EMBARGOS DE EXECUTADO
NULIDADE DA DECISÃO
ALIMENTOS A FILHO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário


A decisão proferida pelo Conservador do Registo Civil, no âmbito de um processo de divórcio por mutuo consentimento, de homologação do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais do filho menor, constituiu titulo executivo quanto á obrigação de alimentos, por que tal decisão produz os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria (cfr. art.ºs 1776º n.º 3 do CC, art.º 17º n.º 3 DL 272/2001, de 13 de Outubro e n.º 6 do art.º 274º A do CRegisto Civil) e sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação – a prestação de alimentos – pelo que não pode deixar de ser considerada sentença condenatória e assim integrar a alínea a) do n.º 1 do art.º 703º do CPC.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 05.01.2022. AA intentou processo de execução contra BB, constando do requerimento executivo, o seguinte:

“1) O Exequente nasceu a .../.../2003 e é filho de BB e CC.
2) Os pais do exequente contraíram casamento entre si em 7.11.2002, tendo-se divorciado por mútuo consentimento, em 10.11.2005, na Conservatória do Registo Civil ... - Processo de Divórcio por mútuo consentimento nº 17/2005 - cfr. documento nº ... que ora se junta.
3) Do casal constituído pelos pais do exequente existia um filho menor (o exequente) sobre cujo acordo do exercício das responsabilidades parentais se pronunciou favoravelmente o Ministério.
4) No âmbito do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais - cfr. mesmo documento nº ... - foi acordado, além do mais, que o pai contribuiria com a quantia mensal de 175,00€ a título de alimentos, com início no mês de novembro de 2005, a pagar à mãe até ao dia 8 de cada mês, por depósito bancário para a conta nº ...91 da Banco 1....
5) Mais convencionaram que, a mensalidade devida a título de alimentos seria atualizada anualmente “de acordo com o índice de aumento do salário mínimo nacional; operando-se o aumento no mês de janeiro”, verificando-se a primeira atualização em janeiro de 2006.
6) A pensão atual é, então, de 310,40€.

Sucede que,
7) O executado não atualizou o valor da pensão de alimentos no ano de 2006 e 2007, tendo nos anos subsequentes, até ao presente, pago os valores que bem lhe aprouve, conforme quadro explicativo infra:
(…)
Total: 10.217,04
8) Pelo que, é devedor da quantia global de 10.217,04€ relativa às diferenças entre as pensões de alimentos devidas e os valores que o progenitor efetivamente pagou nos anos de 2016 a 2021.
9) Restando ao exequente o recurso à via judicial para esse efeito.

Sem prescindir,
10) O tribunal é competente - artigo 123º, nº 1 al. e) da Lei 62/2013, de 26.08.
11) A certidão que ora se junta como documento n.º ... constitui título executivo conquanto as decisões do conservador no âmbito dos processo previstos no capítulo III do Decreto Lei 272/2001 de 13.10, produzem os mesmos efeitos que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria (artigo 17º, nº 4).”
12) Dá-se por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais o documento junto com o presente requerimento.”

*
Com o requerimento executivo juntou:
- certidão da Acta de Conferência realizada a .../.../2005 no processo de Divórcio por mutuo consentimento n.º 17/2005, da Conservatória do Registo Civil ..., onde consta, no que ora releva:
“Proc. ...05 Divórcio por mútuo consentimento
(…)
Decisão
BB e DD requereram de comum acordo a dissolução do seu casamento, por divórcio (…)
Estando assim preenchidos os pressupostos legais, declaro o pedido procedente como determina o n.º 5 do citado arrt.º 12º
Os requerentes (…) estão de acordo quanto ao exercício do poder paternal do filho AA.
(…)
Pelo exposto e atendendo às normas contidas nos artigos 1775º, 1778º e 1778º A do Código Civil e n.º 3 do artigo 14º do mencionado Decreto-Lei, homologo o acordo entre ambos firmado, quanto ao exercício do poder paternal e decreto o divórcio entre BB e DD, dissolvendo o casamento.
(…)”

- certidão do “Acordo de Regulação do poder paternal relativo ao menor AA”, onde consta, além do mais:
“(…)
7º - O pai do menor contribuirá a titulo de alimentos para o menor com a quantia de € 175 (cento e setenta e cinco euros) com inicio no mês de Novembro de 2005.
(…)
10º - O montante dos alimentos será actualizado de acordo com o índice de aumento do Salário Mínimo nacional; operando-se o aumento no mês de Janeiro de cada ano, dando-se o primeiro deles em 2006.”

