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APOIO JUDICIÁRIO
CITAÇÃO EDITAL
CONTESTAÇÃO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Sumário
I - Realizando-se a citação por meio de editais, ao prazo para a contestação de trinta dias previsto no artigo 569º, n.º 1, do CPC, acrescem 30 dias de dilação, por força do preceituado no artigo 245º, n.º 3, do CPC. II - Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono – artigo 24º, n.ºs 4 e 5, alíneas a) e b) da Lei n.º 34/2004, de 29.07. III - Sendo estes dois prazos distintos e autónomos, no caso de o prazo dilatório estar já decorrido, o prazo em curso, para efeitos de interrupção e de reinício da contagem, é unicamente o prazo peremptório de 30 dias previsto no artigo 569º, n.º 1, do CPC. IV - O artigo 142º do CPC, ao determinar que, quando a um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como se fossem um só, visa apenas esclarecer que ao termo de um prazo segue-se de imediato (sem interrupção) a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertam num só.
Texto Integral
Processo n.º 18/21.0T8ALB-A.P1 Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3 Relator: Des. Jorge Miguel Seabra 1º Juiz Desembargador Adjunto: Dr.ª Maria de Fátima Andrade 2º Juiz Desembargador Adjunto: Dr.ª Eugénia Cunha
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO: 1. Na presente acção declarativa sob a forma de processo comum em que são RR AA e “V..., S.A.”, foi proferido a 7.07.2022 despacho a julgar extemporâneas as contestações oferecidas pelos ditos RR e por as mesmas terem sido oferecidas nos autos para lá do prazo legal para o efeito.
** 2. Inconformados, ambos os RR interpuseram recurso do aludido despacho, oferecendo alegações e concluindo a final no seguintes termos CONCLUSÕES (Réu AA) 1- O douto despacho recorrido (proferido em 7 de Julho de 2022, referência citius n.º 122446210) deve ser revogado e substituído por Acórdão que admita a contestação apresentada pelo recorrente em 27 de Abril de 2022, com a referência citius n.º 12927363; 2- Interpreta o douto despacho recorrido o conjunto de normas compostos pelos artigos 142.º, 242.º, n.º2, 245.º, 569.º, n.º1 do C.P.Civil, 326.º, n.º1 do C.Civil, 24.º, n.ºs 4 e 5 da Lei n.º34/2004, de 29 de Julho, alterado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, atentos os factos dados como provados e acima transcritos, designadamente os factos constantes de 2), 3), 7) a 9), no sentido de que feita a comprovação nos autos pelo réu, aqui recorrente, da apresentação junto dos Serviços da Segurança Social do pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de patrono já depois de decorrido o prazo de dilação previsto para a citação edital, o efeito interruptivo do prazo para contestação se produz apenas quanto ao prazo peremptório previsto no artigo 569.º, sendo o dies a quo da contagem desse prazo o previsto no facto provado 9). 3- Tal interpretação, salvo o devido respeito que é muito, não encontra sustentação quer na letra, quer no espírito, do artigo 142.º. 4- Na verdade, se esta norma manda que o prazo dilatório e o prazo peremptório que lhe sucede, sejam contados como um só, atenta a regra da continuidade dos prazos, prevista no artigo 138.º, a verificação do efeito interruptivo previsto no facto provado 3), abrange também ambos os prazos e tem como consequência a sua nova contagem a partir do dia constante do facto provado 9). 5- De onde deriva que na data contante de 10) dos factos provados, quando o réu, aqui recorrente, apresentou a sua contestação, estava em tempo. 6- O douto despacho recorrido violou, por incorrecta interpretação, as normas constantes da conclusão 2. Termos em que deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por Acórdão que admita a contestação apresentada pelo recorrente em 27 de Abril de 2022, com a referência citius n.º 12927363 (…)
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CONCLUSÕES (Ré “V..., S.A.”) 1ª Interpreta a M.M.