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ASSINATURA A ROGO
NULIDADE DAS DECLARAÇÕES
Sumário
I. Nos termos do art. 373º, nºs 1 e4 do C.Civil e 154ºd o C. Notariado, são requisitos essenciais da assinatura a rogo a leitura do documento ao rogante e que o rogo seja dado ou confirmado na presença do notário. II. Se o declarante não souber ou não puder assinar, a assinatura a rogo nos sobreditos termos é um elemento integrante e essencial do documento particular, constituindo uma formalidade ad substantiam. III. A não confirmação perante o notário da assinatura a rogo aposta num documento particular acarreta a nulidade das declarações nele constantes atribuídas ao rogante, nos termos das disposições legais conjugadas dos arts 220 e 286º do C.Civil.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES NA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
A A. AA, residente na Rua ..., Guimarães, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB, residente na Rua ..., freguesia ..., Guimarães,
Peticionando que se declare simulada a confissão de dívida efectuada pela mãe de ambos a favor do R., por a dívida em causa não existir; se declare, por via da simulação, nula e de nenhum efeito essa confissão de dívida.
A fundamentar tal pretensão, alegou, em síntese, que a sua mãe, CC, e o R., seu irmão, acordaram que aquela se confessasse devedora ao R. da quantia de 75.000,00 €, em virtude de sucessivos empréstimos efectuados nos anos de 1989 a 1991, apenas com o intuito de prejudicar a A. e demais irmãos, porquanto tais empréstimos nunca foram realizados.
O R. contestou, impugnando os factos alegados pela A.
A A. deduziu o incidente de intervenção principal provocada dos demais irmãos, que foram admitidos a intervir nos autos, como seus associados.
Citados os Intervenientes, nada disseram.
Foi realizada tentativa de conciliação, que se frustrou.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, com observância do formalismo legal, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.
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Inconformada a A. intentou o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes
Conclusões ( transcrição)
Da nulidade da sentença Recorrida
A. A sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.
B. As nulidades do documento de confissão de dívida, como a falta de reconhecimento da assinatura a rogo, bem como a falta de forma do contrato de mútuo, são de conhecimento oficioso (cfr. artigo 220.º e 286.º do C.C.), pelo que o tribunal a quo ao deixar de se pronunciar sobre as mesmas, feriu de nulidade sentença recorrida.
Da impugnação da matéria de facto
C. Nos termos do disposto no artigo 640.º, nº 1, alínea a) do C.P.C., encontram-se incorrectamente julgados e por isso vão concretamente impugnados os factos não provados n.ºs 2, 14, 15, 16 e 17 da sentença recorrida, bem como deveriam constar dos factos provados dois factos essenciais à decisão a proferir e ainda a alínea E) dos factos provados, deveria ter diversa redacção.
D. Impõe decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea b) do C.P.C. o documento composto de confissão de dívida, constante da certidão de dívida extraída do processo executivo e junta aos autos através de requerimento da Recorrente datado de 18/02/2020.
E. Da prova mencionada, concretamente da confissão de dívida, resulta que a mesma não se encontra autenticada e a assinatura da confitente, feita a rogo, não se encontra reconhecida por notário ou por quem esteja legalmente autorizado a fazê-lo, como advogados e solicitadores.
F. A formalidade em causa é essencial à validade do negócio/declaração, pelo que tal facto é essencial à decisão da causa, devendo por isso integrar o rol de factos provados, devendo este facto ser aí aditado, com a seguinte redacção: “A assinatura da confitente CC, a rogo, constante da confissão de dívida apresentada como título executivo e referida na alínea E) dos factos provados, não foi feita ou confirmada perante notário ou perante quem estivesse legalmente habilitado para o efeito”.
G. O contrato de mútuo alegadamente celebrado entre o R. e os seus pais, num total de 75.000,00€, a ter sido, não revestiu a forma legalmente exigida tendo em conta o seu valor (escritura pública nem de documento particular autenticado – Cfr. artigo 1143.º do C.C.).
H. Devendo por isso ser aditado à matéria de facto provada novo facto com a seguinte redacção: “Os empréstimos declarados na confissão de dívida não foram celebrados através de escritura pública, de documento particular autenticado ou por documento assinado pelo mutuário.”
I. Os factos não provados 2, 14, 15, 16 e 17 foram assim incorrectamente julgados, pois a prova documental supra mencionada impunha decisão diversa, bem assim as regras do ónus da prova, desde logo porque em reposta à alegação da A. De simulação da confissão de dívida, o R. invocou a existência de empréstimos feitos aos seus pais, entre 1989 e 1991.
J. O contrato de mútuo tem natureza de contrato real (quoad constitutionem), pelo que quem invoca o contrato de mútuo tem o ónus de provar a verificação desse elemento constitutivo do contrato, no caso, a entrega do dinheiro - artigo 342.º, n.º 1 do C.C. (Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 278/08.1TBAVR.C1, datado de 17/12/2008, disponível para consulta em https://jurisprudencia.pt/acordao/119053/ )
K. Por ser de enorme relevância, veja-se a exigência da jurisprudência para que se prove a entrega do dinheiro, ainda que se esteja perante documentos autênticos, no Acórdão desta Veneranda Relação datado de 26/09/2019, processo n.º 1162/17.3T8GMR-B.G1, onde ficou decidido: “1.Apenas relativamente aos factos praticados pela autoridade ou oficial público em documentos autênticos, bem como relativamente aos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, se estende a força probatória plena conferida nos termos do nº 1 do citado artº 371 º do Código Civil, e, não a quaisquer outros, nomeadamente, carecendo de tal força probatória as meras declarações das partes no documento insertas, podendo, inclusive, vir a provar-se a sua falsidade ou desconformidade à realidade.
2. Nos termos do nº 2 do artº 358° do Código Civil a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos, e, tem força probatória plena se for feita à parte contrária ou a quem a represente, mas já não a terceiros.