O executado deduziu embargos de executado invocando, em síntese e no que releva á economia do recurso, que:
- a execução não tem suporte em título executivo, pelo que o requerimento inicial deveria ter sido indeferido liminarmente nos termos do disposto n.º 1 e al. a), b), c) do art. 726º do CPC;
- o executado não foi interpelado para aumentar a pensão, uma vez que sempre pagou o acordado referido supra, além de metade das despesas do menor, não fazendo pelo exposto qualquer sentido, o exequente na presente data, requerer uma atualização com efeitos retroativos, uma vez os pagamentos recebidos terem sido expressamente aceites;
- por esse motivo, o meio processual devido era o recurso à alteração da regulação do poder paternal, por forma a requerer a alteração ou revisão da pensão de alimentos, a atribuir em função da capacidade financeira do pai, o que não foi efetuado, e o presente meio processual se afigura indevido, uma vez que o título executivo, in casu, o acordo de regulação de poder paternal assinado entre a mãe do menor e o executado, não prevê tal possibilidade, uma vez que os aumentos requeridos são simplesmente inexequíveis, uma vez que jamais o executado teve possibilidades de pagar a quantia de 225,00€ a partir do ano 2011;
- deveria o exequente requerer a atribuição de uma nova pensão de alimentos, a fixar de acordo com as possibilidades financeiras do executado;
- utilizou, consequentemente, o exequente, o meio processual indevido, uma vez que deveria interpor por apenso ao processo de regulação do poder paternal, a atribuição de uma nova pensão alimentar, uma vez que não restam dúvidas que o índice constante do acordo celebrado pelos seus pais, não é exequível, uma vez que jamais o executado irá conseguir pagar uma pensão de alimentos de 310,21€ mensalmente.

O exequente contestou dizendo, em síntese, que:
- a presente execução, como referido no requerimento executivo, tem por título certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil ..., cuja reproduz a decisão proferida em .../.../2005 no processo de divórcio por mútuo consentimento que dissolveu o casamento do executado/ embargante e a da mãe do exequente;
- tal certidão constitui título executivo conquanto as decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo III do Decreto Lei 272/2001 de 13.10 produzem os mesmos efeitos que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria (artigo 17º, nº 4);
- o título dado à execução inclui a obrigação do pagamento da prestação alimentícia, o valor e a periodicidade do seu pagamento, o modo de pagamento e a actualização do valor;
- o embargante e a mãe do exequente salvaguardaram, desde o início, a obrigatoriedade de actualização dos valores da pensão em razão do “índice de aumento do salário mínimo nacional; operando-se o aumento no mês de janeiro”, verificando-se a primeira atualização em janeiro de 2006;
- caberia, pois, ao embargante recorrer a ação de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais se pretendesse que assim não fosse, não o inverso.

A 24/05/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Notifique as partes para se pronunciarem sobre o erro na forma do processo (arts. 3.º, n.º3, e 193.º do CPC e artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Prazo: 10 dias.”

