fonte (normalmente, no contrato) de onde promane a obrigação em jogo e quais as consequências porventura daí resultantes, a nível de regime.”
Com efeito, já MANUEL GOMES DA SILVA[47] rotulava tal distinção de “fracasso”, sublinhando que mesmo nas obrigações de meios se verifica a vinculação a um fim (o interesse do credor), e que não se alcançando o mesmo, sempre se presume a culpa do devedor.
Em sentido semelhante observa LUÍS MENESES LEITÃO[48] que “em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é sempre a uma conduta (a prestação), e o credor visa sempre um resultado, que corresponde ao seu interesse (art.º 498.º, n.º 2). Por outro lado, ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a prestação (art.º 342.º, n.º 2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art.º 799.º), sem o que será sujeito a responsabilidade. Não parece haver assim base no nosso direito para distinguir entre obrigações de meios e obrigações de resultado”
Na mesma linha regista CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA[49] que a “distinção acaba pois por ser fonte das confusões ou imprecisões que pretenderia evitar, pelo que é preferível renunciar a ela e estabelecer o elenco adequado dos deveres, principais e acessórios, que incidem sobre o médico ou a unidade privada de saúde. O conceito de ‘obrigação de meios’ poderá gerar afinal uma ideia injustificada de responsabilidade diminuída. Colocada no âmbito adequado, como consequência da violação da obrigação de tratar, a responsabilidade contratual do médico não deve ser colocada em plano de exigência menor do que o correspondente a qualquer outra obrigação”
Finalmente assinala NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA[50] que “Evitando-se, como estamos convencidos de que deverá evitar-se, a contraposição entre as obrigações de meios e de resultado, há--de distinguir-se dois tipos de prestações.
Em primeiro lugar, há prestações de conteúdo definido ou determinado, em que o devedor está adstrito à realização de factos que estão “especificadamente indicados no contrato ou na lei”, e, em segundo lugar, há prestações de conteúdo indefinido ou indeterminado, em que o devedor se encontra adstrito à prestação de factos que não estão especificadamente indicados. Estando em causa prestações de conteúdo indeterminado, o contrato e/ou a lei determinam o fim da prestação e o devedor há-de determinar os meios adequados para o realizar, ou seja: determinar o conteúdo da prestação. O caso da obrigação do médico é o caso paradigmático, e porventura o caso paradigmático, de uma prestação de conteúdo indefinido. Ora o conteúdo das obrigações de conteúdo indefinido ou indeterminado determina-se por remissão para o conceito de cuidadoou de diligência - em obrigações de conteúdo indefinido, o devedor está, sempre e só, adstrito à mais elevada medida de cuidado exterior”.
Porém, mantêm-se atuais as palavras de ANTUNES VARELA[51], quando sublinha que “Nas obrigações de meios não bastará (…) a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação, para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão.”
À luz destas considerações podemos então afirmar que no contexto da responsabilidade civil por ato médico o preenchimento do pressuposto ou requisito da ilicitude consiste na violação de deveres profissionais do médico (por ação ou omissão).
No caso específico da violação das leges artis, a mesma decorre da desconformidade objetiva entre os atos realizado e os que, à luz dos conhecimentos técnicos e as melhores práticas da ciência médica à data, seriam devidos.
Como referem LUIS MARTINEZ E CALCERRADA Y GOMEZ[52], a Lex artis ad hoc (no plural abreviado, leges artis) “é o critério valorativo da correcção de um concreto acto médico executado por um profissional da medicina(ciência ou arte médica) – que tem em conta as principais características do seu autor, da profissão, da complexidade e transcendência do próprio acto, do estado ou da intervenção do doente, dos seus familiares e da própria organização sanitária – destinado a qualificar o referido acto como conforme ou não com a técnica normal requerida”.
Por isso salienta GERMANDO DE SOUSA que a violação das leges artis constitui uma “conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida do doente”[53].
A inobservância das leges artis poderá decorrer de imperícia, imprudência, desatenção, negligência ou inobservância dos regulamentos, ou da conjugação de dois ou mais destes fatores.