3. Relativamente aos factos subjectivos ou do foro interno do agente ou de terceiro, " ...a prova, no domínio do direito ( processual ) , ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção ( o grau de probabilidade) essencial às relações práticas da vida social.» (A. Varela, in, Manual de Processo Civil, pg. 391/2).
4. Sendo o contrato de mútuo um contrato real, quoad constitutionem, como decorre da noção legal do art. 1142. º do Código Civil, para sua constituição sempre necessário será a prova da efectiva entrega da coisa pelo mutuante ao mutuário.”
L. Cabia ao R. fazer prova da entrega do dinheiro e não o tendo feito, deve o facto não provado 2 passar a integrar a matéria de facto provada, expurgando-se apenas a parte em que refere que “nem lhe pediram qualquer quantia”, passando a ter a seguinte redacção: “DD e CC nunca receberam do R. qualquer valor”.
M. A prova do facto referido na conclusão anterior arrasta consigo para a matéria de factos provados os factos não provados 14.º a 17.º, que devem passar a integrar o rol de factos provados da sentença recorrida, uma vez que inexistindo entrega do dinheiro ao pai do R. e à sua mãe (confitente), conclui-se que o título composto de confissão de dívida era simulado, que tinha como único objectivo dar origem a um processo executivo que tinha como único objectivo enganar terceiros.
N. A mãe da A., do R. e restantes intervenientes declarou ser devedora de uma quantia que nunca recebeu, de modo a prejudicar os seus filhos em benefício do também seu filho, aqui R.
O. Na redacção do facto provado E) o Tribunal a quo deveria ter sido mais rigoroso e tendo em conta a força probatória plena das confissões extrajudiciais de dívida, entre as partes, exigia-se que o facto provado mencionasse que a mãe da A., R. e intervenientes declarou ter recebido e não que recebeu empréstimos do R. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 07/09/2021, disponível para consulta em www.dgsi.pt, mas também o já supra citado Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 26/09/2019, processo n.º 1162/17.3T8GMR- B.G1.)
P. Deve o facto provado E) ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “E) Resulta da confissão de dívida apresentada como título executivo no processo identificado que a mãe da A., R. e Intervenientes declarou ter recebido juntamente com o seu falecido marido, sucessivos empréstimos do R. entre 1989 e 1991, na quantia total de 75.000,00€.”
Da impugnação da matéria de direito
Q. O documento composto de confissão de dívida encontra-se assinado a rogo, rogo esse que tem de ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante, de acordo com o artigo 373.º, n.ºs 3 e 4 do C.C. e 154º do Código do Notariado.
R. A falta de reconhecimento da assinatura a rogo perante notário ou perante quem legalmente esteja habilitado a fazê-lo constitui nulidade, que é de conhecimento oficioso, sendo invocável a todo o tempo, de acordo com os artigos 220.º e 286.º do C.C.
S. De enorme importância, temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19/05/2020, processo n.º 1038/16.1T8PVZ.P1.S1, onde ficou decidido que:
“I - Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor. Se este não os souber ou puder assinar, devem ser assinados por alguém a seu rogo, assinatura que só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial, sendo que também o rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.
II - Para que valham como assinaturas, as impressões digitais referidas no art.51.º do CN devem ser feitas na presença do notário ou da entidade com competência para o efeito.
III - Em caso de documento particular produzido por quem não souber ou puder assinar, a assinatura a rogo reconhecida presencialmente, é elemento integrante e essencial do documento particular, requisito indispensável da validade do negócio (arts. 373.º do CC e 154.º e 155.º do CN).
IV - Em tal caso, a inexistência de uma tal assinatura, implicará preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial que nele estiver ínsita (arts. 220.º e 286.º do CC).”
(No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/12/2020, processo n.º 125/20.6T8TND-A.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt )
T. Quanto ao conhecimento oficioso da nulidade veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2639/13.5TBVCT.G1.S2, datado de 21/03/2019, disponível para consulta em www.dgsi.pt : “I - A assinatura a rogo é elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ler nem escrever e a falta de demonstração do reconhecimento notarial que lhe empresta ou confere validade implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita, de conhecimento aliás oficioso (arts. 220.º e 286.º do CC).
U. Deve o contrato de mútuo ser declarado nulo, por falta de forma, nos termos supra expostos.
V. O Contrato de mútuo pressupõe a verificação de dois elementos constitutivos: entrega de uma coisa fungível ou de determinada quantia em dinheiro e a obrigação de restituição do dinheiro mutuado – Cfr. artigo 1142.º do C.C.
W. A falta de entrega da coisa faz com que o negócio seja nulo por falta de objecto – artigo 280.º do C.C., não tendo o R. demonstrado a entrega do dinheiro conforme lhe competia, relativamente aos empréstimos que refere ter feito aos seus pais.
X. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 24/04/2018, processo n.º 4/13.3TBCVL-B.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt , onde ficou decidido:
“I – Uma escritura pública constitui um documento autêntico cujo valor probatório é fixado pelo art. 371º do CC, sendo a sua força probatória plena restrita aos factos que se dizem ter sido percepcionados pela entidade documentadora.
II – A declaração de recebimento de um preço ou de uma quantia só tem a plenitude desse valor probatório se o pagamento ou a entrega que se mencione tiver sido directamente percepcionado pelo notário que presidiu ao acto e atestado no documento.
III – A declaração de que numa determinada data se é devedor de uma concreta quantia, prestada perante o que se diz credor e o notário, ficando a constar em escritura, tem força probatória plena decorrente de se traduzir em declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC.
IV – Sendo a confissão for feita à parte contrária (no documento) ou a quem a represente, a força probatória plena só é afastada mediante prova da sua falsidade ou mediante a prova de algum vício da vontade juridicamente relevante.
VI – O mútuo é um contrato real quoad constitutionem, cuja verificação depende da tradição da coisa que constitui o seu objecto mediato.