As partes pronunciaram-se

E a 05/06/2022 foi proferido despacho com o seguinte teor:
“ Nos autos principais de que o presente incidente é apenso, veio o Exequente AA (nascido em .../.../2003, actualmente com 19 anos de idade) intentar acção executiva contra o Executado BB, alegando que é filho deste último e que, por força de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais foi, encontra-se obrigado ao pagamento da quantia mensal de 175,00€, atualizada anualmente “de acordo com o índice de aumento do salário mínimo nacional; operando-se o aumento no mês de janeiro”, verificando-se a primeira atualização em .../.../2006, pelo que a pensão actual é, então, de 310,40€. Mais alega que se encontra em dívida o valor de 10.217,04€ relativa às diferenças entre as pensões de alimentos devidas e os valores que o progenitor efetivamente pagou nos anos de 2016 a 2021.
Junta como título executivo certidão da conservatória do registo predial, invocando o Decreto Lei 272/2001 de 13.10, e concluindo que tais decisões produzem os mesmos efeitos que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria (artigo 17º, nº 4).
Seguindo o raciocínio do Exequente, então começamos por esclarecer que as sentenças de regulação das responsabilidades parentais não constituem título executivo pois que as mesmas não são de natureza condenatória (art. 703.º, n.º1, al. a), do CPC) mas de simples apreciação (art. 10.º, n.º3, do CPC).
Daí que, quando perante um incumprimento do estabelecido nesse regime, o meio próprio seja o previsto nos artigos 41.º e ss do RGPTC, pois só após a verificação do incumprimento (no caso de estar em causa a obrigação de alimentos como é o caso) existe sentença condenatória que constitui título executivo.
Assim, em face da inexistência de título executivo, o Tribunal declara a procedência dos embargos de executado e, consequentemente, determina-se a extinção dos autos principais de execução.
- Custas a cargo do Exequente por ser parte vencida;
- Fixa-se como valor da acção 10.217,04€;
- Registe e notifique;
- Oportunamente, arquive e dê baixa.”

O exequente interpôs recurso, pedindo a revogação do saneador sentença, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª No caso dos autos, e no que constitui uma autêntica decisão surpresa, foi proferido o despacho saneador sentença do qual se recorre que considera que” as sentenças de regulação das responsabilidades parentais não constituem título executivo pois que as mesmas não são de natureza condenatória (art. 703.º, n.º1, al. a), do CPC) mas de simples apreciação (art. 10.º, n.º3, do CPC). Daí que, quando perante um incumprimento do estabelecido nesse regime, o meio próprio seja o previsto nos artigos 41.º e ss do RGPTC, pois só após a verificação do incumprimento (no caso de estar em causa a obrigação de alimentos como é o caso) existe sentença condenatória que constitui título executivo. Assim, em face da inexistência de título executivo, o Tribunal declara a procedência dos embargos de executado e, consequentemente, determina-se a extinção dos autos principais de execução.”
2ª A decisão funda-se, assim, na inexistência de título executivo, questão sobre a qual as partes não foram chamadas a pronunciar-se previamente à decisão em crise.
3ª Não se funda em erro na forma do processo, questão jurídica sobre o qual a Mmª Juiz recorrida convidou as partes para exercerem o contraditório.
4ª A decisão prolatada é, pois, uma autêntica decisão surpresa, sem que às partes tenha sido dado direito ao exercício do contraditório quanto a tal matéria.
5ª Erro na forma do processo e inexistência de título executivo são, s.m.o, questões diversas e com diversas consequências - arts 193º, 703º, 729º, al a) do CPC.
6ª E o dever de audição prévia existe quando estão em causa factos ou questões suscetíveis de integrarem a base da decisão, no caso, a inexistência de título executivo que viria a ser considerada no despacho recorrido.
7ª Omissão que determina a nulidade do despacho recorrido por violação do disposto no art 3º, nº 3 do CPC.
7ª- Acresce que, como dos autos resulta não foi designada audiência prévia (art 591º do CPC), nem dispensada a sua realização.
8ª Tal consubstanciando nulidade processual suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, determinando a nulidade do saneador sentença proferido.
9ª O credor de alimentos, com vista à cobrança de alimentos vencidos e não pagos, pode optar entre os meios processuais à sua disposição: o incidente previsto no artº 48º da Lei 141/2015, de 8 de setembro (RGPTC) ou execução especial por alimentos – não tendo previamente de recorrer ao incidente de incumprimento previsto no artº 41.º mesma lei, cuja previsão nem sequer se refere ao incumprimento da obrigação de alimentos.
10ª Não resulta de qualquer preceito do atual R.G.P.T.C. ou das normas gerais do processo civil, qualquer obstáculo à escolha, por parte do exequente do processo executivo especial o art. 933º, do Código de Processo Civil.
11ª A decisão executada não se limita a apreciar a existência de um direito ou de um facto jurídico, como se uma sentença de simples apreciação fosse, antes constituindo o embargante no cumprimento de uma obrigação de alimentos em toda sua extensão, incluindo atualizações.
12ª Como considerar-se que tal carece de executoriedade obrigando o beneficiário ao calvário judicial do incumprimento?
13ª O despacho saneador recorrido ao concluir pela inexistência de título executivo viola o disposto nos arts 10º, 193º, nºs 1 e 2, 200º, nº 2, 278º, 933º do CPC, 41º e 48º do RGPTC.

