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DIREITO DE REMIÇÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
INDEMNIZAÇÃO A FAVOR DO PROPONENTE
Sumário
O acréscimo de 5%, a título de indemnização do adquirente que já tenha efetuado o depósito do preço, previsto no art. 843º, nº 2, do CPC, é aplicável à venda por negociação particular.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO
No âmbito da execução para pagamento de quantia certa em que são executados AA e BB, em 11.1.2022, o sr. Agente de Execução (doravante AE) proferiu decisão de venda por negociação particular do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...30, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., sob o art. ...73º, correspondente à verba n.º 2 do auto de penhora lavrado em 3 de abril de 2012, pelo valor de € 114 750,00, sendo adquirentes do bem, em comum e partes iguais, P... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. e C..., LDA.
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Esta decisão de venda foi notificada aos executados, na pessoa da sua mandatária, com data de 11.1.2022, constando da mesma que, no prazo máximo de 10 dias, deveria ser comunicado ao AE o exercício de eventuais direitos de preferência legal ou convencional.
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Com data de 4.3.2022, o Sr. AE notificou C..., LDA. para, no prazo de 15 dias, efetuar o pagamento da quantia de € 57 375,81 relativa ao pagamento do preço do imóvel atrás identificado.
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Com data de 4.3.2022, o Sr. AE notificou P... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. para, no prazo de 15 dias, efetuar o pagamento da quantia de € 57 375,81 relativa ao pagamento do preço do imóvel atrás identificado.
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Em 4.4.2022, o Sr. AE comunicou ao processo que P... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. e C..., LDA. tinham efetuado o depósito das aludidas quantias em 17.3.2022 e 24.3.2022.
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Em 18.5.2022, o Sr. Agente de Execução (AE), juntou aos autos o documento particular autenticado de compra e venda, assinado com data de 18.5.2022, no qual consta que, na qualidade, cumulativamente, de agente de execução e de encarregado da venda por negociação particular, vendeu, em comum e em partes iguais, às sociedades P... - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA. e C..., LDA. o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...59, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ..., sob o art. ...73º, correspondente à verba n.º 2 do auto de penhora lavrado em 3 de abril de 2012, pelo valor de € 114 750,00, que declarou já ter recebido e do qual deu quitação.
Consta ainda do aludido contrato que o valor de € 57 375,81 foi pago em 16.3.2022, mediante transferência bancária e o valor de € 57 375,81 foi pago no dia 23.3.2022 mediante transferência bancária (cf. contrato de compra e venda junto aos autos pelo AE em 18.5.2022).
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Os executados requereram a anulação da venda, referindo, por um lado, que a alienação do imóvel se processou numa altura em que ainda não havia transitado em julgado a decisão que lhes havia indeferido a interposição de um recurso e, para além disso, que a venda foi efetuada sem que o Sr. Agente de Execução tivesse notificado os executados do dia e hora designados para realização dessa venda, razão pela qual ficou prejudicada a possibilidade do seu filho AA exercer o direito de remição previsto no art.º 842.º do CPC (cf. requerimento de 24.5.2022).
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O Sr. AE confirmou que não notificou os executados da data, hora e local da outorga do documento particular autenticado de compra e venda pois já os havia anteriormente notificado para que exercessem eventuais direitos de preferência, em concreto, o direito de remição (cf. requerimento do Sr. AE datado de 8.9.2022).
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Sobre a pretensão de anulação da venda formulada pelos executados foi proferido despacho, em 3.10.2022, que:
1) considerou não existir nulidade da venda por a mesma ter sido ajustada antes do trânsito em julgado da decisão de indeferimento do recurso que os executados haviam interposto;
2) considerou existir nulidade processual, decorrente da omissão de notificação aos executados do dia, hora e local de realização da venda por negociação particular, idónea a determinar a anulação e ineficácia da venda executiva operada em 18.5.2022;
3) baseando-se no facto de as adquirentes já terem efetuado o depósito do preço, em março de 2022, fez depender a efetiva declaração de anulação da venda da prática dos seguintes atos pelo remidor: “a) Apresentação de requerimento escrito, manifestando de forma inequívoca a sua vontade de remir e comprovando a sua condição de remidor (certidão de nascimento), e, simultaneamente; b) Depósito, por meio de DUC, da quantia de 120.487,50€ [114.750,00€ + 5.737,50€]. Deste modo, caso o remidor proceda à prática destes atos, será declarada a ineficácia da venda e o cancelamento dos registos efetuados, bem como ordenada realização de nova escritura a favor do remidor (filhos dos executados); caso esse valor não venha a ser depositado, ter-se-á como não exercido o direito de remição, mantendo-se a venda e os registos já efetuados.”