VII – Não existindo prova plena demonstração da entrega da quantia por parte dos credores e incumbindo a estes, como mutuantes, o ónus de prova da entrega da quantia, se para além do documento autêntico (escritura pública) não apresentarem outro meio probatório que demonstre a entrega, será de concluir não demonstraram o preenchimento dos requisitos do direito de crédito resultante do mútuo por si invocado e que foi validamente impugnado.”
Y. Inexistindo crédito a favor do R. relativamente aos seus pais, a confissão de dívida subscrita, a rogo, pela sua mãe foi simulada com o objectivo de prejudicar os seus restantes filhos (A. e Intervenientes), defraudando os herdeiros em benefício de um único filho, o aqui R., encontrando-se assim preenchidos os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.º, n.º 1 do C.C.:
a. A confissão de uma dívida que não existia (intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração);
b. Conhecendo essa situação, ou seja, que a mãe nada lhe devia, ainda assim o R. subscreveu juntamente com aquela, confissão de dívida e acordo de pagamento em prestações (acordo entre declarante e declaratário).
Z. A simulação leva também à nulidade do negócio, que também deve ser declarada oficiosamente pelo Tribunal nos termos dos artigos 286.º e 242.º do C.C., o que se requer.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente:
- Ser julgada nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.;
Ou, caso assim não se entenda:
- Ser declarada nula a confissão de dívida por falta de reconhecimento da assinatura a rogo, por falta de forma do mútuo e ainda por simulação, de acordo com as disposições dos artigos 220.º, 373.º, n.ºs 3 e 4, 286.º, 242.º e 1443.º todos do C.C. e ainda do artigo 154.º do Código do Notariado, retirando-se daí as legais consequências.
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O Réu apresentou contra-alegações que finalizam com as seguintes
CONCLUSÕES ( transcrição)
A. É totalmente desprovido de fundamento todo o argumentário alegado pela Recorrente, que com a interposição deste recurso não pretende mais do que eternizar o desfecho da presente acção, mais uma vez com recurso a vãs tentativas de deturpar os factos acertadamente decididos pelo Tribunal a quo, adiando uma decisão que bem sabe ser inevitável.
B. Os factos que a Requerente pretende ver dados como provados não foram por si alegados na Petição Inicial, nem constam do objecto do litígio e dos temas da prova delimitados pelo despacho saneador.
C. Logo, não sendo matéria relevante para a decisão da causa, não devendo sobre ela recair qualquer juízo ou decisão.
D. Não colhe, portanto, qualquer razão à aqui Recorrente.
E. A Recorrente alega que os pontos 2, 14, 15, 16 e 17 dados como factos não provados, deveriam ter sido dados como provados com base na prova produzida, essencialmente documental, mas sem, contudo, mencionar as concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação, que impunham decisão diversa da sentença recorrida.
F. Era à recorrente que cabia o ónus da prova de tudo o quanto por si foi alegado, nomeadamente a simulação do negócio celebrado entre seus pais e seu irmão, ora Recorrido.
G. Não logrou provar, nem poderia, porquanto o negócio nunca foi simulado, como bem decidido pelo Tribunal a quo, com base em toda a prova testemunhal e documental carreada para os autos,
H. Ficando, ao invés, provado, e à saciedade, que a Recorrente mentiu do início ao fim da Petição Inicial, e continuou a fazê-lo até ao final do processo.
I. A Autora afirmou, em audiência de julgamento que há mais de 20 anos ouvia falar dessa dívida de seus pais ao seu irmão, e testemunhou a existência dessa dívida perante o Ministério Púbico, em processo crime intentado contra o Recorrido e sua falecida mãe.
J. A Recorrente actua, como sempre actuou, com manifesta má-fé, e só dessa forma se justifica querer pretender serem alterados os pontos 2, 14, 15, 16 e 17 dos factos dados como não provados!
K. O negócio existiu, a dívida existiu, e tudo isso foi provado documentalmente e por testemunhas, incluindo o depoimento da própria Autora, neste processo, e ainda por relatos (documentalmente suportados) de depoimentos desta em outros processos.
L. Pelo que, bem andou o Tribunal ao dar como não provados os pontos 2, 14, 15, 16 e 17, constantes dos FACTOS NÃO PROVADOS, com relevância para a decisão da causa.
M. É totalmente desprovido de razão o alegado neste ponto das Alegações de Recurso da Recorrente, sem qualquer fundamento, factual ou jurídico, pelo que, e sem mais considerandos, dir-se-á que a redacção do FACTO PROVADO E) está em total conformidade com a prova realizada em audiência de discussão e julgamento.
N. A Recorrente nunca alegou qualquer nulidade de título na sua Petição Inicial, não sendo causa de pedir, nem fazendo parte do pedido,
O. Não é relevante para a decisão da presente causa (SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO);
P. E nunca fizeram parte do objecto do litígio ou dos temas da prova.
Q. A questão em crise nos autos é se houve, ou não, simulação de negócio entre os pais da Recorrente e o Recorrido, e tão só esta.
R. A alegada nulidade formal do título executivo não integra a questão a decidir pelo Tribunal a quo, nem pode ser objecto de pronúncia por parte deste.
S. Tal questão apenas poderia ser apreciada no âmbito do processo executivo, mas apenas, e tão só, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados.
T. A presente acção declarativa não pode debruçar-se sobre uma alegada nulidade de um título executivo que, ademais, não integra a causa de pedir, nem o pedido realizado pela Autora / Recorrente.
U. A alegação atrás aduzida vale mutatis mutandis também para o ponto B. e C. da Impugnação da matéria de direito alegada pela Recorrente.
V. Pelo exposto, concorda-se, na íntegra, com a sentença mui doutamente proferida, e com toda a fundamentação aduzida, devendo improceder o presente recurso, por manifesta e absoluta falta de fundamento fáctico e jurídico,
Termos em que, e nos mais de Direito, que V/ Ex.ªmui doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, confirmando-se, na íntegra, a mui douta sentença proferida pelo Tribunal Recorrido,
pois só deste modo se fará, como sempre, a acostumada JUSTIÇA!