O executado contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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2. Questões a apreciar
O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Tendo em consideração as conclusões do recorrente, são três as questões que, ordenadas logicamente, cumpre apreciar:

a) nulidade da decisão recorrida por não convocação da audiência prévia;
b) nulidade da decisão recorrida por violação do principio do contraditório;
c) se a decisão de homologação do acordo de regulação do poder paternal pela Srª Conservadora do Registo Civil, no âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento dos pais do requerente, constitui titulo executivo
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3. Nulidades da decisão recorrida

3.1. Nulidade da decisão recorrida por não convocação da audiência prévia

Dispõe o art.º 732º n.º 2 do CPC que se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.

No âmbito do processo declarativo e relativamente à convocação da audiência prévia, o n.º 1 do art.º 591º do CPC dispõe que “concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:…”.

Mas, nos termos do art.º 597º do CPC, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no art.º 590º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo: (…) b) convoca audiência prévia (…)”

Face ao n.º 1 do art.º 591º, nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, a regra é a da convocação da audiência prévia (as excepções são as situações em que não há lugar a audiência prévia, previstas no art.º 592º e as situações em que o juiz pode dispensar essa realização, previstas no art.º 593º).

Face ao art.º 597º do CPC, nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, cabe ao juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, convocar, ou não a audiência prévia.

Como decorre do n.º 1 do art.º 44º da LOSJ, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00.

Vem isto a significar que o art.º 597º se aplica ás acções de valor inferior a € 15.000,00

É o caso dos autos porquanto, como decorre da decisão recorrida, foi fixado aos presentes embargos o valor de 10.217,04€, valor que não foi impugnado.

Destarte, por remissão do n.º 2 do art.º 732º é aplicável aos autos o disposto no art.º 597º do CPC.

A respeito desta norma referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 673, que o referido normativo é “tributário de um dos princípios integrantes do principio da gestão processual (art.º 6º) - o principio da adequação formal ( art.º 547º) (…).
Ao juiz compete, então, nestas acções, decidir sobre a prática de certos atos que a lei insere na tramitação do processo comum de declaração; mas não se pode dizer que a regra é a de que os mesmos não sejam praticados (por exemplo, não se pode depreender do art.º 597º que nas acções de valor mais baixo não tem normalmente lugar o despacho saneador, a menos que o juiz decida proferi-lo). O poder do juiz é, em principio, discricionário quanto á prática desses actos.”

E Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC anotado, I, 2ª edição, pág. 728 afirmam que nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, “é ao juiz que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e complexidade da acção e a necessidade e adequação dos atos ao seu julgamento.”

E Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 3ª edição, pág. 343, refere que no normativo em referência “é colocada à disposição do juiz uma panóplia de opções quanto à tramitação subsequente dos autos”.

E, mais adiante (pág. 344) refere: “O regime do art.º 597º confere ao juiz a hipótese de fazer uma opção entre diversas possibilidades antecipadamente alinhadas pelo legislador, o que significa que, nesse contexto, a decisão de gestão processual (porque é disso que se trata) tomada pelo juiz se inscreve no uso legal de um poder discricionário, não sendo susceptível de impugnação em recurso (art.º 630º, 1.)”

Também na obra de João Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil II, AAFDL, pág. 102 se engloba a convocação da audiência prévia nos actos discricionários.

O art.º 195º n.º 1 do CPC dispõe que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Decorre da interpretação do corpo do art.º 597º acima referida e que se acolhe, que nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação não é obrigatória a convocação da audiência prévia.

Sendo assim não pode ter aplicação o disposto no art.º 195º n.º 1 na parte em que se refere à “omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva”, o que determina a improcedência da invocada nulidade da não convocação da audiência prévia.
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3.2. Nulidade da decisão recorrida por violação do principio do contraditório
3.2.1 Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 3º n.º 3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

O principio do contraditório era tradicionalmente entendido como impondo que: a) formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão; b) oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar.