Como explica MARIANO YZQUIERDO TOLSADA[54] “La falta de perícia consistirá en una inicial ineptitud para una concreta obligación”, ou seja, a imperícia traduzida consiste na falta dos conhecimentos técnicos adequados ou derivada uma inadequada preparação, consistindo em fazer mal o que deveria - de acordo com as legis artis - ser bem feito, sendo que não deve nunca o médico ultrapassar os limites das suas qualificações e competências (artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento de Deontologia Médica da Ordem dos Médicos).
A imprudência, por seu turno consiste em fazer o que não deveria ser feito (artigos 10.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, 7.º, n.º 2 e 5.º, do Regulamento de Deontologia Médica da Ordem dos Médicos).
Conforme afirma MARIANO YZQUIERDO TOLSADA[55] “Siendo la actividad diligente el auténtico objeto de la obligación de medios, es la culpa, y no el error, lo que genera el incumprimiento”.
A questão que se coloca pertinentemente será sempre a da definição do já aqui referido padrão de diligência exigível ao médico.
E a exigibilidade está intrinsecamente ligada à culpa, a qual consiste num nexo de imputação do ato ilícito ao agente, em que não há previsão ou aceitação do resultado antijurídico.
O ato ilícito será imputável ao agente porque ele deveria ter atuado por molde a evitá-lo, usando da diligência adequada.
Neste contexto, a doutrina e a jurisprudência têm entendido, de modo uniforme, que demonstrada a violação das leges artis, opera a presunção de culpa a que se reporta o art.º 799º do CC – Cfr. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA[56], MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[57], ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR[58], JAVIER FERNANDEZ COSTALES[59], bem como os acs. STJ 01-10-2015 (Mª dos Prazeres Beleza), p. 2104/05.4TBPVZ.P.S1, STJ 28-01-2016 (Mª da Graça Trigo), p. 136/12.5TVLSB.L1.S1; STJ de 23-03-2017 (Tomé Gomes), p. 296/07.7TBMCN.P1.S1; e STJ 15-12-2020 (Ricardo Costa), p. 765/16.8T8AVR.P1.S1.
 Porém, o objeto de tal presunção não é o cumprimento defeituoso em si mesmo, mas apenas a culpa do cumprimento defeituoso – vd. acs. STJ 18-09-2007 (Alves Velho), p. 07A2334; STJ 16-09-2009 (João Camilo), p. 287/09; STJ 13-09-2011 (João Camilo), p. 10527/07; STJ 11-06-2013 (Salreta Pereira), p. 544/10.
Operando a presunção de culpa caberá ao médico demonstrar a conformidade entre a sua conduta efetivamente observada e a atuação que lhe era exigível. Como refere VERA LÚCIA RAPOSO[60], o médico terá que «demonstrar que atuou de forma diligente, exatamente como atuaria um qualquer outro médico naquela mesma situação, porque é sobre a diligência da sua conduta (ou a falta dela) que recai a presunção».
Não será suficiente a mera sugestão de explicações alternativas para a ocorrência do dano, mas também não se exige ao médico a demonstração da real causa do mesmo.
Por isso acrescenta a mesma autora que ““Basta que o réu ofereça uma explicação excludente do dano simultaneamente congruente com a sua conduta diligente”[61].
A responsabilidade médica resulta também excluída se se demonstrar que o dano se deve a caso fortuito ou de força maior.
Como refere ALMEIDA COSTA[62], “O caso fortuito patenteia o desenvolvimento de forças naturais a que se mantém estranha a acção do homem (…) Ao lado deles, o caso de força maior consiste num facto de terceiro, pelo qual o devedor não é responsável (…)
(…) o conceito de caso de força maior tem subjacente a ideia de inevitabilidade: será todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenido, não se pôde evitar, nem em si mesmo, nem nas suas consequências. Ao passo que o conceito de caso fortuito assenta na ideia de imprevisibilidade: o facto não se pôde prever, mas seria evitável se tivesse sido previsto.”
Atenta a complexidade do organismo humano e a circunstância de cada pessoa ser diferente das demais e nessa medida única, em medicina as probabilidades da verificação de situações qualificáveis como caso fortuito são mais elevadas do que em outras atividades humanas.