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O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, o que se manteve neste tribunal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir:
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II. Delimitação do objecto do recurso
Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões da recorrente, as questões a decidir são :
- Verificar se a sentença enferma da nulidade apontada.
- Fixar a matéria de facto, apreciando a impugnação deduzida.
- Verificar se face ao direito aplicável deve ou não ser declarada a nulidade da confissão de dívida
III. Fundamentação de facto
Foi a seguinte a decisão da matéria de facto da 1ª instância, sublinhando-se os factos objecto de impugnação pela recorrente.
Resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
A) A A. é irmã do R.
B) A A., o R. e os Intervenientes são os únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de DD e de CC.
C) Correu termos no extinto ... Juízo Cível da Comarca ... o processo de inventário com o n.º ...7..., em que figurou como cabeça de casal a mãe das partes, também já falecida.
D) CC figurou também como executada, até ao seu falecimento em .../.../2017, no processo n.º 4200/07...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ..., J....
E) Resulta da confissão de dívida apresentada como título executivo no processo identificado que os pais da A., R. e Intervenientes receberam por sucessivos empréstimos do R. a quantia de 75.000,00 €, entre 1989 e 1991.
F) No processo de inventário o R. não reclamou qualquer crédito sobre a herança e a cabeça de casal não relacionou a dívida.
G) No processo de inventário, a cabeça de casal CC foi patrocinada pelo advogado EE até ao final do ano de 2009, data em que renunciou à procuração.
H) Em 2007 o mesmo advogado patrocinou no processo executivo o exequente, aqui R., contra a ali executada CC.
I) O advogado EE certificou a fotocópia do documento denominado “confissão de dívida”.
J) CC não sabia ler nem escrever.
K) Na partilha efectuada no processo de inventário foi adjudicada a CC o prédio penhorado no processo de execução, correspondente ao lote composto de pavilhão industrial e o prédio designado por lote ....
L) Para garantia de um empréstimo concedido ao R. e mulher, no montante de 40.000,00 €, foi constituída hipoteca voluntária sobre um imóvel de CC.
FACTOS NÃO PROVADOS, com relevância para a decisão da causa:
1- A confissão de dívida apresentada como título executivo no processo de execução identificado na alínea D) não corresponde à vontade real das partes.
2- DD e CC nunca receberam do R. qualquer valor nem lhe pediram qualquer quantia.
3- Nunca o R. teve capacidade financeira para emprestar dinheiro aos pais.
4- O advogado EE autenticou o documento denominado “confissão de dívida”.
5- CC revelava saúde frágil, sendo que pelo menos desde 2007 que era a A. quem cuidava dela.
6- Era o R. quem praticava em nome da mãe todo e qualquer tipo de acto, como receber rendas, contratar novos inquilinos, receber a reforma, representar a mãe em juízo.
7- O R. movimentava a seu bel-prazer os dinheiros da mãe, enquanto esta se encontrava num centro de dia.
8- Aquando do facto referido na alínea K) o R. iniciou um plano para arrebatar o património adjudicado à mãe no processo de inventário, frustrando e prejudicando a expectativa dos demais irmãos.
9- O facto referido em L) foi realizado pelo R. contra o interesse da mãe, sem o seu conhecimento e autorização e apenas para seu benefício pessoal.
10- Quem outorga por CC é o seu neto, FF, filho do R.
11- A A. teve conhecimento do processo de execução quando um irmão lhe mostrou o edital da venda do imóvel penhorado. 12- CC faleceu sem saber que corria contra si o processo de execução, proposto pelo R. 13- O R. criou um documento que simula a existência de uma dívida dos seus pais. 14- A dívida em execução no processo n.º 4200/07.... resulta de um acordo simulado entre o R. e a sua mãe, com o objectivo de prejudicar terceiros, a A. e os Intervenientes. 15- Quando CC declarou ser devedora do R. bem sabia que o R. não lhe havia concedido qualquer empréstimo, nem ao seu marido. 16- Tal declaração visou enganar os restantes filhos, prejudicando-os numa futura partilha por herança aberta por óbito da mãe. 17- E de modo a beneficiar o R. em detrimento dos restantes herdeiros.
*
- Da nulidade da sentença
O art. 615º, nº 1, do Código Processo Civil ( diploma a que pertencerão todos os preceitos legais indicados sem indicação de origem) dispõe que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c)Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e)O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no citado normativo legal.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença e, por isso, são apreciados em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito. Com efeito, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por dois tipos de causas: a) por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou das regras que balizam o conteúdo e os limites do poder do juiz no processo em que são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C.; b) por erro no julgamento dos factos e do direito, sendo neste caso a consequência a respectiva revogação.
A Recorrente sustenta que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, porquanto o Tribunal recorrido, não se pronunciou sobre questões que estava obrigado a pronunciar-se, concretamente, sobre a nulidade da confissão de dívida por falta de cumprimento de formalidade essencial, uma vez que a assinatura da confitente, feita a rogo, não foi reconhecida presencialmente, nulidade essa que é de conhecimento oficioso, tal como o é a nulidade do mútuo, por falta de forma, uma vez que tendo em conta o valor do mesmo (75.000,00€), se encontrava sujeito a escritura pública ou documento particular autenticado, conforme artigos 1143º e 220.º do C.Civil.
A omissão de pronúncia ocorre, nas palavras de J. Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa, in Manual de Processo Civil, AAFDL Editora, 2022, p.633, “ quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo as questões que o tribunal não pode deixar de apreciar não só aquelas que são colocadas pelas partes( art.608º, nº2, 1ª parte), mas também as de conhecimento oficioso( art. 608º, nº2, 2ª parte).
A. Geraldes, P.Pimenta e L.F.Sousa, in C.P Civil Anotado, 2ª ed. Almedina 2020, vol I, p. 764, sobre esta causa de nulidade da sentença referem : “ Mais frequentes são os casos de omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão. A este respeito, também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “ questões”( STJ 27-3-14, 555/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão. Se é grave a falta de apreciação de alguma questão relevante para o resultado da lide( omissão de pronúncia), não menos o é a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso( excesso de pronúncia). Já a condenação ultra petitum resultará na violação do didposto no art. 609º, nº1.”