O aludido despacho termina com o seguinte teor decisório: “Pelo exposto, sem prejuízo do reconhecimento da existência de fundamento legal para determinar a anulação da venda, condiciono a efetiva declaração de ineficácia dessa venda à prática prévia dos seguintes atos, no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito deste despacho, por parte do putativo remidor AA: A) Apresentação de requerimento escrito, manifestando de forma inequívoca a sua vontade de remir e comprovando, por meio de certidão de nascimento, a sua condição de remidor, e, simultaneamente; B) Depósito à ordem dos autos, por meio de DUC, da quantia de 120.487,50€ (cento e vinte mil quatrocentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos).”
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Os executados AA e BB e o remidor AA não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. Nos presentes autos, os Recorrentes insurgem-se apenas com a condenação do Remidor no pagamento do valor de 5% para indemnização, no montante de €5.737,50 (cinco mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos). B. Resulta dos autos, que a modalidade de venda do prédio penhorado foi a venda por negociação particular, pelo que o direito de remição podia ser exercido “até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”: art. 843º nº 1 al. b) CPC. C. Também resulta dos autos que o Sr. Agente de Execução não notificou os executados da data designada para formalização da venda. D. No caso sub iudice, entende o Remidor, aqui Recorrente, que não terá de proceder ao pagamento da quantia indemnizatória de 5%, porquanto: E. A indemnização de 5% prevista no art. 843º nº 2 do CPC só é devida nos casos de venda por propostas em carta fechada. F. Tal circunstância não se verifica no caso presente, pelo que não assiste ao proponente o direito a essa indemnização. G. Sem prescindir, Sempre se dirá que o pagamento do preço por parte da proponente, teve como consequência uma omissão por parte do Sr. Agente de Execução, pelo que o remidor não deverá ser responsável pelo pagamento do valor de 5% de indemnização. H. À proponente não cabe qualquer direito de ser indemnizada por uma omissão por parte do Sr. Agente de Execução, na qual omitiu o dever de informação, sendo que, deverá considerar-se que a proponente não terá direito à indemnização a que alude a parte final do n.º 2 do 843.º do CPC. I. O Remidor, aqui Recorrente, concorda com o Douto Despacho recorrido, à exceção do pagamento do valor de 5% para indemnização, no montante de €5.737,50 (cinco mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos). J. Salvo entendimento contrário, e com o Devido Respeito, foi violado o art. 843º, nº 2 do CPC. K. Consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser revogado o Douto Despacho, e se substituído por outra que determine que o depósito do preço à ordem dos autos seja fixado em €114.750,00 (cento e catorze mil setecentos e cinquenta euros).”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se o remidor, para além do valor da venda, tem de efetuar o depósito de 5% desse valor, a título de indemnização, nos termos do art. 843º, nº 2, do CPC.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos a considerar são os que se encontram descritos no relatório e os mesmos resultam dos atos praticados no processo e dos documentos juntos no mesmo e que supra se encontram mencionados.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
Como referido, a única questão a decidir consiste em saber se o remidor, para além do valor da venda, tem de efetuar o depósito de 5% desse valor, a título de indemnização, nos termos do art. 843º, nº 2, do CPC.
Encontra-se excluído do objeto do recurso apreciar a decisão na parte em que condicionou a anulação da venda à prática de determinados atos pelo remidor porquanto os recorrentes, de forma expressa, referiram nas suas conclusões que “A. Nos presentes autos, os Recorrentes insurgem-se apenas com a condenação do Remidor no pagamento do valor de 5% para indemnização, no montante de €5.737,50” e que “I. O Remidor, aqui Recorrente, concorda com o Douto Despacho recorrido, à exceção do pagamento do valor de 5% para indemnização, no montante de €5.737,50”.
Analisemos, então, se é, ou não, devido pelo remidor o pagamento da quantia de € 5 737,50, correspondente a 5% do preço de venda.
A decisão recorrida entendeu que tal valor de 5% é devido porque o efetivo direito de remição pressupõe que o remidor deposite a totalidade do valor da venda e as adquirentes já efetuaram o depósito do preço, em março de 2022, invocando, como fundamento legal, o disposto no art. 843º, nº 2, do CPC.