A esta noção substitui-se uma mais lata, com origem na garantia constitucional do rectliches Gehör germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litigio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. (Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.124-125).

O principio do contraditório é uma decorrência do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do art.º 20º da CRP.

O art.º 3º n.º 3 do CPC proíbe as decisões surpresa, ou seja, as decisões baseadas em fundamento de conhecimento oficioso não alegado por alguma das partes e sem que, nomeadamente a parte prejudicada com a decisão, tivesse a obrigação de prever que fosse proferida com aquele fundamento.

É no domínio das questões de conhecimento oficioso que não foram suscitadas por nenhuma das partes e não foram objecto de discussão que o normativo tem especial aplicação – e diremos nós, não pode deixar de ser aplicado - como seja, a incompetência absoluta (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, pág. 22), devendo o juiz, antes de decidir, facultar ás partes, a possibilidade de se pronunciarem.

Só assim não será em caso de manifesta desnecessidade, refere o normativo supra citado.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in ob. cit., pág. 22, estamos perante um conceito indeterminado, que carece de preenchimento casuístico.

Aqueles autores, in ob. e loc. cit., adiantam que será o caso do indeferimento de nulidades (art.º 201º) e sempre que as partes não possam, objectivamente e de boa-fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respectivas consequência, citando o Ac. da RL de 24/04/2018, processo 15582/17.

Por sua vez Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, I, 3ª edição, pág. 10, referem: ”Pode assim não ter lugar o convite para discutir uma questão de direito quando as partes, embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação. Pode ele também não ter lugar quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida (195º n.º 1) ou quando seja proferido despacho que convide uma parte a sanar uma irregularidade ( art.º 146º n.º 2; art.º 590º n.º 3) ou uma insuficiência expositiva ( art.º 590º n.º 4; art.º 6039º n.º 3).”

Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC, CPC on line, anotação ao art.º 3º, consultável in https://drive.google.com/file/d/1CCNyWxqYK6Tv02v1qjlK_u_BRSsygqp1/view, refere que “ A auscultação prévia é dispensada quando teria sido exigível que as partes tivessem discutido a questão de direito ou de facto (STJ 20/5/2021 (81/14)) ou antecipado a alteração da qualificação jurídica, bem como em caso de manifesta desnecessidade (RP 8/3/2019 (14727/17)) (n.º 3). É o que se verifica, p. ex., quando o tribunal profere um despacho de mero expediente (art. 152.º, n.º 4 1.º parte) ou convida uma das partes a aperfeiçoar o seu articulado deficiente (art. 590.º, n.º 2, al. b), e 4).

Caso o tribunal decida uma questão de conhecimento oficioso, sem audição prévia das partes, coloca-se a questão da qualificação do vício dessa decisão – decisão surpresa - e do meio de reacção.

Neste ponto aderimos ao que vem sendo afirmado por Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC e nomeadamente in https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html e que também colhe o apoio de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in ob. cit., pág. 762, nota 1.

Assim, uma sentença (ou um despacho) pode ser visto como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença/despacho no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.

Enquanto trâmite está sujeita à nulidade processual plasmada no artigo 195º do CPC, se se verificar alguma das situações nele referidas: a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Enquanto acto está sujeito á nulidade da sentença, se se verificar alguma das situações plasmadas nas diversas alíneas do n.º 1 art.º 615º do CPC, nomeadamente, a referida na alínea d), quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Sendo assim, é fácil verificar que os citados vícios não se confundem.
A decisão-surpresa, isto é, a decisão que não dá cumprimento ao disposto no art.º 3º n.º 3 do CPC, não constitui uma nulidade processual nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC, mas uma nulidade da sentença de acordo com o estabelecido no art.º 615.º, a qual é aplicável aos despachos nos termos do art.º 613º n.º 3 do CPC.