E J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in C.P.Civil Anotado, 4ª Ed. Almedina, 2019,vol.2,p. 737 escrevem, a este propósito: “ Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer ( art. 608º-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir e exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado. Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes( art. 608-2) é nula a sentença que o faça. É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observe os limites impostos pelo art. 609º, nº1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido.”
Analisemos pois se se verifica a nulidade invocada.
O objecto da presente acção consiste na apreciação da validade da Confissão de Dívida, datada de 8 de maio de 2007, inserta a fls 114 e 115 dos autos na certidão do proc. executivo nº 4200/07.... junta pela Autora em 18.2.2020.
Como resulta da leitura da petição inicial a Autora peticionou a declaração de nulidade dessa “ Confissão de Dívida”, com fundamento na simulação, sendo esta causa de pedir invocada. A inobservância da forma legal não foi invocada pela A. para fundamentar o pedido formulado. Só em sede de alegações de recurso a A. suscitou tal questão, sustentando ser do conhecimento oficioso, daí a nulidade da sentença por não ter conhecido da mesma.
Destarte, a questão que se coloca é saber se, tendo a A. invocado apenas a simulação como causa de pedir, o tribunal recorrido devia ter apreciado também a validade/ nulidade formal da dita Confissão de Dívida, ou seja, se tal questão era do conhecimento oficioso, pois, segundo o art. 608º, nº2, o juiz deve conhecer de todas as questões colocadas pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, e ainda daquelas que segundo a lei sejam do conhecimento oficioso.
De acordo com o preceituado no art. 220º do C. Civil, a declaração negocial que careça da forma legal legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei. E o art. 286º do mesmo diploma legal estatui que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Por conseguinte, quando a lei prescreve que determinada declaração negocial deve assumir forma escrita, seja documento particular, autenticado ou autêntico, a inobservância dessa formalidade, regra geral, determinará a nulidade da mesma, a não ser que a própria lei estabeleça outra sanção. Muitas vezes, a sanção especialmente prevista na lei é a nulidade mas com um regime distinto do regime geral (nulidades atípicas).
Os documentos legalmente exigíveis como forma de exteriorização das declarações de vontade negociais normalmente são formalidades ad substantiam, imprescindíveis para a validade das declarações negociais, não podendo ser substituídos por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, como estabelece o nº1 do art. 364º do C.Civil.
Porém, excepcionalmente, quando resulta claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da existência declaração (formalidades ad probationem) a sua falta não determina a nulidade da declaração negocial, podendo ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, como resulta do nº2 do art. 364º do C.Civil- vidé a este propósito, Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora 1986, p. 435-437.
As formalidades da assinatura dos documentos particulares a rogo estão previstas no art. 373º, nº 1 e4 do C.Civil e 154º do C. Notariado.
O art. 373º do C. Civil dispõe:
1. Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não poder assinar.
2. Nos títulos emitidos em grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode assinatura ser substituída por simples reprodução mecânica.
3. Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor.
4. O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante.
E o art. 154º do C.Notariado acrescenta:
1. A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar.
2. O rogo deve ser dado ou confirmado perante notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.
Interpretando estes preceitos legais, os tribunais vêm decidindo que as formalidades prescritas para a assinatura a rogo são formalidades “ad substantiam”.
Entre outros, vide, o Ac. STJ no Ac. de 21-03-2019, proc. 2639/13.5TBVCT.G1.S2( Relator António Joaquim Piçarra) in www. dgsi.pt. em cujo sumário consta : “A assinatura a rogo é elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ler nem escrever e a falta de demonstração do reconhecimento notarial que lhe empresta ou confere validade implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita, de conhecimento aliás oficioso( arts 220º e 286º do C.Civil)”.
E também o Ac. RP de 17-02-2009, proc. 0827137( Relator Carlos Moreira) no qual se lê : “ A não confirmação perante o notário da assinatura a rogo acarreta a sua invalidade e, por acréscimo- já que ela é elemento integrante essencial e formalidade ad substantiam do documento particular onde consta- a nulidade da declaração negocial nele ínsita- arts 373º, nºs 1 e 4, 220º e 286º do CCivil e 154º do C. Notariado”, também consultável in www.dgsi.pt, (site onde podem ser consultados todos os arestos citados sem indicação de proveniência).
Assim, estando em causa uma formalidade ad substantiam e determinando a sua inobservância a nulidade da declaração, pois a lei não prevê outra sanção, tal nulidade é conhecimento oficioso do tribunal, como decorre do art. 286º do CCivil, tendo tal opção legislativa subjacentes motivos de interesse público como a segurança do tráfico jurídico.
E sendo do conhecimento oficioso tal questão devia ter sido apreciada pelo tribunal recorrido e não o foi, acarretando tal lacuna a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do alínea d) do art. 615º do CPC, assistindo nesta parte razão à recorrente.
Mas outrotanto já não sucede quando a recorrente alega que competia também ao Tribunal recorrido conhecer da nulidade mútuo, por falta de forma, uma vez que tendo em conta o valor do mesmo (75.000,00€), se encontrava sujeito a escritura pública ou documento particular autenticado, conforme artigos 1143º e 220.º do C.Civil.
O que consta na Confissão de Dívida é que a primeira outorgante, CC, declarou que o seu filho, BB, segundo outorgante, fez vários empréstimos em dinheiro e procedeu ao pagamento de diversas dívidas da responsabilidade do casal formado por ela e pelo seu falecido marido, nos anos de 1989 a 1991, e que tendo procedido a alguns pagamentos, o montante em dívida naquela data ( 8.7.2007) ao segundo outorgante era de € 75.000,00. Portanto, nunca é referido qualquer empréstimo no montante de € 75.000,00. A dívida confessada terá tido na sua origem não um mas vários empréstimos e também o pagamento de diversas dívidas. Além disso o objecto desta acção é a validade/ invalidade da confissão de dívida e não dos negócios anteriores entre os outorgantes, por isso, o juiz a quo não tinha que se pronunciar sobre a nulidade formal de alegados empréstimos que nem sequer foram concretamente indicados.