ª Juiz a Quo, com o devido respeito, erradamente, que da análise do artº 24º, nºs 4 e 5, da Lei de Apoio Judiciário, resulta que a faculdade de alargamento do prazo em curso para contestar, é conferida apenas ao co-Réu AA de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, não aproveitando tal interrupção à co-Ré, porquanto o requerente do apoio judiciário necessita de consultar o patrono nomeado para preparar a sua defesa, na perspetiva do patrocínio dos seus direitos serem defendidos, não se vislumbrando na letra da lei do citado artº 24º, nºs 4 e 5, al. a) nem do espírito do legislador que tal alargamento do prazo para contestar possa ser aproveitado pela co-Ré, não violando os direitos desta, nomeadamente o princípio da igualdade, e em última instância, do direito a processo justo e equitativo, constitucionalmente consagrados no artº 20º da Constituição. 2ª - Nos termos do artigo 569º, nº 1 do C.P.C., o réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar; ( ). Mais estabelecendo o nº 2 do mesmo artigo 569º que: quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. 3ª - O co-Réu AA, foi citado editalmente em 13.10.2021 (refª Citius 118269645), para contestar no prazo de 30 dias, acrescido da dilação de 30 dias. Prazo esse que, nos termos do referido artigo nº 569º, nº2 do C.P.C. aproveita à co-Ré V..., S.A.. 4ª - Por despacho de 15.12.2021 (refª Citius 119285816), notificado ao mandatário da co-Ré V..., S.A. em 16-12-2021 (refª Citius 119349503) considerou-se interrompido o prazo em curso para o Réu apresentar a sua contestação, ou seja, o prazo de 30 dias, acrescido da dilação de 30 dias. Interrupção do prazo para apresentação de contestação que, igualmente, aproveita à co-Ré. 5ª - A 04/02/2022, o Ilustre Patrono nomeado veio aos autos informar do seu pedido de escusa (cfr. refª 04/02/2022), pelo que, e nos termos do artigo 34º, nº2 da Lei 34/2004, se interrompeu o prazo em curso para o Réu apresentar a sua contestação. Interrupção do prazo para apresentação de contestação que, igualmente, aproveita à co-Ré. 6ª - Por ofício da Ordem dos Advogados datado de 17/02/2022 foi nomeado outro patrono oficioso ao Réu, e nessa data foi o Ilustre Patrono notificado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º, ou seja, de que o prazo interrompido se iniciava com a sua nomeação. 7ª - Prazo que, no modesto entender da Recorrente, teria o seu termo no dia 28.04.2022. 8ª - Ora, como nos termos do nº 2 do artigo 569º do C.P.C.: quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. Tendo a co-Ré V..., S.A., ora Recorrente apresentado a sua contestação (refª 12932929) no dia 28.04.2022, a mesma foi apresentada tempestivamente. 9ª Interpreta a M.M.ª Juiz a Quo, no douto despacho proferido, quanto ao nosso modesto entender, igualmente, erradamente, que de harmonia com o disposto no artº 326º, nº 1, do Código Civil, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja a partir da notificação ao patrono da sua designação. No caso de a parte beneficiar de dilação, se deve considerar que se está perante dois prazos distintos, autónomos; caso em que o primeiro já tiver transcorrido, não pode ser considerado para efeitos de contagem do novo prazo. 10ª Não obstante a sua diferente natureza, os prazos dilatório e peremptório contam-se como se de um só prazo se tratasse, designadamente para efeitos de interrupção. Tal acontece por vontade do legislador ao estabelecer, no artigo 142º do C.P.C. que quando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se com um só. 11ª - Ou seja, são incindíveis, não se cindem para efeitos de contagem. E, como tal, também não se cindem para efeitos de interrupção de prazo. 12ª - Consequentemente, quando a ora Recorrente apresentou a sua contestação, o que aconteceu em 28.04.2022, ainda decorria o prazo para o Co-Réu AA apresentar a sua contestação, prazo que aproveita à aqui Recorrente, nos termos do artigo 569, nº 2 do C.P.C., pelo que a contestação por si apresentada é tempestiva. 13ª - O douto despacho recorrido violou, por incorrecta interpretação, as normas constantes dos artigos 9º e 326.º do Código Civil, artigos 24.º, n.ºs 4 e 5 e 34º, nº 2 da Lei n.º 34/2004, de 29.07.2004, e artigos 138.º, 142.º, 242.º, n.º 2 e 245.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. 14ª - Pelo que, no nosso modesto entender, deve o despacho proferido ser revogado e substituído por Acórdão que admita a contestação apresentada pela recorrente (refª 42072184).