Como sublinhou o ac. 15-12-2011 (Gregório Silva Jesus), p. 209/06.3TVPRT.P1.S1, apesar do progresso técnico-científico da medicina, subsiste ainda uma álea significativa: «A medicina progrediu imenso, mas a variedade das doenças, a sua evolução, a particularidade, genética ou não, de cada doente e outros fatores, determinam que se lide sempre em termos de probabilidade de ser alcançado o fim pretendido; nuns casos com mais probabilidade, noutros com menos, mas sempre probabilidade.»
Por isso mesmo registou o ac. STJ de 24-05-2011 (Hélder Roque), p. 1347/04, que cumpre delimitar uma certa margem de risco tolerado ao ato médico, admitindo hipóteses de erro excusável, aquele que recai no âmbito da denominada falibilidade médica, ou seja, que decorre da imperfeição dos conhecimentos científicos para a mediana cultura médica.
Seja como for, para afastar a responsabilidade médica não é suficiente a mera demonstração de que, na sequência de um determinado tipo de cirurgia, numa reduzida percentagem de casos se verificam determinadas sequelas no paciente (percentagem racional de risco típico), na medida em que uma tal estatística nada esclarece sobre a medida em que o resultado danoso é imputável a uma deficiente aplicação da técnica cirúrgica. Por isso, em tais circunstâncias haverá sempre que apurar a causa efetiva das mencionadas sequelas.
3.2.2.3. O caso dos autos
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a autora foi submetida a intervenção cirúrgica, da qual resultou a extração de um rim[63], tendo essa cirurgia sido determinada pelo diagnóstico de tumor maligno (cancro) no rim e órgãos urinários (exceto bacinete)[64], sendo certo que após a referida cirurgia se veio a apurar que o rim da autora não padecia do anteriormente diagnosticado tumor maligno[65].
A referida cirurgia foi, portanto, determinada por um diagnóstico errado, podendo por isso concluir-se que a mesma se veio a revelar desnecessária, sendo certo que tendo resultado na extração de um rim, as consequências de tal erro estão longe de se poderem qualificar como despiciendas ou de pouca monta.
Cumpre, pois, aferir se esse erro de diagnóstico deve ser imputado ao desempenho profissional do 2º réu, Dr. B, nomeadamente se tal erro decorre da violação das leges artis.
Importa também ter presente que a aferição da violação das leges artis se deve balizar em função da causa de pedir da presente ação, tal como delimitada pela autora na petição inicial, de acordo com o ónus da alegação que sobre a mesma impendia (art.º 5º do CPC).
No caso vertente, a autora sustentou a ilicitude e culpa inerente à conduta do réu Dr. B nos seguintes argumentos:
a) A violação do seu direito à informação, resultante da circunstância de a referida cirurgia ter sido realizada sem que tenha sido previamente informada, de forma suficiente, acerca da sua situação clínica e das possíveis alternativas de diagnóstico e tratamento[66];
b) A violação das leges artis, decorrente:
a. Do facto de na cirurgia não ter sido utilizada a técnica menos invasiva (a nefrectomia laparoscópica), técnica essa que lhe teria causado menos dor e sofrimento, bem como cicatrizes menores[67];
b. Da circunstância de antes da operação não terem sido repetidos meios de diagnóstico, nomeadamente exames imagiológicos e biópsia, e porque no decurso da cirurgia também não foi realizado exame intraoperatório, a saber, biópsia[68].
Quanto ao primeiro argumento invocado, diremos que o mesmo se sustenta na violação do princípio do consentimento informado, consagrado, desde logo no art.º 3º, nº 2. al. a) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na al. e) do nº 1 da Base XIV da já citada Lei de Bases da Saúde. Com efeito, estabelece o primeiro preceito que “No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente, (…) o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei” dispondo o segundo que “os utentes têm direito a (…) ser informados da sua situação, as alternativas possíveis de tratamento, e a avaliação provável do seu estado”.