Destarte, face ao disposto no art. 665º, nº1 do CPCivil declara-se a nula a sentença por omissão de pronúncia mas apenas relativamente à questão da validade formal da assinatura da confitente que não obstante não ter sido invocada pela A. era do conhecimento oficioso. E estabelecendo este preceito legal a regra da substituição do tribunal recorrido pelo tribunal de recurso, conhecer-se-á de tal questão adiante em sede de aplicação do direito, uma vez que constam no processo todos os elementos necessários.
Não se mostra necessário cumprir o nº3 do art. 665º, porquanto tendo a recorrente suscitado a questão nas alegações de recurso, notificado das mesmas, o recorrido pronunciou-se nas contra-alegações, acompanhando-se a posição do Conselheiro Francisco Manuel Lucas de Almeida, in Direito Processual Civil, volume II, 2015, Almedina, pág. 484, onde refere que antes de ser proferida pela Relação a decisão substitutiva, a fim de evitar decisões-surpresa, o relator ouvirá cada uma das partes, desde que estas não se tenham pronunciado sobre a questão nas alegações sobre a questão.
- Da impugnação da matéria de facto
Comecemos por analisar os requisitos legais necessários para que este Tribunal reaprecie a decisão da matéria de facto.
Tais requisitos constam do art.640º do C.P.Civil que preceitua:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Da norma transcrita resulta que a reapreciação da decisão da matéria de facto pelos tribunais da Relação está subordinada ao cumprimento de diversos ónus pelo recorrente, cuja explicitação tem vindo a ser feita pela doutrina e pela jurisprudência, nomeadamente pelo STJ que no acórdão de 21-03-3019, relatado por Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt, a este propósito, decidiu o seguinte:
“ Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”
E no Ac. do STJ de 01/10/2015, Proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt, clarifica-se a forma como o recorrente deve cumprir tais ónus na estrutura do recurso da seguinte forma “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação . Cumprindo o impugnante tais ónus, o Tribunal da Relação apreciará a impugnação devendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa- cf. art. 662º nº1 do CPC.”
Sobre os parâmetros da reapreciação pela Relação da decisão da matéria de facto, referem A. Abrantes Geraldes e Outros in Recursos em Processo Civil, Almedina, 6º edição, pág. 332, “(…) a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Nesta sua função de reapreciação da decisão de facto, a Relação não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (-erro de apreciação ou erro de julgamento).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal “a quo” encetado caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal “ad quem” não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
É vasta a jurisprudência sobre esta matéria, referindo-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); acórdãos da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), consultáveis em www.dgsi.pt como todos os demais citados sem outra indicação)
E como se refere no acórdão desta Relação, proferido em 15.12.2022, no proc. 1478/21.4T8VCT. G1( relatora Raquel Rego) dessa vasta jurisprudência, colhe-se como denominador comum, desde logo, por um lado, a inadmissibilidade da impugnação em bloco( citando quanto a este aspecto os Acs do STJ de 20.12.2017 e de 18.02.2020) e, por outro, a improcedência da mera enunciação de prova aparentemente dissonante, sem qualquer juízo crítico sobre a sua valoração em confronto com a que presidiu à do tribunal recorrido, frisando quanto a este ponto que se reclama «da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios e pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada» - Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, Ana Luísa de Passos Martins da Silva Geraldes,in http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf
Em suma, vem-se defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no art.º 640º do CPC se efectue segundo um critério de rigor de forma a que a impugnação da decisão da matéria de facto não se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo, mas antes se contenha nos parâmetros legalmente estabelecidos que visam uma precisa delimitação do objecto a impugnação (especificação dos concretos pontos de facto impugnados), a seriedade dessa impugnação (especificação dos meios probatórios que implicam decisão diversa) e da assunção clara do resultado pretendido (especificação da decisão que deve ser proferida).
Posto isto, analisemos a impugnação formulada pela recorrente.
Nesta sede a recorrente defende que :
- O facto dado como não provado sob o nº2 deve passar para os factos provados com a seguinte redacção: DD e CC nunca receberam do R. qualquer valor.
- Os factos dados como não provados sob os nºs 14,15,16 e 17 foram incorrectamente julgados e devem passar a integrar os factos provados.
- A redacção da al.E) dos factos provados deve ser alterada e corresponder apenas ao que decorre da confissão de dívida, sendo a redacção dada pelo tribunal recorrido pouco rigorosa.
- Devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos que a recorrente considera essenciais:
1. “A assinatura da confitente CC, a rogo, constante da confissão de dívida apresentada como título executivo e referida na alínea E) dos factos provados, não foi feita ou confirmada perante notário ou perante quem estivesse legalmente habilitado para o efeito”.
2. “Os empréstimos declarados na confissão de dívida não foram celebrados através de escritura pública, de documento particular autenticado ou por documento assinado pelo mutuário.”
No que concerne aos factos dos pontos nº 2, 14,15, 16 e 17 do rol dos factos não provados que considera incorrectamente julgados, a recorrente não indica os concretos meios probatórios em que sustenta a sua posição, limitando-se a afirmar que “face a toda a prova produzida, essencialmente documental, impunha-se que os mesmos integrassem o rol dos factos provados.”
E nenhuma insuficiência, discrepância ou incoerência aponta à apreciação da prova produzida feita pela MmªJuíza a quo, vertida na fundamentação da matéria de facto. O que afirma é que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por ter aplicado erradamente as regras do ónus da prova, alegando, em suma, que era ao R. que incumbia provar os empréstimos contraídos pelos seus pais, que segundo ele originaram a Confissão de dívida da mãe, designadamente a entrega do dinheiro, porquanto tal entrega é um elemento constitutivo essencial à formação do contrato de mútuo, o que não fez, devendo, por isso, ser dado como provado que DD e CC nunca receberam do R. qualquer valor, e daí deduz que também os factos não provados sob os nº14 a 17 devem ser dados como provados.