Os recorrentes discordam desta decisão com base em dois fundamentos: por um lado, porque entendem que a indemnização de 5% prevista no art. 843º, nº 2, do CPC, só é devida nos casos de venda por propostas em carta fechada, não sendo devida na situação em apreço uma vez que a venda foi feita por negociação particular; por outro lado, porque consideram que o pagamento do preço por parte das adquirentes é consequência de uma omissão por parte do Sr. AE, pelo que o remidor não deverá ser responsável pelo pagamento do valor de 5% de indemnização.
O direito de remição encontra-se previsto nos arts. 842º e ss, do CPC, sendo um direito que permite que certos interessados, potestativamente, se substituam ao adjudicatário ou ao comprador na aquisição de bens penhorados, mediante o pagamento do preço por eles oferecido (cf. Rui Pinto in A Ação Executiva, pág. 885).
O direito de remição constitui um direito de preferência legal de formação processual que, tendo por finalidade a proteção do património comum familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado (cf. Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in CPC Anotado, Vol. III, 3ª ed., pág. 834), direito esse que é conferido pelo art. 842º, do CPC, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, aos descendentes e aos ascendentes do executado, os quais podem remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
Trata-se de um direito de preferência qualificado no sentido de que prevalece sobre o direito de preferência (art. 844º, nº 1, do CPC).
O exercício do direito de remição defere-se pela ordem estabelecida no art. 845º, do CPC, ou seja, em primeiro lugar ao cônjuge, em segundo lugar aos descendentes e em terceiro lugar aos ascendentes do executado.
Para que o direito de remição possa proceder é necessário que exista, previamente, uma venda ou adjudicação de bens, sendo sobre essa alienação que é reconhecido ao respetivo titular a remição do direito. Não pode o exercício deste direito preceder a alienação (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. II, pág. 263).
O direito de remição é exercido de forma espontânea, não sendo necessário identificar e notificar os respetivos titulares porquanto, dada a existência de relações familiares muito próximas entre o executado e os titulares do direito de remição enumerados no art. 842º do CPC, a lei presume que aquele dará conhecimento a estes das ocorrências processuais relevantes para efeitos de exercício efetivo do aludido direito.
De acordo com o disposto no art. 843º, do CPC, o direito de remição pode ser exercido:
a) no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
O art. 843º estabelece o prazo limite para o exercício do direito de remição, ou seja, o seu termo final. Já quanto ao seu termo inicial consideramos que coincide com o momento em que é ordenada a venda e determinado o preço respetivo, pois, a partir dessa altura, o titular do direito de remição já se encontra em condições de poder exercer tal direito.
De acordo com o art. 843º, nº 2, do CPC, aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.
Este normativo apenas prevê expressamente o pagamento do acréscimo de 5%, como indemnização, nos casos de venda por propostas em carta fechada, não o prevendo para as outras modalidades de venda, designadamente para a venda por negociação particular, e apenas prevê esse pagamento quando o direito de remição seja exercido depois de efetuado o depósito referido no art. 824º, nº 2.
Para o exequente ou para os credores reclamantes é absolutamente indiferente que os bens sejam adquiridos pelo proponente ou pelo remidor, em substituição daquele, ficando os seus interesses patrimoniais de recebimento do seu crédito integralmente garantidos em qualquer das situações.
Já os proponentes que tenham tido que depositar o preço e se vejam depois substituídos pelo remidor, no uso do seu direito potestativo, sofrem prejuízos pois tiveram de disponibilizar o valor do bem do qual ficam agora privados e viram as suas expectativas de aquisição frustradas. Por tais motivos, justifica-se que a lei imponha que, nesse circunstancialismo, ou seja, quando o preço já tenha sido depositado pelo proponente, o remidor tenha que pagar o preço do bem e ainda um acréscimo de 5% desse valor como indemnização do proponente.
Com a consagração desta solução o legislador pretendeu simultaneamente penalizar o remidor que se apresenta a exercer o direito apenas no último momento e indemnizar o proponente pelos danos sofridos, traduzidos estes na disponibilidade do valor do preço, sem a correspondente contrapartida de aquisição do bem, e na frustração das suas expectativas.
Na verdade, no caso de venda por propostas em carta fechada, o proponente não tem que pagar logo o preço, tendo unicamente que juntar com a sua proposta, como caução, um cheque visado no montante correspondente a 5% do valor anunciado para a venda ou garantia bancária do mesmo valor (art. 824º, nº 1, do CPC).