E, como vem decidindo o STJ, a violação das obrigações de informação supra aludidas pode constituir o médico e/ou o hospital na obrigação de indemnizar o paciente – Vd. acs. STJ 02-06-2015 (Mª Clara Sottomayor), p. 1263/06.3TVPRT.P1.S1; STJ 07-03-2017 (Gabriel Catarino), p. 6669/11.3TBVNG.S1; STJ 22-03-2018 (Mª da Graça Trigo), p. 7053/12.7TBVNG.P1.S1; STJ 08-09-2020 (Mª João Vaz Tomé), p. 148/14.4TVLSB.L1.S1; e STJ 14-12-2021 (Isaías Pádua), p. 711/10.2TVPRT.P1.S1,
Relativamente a este argumento verificamos que não resultaram provados os seguintes factos[69]:
- O 2º Réu nunca explicou à A. a razão pela qual tinha decidido operá-la sem a prévia realização dos mencionados exames, especialmente da biopsia. 
- Nem a informou relativamente aos riscos que poderiam advir da operação nem acerca das alternativas possíveis de tratamento.
- Não foi disponibilizado à Autora o “Consentimento Informado”, quer para a Cirurgia quer para a Anestesia.
Não ficou, pois, demonstrada a invocada violação do direito à informação.
Por outro lado, no tocante à invocada omissão da utilização de técnica operatória menos invasiva, menos dolorosa, e esteticamente menos deformante, verifica-se não resultou provado que fosse possível e aconselhável que a autora fosse operada por intermédio de um meio menos agressivo, a Nefrectomia Laparoscópica.[70]
Finalmente, e no tocante à omissão da repetição de exames, verificamos que resultou provado que a cirurgia a que se reportam os presentes autos, e que teve lugar em 28-08-2013 foi antecedida dos seguintes exames:
- Citologia esfoliativa, em 21-07-2013;[71]
- Ecografia renal e vesical, em 23-07-2013;[72]
- Tomografia Axial Computorizada (TAC), em 23-07-2013[73];
- Ressonância Magnética (RM) em 01-08-2013;[74]
- Citologia esfoliativa, em 08-08-2013[75];
Por outro lado, resultou também provado que por decisão do réu Dr. B a autora não foi submetida a biópsia prévia à cirurgia[76], e que após a realização da ressonância magnética realizada em 01-08-2013 e antes da intervenção cirúrgica, a autora não foi submetida a qualquer outro exame imagiológico, nomeadamente ressonância magnética[77].
Ficou assim assente que o único exame que a autora repetiu, antes de realizar a cirurgia, foi a citologia, não tendo realizado uma segunda TAC, nem uma segunda RM, nem sequer uma biópsia (cuja realização o réu chegou a anunciar à autora, em 19-08-2013[78], mas que mais tarde optou por não realizar[79]).
Contudo, e como já referimos, a invocada violação das leges artis decorrente da omissão destes meios de diagnóstico assentava no pressuposto de que os mesmos teriam permitido ao réu Dr. B concluir pela inexistência do tumor diagnosticado à autora[80].
Contudo, tal pressuposto não resultou provado, seja quanto à ressonância magnética[81], seja relativamente à nova citologia[82], seja ainda no que respeita à biópsia[83].
Não se tendo demonstrado tais circunstâncias, não pode concluir-se que a omissão daqueles exames configure uma violação das leges artis.
Em consequência, conclui-se que não ficaram demonstrados os pressupostos da ilicitude e da culpa, que constituem elementos integradores da causa de pedir complexa das ações fundadas na responsabilidade civil.
Não se demonstrando tais pressupostos, conclui-se pela improcedência da ação relativamente ao réu Dr. B.
Quanto aos demais réus, a responsabilidade destes dependeria da responsabilidade do Dr. B, na medida em que responsabilidade da ré Lusíadas, S.A. se fundava no art.º 800º do CC, e as responsabilidades das rés seguradoras decorriam dos contratos de seguro celebrado com os dois primeiros, dependendo por isso da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil relativamente aos mesmos.
Assim sendo, improcedendo a ação relativamente ao Dr. B, improcede necessariamente também quanto aos demais réus.
Fica por isso prejudicada a apreciação da exceção de exclusão invocada pela ré Fidelidade.
Termos em que se conclui pela total improcedência da presente apelação.