Ora, não tendo a recorrente cumprido os referidos ónus legais, nesta parte rejeita-se a impugnação da matéria de facto deduzida, permanecendo inalterados os factos em apreço.
No que concerne da al.E) dos factos provados, a recorrente sustenta que deve ser alterada e corresponder apenas ao teor da confissão de dívida, sendo a redacção dada pelo tribunal recorrido pouco rigorosa. E, por outro, sustenta que devem ser aditados os seguintes factos: 1 - “A assinatura da confitente CC, a rogo, constante da confissão de dívida apresentada como título executivo e referida na alínea E) dos factos provados, não foi feita ou confirmada perante notário ou perante quem estivesse legalmente habilitado para o efeito”. 2 - “Os empréstimos declarados na confissão de dívida não foram celebrados através de escritura pública, de documento particular autenticado ou por documento assinado pelo mutuário.”
É o seguinte o teor da alínea E) dos factos provados: “Resulta da confissão de dívida apresentada como título executivo no processo identificado que os pais da A., R. e Intervenientes receberam por sucessivos empréstimos do R. a quantia de 75.000,00 €, entre 1989 e 1991.”
Esta redacção corresponde quase ipsis verbis ao art.7º da petição da recorrente, mas tendo em conta que está em discussão a validade da confissão de dívida em apreço, nomeadamente saber se a mesma é simulada, o que se traduz numa divergência entre a vontade declarada e a vontade declarada, não se nos afigura de facto muito rigorosa, nem adequada, tendo um cariz conclusivo que é de evitar na discriminação dos factos relevantes para a decisão ( art. 607º, nº3 e 4 do CPC).
Assim, a al. E ) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:
No documento denominado Confissão de Dívida, com data de 8 de maio de 2007, inserto a fls114 e 115 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade, consta, além do mais, o seguinte:
“E declara a primeira outorgante, CC: Que seu filho, BB, segundo outorgante, fez vários empréstimos em dinheiro e procedeu ao pagamento de diversas dívidas da responsabilidade do casal formado por ela e pelo seu falecido marido, DD, empréstimos que tiveram início no ano de 1989 e que se prolongaram até ao ano de 1991. Que por conta desses empréstimos foram feitos alguns pagamentos parciais, sendo o montante da dívida actual ao segundo outorgante BB de € 75.000,00 ( setenta e cinco mil euros). Que tendo ocorrido o óbito do seu marido DD, sem que tal dívida tenha sido paga ao seu filho GG, a primeira outorgante, CC confessa-se agora devedora ao identificado BB da quantia de € 75.000,00( setenta e cinco mil euros).
(…)
No final do documento constam as seguintes assinaturas e ao lado direito das mesmas uma impressão digital: A rogo de CC por não saber assinar HH … BI ..., 06/11/03, .... BB BI ...,08/01/2001, ....”
Desta transcrição parcial da Confissão de dívida e do teor da alínea I) dos factos provados e do nº4 dos factos não provados consta a factualidade relevante para a apreciação das questões, nada mais se aditando à decisão da matéria de facto, nomeadamente que “Os empréstimos declarados na confissão de dívida não foram celebrados através de escritura pública, de documento particular autenticado ou por documento assinado pelo mutuário.”, pois o objecto da presente acção é a Confissão de dívida e não os empréstimos nela mencionados de forma imprecisa, sendo que a formalização ou não dos mesmos não consta sequer dos temas da prova fixados sem objecção das partes .
Pelo exposto, mantém-se inalterada a decisão da matéria de facto fixada na sentença, alterando-se apenas o teor da alínea E) dos factos provados nos termos sobreditos.
*
IV. Fundamentação de direito
A A. peticionou a declaração de nulidade da declaração de dívida em apreço com fundamento na simulação.
Porém, como já vimos, cabia ao Tribunal recorrido apreciar oficiosamente a validade formal de tal documento, o que não fez, omissão que determina a declaração de nulidade da sentença, nos termos da al. d) do art. 615º do CPC , competindo agora a este Tribunal decidir tal questão, nos termos do art. 665º do CPC, que se coloca a montante da própria simulação invocada pela A.
O recorrido nas suas contra-alegações ( conclusões R, S,T) veio objectar que a questão da nulidade formal da Confissão de Dívida só podia ser apreciada no processo executivo onde foi dada à execução, não podendo esta acção declarativa declarativa debruçar-se sobre tal questão que não integra a causa de pedir, nem o pedido realizado pela recorrente.
Resulta da al. D) dos factos provados a Confissão de Dívida aqui em apreço serviu de título executivo no processo nº4200/07.... que corre termos no Juízo de Execução ..., no qual a confitente CC figurou como executada até à sua morte, e que segundo a certidão inserta a fls 84 e segs dos autos prossegue agora contra os seus sucessores ( a aqui autora, intervenientes e réu) que foram habilitados por decisão de 28.2.2018, não tendo sido deduzidos embargos à execução.
A objecção levantada pelo réu remete para a questão da existência ou não de efeito preclusivo resultante da não dedução de embargos à execução.
Sobre esta problemática, A. Geraldes, P.Pimenta e L. Sousa in Código de Processo Civil Anotado,Vol.II, Almedina, 2020, p. 79 referem: “É controversa a questão de saber se existe um ónus do executado de deduzir embargos, sob pena de preclusão relativamente aos fundamentos de defesa que não tenham sido invocados. Na jurisprudência tem sido entendido que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de exceções ao direito exequendo noutra ação, considerando-se que o efeito preclusivo só opera relativamente ao processo executivo. Afirma-se ainda que quando sejam utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas exceções apreciadas, por inexistir na execução ónus de concentração da defesa(STJ 19-3, 19, 75/6, STJ 4-4-17,1329/15, RC 16-10-2018, 158/14, RL 16-1-18, 1301/12 e RG4-12-08, 1686/08)”
De seguida , referem que a nível doutrinário há orientações neste sentido( Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes) a que adere P. Pimenta, e também em sentido inverso( Teixeira de Sousa), a que adere L. Sousa.