E isto porque a decisão-surpresa, isto é, a adopção de uma decisão com um fundamento de conhecimento oficioso, sem que tenha sido dada a possibilidade ás partes de se pronunciarem, nada tem a ver com a decisão como trâmite, mas com a decisão como acto; a audição prévia das partes é um pressuposto ou uma condição para que a decisão não seja considerada uma decisão-surpresa e, assim, violadora do principio do contraditório (o “contraditório” não é um acto da tramitação do processo, mas um principio estruturante de todo o processo); a não audição prévia das partes numa situação em que a mesma se impunha repercute-se na própria decisão, constituindo um vicio intrínseco da mesma, que determina a nulidade da mesma por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar.

Pelo exposto, a sua invocação deve ser feita através da interposição de recurso, como dispõe o n.º 4 do art.º 615º do CPC, a menos que a decisão não o admita, situação em que cabe reclamação para o tribunal que proferiu a decisão (sobre esta matéria pode ainda ver-se Abrantes Geraldes, in Recursos em processo civil, 6ª Edição, 2021, pág. 23-28).

3.2.2. Em concreto
A Srª Juiz à quo julgou procedentes os embargos de executado com fundamento na inexistência de título executivo e não com base no erro na forma de processo, relativamente ao qual ordenou a notificação das partes para se pronunciarem nos termos do art.º 3º n.º 3 do CPC.

Porém, o embargado/recorrente labora em equívoco ao invocar no presente recurso a violação do principio do contraditório / decisão surpresa, porquanto não só o embargante invocou a inexistência de titulo, como decorre do alegado no art.º 2 e segs dos embargos de executado, como o embargado/recorrente, na sua contestação, pronuncia-se expressamente Quanto á existência de titulo executivo”, titulo que antecede o art.ºs 8º e 11º da sua contestação, que têm o seguinte teor:
- a presente execução, como referido no requerimento executivo, tem por título certidão emitida pela Conservatória do Registo Civil ..., que reproduz a decisão proferida em .../.../2005 no processo de divórcio por mútuo consentimento que dissolveu o casamento do executado/ embargante e a da mãe do exequente;
- tal certidão constitui título executivo conquanto as decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo III do Decreto Lei 272/2001 de 13.10 produzem os mesmos efeitos que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria (artigo 17º, nº 4).

Em face do exposto, por se tratar de uma questão suscitada pelo embargante, não tinha o tribunal que cumprir o disposto no art.º 3º n.º 3 do CPC e não há decisão surpresa.

Termos em que improcede a nulidade por violação do principio do contraditório.
*
4. Fundamentação de facto
A factualidade relevante a considerar é a que consa do Relatório supra.
*
5. Se a decisão de homologação do acordo de regulação do poder paternal pela Srª Conservadora do Registo Civil, no âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento dos pais do requerente, constitui titulo executivo

5.1. O processo de divórcio por mutuo consentimento
O processo de divórcio por mútuo consentimento tem o seu regime repartido pelos artigos 1775º-1778-A do CC, artigos 994º-999º do CPC, artigos 271º a 274º do CRegisto Civil e DL 272/2001, de 13 de Outubro.

Nos termos do disposto no art.º 1773º n.º 2 do CC, o divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, na conservatória do registo civil, desde que o casal tenha chegado a acordo sobre algum dos assuntos referidos no n.º 1 do artigo 1775.º, nomeadamente acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial, como decorre do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 1775º,

Nos termos do art.º 12º n.º 1, alínea b) do DL 272/2001, de 13 de Outubro, uma das competências da conservatória do registo civil é o divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, em que algum dos acordos apresentados não é homologado ou nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação ou divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

E nos termos do art.º 14º, n.º 2 do DL 272/2001, de 13 de Outubro e 272º n.º 2, alínea c) do CRegisto Civil, o pedido é instruído nomeadamente com o acordo sobre o exercício do poder paternal quando existam filhos menores e não tenha previamente havido regulação judicial.