3.2.3. Das custas
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
No caso dos autos, face à total improcedência da presente apelação, é inegável que a apelante decaiu totalmente, devendo por isso suportar a totalidade das custas do presente recurso.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes nesta 7ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 24 de janeiro de 2023
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa

_______________________________________________________
[1] Pessoa coletiva nº (...).
[2] Pessoa coletiva nº (...).
[3] Pessoa coletiva nº (...).
[4] Neste sentido cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, pp. 114-117
[5] Vd. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119
[6] Tumor.
[7] Procedimento no qual se colhe uma amostra de tecidos ou células para posterior estudo em laboratório.
[8] Ob. cit., p. 165, e nota de rodapé n.º 267.
[9] Sublinhado da nossa responsabilidade.
[10] Sublinhado nosso.
[11] ob. cit., p. 165.
[12] Se bem que na inversa.
[13] Note-se que mesmo quando se entenda que determinado facto provado deve ser considerado integralmente não provado, ou vice-versa, há sempre uma proposição de facto alternativa: neste caso, não está apenas em causa a supressão de um ponto do elenco de factos provados, mas também o aditamento de um ponto, de teor idêntico ao impugnado, ao elenco de factos não provados.
[14] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166.
[15] Vd. art.ºs 7 a 14 das alegações, e conclusões 1 e 2.
[16] Sendo certo eu a Fidelidade, S.A. se limitou a impugnar o mesmo por desconhecimento.
[17] Que tem o seguinte teor: “Art.º 43º da p.i.: Era obviamente inútil a sujeição da paciente a uma nova avaliação imagiológica, designadamente ressonância magnética, em face da inconclusividade dos exames anteriores dessa natureza e do positivo resultante da citologia esfoliativa urinária realizada pelo Dr. Pedro Soares de Oliveira”.
[18] Constante de fls. 37 v.. Vd. tb. ponto 18 dos factos provados.
[19]  “Direito Processual Civil Declaratório”, III, Almedina, 1982, pp. 268-269.
[20] Embora o STJ ressalve o entendimento de que idêntica norma se deve extrair do art.º 607.º, nº 4 do CPC2013.
[21] Sobre a mesma matéria, mas fazendo eco de leituras diversas do art.º 607º, nº 4 do CPC, vd. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, e LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, 2018, pp. 720-722.
[22] Blog do IPPC, entrada de 05-02-2018, intitulada “Jurisprudência (784), disponível em  https://blogippc.blogspot.com/2018/02/jurisprudencia-784.html.
[23] Cr. Refª 21555770, de 17-01-2019, fls. 273-278, 2º vol.
[24] Vd. art.º 86 da contestação do réu Dr. Ruah.
[25] Vd. ponto 29. dos factos provados.
[26] Tumor.
[27] Procedimento no qual se colhe uma amostra de tecidos ou células para posterior estudo em laboratório.
[28] “Uma «terceira via» no Direito da Responsabilidade Civil?”, Almedina, 1997, página 15.
[29] “Responsabilidade Civil”, 2ª edição, Quid Juris, 2009, páginas 14-15.
[30] Cfr., ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp. 760 ss.
[31] Cfr. NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, “Tópicos sobre a distinção entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual”, in Estudos em comemoração dos vinte anos da Escola de Direito da Universidade do Minho, Coimbra Editora, 2014, pp. 513-526; e FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, “Traços distintivos e sinais e contacto entre os regimes da responsabilidade civil contratual e extracontratual. O caso particular da responsabilidade civil médica [II]”, in Lex Medicinae. Revista portuguesa de direito da saúde, ano 12.º, 2015, pp. 25-54).
[32] “Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais”, LEX, 1999, pp 491-492.
[33] “Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação – Estudos Sobre a Dogmática da Pretensão e do Concurso de Pretensões”, Almedina, 1988, pp. 136 ss., e 313 ss.).
[34] Cfr. pontos 25, e 29 dos factos provados.
[35] “A responsabilidade médica”, in Responsabilidade civil profissional, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2017, pp. 9-178, disponível no seguinte endereço: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_ResponsabilidadeProfissional.pdf.
A citação é da p. 76.