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3. O Autor/Recorrido ofereceu contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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4. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artigos 635º, n.ºs 3 e 4 e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
No seguimento desta orientação a única questão a dirimir consiste em saber se as contestações oferecidas pelos RR (ambos) são intempestivas, conforme decidido no despacho recorrido, ou, ao invés, se as mesmas foram oferecidas no prazo legal para o efeito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Para efeitos decisórios, o Tribunal de 1ª instância procedeu ao elenco dos seguintes factos que resultam provados à luz dos elementos constantes dos autos:
1) A co-Ré V..., S.A. foi citada por carta registada com AR no dia 13/01/2021 (cfr. refª 11020911);
2) O co-Réu AA foi citado editalmente por anúncio de 13/10/2021 (cfr. refª 118269645);
3) A 09/12/2021, o Réu juntou aos autos comprovativo de pedido de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono (cfr. refª 12320165);
4) Face ao pedido de apoio judiciário, a 15/12/2021 foi proferido despacho nos termos do qual considerou interrompido o prazo para o co-Réu apresentar contestação;
5) Neste despacho foi determinada a notificação das partes do respetivo teor;
6) Por ofício datado de 16/12/2021 foram notificados o Autor, a co-Ré V..., S.A. e o co-Réu AA do teor do despacho datado de 15/12/2021;
7) Por ofício da Ordem dos Advogados datado de 27/12/2021 foi nomeado patrono ao Réu, e nessa data foi o Ilustre Patrono notificado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (cfr. refª 12393103);
8) A 04/02/2022, o Ilustre Patrono veio aos autos informar do seu pedido de escusa (cfr. refª 04/02/2022);
9) Por ofício da Ordem dos Advogados datado de 17/02/2022 foi nomeado outro patrono oficioso ao Réu, e nessa data foi o Ilustre Patrono notificado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (cfr. refª 12626040);
10) A 27/04/2022, o co-Réu AA apresentou contestação (refª 12927363);
11) A 28/04/2022, co-Ré V..., S.A. apresentou contestação (refª 12932929).
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Como acima se expôs a questão essencial a decidir no presente recurso consiste em saber se as contestações das RR, a primeira, oferecida nos autos pelo Réu AA, a 27.04.2022, e a segunda, oferecida nos autos pela Ré “V...”, a 28.04.2022, são intempestivas ou, pelo contrário, foram oferecidas ainda dentro do prazo legal para o efeito.
No que diz respeito à contestação, como resulta do preceituado no artigo 569º, n.º 1, do CPC, o prazo para o seu oferecimento nos autos é “… de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar;”
Releva, assim, neste contexto, distinguir o prazo peremptório e o prazo dilatório, pois que se trata de prazos que, por cumprirem finalidades distintas, são, de facto, distintos.
Nesta matéria, como referia J. Alberto dos Reis, “CPC Anotado”, I volume, 1982, pág. 273, no domínio do velho Código de Processo Civil, mas que se mantem plenamente actual, “O prazo peremptório e o prazo dilatório distinguem-se pela função que desempenham. Função do prazo peremptório: marcar o período de tempo durante o qual pode praticar-se um acto de processo. (…) Função do prazo dilatório: estabelecer uma pausa, uma dilação, um compasso de espera. (…) O prazo peremptório produz este efeito: logo que expire, fica extinto o direito de praticar o acto respectivo. (…) O efeito do decurso prazo dilatório é diverso: consiste em pôr termo à pausa e portanto em provocar o começo do prazo peremptório.” [1]
Esta distinção entre os dois prazos mostra-se, aliás, expressamente prevista no artigo 139º, n.ºs 2 e 3 do CPC, não merecendo, pois, qualquer dissídio, que no caso dos autos, também não se verifica.
Por outro lado, resulta, ainda, do artigo 142º, do CPC, que “Quando a um prazo peremptório se seguir um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.”