Porém, cremos que, no presente caso, nesta fase processual, está vedada a apreciação de tal questão. Na verdade, a entender-se que a não dedução de embargos de executado impedia/precludia a invocação, em acção autónoma, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda, tal efeito aplicar-se-ia a todos os possíveis fundamentos de oposição à execução incluindo a própria simulação invocada como causa de pedir nesta acção e não apenas aos requisitos formais de validade do título executivo. Ora, o R. não suscitou tal questão na 1ª instância, trata-se de uma questão nova que não foi objecto de apreciação na decisão recorrida e como tal, não sendo do conhecimento oficioso, está vedado a este Tribunal o conhecimento da mesma, pois os recursos são mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo as de conhecimento oficioso - Cfr. A. Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª ed, Almedina, p.139 e Ac. STJ de 7.7.2016, proc. 156/12.0TTCSC.L1.S1..
Posto isto, vejamos, pois, se a Confissão de Dívida é formalmente válida.
Como resulta dos factos provados, não foi assinada pela confitente CC que figura como primeira outorgante, mas antes por II JJ HH, estando consignado que o fez a rogo daquela, por não saber assinar, e ao lado foi aposta uma impressão digital que se supõe ser da mesma, pois nada foi consignado a esse respeito.
A recorrente sustenta que a falta de reconhecimento notarial da assinatura feita a rogo da confitente determina a nulidade da declaração negocial.
Como já vimos supra, as formalidades da assinatura dos documentos particulares a rogo estão previstas no art. 373º, nº 1 e 4 do C.Civil e 154º e 155º do C. Notariado.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4.ª ed., p. 330, dão-nos conta que o art. 373º se afastou da solução do direito pregresso, no caso de o autor não saber ou não poder assinar, pois antes bastava que a assinatura fosse acompanhada da impressão digital do rogante. Actualmente, se o autor não souber ou não puder assinar, a assinatura deve ser feita por outrem, a seu pedido ─ a rogo, na expressão da lei (artigo 373.º, n.º 1, CC). E para protecção do rogante, a lei estabelece um requisito de validade do rogo: que seja dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante (artigo 373.º, n.º 4, CC).
O art. 154º do C. Notariado concretiza : 1 - A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar. 2 - O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante.
E art. 155º do C. Notariado, que define os requisitos dos reconhecimentos das assinaturas, no seu nº4 estipula que o reconhecimento da assinatura a rogo deve fazer expressa menção as circunstâncias que legitimam o reconhecimento e da forma como foi verificada a identidade do rogante .
Assim, são requisitos legais da assinatura a rogo a leitura do documento ao rogante e que o rogo seja dado ou confirmado perante o notário. E a assinatura nos referidos termos constitui um elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ou não pode assinar, implicando a falta do reconhecimento notarial que confere validade à assinatura a rogo a preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita.- Ac. da RC. de 14.12.2020, proc. 125/20.6T8TND-A.C1( relator Fernando Monteiro).
No mesmo sentido, de que a inobservância das formalidades legais da assinatura a rogo determina a nulidade da declaração negocial do rogante veja-se ainda o Ac. da R.P 10-09-2019, proc. 1038/16.1.T8PVZ.P1( relatora Márcia Portela).
Ora, na vertente situação, analisando o teor do documento denominado Confissão de Dívida é patente que o mesmo não foi assinado pela confitente mas por outrem a seu rogo. Porém, tal assinatura a rogo não foi efectuada, nem confirmada na presença do notário, nem de qualquer outra entidade autorizada para o efeito, nos termos do art. 38º do do D.L. 76-A/2006, de 29.3, pois como consta da al.I) dos factos provados, o advogado EE apenas certificou a conformidade da fotocópia com o documento original da confissão de dívida. Assim, constituindo o reconhecimento notarial nos termos legalmente prescritos um requisito de validade da assinatura a rogo, a preterição de tal formalidade acarreta, nos termos do art. 220º do CCivil, a nulidade da própria declaração negocial/ confissão de dívida incorporada no documento. Não sendo válida a assinatura a rogo aposta no documento, não se constituiu na sua esfera jurídica da rogante a correspondente obrigação.
Destarte, a confissão de dívida enferma de nulidade não em virtude da simulação invocada, cujos elementos constitutivos a A. não logrou provar, como bem se decidiu na sentença impugnada, mas por preterição das formalidades legais da assinatura aposta no documento a rogo da dita confitente, nulidade que, nos termos do art. 286º do C.Civil é do conhecimento oficioso e, por isso, se declara.
Em suma, procede parcialmente a apelação do autora, no que concerne à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente à questão da nulidade formal da Confissão de Dívida, de conhecimento oficioso, e concluindo-se pela verificação de tal nulidade, impõe-se a revogação da sentença, declarando-se a nulidade da Confissão de Dívida com esse fundamento e não com base na simulação invocada pela A. na petição inicial.
VI. Decisão
Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal da Relação Guimarães acordam em julgar procedente a apelação e decidem:
1- Declarar nula sentença recorrida por omissão de pronúncia em relação à questão de conhecimento oficioso da nulidade formal da Confissão de Dívida, datada de 8.5.2007, em apreço nos autos, com fundamento na al. d) do nº1 do art. 615º do C.P.Civil.
2- Em substituição do tribunal recorrido, mais deliberam julgar parcialmente procedente a acção, declarando a nulidade da Confissão de Dívida, com fundamento na preterição das formalidades legalmente prescritas para a assinatura a rogo de documentos particulares, revogando a sentença recorrida.
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Custas da acção e do recurso pelo réu, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique
Guimarães,19 de Janeiro de 20123
Os Juízes Desembargadores
Relatora: Maria Eugénia Pedro
1º Adjunto: Pedro Maurício
2ºAdjunto: José Carlos Duarte