Quando for apresentado acordo sobre o exercício do poder paternal relativo a filhos menores, o processo é enviado ao Ministério Público junto do tribunal judicial de 1.ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertença a conservatória antes da fixação do dia da conferência, para que este se pronuncie sobre o acordo no prazo de 30 dias ( art.º 1776º A n.º 1 do CC, 14º n.º 4 do DL 272/2001, de 13 de Outubro e 274º A n.º 4 do C Registo Civil, aditado pela Lei n.º 5/2017, de 02 de Março)

Caso o Ministério Público considere que o acordo não acautela devidamente os interesses dos menores, podem os requerentes alterar o acordo em conformidade ou apresentar novo acordo, sendo neste último caso dada nova vista ao Ministério Público (art.º 1776º A n.º 2 do CC e art.º 14º n.º 5 do DL 272/2001, de 13 de Outubro)

Os art.º 1776º A n.º 3 do CC e art.º 14º n.º 6 do DL 272/2001, de 13 de Outubro dispõem que, se o Ministério Público considerar que o acordo acautela devidamente os interesses dos menores ou tendo os cônjuges alterado o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, o conservador decreta o divórcio.

Mas nos termos do disposto no art.º 274º A n.º 5 do CRegisto Civil, que integra a subsecção relativa ao “Processo de regulação das responsabilidades parentais por mútuo acordo”, não havendo oposição do Ministério Público ao acordo, o processo é remetido ao conservador do registo civil para homologação.

Destarte e incluindo o processo de divórcio por mutuo consentimento um acordo de regulação das responsabilidades parentais, além da decretação do divórcio, deverá o Conservador homologar o referido acordo.

O art.º 1776 n.º 3 do CC dispõe que as decisões proferidas pelo conservador do registo civil no divórcio por mútuo consentimento produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.

E, concomitantemente, o art.º 17º n.º 3 DL 272/2001, de 13 de Outubro dispõe que as decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo anterior (em que se inclui o processo de divórcio por mutuo consentimento) produzem os mesmos efeitos, nomeadamente em termos fiscais, que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria.

Finalmente o n.º 6 do art.º 274º A do CRegisto Civil dispõe que as decisões de homologação (do acordo de exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos ou à alteração de acordo já homologado) proferidas pelo conservador do registo civil produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.

5.2. O título executivo
A acção executiva pressupõe o dever de realização de uma prestação e tem por finalidade a sua realização coativa (art.º 10º n.º 4 do CPC).

E para tal, dispõe o art.º 10º n.º 5 do CPC que toda a execução tem por base um titulo, pelo qual se determinam o fim e limites da acção executiva.

O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (art.º 10º n.º 6 do CPC).

O título executivo é o «documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo» (Manuel de Andrade, Noções Elementares do Código de Processo Civil, pág. 58).

O titulo executivo é o documento que, integrando o elenco do art.º 703º do CPC, representa um facto jurídico constitutivo de um direito e, por isso, permite a realização coactiva de uma prestação, através de uma acção executiva.

Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito do credor a executar o património do devedor ou de um terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito à prestação (artºs. 817º e 818º do CC).

Neste sentido, é uma condição formal de realização coativa da prestação.

E, em função dele, é delimitado o objecto da prestação e a legitimidade activa e passiva.

O art.º 703º do CPC elenca as espécies de títulos executivos, nos seguintes termos:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Só são títulos executivos os elencados no art.º 703º do CPC, ou seja, o elenco dos títulos executivos é taxativo, não admitindo o seu alargamento, por interpretação extensiva ou analogia, nem podendo as partes determinar que outros documentos, que não os elencados no art.º 703º, possam valer como titulo executivo, nem retirar força executiva um documento que a lei reconheça como titulo executivo.

Cabem na alínea a), não apenas as sentenças proferidas em acções condenatórias, mas qualquer sentença judicial que, singularmente ou em cumulação com pedido de simples apreciação ou constitutivo, imponha uma ordem de prestação ou comando de actuação ao réu de forma incondicional (Rui Pinto, A Acção Executiva, 2018, pág. 150).

No âmbito das sentenças condenatórias cabem, também, as sentenças homologatórias, ou seja, aquelas em que “o juiz se limita a sancionar a composição dos interesses em litígio pelas próprias partes, limitando-se a verificar a sua validade enquanto negócio jurídico” – neste sentido Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 7ª edição, pág. 62 e 64 .

E, de forma mais específica, refere Rui Pinto, in ob. cit., pág. 152 que integram as sentenças condenatórias as sentenças homologatórias de acordo sobre alimentos.

No sentido de que a sentença homologatória do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais (art.º 34º do RGPTC) constituiu título executivo, Marco Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, pág. 72-73.