É, se bem vemos os termos dos recursos interpostos, este último normativo que está na base da argumentação de ambos os Recorrentes, pois que sustentam que está em causa um único prazo e, como tal, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação do Patrono do Réu AA da sua respectiva notificação (a 17.02.2022, com efeitos a 21.02.2022, por ser o primeiro dia útil dos três posteriores àquele), o dito prazo de 60 dias (30 dias de dilação – artigo 245º, n.º 3, do CPC, atenta a citação edital do mesmo Réu -, acrescido de 30 dias para contestar – artigo 569º, n.º 1, do CPC), apenas se veio a concluir a 22.04.2022, ou, no limite, a 28.04.2022, com o pagamento da multa atinente ao terceiro dia útil após aquela data e sendo certo que o dia 25.04. é Feriado Nacional.
Por conseguinte, segundo o raciocínio exposto, o Réu AA considera que a sua contestação de 27.04.2022 é tempestiva (sem prejuízo, naturalmente, do pagamento da multa já referida), o mesmo sucedendo com a contestação da Ré datada de 28.04.2022 (sem prejuízo do pagamento da multa correspondente), sendo certo que, segundo esta outra Ré, nos termos do n.º 2 do artigo 569º, do CPC, lhe aproveita o prolongamento do prazo para contestar de que beneficia o co-Réu, AA.
Nesta matéria, importa começar por salientar que o normativo do artigo 142º, do CPC, não significa, ao contrário do que parecem sustentar ambos os Recorrentes, que exista um único prazo (no caso, de 60 dias), correspondente à soma do prazo dilatório e do prazo peremptório, mas apenas e só que aqueles dois prazos (distintos, como se viu) se contam como se fossem um só, ou seja, a lei adjectiva ficciona, para efeitos de contagem do prazo, que os dois se seguem ininterruptamente, sem, no entanto, deixar de distinguir cada um dos ditos prazos.
Neste sentido, como refere A. Varela, op. cit., pág. 334-335, “… Nesse caso, seguindo-se o prazo peremptório (…) ao prazo dilatório (de duração variável), os dois prazos contam-se como se fossem um só (art. 148º- actual artigo 142º, do CPC) – sem o dia de interregno, que seria normal estabelecer entre um e outro.”
De facto, como decorre do artigo 279º, alínea b), do Cód. Civil, “... Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, o que, no caso da contestação, com prazo de dilação seguido de prazo peremptório, conduziria, não fosse o citado artigo 142º, do CPC, a que o primeiro dia após o termo do prazo dilatório não fosse contabilizado para a contagem do dito prazo peremptório em causa.
Por conseguinte, o citado artigo 142º não prevê a soma dos dois prazos ou a sua transformação num único prazo, apenas deixa claro que, apesar de serem dois prazos distintos, os dois contam-se como se fossem um só, portanto, sem qualquer interrupção entre um e o outro.
Digamos que se fosse, de facto, um só prazo, como defendem os Recorrentes, o legislador não teria o cuidado de dizer em letra de lei – como disse – que os dois prazos se contam com se fossem um só, pois que, nessa hipótese, uma tal consagração seria de todo redundante e inútil.
Destarte, deve-se partir do pressuposto, oposto ao invocado pelos Recorrentes, de que estão em causa dois prazos distintos, ou seja, um prazo de dilação de 30 dias (atenta a citação edital do Réu AA), seguido, depois, de um outro prazo peremptório para contestar, prazo este que é de 30 dias, contando-se, no entanto, ambos seguidamente, como se fossem um só.
Esta ideia-base que temos como indiscutível, como melhor se verá, acaba por ser, em nosso julgamento, para aferir/definir a resposta à questão colocada, qual seja a da intempestividade (ou não) das contestações oferecidas por ambos os Recorrentes.