Se a sua proposta for aceite, o proponente será então notificado para, no prazo de 15 dias, proceder ao depósito da totalidade ou da parte do preço em falta (art. 824º, nº 2, do CPC).
Se o remidor exercer o seu direito no ato de abertura de propostas, também ele terá unicamente de juntar cheque visado de 5% ou garantia bancária, sendo notificado para depositar o remanescente em falta, tudo em termos idênticos aos vigentes para o proponente pois que lhe é aplicável o regime atrás descrito e constante do art. 824º, por via da remissão feita pelo art. 843º, nº 2, ambos do CPC.
Todavia, se o remidor exercer o seu direito entre a aceitação da proposta em carta fechada e um dos momentos referidos no art. 843º, nº 1, ou seja, até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente ou no prazo de 5 dias após o termo do prazo para o proponente efetuar o depósito, deverá, nessa hipótese, não só depositar o valor do preço como ainda o acréscimo de 5% para indemnizar o proponente, desde que este já tenha efetuado o depósito da totalidade do preço.
No caso de venda por propostas em carta fechada, só depois de pago integralmente o preço e satisfeitas as obrigações ficais é que os bens serão adjudicados e entregues ao proponente, com emissão do correspondente título de transmissão a seu favor (art. 827º, nº 1, do CPC).
E, até que tal título seja emitido, o remidor pode exercer o seu direito.
Dada esta dilação temporal, justifica-se que se penalize o remidor que aguardou até ao último momento para exercer o seu direito e se indemnize o proponente que depositou o preço e vai ser substituído na aquisição, sendo esta a razão pela qual o legislador fixou a atribuição de uma indemnização de 5% do valor do bem, devida quando ocorra o circunstancialismo descrito.
Portanto, e sintetizando, podemos afirmar que a indemnização de 5% prevista no art. 843º nº 2 do CPC é devida:
• nos casos de venda por propostas em carta fechada;
• se o direito de remição só for exercido depois do ato de abertura e aceitação das propostas;
• e se o proponente que vai ser substituído já tiver depositado o valor total do preço da venda.
Apenas se referindo expressamente o art. 843º, nº 2, do CPC, à venda por propostas em carta fechada discute-se se o acréscimo de 5% para indemnização do adquirente nos casos em que já tenha sido depositada a totalidade do preço da compra se aplica também às restantes modalidades de venda.
Como nos dá nota o acórdão desta Relação de Guimarães, de 21.4.2022, Relator José Alberto Moreira Dias (in www.dgsi.pt), no qual interviemos como 2ª adjunta, “[e]ssa questão não tem merecido resposta uniforme por parte da jurisprudência, na medida em que segundo uma corrente, que cremos ser minoritária, alicerçada no elemento gramatical do n.º 2 do art. 843º, essa indemnização apenas é devida nos casos de venda realizada por propostas em carta fechada, em que, na altura em que o remidor exerça o direito de remição, o proponente já tenha depositado a totalidade do preço que ofereceu e que foi aceite pela aquisição do bem, ou seja, segundo essa corrente, a indemnização de 5% a que alude o art. 843º do CPC, apenas se aplica à venda por propostas em carta fechada, e já não às restantes modalidades de venda. Já uma outra corrente, em que nos inserimos, assente no elemento teleológico da norma em causa, procede a uma interpretação extensiva desse n.º 2 do art. 843º, sustentando que, mediante a consagração da indemnização nele prevista, visou o legislador indemnizar o proponente pelos prejuízos que sofra em consequência de ter disponibilizado a totalidade do preço que ofereceu pela aquisição do bem e que fora aceite, quando essa disponibilização se tornou para aquele inútil, por via do exercício do direito potestativo de remição reconhecido por lei ao remidor, e que esse prejuízo se verifica independentemente da modalidade da venda”.
Perfilhamos esta segunda corrente porque as razões que subjazem à atribuição da indemnização de 5% na venda por propostas em carta fechada são igualmente válidas na venda por negociação particular.
A venda por negociação particular encontra-se prevista no art. 833º, do CPC, prevendo-se no nº 4, no que toca ao pagamento do preço, que o mesmo é depositado diretamente pelo comprador antes de lavrado o instrumento da venda.