A sentença homologatória de um acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, concretamente na parte em que é clausulado o pagamento de uma prestação de alimentos, não pode deixar de integrar a alínea a) do n.º 1 do art.º 703º do CPC, na medida em que a referida sentença sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação – a prestação de alimentos – constituindo, assim, titulo executivo quanto á obrigação de alimentos.

Também a jurisprudência entende que a decisão do Conservador do Registo Civil que homologa o acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui título executivo.

Assim o Ac. da RL de 24-02-2015, processo 1235/12.9TMLSB-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl onde depois de analisar a disciplina legal do divórcio por mútuo consentimento e, no âmbito deste, do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, refere a dado passo:
“ Em conformidade com esta disciplina legal, não pode deixar de se considerar que o controlo/homologação destes acordos pelo conservador constitui condição necessária para que possam produzir efeitos jurídicos, designadamente, enquanto condição da sua exequibilidade.”

E o Ac. da RL de 05-07-2018, processo 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, o qual tinha por objecto uma execução cujo titulo executivo era a decisão do Conservador da Conservatória do Registo Civil, proferida no âmbito de um processo de divórcio por mutuo consentimento, de homologação do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais e onde a dado passo se refere:
“ Aqui chegados, importa de seguida atentar que o título que in casu serve de suporte à acção executiva, deve ser equiparado (…) a uma sentença homologatória condenatória transitada em julgado, pois que, reza o nº 4 do art. 17º do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro (…) que “As decisões do conservador no âmbito dos processos previstos no capítulo anterior produzem os mesmos efeitos, nomeadamente em termos fiscais, que produziriam sentenças judiciais sobre idêntica matéria “ .

E finalmente o Ac. da RE de 26-05-2022, processo 255/21.7T8CSC.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre considerou “título executivo o acordo homologado pela conservadora donde emerge a obrigação do seu pagamento.”

6.3. Em concreto
O titulo executivo em que se baseia a acção executiva de que os presentes são apenso, é a decisão da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Civil ..., de homologação do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais relativamente ao aqui exequente AA, que o aqui embargante e a sua então esposa, DD, apresentaram no âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento.

A decisão recorrida começa por afirmar que “as sentenças de regulação das responsabilidades parentais não constituem título executivo pois que as mesmas não são de natureza condenatória (art. 703.º, n.º1, al. a), do CPC) mas de simples apreciação (art. 10.º, n.º3, do CPC).”

Por tudo quanto já ficou dito acima no ponto 6.2., não se acompanha o referido entendimento.

A sentença homologatória de um acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, concretamente na parte em que é clausulado o pagamento de uma prestação de alimentos, não pode deixar de ser considerada sentença condenatória e assim integrar a alínea a) do n.º 1 do art.º 703º do CPC , na medida em que sanciona a imposição a uma das partes do dever de realização de uma prestação – a prestação de alimentos – constituindo, assim, titulo executivo quanto á obrigação de alimentos.

Nos termos do disposto nos art.ºs 1776º n.º 3 do CC, art.º 17º n.º 3 DL 272/2001, de 13 de Outubro e n.º 6 do art.º 274º A do CRegisto Civil, as decisões dos Conservadores do Registo Civil, de homologação do acordo de exercício das responsabilidades parentais de filhos menores de ambos ou à alteração de acordo já homologado, produzem os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria.

Assim, impõe-se concluir que a decisão da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Civil ..., de homologação do acordo de regulação do exercício de responsabilidades parentais do filho AA, que o aqui embargante e a sua ainda esposa DD apresentaram no âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento, produz os mesmos efeitos das sentenças judiciais sobre idêntica matéria e, nessa medida, constitui título executivo.

Em face do exposto a apelação deve ser julgada procedente e, assim, a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada, devendo os embargos prosseguir para apreciação das demais questões suscitadas.

7. Decisão
Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os embargos prosseguir para apreciação das demais questões suscitadas.
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Custas pelo recorrido – art.º 527º n.º 1 do CPC.
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Notifique-se
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Guimarães, 19/01/2023
(O presente acórdão é assinado electronicamente)


Juiz Desembargador Relator: José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
José Fernando Cardoso Amaral