[36] Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 03-01; e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 1/2001, de 03-01. Esta convenção vigora na ordem jurídica nacional desde 01-12-2001.
[37] Sobre esta Convenção vd. Rui Nunes, in “Direitos do Homem e Biomedicina”, Universidade Católica Editora, 2003, pp. 55-72)
[38] Lei nº 48/90, de 24-08. Este diploma foi revogado e substituído pela Lei nº 95/2019, de 04-09.
[39] Diário da República, 2.ª série, n.º 139, de 21-07-2016.
[40] “A Responsabilidade dos Médicos”, LIDEL-edições técnicas, 1984, pp. 17-24.
[41] Acentuado nosso.
[42] “Sociologia da Medicina”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967, p. 92.
[43] “A profissão de médico”, in Memórias de Nova Iorque e Outros Ensaios, Gradiva, 2002, página 249.
[44] “Direito Civil-Responsabilidade Civil, O Método do Caso”, Almedina, 2010, páginas 115 e 116.
 [45] RUTE TEIXEIRA PEDRO, “A Responsabilidade Civil do Médico-Reflexões sobre a noção de perda de chance e a tutela do doente lesado”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito Biomédico, Coimbra Editora, 2008, pp. 90-102.
[46] Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, Tomo I, 2009, Almedina, página 446).
[47]O dever de prestar e o dever de indemnizar”, Vol. I, Lisboa, 1944, pp. 206 e 238 ss.
[48] “Direito das Obrigações”, Vol. I, Almedina, 2000, pp 124-125.
[49] “Os contratos civis de prestação de serviços médicos”, in Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, pp 75-120 (11-112).
[50] “Ilicitude e Culpa na Responsabilidade Médica”, (I) Materiais para o Direito da Saúde, n.º 1 · 2019, pp. 100-101. Vd. tb. RUI TORRES VOUGA, ob. cit., pp. 79 e 88-105.
[51] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., Almedina, 1999, p. 101.
[52] Citados por ÁLVARO DA CUNHA GOMES RODRIGUES, in Responsabilidade Médica em Direito Penal-Estudo dos pressupostos sistemáticos, Almedina, 2007, p. 5.
[53] “Negligência e erro médico”, in Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 6/99, nov.-dez. 1999, p. 13.
[54], “La responsabilidad civil del profissional liberal-Teoria General”, Reus, SA., 1989, pp. 284-286.
[55] Ob. cit., p. 297.
[56] “O ónus da prova na responsabilidade civil médica”, in DataVenia, ano 3 (2015), n.º 4, pp. 345-380, disponível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao08/datavenia08_p005_024.pdf
[57] “Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica”, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, pp. 123-144
[58] “A responsabilidade civil do médico”, Coletânea de Jurisprudência, 1978, t 1, pp 335-355.
[59] “El contrato de servicios médicos”, Civitas, 1988.
[60] “Do Ato Médico ao Problema Jurídico”, Almedina, 2013, p. 98.
[61] Ob. cit., p. 142.
[62] “Direito das obrigações”, 12ª ed. (8ª reimpressão), Almedina, 2020, pp. 1073-1074. 
[63] Pontos 25., 26., e 27. dos factos provados.
[64] Ponto 25ª. dos factos provados.
[65] Ponto 28. dos factos provados.
[66] Art.ºs 55º, 113º e 114º.
[67] Art.ºs 62º e 63º da petição inicial.
[68] Art.ºs 43º a 57º,
[69] Al.s f., g., e h. dos factos provados.
[70] Al. i dos factos não provados.
[71] Ponto 13 dos factos provados.
[72] Ponto 16 dos factos provados.
[73] Ponto 17 dos factos provados.
[74] Ponto 18 dos factos provados.
[75] Ponto 19 dos factos provados.
[76] Ponto 24 dos factos provados.
[77] Ponto 24ª dos factos provados.
[78] Ponto 20 dos factos provados.
[79] Ponto24 dos factos provados.
[80] Vd. art.ºs 43º a 45º, 48º a 50º, 56º, 57º, 117º, 118º, e 125º, todos da petição inicial. 
[81]Al. c. dos factos não provados.
[82] Al. d. dos factos não provados.
[83] Al. e. dos factos não provados.