Neste sentido, escreveu-se, com relevo à decisão, no despacho recorrido o seguinte: “Conforme resulta da análise dos autos, o co-Réu AA foi citado editalmente por anúncio de 13/10/2021, para contestar no prazo de 30 dias, decorrida que seja a dilação de 30 dias, contada da publicação do anúncio, com a cominação de que a falta de contestação importava a confissão dos factos articulados pelo autor - artºs 241º, 242, 243, e 569º, nº 1, do Código de Processo Civil. O co-Réu formulou pedido de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono. Por despacho datado de 15 de Dezembro de 2021, foi determinada a interrupção do prazo em curso, ou seja interrompeu-se o prazo para o co-Réu contestar, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono da sua nomeação pela Ordem dos Advogados. In casu, o ofício da Ordem de Advogados e notificação de nomeação de patrono a atender é o datado de 17/02/2022 (cfr. refª 12621721). Ora, de harmonia com o disposto no artº 326º, nº 1, do Código Civil, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja a partir da notificação ao patrono da sua designação. No caso de a parte beneficiar de dilação, entendemos que se deve considerar que se está perante dois prazos distintos, autónomos; caso em que o primeiro já tiver transcorrido, não pode ser considerado para efeitos de contagem do novo prazo.” (bold e sublinhados estes últimos por nós inseridos)
E, ainda, neste contexto, também ali se escreveu: “Na verdade, o artº 569º, nº 1, do Código de Processo Civil estipula que “O réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar…; o artº 142º do mesmo diploma legal prescreve que “Quando um prazo perentório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.” Reportando-nos ao caso dos autos, por o co-Réu ter sido citado editalmente, ao prazo da contestação de 30 dias previsto no artº 569º, nº 1, acresce 30 de dilação (artº 242º, nº 2); face ao pedido de apoio judiciário formulado pelo Réu, nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, o prazo em curso interrompeu-se, reiniciando-se a contagem a partir da notificação do patrono nomeado. Assim, sendo estes dois prazos distintos, e no caso do prazo dilatório ter decorrido, o prazo em curso, para efeitos da interrupção e reiniciação da contagem, é apenas o prazo perentório de 30 dias para apresentação da contestação, ou seja o prazo a que alude o artº 569º, nº 1, do Código de Processo Civil.” (bold e sublinhados nossos)
Ora, com o devido respeito por opinião em contrário, a posição defendida pela Sr.ª Juíza do Tribunal de 1ª instância é totalmente de perfilhar, pois que, não só estão em causa dois prazos distintos – como acima se referiu e também se mostra devidamente salientado na douta decisão recorrida -, como, sobretudo, não se vê como é possível, como sustentam os Recorrentes, fazer renascer um prazo (o prazo dilatório) quando o mesmo decorreu integralmente antes do facto interruptivo e, portanto, já não existe sequer esse outro prazo.
Com efeito, importa ter presente que, no caso dos autos, em função do preceituado no artigo 24º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o facto interruptivo – junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de Patrono ao co-Réu AA [2] – teve lugar a 9.12.2021 (vide factos provados em 3 e 4), ou seja, quando já tinha decorrido integralmente o prazo de 30 dias de dilação, que teve o seu início a 13.10.2021 e terminus a 12.11.2011, em conformidade com o disposto no artigo 242º, nºs 1 e 2 do CPC (vide facto provado em 2).
Destarte, quando, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 5 do mesmo artigo 24º da Lei n.º 34/2004 [3], a 21.02.2022 se iniciou o prazo antes interrompido, esse prazo só pode ser, conforme decidido pelo Tribunal de 1ª instância e aqui se subscreve integralmente, única e exclusivamente o prazo peremptório de 30 dias para contestar (artigo 569º, n.º 1, do CPC), sendo certo que, como já antes se acentuou, o prazo dilatório já se tinha há muito esgotado e, portanto, não pode considerar-se agora renascido e iniciado para efeitos de nova contagem. Aliás, se assim fosse, chegar-se-ia, com o devido respeito, ao absurdo de o Réu AA beneficiar de mais de 60 dias só e apenas de dilação, quando esta é, segundo a lei, apenas e só de 30 dias e em razão da sua citação edital.
Ora, sendo assim, como defendemos na esteira da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, o prazo para contestar (30 dias) teve o seu início a 22.02.2022 e concluiu-se a 23.03.2022 ou, em última instância, a 28.03.2022, correspondente ao terceiro dia útil após aquela data e com o pagamento da multa a que alude o artigo 139º, n.º 5, do CPC.
Destarte, dúvidas não podem subsistir que ambas as contestações das RR (mesmo a admitir-se, por dever de raciocínio, que a Ré “V..., S.A.” possa beneficiar da sobredita extensão do prazo para contestar do co-Réu AA, nos termos do artigo 569º, n.º 2, do CPC) são manifestamente intempestivas, pois que apenas foram apresentadas em juízo a 27.04. e 28.04.2022.
Neste contexto, só nos resta, pois, confirmar a posição do Tribunal de 1ª instância e a sua consequente decisão, pois que com ela concordamos integralmente, sendo certo que, no caso, repete-se, à data do facto interruptivo todo o prazo dilatório (30 dias) já tinha decorrido integralmente. A única hipótese em que, à luz do citado regime legal, julgamos ser possível o início de novo prazo de dilação a acrescer ao prazo peremptório será se, à data do facto interruptivo, o prazo dilatório não se encontrar totalmente esgotado, caso em que, por força do citado artigo 24º, n.º 5, alínea a), da citada Lei n.º 34/2004, esse prazo também se iniciará.
Por último é de referir que não ignora este Tribunal da Relação que existem doutos acórdãos em que não é esta a posição assumida, considerando-se nos mesmos que, após a cessação da interrupção do prazo, deve voltar a correr de novo e na íntegra o prazo dilatório (mesmo que já esteja esgotado) acrescido, ainda, do prazo peremptório.
É o caso do douto Acórdão desta Relação de 17.06.2021, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Filipe Caroço, citado pelas Recorrentes, ou, ainda, do Acórdão da Relação de Évora de 22.03.2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Mata Ribeiro, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Todavia, em sentido oposto ao decidido nestes doutos Acórdãos e nos termos que acima defendemos pronunciou-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 6.06.2019, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Catarina Serra, também disponível in www.dgsi.pt e com cuja doutrina concordamos e aqui seguimos.
Com efeito, como se assinala neste último Acórdão do STJ, precisamente em situação praticamente idêntica à que versam os presentes autos [4] – proferido na sequência de douto Acórdão da Relação de Guimarães de 18.10.2018, inédito e não publicado, que tinha confirmado a decisão do Tribunal de 1ª instância no mesmo sentido da que ora foi proferida pelo Tribunal de 1ª instância -, “… O problema está em saber quando se esgotou este prazo [prazo dilatório], o que implica saber que prazo estava em curso e foi interrompido. Nestas hipóteses em que a parte beneficia de dilação, deve considerar-se que o prazo que está em curso é o prazo global, unitário, composto do período previsto no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC e do período previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, ou deve considerar-se que estão em causa dois prazos distintos, autónomos e dissociáveis, caso em que o primeiro, estando já decorrido, não pode ser considerado para efeitos de contagem de novo prazo? Sem hesitação, afigura-se que a resposta correcta é a segunda. Veja-se por que razão. Dispõe o artigo 139.º do CPC, quanto às modalidades do prazo, que o prazo pode ser dilatório ou peremptório (cfr. n.º 1), sendo que o primeiro difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de certo prazo (cfr. n.º 3) e o segundo extingue o direito de praticar o acto (cfr. n.º 3). Não há dúvida de que o prazo de que a recorrente beneficia ao abrigo do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC é um prazo dilatório (também designado “suspensivo”) que acresce ao prazo estabelecido para a contestação no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, que, por seu turno, se classifica como peremptório (também designado “conclusivo, preclusivo, resolutivo”). A diversidade de natureza de cada um dos prazos está patente nas respectivas designações e associa-se, inevitavelmente, à diversidade das respectivas funções. O prazo, peremptório, conclusivo, preclusivo, resolutivo, previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC corresponde ao período de tempo dentro do qual o acto (in casu: a apresentação da contestação) pode ser praticado, sob pena de deixar de ser possível praticá-lo. Este último prazo é, por isso, considerado manifestação do princípio da preclusão. Enquanto isso, a dilação ou suspensão do 245.º, n.º 1, al. a), do CPC corresponde ao período de tempo que antecede a contagem do prazo fixado para a apresentação da contestação e justifica-se pelo facto de a citação ter sido realizada em pessoa diversa do citando. Mais precisamente, a dilação visa assegurar apenas que a citação chega ao conhecimento do citando, ficando este, por fim, habilitado a exercer o seu direito de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realizada directamente na sua pessoa. Os dois prazos apresentam-se bem demarcados na letra da lei. O artigo 569.º, n.º 1, do CPC, tem a epígrafe “[p]razo para a contestação”, e determina que, quando haja lugar a dilação, o prazo para a contestação começa a correr desde o termo da dilação. E o artigo 142.º do CPC determina que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório “os dois prazos contam-se como [se fossem] um só”. Como explicam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o objectivo desta última disposição é o de impedir que se conte, entre os dois prazos, o dia de interregno que seria normal contar-se, isto é, de esclarecer que ao termo de um deve seguir-se imediatamente a contagem do outro. De tudo isto decorre que os dois prazos são prazos distintos e autónomos (são 5 dias + 30 dias e não 35 dias, como alega a recorrente), ainda que a lei ficcione, para efeitos de contagem – e só para efeitos de contagem –, o seu “englobamento” ou “fusão” num prazo único. Voltando ao caso dos autos: A recorrente foi citada em 24.05.2017 e formulou pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono em 26.06.2017, o que interrompeu o prazo em curso. O prazo dilatório encontrava-se já completamente esgotado nessa altura e – saliente-se – havia sido realizado o interesse em homenagem do qual a lei fixa este prazo ou que o justifica. O prazo em curso era, pois, o prazo peremptório (de trinta dias) para a contestação. A sua contagem deveria reiniciar-se aquando da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou seja, em 26.07.2017, mas, como a notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem transferiu-se para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, 1.09.2017. A recorrente dispunha, em suma, de trinta dias a partir de 1.09.2017 para apresentar a sua contestação mas apresentou-a apenas em 11.10.2017. Facilmente se vê que a contestação foi apresentada fora do prazo, mesmo considerando a possibilidade concedida no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, não restando senão concluir que é extemporânea. “
Ora, como já acima se referiu, a doutrina sufragada neste Acórdão do STJ de 6.06.2019 é, com o devido respeito pela posição oposta, a que também temos como a mais correcta e a que perfilhamos pelos fundamentos que acima descrevemos, razão pela qual, sendo a sua doutrina integralmente transponível para o nosso caso, só nos resta também aqui, como no caso sobre que incidiu o dito Acórdão do STJ, concluir pela extemporaneidade de ambas as contestações oferecidas pelos RR, com a consequente improcedência de ambas as apelações interpostas e logica confirmação integral do douto despacho recorrido.
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V. DECISÃO: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Réu AA e pela Ré “V..., S.A.”, confirmando na íntegra o despacho recorrido que julgou extemporâneas as suas contestações oferecidas nos autos.
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Custas de cada um dos recursos (pois que estamos na presença de dois recursos autónomos ainda que do mesmo despacho judicial), pelos respectivos Recorrentes, que nele ficaram vencidos – artigo 527º, n.º s 1 e 2 do CPC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Réu AA.
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Porto, 14.12.2022
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
(O presente acórdão não segue na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)
_______________ [1] Vide, ainda, no mesmo sentido, por todos, A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 63. [2] O artigo 24º, n.º 4, da citada Lei n.º 34/2004 dispõe o seguinte: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. [3] Por seu turno, o n.º 5 do mesmo artigo 24º prevê (no que ora releva): “5- O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação.” [4] A única diferença assinalável relativamente ao caso dos autos é a circunstância de, no caso dos presentes autos, estar em causa uma dilação de 30 dias, por força da citação edital do co-Réu AA (artigo 245º, n.º 3, do CPC), quando, no caso em análise no douto AC STJ antes citado, estava em causa uma dilação de 5 dias pelo facto de o Réu ter ali sido citado em pessoa diversa e nos termos do artigo 245º, n.º 1, alínea a), do CPC. No entanto, como bem se vê, a questão essencial era exactamente igual à que ora se nos coloca.