Significa isto que, no caso de venda de imóveis por negociação particular, antes da assinatura do título que documenta a venda, e que será a escritura pública ou o documento particular autenticado (art. 875º, do CC), o adquirente já teve necessariamente que proceder ao depósito do preço por tal imposição legal decorrer do art. 833º, nº 4, do CPC.
Existe também nesta modalidade de venda um hiato temporal entre o momento do depósito do preço e o momento da assinatura do título que documenta a venda, tal como sucede na venda por propostas em carta fechada, embora com procedimentos diferentes.
Tendo o depósito do preço sido efetuado pelo adquirente se o mesmo, posteriormente, por força do exercício do direito de remição, se vê substituído na aquisição, justifica-se indemnizá-lo pelos danos sofridos, traduzidos estes na disponibilidade do valor do preço, sem a correspondente contrapartida de aquisição do bem, e na frustração das suas expectativas, à semelhança do que sucede na venda por propostas em carta fechada.
Por outro lado, também aqui valem as razões atinentes à penalização do remidor que espera até ao último momento para exercer o seu direito pois, nesta modalidade de venda, está em condições de remir a partir do momento em que é proferida a decisão de venda na qual consta a modalidade da venda e o respetivo preço.
Por conseguinte, e tal como sumariado no citado acórdão, concluímos que “[a] indemnização de 5% a favor do proponente vencedor, prevista no art. 843º, n.º 2 do CPC, aplica-se a todas as modalidades de venda, uma vez que, essa indemnização, se destina a indemnizar o proponente vencedor pelos prejuízos que sofra em consequência de, no momento em que é exercido o direito de remição, já ter depositado a totalidade do preço que propôs pela aquisição do bem em venda e que fora aceite, e esse prejuízo do proponente vencedor verifica-se independentemente da modalidade da venda escolhida e realizada.”
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a venda foi efetuada por negociação particular, tendo o documento sido assinado em 18.5.2022, e tendo o preço respetivo sido integralmente pago pois cada uma das adquirentes efetuou o pagamento da quantia de € 57 375,81 em 16.3.2022 e 23.3.2022.
Por conseguinte, conforme estabelecido no art. 843º, nº 2, do CPC, o qual é aplicável à venda por negociação particular, o remidor para além de ter que depositar o preço de aquisição do imóvel de € 114 750,00 tem ainda de depositar o acréscimo de 5%, no valor de € 5 737,50, a título de indemnização das adquirentes, uma vez que as mesmas depositaram a totalidade do preço,
Improcede, pois, este fundamento de recurso.
Os recorrentes argumentam ainda que o pagamento do preço por parte das adquirentes foi consequência de uma omissão por parte do Sr. AE, pelo que o remidor não deverá ser responsável pelo pagamento do valor de 5% de indemnização.
A omissão cometida pelo Sr. AE que é geradora de anulação da venda consistiu em o mesmo não ter notificado os executados da data, hora e local de outorga do documento particular autenticado de compra e venda.
Não foi esta omissão de notificação que determinou o pagamento do preço por parte das adquirentes. Esta omissão apenas determinou a impossibilidade de os executados saberem a data em que iria ocorrer a assinatura do documento particular autenticado, no caso em 18.5.2022, sendo certo que o preço já estava depositado desde 16.3.2022 e 23.3.2022.
Ainda que a referida omissão não tivesse ocorrido e o Sr. AE tivesse comunicado aos executados o local, data e hora de assinatura do documento particular autenticado tal não evitaria o depósito do preço, pois este foi realizado em 16.3.2022 e 23.3.2022.
E repare-se que a notificação das adquirentes para efetuarem o depósito do preço feita pelo Sr. AE só ocorreu depois de ter sido dado conhecimento aos executados do preço, condições da venda e identificação das adquirentes e, inclusivamente, depois de ter sido solicitado aos executados que comunicassem a intenção de exercerem eventuais direitos de preferência legal ou convencional.
Por conseguinte, conclui-se que não existe qualquer relação de causalidade entre a omissão cometida pelo Sr. AE e o depósito do preço por parte das adquirentes, pelo que improcede este fundamento de recurso.
Consequentemente, de tudo o exposto, conclui-se que o valor total a depositar por parte do remidor é de € 120 487,50 tal como consta da decisão recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, as custas ficam a cargo dos recorrentes, embora sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os recorrentes/executados e da decisão final que vier a ser proferida quanto ao pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente/remidor.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os recorrentes/executados e da decisão final que vier a ser proferida quanto ao pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente/remidor.
Notifique.
Guimarães, 19.1.2023
(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas