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ABUSO DE DIREITO
TU QUOQUE
DIREITO À PROVA
Sumário
I. A excepção de abuso de direito na modalidade tu quoque tem aplicação, e consequentemente é invocável, entre partes. Não se confunde com a invocação, por uma parte, que o direito que é contra si invocado resulta da prática de acto ilícito cometida pela reclamante sobre terceiro completamente alheio à relação. II. Enquadrada na fundamentação geral do abuso de direito, é também intolerável para a ordem jurídica o resultado em que, por via da procedência da excepção tu quoque, aquele que a invoca pudesse beneficiar do acto ilícito que invoca que a outra parte cometeu sobre terceiro. III. Sendo evidente que a excepção invocada não pode proceder, não tem aquele a que invoca o direito à prova dos factos que a fundamentam, sob pena da prática de diligências probatórias completamente inúteis.
Texto Parcial
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
M…, nos autos melhor identificada, veio instaurar a presente acção declarativa com processo comum contra sua filha R… e contra o marido desta, N…, também nos autos melhor identificados, peticionando a final a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe:
a) O montante de €142.304,69 correspondente aos valores que os RR. movimentaram, em seu exclusivo benefício e enriquecimento, na conta da A. sem o seu conhecimento e/ou consentimento e em seu prejuízo;
b) O montante de €78.288,50 correspondente aos juros que, à taxa legal, entretanto se venceram;
c) O montante de €10.000,00 correspondente a indemnização devida à A. pelos danos não patrimoniais que a conduta dolosa dos RR. lhe provocou;
d) Os juros que vierem a vencer-se entre a data da citação dos RR. até integral liquidação das quantias ora peticionadas.
Em síntese, alegou:
- que é casada e mãe de quatro filhas, entre elas a Ré;
- que é a única titular de uma conta bancária à ordem na Caixa Geral de Depósitos S.A., por si aberta em 21 de Novembro de 2005, onde foi juntando as poupanças de uma vida;
- que conta 74 anos e saúde frágil, com fortes dificuldades de locomoção;
- que por isso tinha por hábito recorrer ao auxílio da R. R… sempre que necessitava de proceder a algum pagamento por meio de cheque e/ou multibanco;
- ré na qual depositava inteira, total e incondicional confiança;
- era esta Ré que prestava, em exclusivo, esse apoio à A. tendo, ao longo dos anos, essa conduta passado a constituir um hábito familiar, aceite por todos;
- para esse processo, a Ré R… indicava à A. o(s) pagamento(s) que, em determinado momento, necessitava(m) ser realizado(s);
- com essa justificação, que era aceite sem qualquer reserva ou questão pela A., esta emitia o(s) competente(s) cheque(s), deixando apenas em branco o campo destinado ao beneficiário, entregando-o(s) de seguida à R. R…, que na sua posse os entregava ou devia entregar a quem de direito para realizar o necessário pagamento/despesa;
- a A. também se socorria da ajuda da sua filha R… para o pagamento de contas no Multibanco, levantamento de pequenas importâncias em numerário para ter em casa, pagamentos de compras em supermercados, pagamentos às Finanças, pagamento de quotizações de condomínios, pagamento de obras em fracções autónomas…;
- estritamente para estes efeitos a A. confiava à sua filha R… o seu cartão de débito, bem como o respectivo PIN, assim lhe facultando acesso à sua conta bancária;
- por força da confiança cega que depositava na sua filha R…, a A. não lhe pedia qualquer comprovativo ou justificação dos pagamentos realizados – por intermédio de cheque ou Multibanco - acreditando piamente nas informações que a R. lhe prestava acerca da necessidade de determinados pagamentos terem de ser realizados;
- estes procedimentos ocorreram entre meados de 2010 e meados de 2017, até que, por força de uma queda em 17 de Junho de 2017, com assistência hospitalar, e na sequência da qual ficou completamente imobilizada, pediu às filhas S… e E… – que, nesse dia estavam em casa com a sua mãe – que fossem ao Multibanco retirar um extrato de conta. Constatando uma transferência que não ordenara, veio a deslocar-se ao Banco, onde veio a descobrir uma série de movimentos que a R é R… e seu marido haviam feito, ao longo dos anos, em seu exclusivo interesse e benefício;
- os Réus admitiram os factos, afirmaram que tinham em casa documentos comprovativos de todos os movimentos realizados e foi acordado que a A. e os RR procederiam a um levantamento dos movimentos detectados na conta da primeira, assumindo os RR. que devolveriam os valores que resultassem do cruzamento de ambos os levantamentos aos movimentos bancários;
- com vista à realização desse objectivo, a A. obteve, em 10 de Outubro de 2017, junto da sua Gestora de Conta, os extractos bancários da sua conta entre Janeiro de 2010 e Outubro de 2017, doc. 6;
- da análise que incidiu sobre esses extractos, resultou a identificação de movimentos bancários realizados sem o conhecimento e/ou consentimento da A., em prejuízo do seu património, sem interesse ou obrigação da A. e em único e exclusivo benefício e enriquecimento dos RR., num montante total de €250.651,97, que a A. identifica e descreve nos artigos 50º e 51º da petição inicial e nos quadros nesses artigos constantes;
- “Numa clara admissão da sua responsabilidade, os RR. procederam ao pagamento, à A., em 27 de Novembro de 2017, de €10.136,43 - correspondente aos movimentos realizados sem o conhecimento e/ou consentimento da A., em seu prejuízo e em único e exclusivo benefício e enriquecimento dos RR., melhor descritos no artigo 32º supra”;
- em nova reunião, e de acordo com o levantamento dos RR., “os movimentos ilícitos realizados na conta da A. totalizariam cerca de €125.000,00”;
- os RR. procederam a um outro pagamento de €4.447,03, em 03 de Abril de 2018;
- para a A. mantinham-se “por justificar, movimentos “injustificados” referentes a €216.068,51 realizados na conta ilicitamente bancária da A., porque sem o seu conhecimento e/ou consentimento”;
- a A. através dos seus advogados convocou os RR para uma reunião, na qual os RR. “de imediato reconheceram que haviam movimentado ilicitamente a conta da A., sem o seu consentimento e/ou conhecimento, em seu prejuízo e em exclusivo benefício dos RR., apropriando-se abusivamente de €105.504,30”.
- os RR atribuíram “os movimentos respeitantes aos remanescentes €110.564,21 à suposta liquidação de “despesas” realizadas por conta e no interesse da A.,” que “nunca lograram justificar”.
- em conclusão, os “RR. movimentaram ilicitamente a conta da A., à revelia do seu conhecimento e/ou consentimento, em seu prejuízo e em exclusivo benefício e enriquecimento dos RR., fazendo seus €142.304,69 que bem sabiam pertencer à A.
- “ao violarem dolosa e ilicitamente os direitos da A., em seu prejuízo e em concorrente benefício dos RR., ficaram obrigados a indemnizá-la pelo valor com que ilicitamente se locupletaram devendo, por essa via, devolver à A. o montante de €142.304,69 que lhe pertence – cfr. artigo 483º Cód. Civil”.
- ao descobrir a actuação da sua filha e genro, a A. “ficou extremamente chocada e triste” e ainda mais “quando verificou que parte desses movimentos haviam sido realizados no dia que tinha sofrido o acidente que a havia conduzido às urgências do Hospital de C…”
- a “A. (…) foi assaltada por fortes sentimentos de tristeza, choque e traição”.
- a “A. chorou quando soube que a sua filha e o seu genro a enganavam e traíam já há vários anos. (…) filha e o genro a quem a A. fazia generosas ofertas em numerário, fruto dos sentimentos que por eles nutria. (…) Enquanto que, por um lado, mimavam a A., apresentando-se como filhos pródigos, disponíveis para qualquer situação, por outro delapidavam a sua conta bancária, locupletando-se às custas da A. com dezenas de milhares de euros.
- tais danos não patrimoniais devem ser indemnizados com não menos de €10.000,00.
*
No requerimento probatório que formulou na sua petição inicial, a A. requereu:
“PROVA DOCUMENTAL:
DOCUMENTO NA POSSE DE TERCEIRO
1. Caso os RR. entendam impugnar a realização das transferências (montantes e beneficiários) melhor descritas nos artigos 32º, 50º, als. e), i) e k) supra, requer-se a V. Exª se digne mandar oficiar à Caixa Geral de Depósitos pela junção aos autos de documentos bancários que atestem a conta (IBAN) destino e respectivo titular beneficiário desses movimentos bancários, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 432º do Cód. Proc. Civil e para prova dos factos constantes dos mencionados artigos 32º, 50º, als. e), i) e k) supra.
2. Caso os RR. entendam impugnar o crédito a seu favor (montantes e beneficiários) dos montantes titulados pelos cheques melhor descritos no artigo 50º, als. a), b), c), d), f), g), h) e j) supra, requer-se a V. Exª se digne mandar oficiar ao Banco BPI, S.A., pela junção aos autos de documentos bancários comprovativos do crédito, nas contas dos RR., dos montantes titulados por esses cheques, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 432º do Cód. Proc. Civil e para prova dos factos constantes dos mencionados artigos 50º, als. a), b), c), d), f), g), h) e j) supra.
*
Os RR. contestaram, e para o que aqui interessa, concluíram a sua contestação do seguinte modo:
“a) Deve dar-se por verificada a existência de uma excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso - abuso de direito na modalidade do venire contra factum proprium - (art.º 334.º do CC e artigos 576.º, n.º 1 e 3 e 579.º do CPC) que impõe a absolvição dos RR. do presente pedido (art. 576.º, n.º 3 do CPC);
Ou, caso assim não se entenda,
b) Deve dar-se por verificada a existência de uma excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso - abuso de direito na modalidade do tu quoque - (art.º 334.º do CC e artigos 576.º, n.º 1 e 3 e 579.º do CPC) que impõe a absolvição dos RR. do presente pedido (art.º 576.º, n.º 3 do CPC);
Ou, caso assim não se entenda,
c) Devem os RR. ser absolvidos do pedido por ilegitimidade substantiva da A. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483.º, n.º 1 do CC e 571.º, n.º 1 e 2 do CPC;
Ou, caso assim não se entenda,
d) Devem todos os danos resultantes de débitos na conta bancária da A. (que se baseiam nos alegados cheques abusivamente utilizados pelos RR.) anteriores a 02/12/2016 ser julgados prescritos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 498.º, n.º 1 e 303.º, ambos do CC e, por consequência, os RR. serem absolvidos parcialmente do pedido (571.º, n.º 2 e 579.º, ambos do CPC);
Ou, caso assim não se entenda e se dê relevância interruptiva da prescrição à notificação judicial avulsa apresentada pela A. contra os ora RR. em 28/01/2019,
e) Devem todos os danos resultantes de débitos na conta bancária da A. (que se baseiam nos alegados cheques abusivamente utilizados pelos RR.) anteriores a 01/02/2016 ser julgados prescritos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 498.º, n.º 1 e 303.º, ambos do CC e, por consequência, os RR. serem absolvidos parcialmente do pedido (571.º, n.º 2 e 579.º, ambos do CPC);
E
f) Devem todos os juros com mais de 05 anos, ou seja, anteriores a 02/12/2014, ser julgados prescritos nos termos dos artigos 310.º, alínea d) e 303.º do CC;
E
g) Ser a presente acção ser julgada totalmente improcedente e os RR. serem absolvidos do pedido;
Ou, caso assim não se entenda,
h) Serem os RR. absolvidos do pedido de juros vencidos anteriores à citação, nos termos do art.º 805.º, n.º 3, 2.ª parte do CC”.
A final da sua contestação, deduziram o seguinte requerimento probatório:
“MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
(…)
PROVA POR CONFISSÃO DA A. (…)
PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE (…)
PROVA DOCUMENTAL
- Requer-se a notificação da Procuradoria Geral da República, (…) nos termos dos artigos 417,º, n.º 1 e 436.º, n. 1 do CPC, para informar os presentes autos se existe algum processo penal em curso em que figurem como Arguidos ou Suspeitos (…) N…, contribuinte fiscal (…) e (…) R…, contribuinte fiscal (…) e como Assistente, Ofendida ou Lesada (…) M…, contribuinte fiscal (…) e, em caso afirmativo, que identifique o número do processo, a unidade a que o mesmo foi distribuído e a fase processual em que se encontra, tudo para prova da questão suscitada sob o ponto A.1, concretamente dos factos constantes do ponto 3 da presente contestação.
- Requer-se a notificação da A. (porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais documentos) nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 429.º, n.º 1, ambos do CPC, para proceder à junção aos autos dos documentos comprovativos que titulem eventuais doações de dinheiro de que a mesma foi beneficiária / donatária (nomeadamente declarações de imposto do selo) tudo por forma a demonstrar a propriedade, ou não propriedade, da A. relativamente aos fundos existentes na conta da CGD com o IBAN PT50 (…) para prova dos factos constantes dos pontos 104, 138, 159 e 193 da presente contestação.
- Requer-se a V. Exa. a notificação da Autoridade Tributária, nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais documentos, para proceder à junção aos autos das declarações de IRS da A. (…) relativas aos rendimentos dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017 por forma a apurar a existência de rendimentos do trabalho dependente, independente, pensões, indemnizações, incrementos patrimoniais ou outros, tudo por forma a demonstrar a propriedade, ou não propriedade, da A. relativamente aos fundos existentes na conta da CGD com o IBAN (…) para prova dos factos constantes dos pontos 102, 103, 104, 105, 106, 107, 138, 139, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 193, 194, 268 e 269, todos da presente contestação.
- Requer-se a V. Exa. a notificação da Caixa Geral de Depósitos, S.A., (…), nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais informações, para informar os presentes autos, relativamente à conta com o IBAN PT50 (…) titulada por M…, (…) dos seguintes factos:
a) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €5.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 24/03/2010;
b) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €5.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 28/04/2010;
c) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €5.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 17/06/2010;
d) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €18.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 22/07/2010;
e) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €3.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 24/03/2010;
f) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €5.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 01/10/2010;
g) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €4.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 20/10/2010;
h) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €428.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 04/11/2010;
i) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €120.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 04/02/2011;
j) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €260.520,63 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 24/02/2011;
k) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €100.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 02/03/2011;
l) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €150.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 06/03/2011;
m) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €4.655,41 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 18/03/2011;
n) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €14.362,56 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 04/04/2011;
o) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €9.788,83 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 07/04/2011;
p) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €15.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 13/04/2011;
q) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €15.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 17/05/2011;
r) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €25.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 28/07/2011;
s) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €15.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 22/08/2011;
t) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €32.500,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 22/08/2011;
u) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €9.500,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 19/10/2011;
v) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €100.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 04/11/2011;
w) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €167.500,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 28/02/2012;
x) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €9.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 11/05/2012;
y) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €42.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 23/07/2012;
z) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €6.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 29/11/2012;
aa) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €29.503,38 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 26/07/2013;
bb) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €26.286,09 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 05/12/2013;
cc) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €150.538,08 (…) e € 100.551,49 (…) creditados na conta da A. supra identificada no dia 03/02/2014;
dd) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €8.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 21/03/2014;
ee) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €50.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 14/04/2014;
ff) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €50.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 07/05/2014;
gg) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €4.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 08/08/2014;
hh) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €39.330,75 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 28/10/2015;
ii) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €20.000,00 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 21/07/2016;
jj) Qual a origem, com identificação da respectiva entidade bancária e titular da conta, do montante de €10.342,09 (…) creditado na conta da A. supra identificada no dia 11/04/2017;
Tudo para prova dos factos contantes dos pontos 109, 110, 112, 132, 134, 136, 137, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 164, 165, 167, 187, 189, 191, 192, 193, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202 e 203, todos da presente contestação.
- Requer-se a V. Exa. a notificação da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E., (…), nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais informações, para informar os presentes autos se a senhora C… contribuinte fiscal (…), número de identificação civil (…), falecida a 03/02/2011, detinha alguma conta de certificados de aforro e /ou certificados de tesouro e, em caso afirmativo que preste as seguintes informações:
a) Identificação das contas;
b) Qual a data de constituição das referidas contas;
c) Qual a data em que tais contas foram resgatadas;
d) A identificação da pessoa que procedeu ao resgate;
e) A identificação da conta bancária de destino dos fundos resgatados;
f) Se, relativamente à senhora C, …, falecida a 03/02/2011 existiu alguma movimentação das contas de certificados de aforro e / ou tesouro nos dias 03 e 04 de Março de 2011 com destino dos fundos para a conta da Caixa Geral de Depósitos com o IBAN PT 50 … titulada por M…, …;
Tudo para prova dos factos constantes dos pontos 109, 110, 112, 114, 128, 130, 138, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 164, 165, 167, 169 170, 183, 185, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202 e 203, todos da presente contestação.
- Requer-se a notificação, nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, da Procuradoria Geral da República, … para informar os presentes autos se o Ministério Público interpôs acção de liquidação da herança vaga em benefício do Estado relativamente à herança jacente da senhora C… tudo para prova dos factos constantes dos pontos 121 e 176 da presente contestação;
- Requer-se a notificação do Centro Nacional de Pensões, Instituto da Segurança Social, I.P., …, nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais documentos, para informarem os presentes autos desde que data a senhora M…, … aufere uma pensão de velhice e os valores mensais da mesma desde a data da sua concessão até à data actual (Janeiro de 2020), tudo para prova dos factos contantes dos pontos 103 e 158 da presente contestação.
- Requer-se a V. Exa. a notificação do Banco de Portugal, …, nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais informações, para juntar aos presentes autos Mapa da Base de Dados de Contas (com identificação de quais as contas bancárias e respectivas instituições bancárias) existente à data de 03/02/2011 (data do óbito) de que fosse titular a senhora C…, …, tudo para prova dos factos constantes dos pontos 108, 109, 110, 112, 113, 134, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 164, 165, 168, 185, 186, 189, 192, 196, 197, 198, 200, 201, 202 e 203, todos da presente contestação”.
Muito em síntese e para o que aqui releva, o que os RR. defendem na sua contestação é o seguinte:
“DA DEFESA POR EXCEPÇÃO
D.1 DO ABUSO DE DIREITO – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
41. Não obstante a A. ter quatro filhas a mesma e o seu marido sempre se apoiaram ao longo dos anos nos RR. para a satisfação das suas necessidades quotidianas; 42. Existindo uma grande proximidade e comunhão de vida entre os RR. e a A. e o seu marido; 43. Foram os RR. que sempre fizeram companhia à A. e ao seu marido; 44. Nos fins-de-semana; 45. Nos meses de Verão quando a restante família gozava férias no Algarve eram os RR. que faziam companhia à A. e o seu marido na Quinta … no Linhó; 46. O mesmo sucedendo quando as irmãs da R. faziam férias no estrangeiro; 47. Apoiando os RR. a A. e o seu marido na sua saúde; 48. Quando a A. foi operada ao joelho em Novembro de 2015 e ganhou uma infecção foram os RR. que durante quase dois anos lhe mudavam os pensos dia sim dia não; 49. Acompanhando os RR. a A. a praticamente todas as deslocações a médicos e hospitais; 50. Comunhão e proximidade essa que se estendia ao apoio e intermediação em pagamentos de despesas de diversas naturezas; 51. Pagamentos de obras e despesas (quotas de condomínio, impostos, seguros) com os imóveis da A., da R. R… e das suas três irmãs; 52. Pagamento de honorários e despesas no âmbito de processos judiciais relacionados com os referidos imóveis; …; 54. Adquirindo os RR., a solicitação da A. e do seu marido, quaisquer bens e serviços de que estes necessitavam ou pretendiam; 55. Assegurando os RR. o levantamento, na sua conta bancária, de importâncias em numerário que entregavam à A.; 56. A que esta dava o destino que bem entendia; 57. Nomeadamente para efectuar ofertas às suas filhas e ao ora R.; 58. As irmãs (e respectivos maridos e / ou companheiros) da R. R… sempre adoptaram uma postura de distanciamento furtando-se aos incómodos associados ao apoio permanente na satisfação das necessidades da A. e do seu marido; 59. E os RR. sempre estimaram a A. e o seu marido;
Neste contexto, 60. A partir de 2010, a A. passou a emitir cheques à ordem dos RR.; (…) 62. Para que os RR. procedessem ao pagamento de despesas ou agregados de despesas relacionadas com o normal desenvolvimento da vida da A. e do seu marido; 63. Cheques esses assinados pelo punho da própria A.; 64. Sendo a A. conhecedora dos valores parcelares que cada cheque corporizava; 65. Bem como do fim a que tais valores se destinavam; 66. Sabendo a A. que os cheques seriam creditados na conta bancária dos RR.; 67. Destinando-se os diversos valores corporizados em tais cheques a assegurar os diversos pagamentos com as naturezas atrás descritas; 68. Sendo os pagamentos referidos feitos directamente pelos RR. através da conta bancária dos mesmos; 69. Raramente existindo uma qualquer equivalência entre o valor de uma única despesa e o valor de um determinado cheque; 70. Porquanto cada cheque se destinava ao pagamento de um aglomerado de despesas passadas, presentes ou futuramente previsíveis;
71. Neste contexto de actuação, de grande proximidade familiar, nunca a A. exigiu ou solicitou aos RR. a elaboração e apresentação de uma conta corrente ou quaisquer comprovativos, ainda que simples, com discriminação das despesas e dos seus respectivos pagamentos; 72. Nunca a A. exigiu ou solicitou aos RR. a apresentação de quaisquer documentos fiscalmente válidos comprovativos do pagamento das despesas; 73. Situação que se manteve ao longo dos anos; 74. Porque a A. sempre soube que despesas realizava; 75. Sempre recebeu a contrapartida das mesmas; 76. Bem como sabia e sabe que todos os pagamentos foram efectivamente efectuados; 77. Nunca tendo a A. ou qualquer membro da família sido interpelado para o pagamento de qualquer despesa cujo pagamento a A. delegou nos RR.; 78. Tudo de acordo com a solicitação e / ou consentimento informado da A.; 79. Informação essa que que lhe era transmitida pelos RR. antes ou concomitantemente com a emissão do cheque; 80. Ademais, muitos dos prestadores de serviços, sobretudo com obras de conservação e manutenção, eram indicados pela A. ou por outros membros da família e não emitiam quaisquer facturas; 81. E sempre foi este o contexto de actuação que a A. e os RR. enquadraram o seu comportamento;
Contudo,
82. Em completa e absoluta oposição com a sua conduta passada desenvolvida ao longo de anos a A., a partir de Outubro de 2017, exigiu que os RR. justificassem através da apresentação de uma conta corrente suportada por documentos fiscalmente válidos o destino de €250.651,97 correspondentes a 59 cheques, todos emitidos pela A., e 8 transferências bancárias, compreendidas entre os anos de 2010 e 2017; 83. Sabendo a A. que os RR. não tinham qualquer forma de cumprir a exigência que lhes foi efectuada;
(…) 88. Exigindo a A., neste momento, aos RR., um valor de €230,563.19 entre alegados danos patrimoniais, não patrimoniais e juros vencidos; 89. Sendo este o montante dos prejuízos que os RR. potencialmente enfrentam na sua esfera jurídica; 90. Tudo porque a A. inverteu por completo a sua conduta; 91. Passando a exigir para despesas passadas efectivamente existentes comprovativos fiscalmente válidos que todos sabem ser inexistentes e impossíveis de obter; 92. Fundando nesta exigência a acusação em cujos termos os RR. se apropriaram ilegitimamente da quantia de €250.651,97;
93. Invertendo por completo as regras do ónus da prova mediante constantes cominações de procedimentos criminais contra os RR.; 94. Impondo aos RR. a prova da efetiva utilização, no interesse da A., da quantia de €250.651,97;
95. Quando deve ser a A. a demonstrar probatoriamente a alegada apropriação ilegítima pelos RR. da referida quantia;
(…)
D.2 DO ABUSO DE DIREITO - TU QUOQUE
102. A A. nunca exerceu qualquer actividade remunerada ao longo da sua vida;
103. Não auferindo qualquer pensão de reforma;
104. A A. nunca recebeu quaisquer doações de avultadas quantias monetárias;
105. A A. nunca recebeu qualquer herança;
106. A A. nunca ganhou qualquer prémio monetário em jogos de fortuna e azar;
107. Sendo o seu único e exclusivo rendimento uma renda mensal de €250,00;
108. Não existindo qualquer justificação para que a A. tenha uma conta bancária com movimentos de centenas de milhares de euros a partir de finais de 2010;
109. Sendo que o dinheiro existente nas contas bancárias da A., nomeadamente na conta bancária da CGD com IBAN … não é sua propriedade;
110. Sendo sim propriedade da herança jacente da senhora C…;
111. A qual faleceu no dia 03/02/2011 …;
112. Deixando uma grande fortuna em dinheiro e aplicações financeiras;
113. Nomeadamente, a) uma conta no extinto BPA (actual Millennium BCP) à qual está associada um cofre cujo conteúdo os RR. desconhecem; b) duas contas no extinto Banco Pinto & Sotto Mayor (atual Millennium BCP); c) uma conta na CGD;
114. Incluindo elevadas quantias aplicadas em certificados de aforro e / ou tesouro;
115. Que nunca foram relacionados e cujo esquema de apropriação pela A. não se conforma com as regras de direito sucessório;
116. Apenas tendo a falecida senhora C… como herdeiro um sobrinho de nome Raúl;
117. Não deixando qualquer testamento a favor da A.;
118. Mas que os RR. desconhecem o seu nome completo ou paradeiro;
119. Sendo a A. a única pessoa que conhecia e conhece o seu nome completo e paradeiro;
120. Desconhecendo os RR. se o referido sobrinho era vivo à data do óbito da falecida senhora C…;
121. Ou se, tendo o mesmo já falecido em tal data, o Ministério Público, em representação do Estado Português, intentou acção especial a declarar vaga a herança da senhora C… a favor do Estado;
122. A A., perante terceiros, chamava mãe à falecida senhora C…;
123. Mas com a qual não tinha qualquer relação de parentesco ou afinidade …;
124. Tudo por forma a manter a aparência, perante terceiros, que era a única filha da falecida senhora C…;
125. E, consequentemente, manter a aparência, perante terceiros, que era a única herdeira da falecida senhora C…;
126. Posição que ainda assume nos dias actuais, nomeadamente perante a sua gestora de conta na CGD, tal como resulta do doc. …;
127. No dia 03/02/2011, dia do falecimento da senhora C…, a A. tinha na única conta bancária de que é titular o valor de €11.007,42 – cfr. extractos bancários de 2011 juntos pela A. com a petição inicial;
128. No dia 04/02/2011, dia seguinte ao falecimento da senhora C… ingressaram na única conta bancária de que a A. é titular os seguintes valores:
a) € 120.000,00;
b) € 99.220,46, provenientes de uma transferência bancária do IGCP;
c) € 99.818,60, provenientes de uma transferência bancária do IGCP;
d) € 52.521,75, provenientes de uma transferência bancária do IGCP;
Cfr. extractos bancários de 2011 juntos pela A. com a petição inicial;
129. Pelo que, no dia seguinte ao falecimento da senhora C…, ingressaram na única conta bancária de que a A. é titular, €371.560,81;
130. Valores esses propriedade da herança jacente da senhora C…;
131. Da qual a A. não é herdeira;
132. No dia 24/02/2011 ingressou na única conta bancária de que a A. é titular o valor de €260.520,43 – cfr. extractos bancários de 2011 juntos com a petição inicial;
133. Não existindo qualquer explicação lógica para tal ingresso na conta bancária da A.;
134. Valor esse propriedade da herança jacente da senhora C…;
135. Da qual a A. não é herdeira;
136. Existindo diversos ingressos patrimoniais na única conta bancária de que a A. é titular sem qualquer justificação para o efeito, nomeadamente: a) O montante de €4.655,41 creditado dia 18/03/2011 – cfr. extractos … com a petição inicial; b) O montante de €14.362,56 creditado no dia 04/04/2011 …; c) O montante de € 9.788,83 creditado no dia 07/04/…; d) O montante de €15.000,00 creditado no dia 13/04/2011 – …; e) O montante de €15.000,00 creditado no dia 17/05/2011 …; f) O montante de €25.000,00 creditado no dia 28/07/2011 …; g) O montante de €15.000,00 creditado no dia 22/08/2011 …; h) O montante de €32.500,00 creditado no dia 22/08/2011 …; i) O montante de €9.500,0 creditado no dia 19/10/2011 …; j) O montante de €100.000,00 creditado no dia 04/11/2011 …; k) O montante de €167.500,00 creditado no dia 28/02/2012 …; l) O montante de €9.000,00 creditado no dia 11/05/2012 …; m) O montante de €42.000,00 creditado no dia 23/07/2012 …; n) O montante de €6.000,00 creditado no dia 29/11/2012 …; o) O montante de € 29.503,38 creditado no dia 26/07/2013 …; p) O montante de €26.286,09 creditado no dia 05/12/2013 …; q) O montante de €150.538,08 e € 100.551,49 creditados no dia 03/02/2014 …; r) O montante de €8.000,00 creditado no dia 21/03/2014 …; s) O montante de €50.000,00 creditado no dia 14/04/2014 …; t) O montante de €50.000,00 creditado no dia 07/05/2014 …; u) O montante de €4.000,00 creditado no dia 08/08/2014 …; v) O montante de €39.330,75 creditado no dia 28/10/2015 …; w) O montante de €20.000,00 creditado no dia 21/07/2016 …; x) O montante de €10.342,09 creditado no dia 11/04/2017 …;
137. Mesmo antes do falecimento da senhora C… no dia 03/02/2011 já existiam diversos ingressos patrimoniais na única conta bancária de que a A. é titular sem qualquer justificação;
138. Porquanto, a A. não recebeu doações, heranças ou prémios que justifiquem a propriedade de montantes pecuniários tão elevados;
139. Apenas dispondo de um rendimento mensal de €250,00;
140.
(…)
a) O montante de €5.000,00 creditado no dia 24/03/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
b) O montante de €5.000,00 creditado no dia 28/04/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
c) O montante de €5.000,00 creditado no dia 17/06/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
d) O montante de €18.000,00 creditado no dia 22/07/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
e) O montante de €3.000,00 creditado no dia 24/03/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
f) O montante de €5.000,00 creditado no dia 01/10/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
g) O montante de €4.000,00 creditado no dia 20/10/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
h) O montante de €428.000,00 creditado no dia 04/11/2010 – cfr. extractos bancários de 2010 juntos com a petição inicial;
141. A A. não é proprietária de qualquer dos valores monetários existentes na conta bancária da CGD com o IBAN PT50 …;
142. Bem como a A. não era ou é proprietária de quaisquer valores monetários ou outros existentes em contas bancárias, fundos ou cofres em que figurasse como titular juntamente com a falecida senhora C…;
143. Porquanto a propriedade exclusiva de tais valores era da falecida senhora C…;
144. Sendo que toda e qualquer deslocação patrimonial da esfera da falecida senhora C… e da sua herança para a esfera patrimonial da A. o foi sem consentimento da verdadeira proprietária dos bens ou de quem a representa;
145. Comportando-se a A. relativamente a tais bens como se fossem seus;
146. Mas bem sabendo que não eram e nunca seriam;
147. Entrando tais valores de forma indevida na esfera da conta bancária da CGD com o IBAN … de que a A. é única titular;
148. Sendo os mesmos, na sua totalidade, actualmente, propriedade da herança jacente da falecida senhora C…;
149. “A titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, que pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou mesmo até porventura a um terceiro”
150. “A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos. A abertura de uma conta solidária confere a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados na conta, mas não pré-determina a propriedade dos activos contidos mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro”
151. “O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte”
152. “A pessoa que viole uma norma jurídica ou deveres de prestação resultantes de contrato, não pode depois, e sem abuso de direito na modalidade tu quoque, ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada”
153. “A fórmula tu quoque (também tu!) exprime a regra geral pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode depois, sem abuso: - ou prevalecer-se da situação daí decorrente; - ou exercer a posição violada pelo próprio; - ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada”;
154. “A actuação de posições jurídicas indevidamente obtidas tem sido, com unanimidade, considerada contrária à boa fé. Pelo quadro legal português, haveria que tê-la por abusiva, nos termos do artigo 334.º. (…) As possibilidades de exercício são restringidas ou até, suprimidas – com a extinção do direito implicado – por forma a recuperar o desequilíbrio causado. Nesta leitura, o caso típico do direito indevidamente obtido ou, se se quiser, do chamado recurso ao próprio não-direito, torna-se inteligível”;
155. Pelo que deve dar-se por verificada a existência de uma excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso (artigos 576.º, n.º 1 e 3 e 579.º do CPC) que impõe a absolvição dos RR. do pedido (art.º 576.º, n.º 3 do CPC);
D.3 DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE ILEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
156. “A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa”;
157. A A. nunca exerceu qualquer actividade remunerada ao longo da sua vida;
158. Não auferindo qualquer pensão de reforma;
(…)
Os RR repetem a mesma factualidade que alegaram para a excepção anterior até ao artigo 207 da contestação.
Acrescentam:
“208. “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” – art.º 483.º, n.º 1 do CC;
209. Assim, se o direito de propriedade é abrangido pela norma referida “já os direitos de crédito não são abrangidos pelo art.º 483.º”
210. Sendo que apenas o titular do direito subjectivo violado, neste caso, o titular do direito de propriedade dos fundos existentes na conta bancária da CGD com o IBAN PT50 … é o titular de um eventual direito de indemnização pelos danos que efectivamente sofreu e demonstrou probatoriamente;
211. Projectando-se a legitimidade substantiva no presente caso não na esfera jurídica da A. mas sim na esfera jurídica da herança jacente da falecida senhora C… que se configura como lesada;
212. A não ser assim, aquele que é alheio à titularidade do direito de propriedade, enquanto direito subjectivo violado, poderia ser tido como lesado e, em consequência, perante a demonstração probatória dos pressupostos da responsabilidade civil, receber uma indemnização;
213. Verifica-se uma excepção peremptória de ilegitimidade substantiva da A. porquanto a mesma não é a proprietária dos fundos existentes na conta bancária da CGD com o IBAN PT50 …;
214. Não tendo os RR. violado qualquer direito subjectivo da A.;
215. E, como tal, devem ser absolvidos do pedido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 483.º, n.º 1 do CC e 571.º, n.º 1 e 2 do CPC;”.
A contestação prossegue com as invocações da prescrição e com a defesa por impugnação
Entre o mais que é referido, anote-se:
“258. A R. R… e as suas irmãs E… e I… são comproprietárias, em partes iguais, de diversas fracções autónomas em Queluz e de um prédio no Porto – cfr. doc. 03 que se junta e dá por reproduzido;
259. A R. R… e as suas irmãs E…, I… e S… são comproprietárias, em partes iguais, de uma fracção autónoma T7 Duplex na Praia da Rocha em Portimão – cfr. doc. 04 que se junta e dá por reproduzido;
260. Imóvel este de que a A. e o seu marido são usufrutuários – cfr. doc. 04;
261. A R. R… e as suas irmãs E…, I… e S… são comproprietárias, em partes iguais, de uma fracção autónoma sita na Avenida António Augusto de Aguiar, n.º (…) em Lisboa – cfr. doc. 05 que se junta e dá por reproduzido;
262. Imóvel este onde residem de forma habitual há vários anos a A. e o seu marido por serem usufrutuários do mesmo – cfr. doc. 05;
263. A irmã da R., E…, é proprietária de uma fracção autónoma na Avenida António Augusto de Aguiar, n.º (…) Lisboa;
264. A irmã da R., I…, é proprietária de uma fracção autónoma na Avenida António Augusto de Aguiar, n.º (…) Lisboa;
265. Sendo a irmã da R., S…, proprietária de uma fracção autónoma sita na Rua Andrade Corvo, n.º (…) Lisboa e de uma fracção autónoma sita na Avenida António Augusto de Aguiar, n.º (…) Lisboa;
266. Bem como a A. é proprietária de uma fracção autónoma em Lisboa, sita na Avenida dos Estados Unidos da América, n.º (…);
267. A qual se encontra arrendada;
268. Auferindo a A. uma renda mensal no valor de €250,00;
269. O qual constitui o único rendimento da A., passado e presente;
270. A R. R… e as suas irmãs E…, I… e S… são comproprietárias, em partes iguais, da Quinta do (…), sita no Linhó em Sintra – cfr. doc. 06 que se junta e dá por reproduzido;
271. Imóvel do qual a A. e o seu marido são os usufrutuários – cfr. doc. 06;
(…)
273. Todas as despesas dos referidos bens imóveis (nomeadamente, despesas com obras de conservação e manutenção dos seus diversos componentes, condomínio, seguros, pagamentos de impostos, entre outros) sempre foram suportadas pela A.;
274. Independentemente da titularidade formal dos referidos bens;
De igual modo,
275. No que respeita aos bens imóveis de que a R. R… é comproprietária sitos em Queluz e no Porto a A. sempre fez suas as rendas geradas pelos contratos de locação existentes;
276. Não obstante não ser titular de qualquer direito sobre tais imóveis;
277. Sendo os RR. a declarar perante a AT a sua quota parte das rendas na sua declaração de rendimentos anual;
278. Fazendo-se a A. pagar em parte pelas rendas geradas pelos imóveis de que a R. é comproprietária;
Nesta sequência, 279. A A. sempre se socorreu dos RR. para efectuar os pagamentos associados a tais bens imóveis;
280. Pagamentos esses com obras e despesas (nomeadamente, quotas de condomínio, impostos, seguros) que se revelassem necessárias;
281. Ou cuja realização mereciam a anuência da A.;
(…)
302. A A. fez, entre 2010 e 2017, frequentes ofertas monetárias em cheque aos RR.;
303. Bem como efectuou generosas ofertas em numerário;
304. Que os RR. não sabem quantificar;
305. Ofertas feitas igualmente às filhas da A. S…, E… e I… e ao seu marido D…;
(…)
350. Os RR. nunca reconheceram se terem apropriado ilegitimamente de qualquer quantia pertencente à A. ou a outrem;
351. Com excepção da utilização sem consentimento prévio da A. da importância de €14.583,46;
352. Facto que lamentam profundamente e pelo qual os RR. já pediram perdão à A.;
353. Sendo que tal valor já foi entregue pelos RR. à A. – cfr. pontos 52.º e 60.º da Petição Inicial;
(…)”.
*
Após requerimento da A. nesse sentido, o tribunal veio a determinar a sua notificação para responder às excepções deduzidas na contestação.
Respondeu a A., quanto ao “venire contra factum proprium”, alegando que “os RR. que assumiram o específico apoio relativo à gestão da vida financeira da A. e seu marido, o que originou que lhes fossem facultados cheques assinados em branco”, mas “Tal ocorreu no pressuposto de uma plena base de confiança, que pressupunha a utilização exclusiva desses cheques para fazer face a despesas e obrigações da A. e seu marido. (…) Jamais suspeitando a A. que, afinal, os títulos ou capitais fossem indevidamente usados em proveito próprio pelos RR., sem instruções da A. e contra a sua vontade, como viria a revelar-se e a saber-se já e só no ano de 2017. (…) 10. Obviamente que, tratando-se de uma relação de pura (e presumivelmente) genuína confiança, não foi exigida aos RR., que manifestavam e aparentavam de facto estima e apreço pela A. e seu cônjuge, uma efetiva prestação de contas. Contudo, “Todo este quadro factual não pode permitir aos RR. acoitarem-se num alegado abuso do direito, direito esse que foi gerado pelo comportamento dos próprios RR., em consequência de uma conduta ilegítima que conscientemente entenderem prosseguir e direito que é exercido quando a A. tomou conhecimento da lesão do seu património”.
Pronunciando-se sobre a excepção de abuso de direito na modalidade “tu quoque”, a A. impugnou por falsidade a factualidade invocada e ou o sentido interpretativo que os RR. lhe deram, afirmando que
“19. Os valores que compõem ou compunham o saldo da conta bancária da A. e de que esta é única titular, como comprovou com o documento 1 apenso à P.I., são naturalmente e efetivamente de sua propriedade e advieram legitimamente à sua conta.
20. Como, aliás, os RR. bem sabem pois, se assim não fosse, decerto que se teriam recusado a movimentar tais montantes.
21. A A. nunca praticou qualquer ato ilícito abrenuntio.
22. E quando os RR. convocam em sua defesa terceiros ou res inter alio acta, o tema será de todo desinteressante à lide.
23. Mesmo a jurisprudência a propósito concitada na Contestação, reporta-se à disputa de propriedade dos capitais entre as partes nas respetivas contas e nos respetivos processos, o que não é de todo o caso que acompanhamos.
(…)”.
Pronunciando-se sobre a ilegitimidade substantiva, a A. repete a resposta (tal como os RR. repetiram a fundamentação fáctica desta excepção na sua contestação) e acrescenta:
“29. Ainda que por via do argumento ad absurdum prevalecesse a asserção dos RR., sempre a A. seria parte legítima enquanto única titular da conta bancária de cujos capitais os RR. dispuseram e fruíram em seu proveito”.
A restante pronúncia é irrelevante para o recurso.
Finalmente, na mesma peça, a A. pronuncia-se sobre a prova documental requerida pelos RR, nos seguintes termos:
“1. Documentos que comprovem eventuais doações de dinheiro de que a A. foi beneficiária/donatária:
Desconhece a A. a que documentos se referem os RR. porquanto o dinheiro ilicitamente movimentado por aqueles, tal como descrito nos presentes autos, foi e é da propriedade da A.
2. Demais notificações requeridas a entidades terceiras (AT, CGD, IGCP, E.P.E., PGR, CNP e BdP) relativamente à recolha de informações referentes à Sra. C…:
Deverá esta diligência probatória ser indeferida por configurar diligência inútil/desnecessária (artigo 130º Cód. Proc. Civil) dizendo respeito, ademais, a sujeito externo e estranho à presente lide.
Pelo exposto,
Deverão improceder as Exceções deduzidas pelos RR. na sua Contestação, bem como serem indeferidas as diligências probatórias por aqueles requeridas e acima relevadas”.
*
Acompanhando a junção de um conjunto documental, os RR. vieram, em 18/01/2022, pronunciar-se sobre “pontos precisos e determinados da Resposta à Contestação (art.º 3.º, n.º 3 do CPC)., nos seguintes termos:
(…)
42. Relativamente aos factos alegados pelos RR. em matéria de defesa por excepção relativa ao tu quoque e à ilegitimidade substantiva a A. limitou-se a afirmar que os factos alegados são falsos não tomando qualquer posição expressa sobre os mesmos; 43. No ponto 19 da resposta à contestação a A. alega que “os valores que compõem ou compunham o saldo da conta bancária da A. e de que esta é única titular, como comprovou com o documento 1 apenso à PI, são natural e efectivamente de sua propriedade e advieram legitimamente à sua conta”; 44. O doc. 01 junto com a petição inicial nada demonstra relativamente à propriedade do dinheiro existente na conta bancária a que os extractos bancários se referem; 45. Bem como não demonstra a proveniência de tais valores; 46. Em termos probatórios, a demonstração da titularidade da conta bancária apenas implicaria a afirmação da propriedade dos fundos nela existente caso os RR. não tivessem impugnado tal facto; 47. “A titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela existentes. De facto, os titulares da conta podem não ser os proprietários das quantias depositadas. MUNOZ-PLANAS afirma que "a faculdade que tem cada titular para dispor unicamente com a sua assinatura, no todo ou em parte, dos fundos ou valores depositados não significa que ostente sobre tais bens algum tipo de direito dominial (...) o poder de disposição singulatiim que aqueles têm deriva exclusivamente do contrato que celebraram com o banco, abstraindo de quem seja proprietário dos objectos depositados. Estes podem pertencer a todos ou alguns dos titulares, com quotas idênticas ou não; ou só a um deles, ou, inclusivamente, a nenhum, mas a terceiro (...). (…) A jurisprudência portuguesa igualmente estabelece a distinção entre propriedade das quantias e titularidade da conta.” 48. Contrariamente ao pensamento veiculado pela A., nos termos do qual os RR. é que estão onerados com o ónus da prova de que não se apropriaram de qualquer montante, é a A. que está onerada com o ónus da prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana; 49. E esta afirmação é incontestável em termos jurídicos; 50. Por mais voltas que a A. dê o art. 342.º, n.º 1 do CC é claro: a A. tem de provar todos os factos constitutivos do direito que se arroga, em especial, a ilicitude por referência à demonstração probatória do seu direito de propriedade sobre os valores existentes na conta por si titulada na CGD porquanto tal facto foi impugnado pelos RR.;
51. Indeferir os meios de prova requeridos pelos RR., tal como pretende a A., porquanto visam demonstrar probatoriamente que a A. não é proprietária de qualquer quantia existente na conta por si titulada na CGD – factos essenciais alegados pelos RR. – é pura e simplesmente violar o direito à prova constitucionalmente consagrado (art.º 20.º, n.º 1 da CRP);
(…)
Nestes termos (…) requer-se:
B) A prova requerida pelos RR. em sede de contestação e cuja não admissão é propugnada pela A. em sede de resposta à contestação seja admitida, sob pena de violação do direito à prova (art.º 20.º, n.º 1 da CRP).
*
Respondeu a A.:
(…)
DA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO:
Esta parte do requerimento a que ora se responde não encontra respaldo nas normas processuais aplicáveis ao processo civil, pelo que deverá ser, de imediato, desentranhado, já que há muito que a quadrúplica não existe no panorama processual civil português.
De facto,
Tal peça consubstancia uma acção impertinente e dilatória, visando apenas despoletar uma litigância inútil nos presentes autos, com o intuito de entravar o seu andamento, devendo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6º do Cód. Proc. Civil, ser liminarmente recusada pelo juiz, o que desde já se requer.
(…)”.
*
O tribunal determinou então a realização de audiência prévia, à qual determinação sobreveio pedido de suspensão da instância e frustrado o objectivo desta, veio então a realizar-se a audiência prévia, nos seguintes termos que aqui interessa relevar, constantes da acta (cuja audiência foi gravada em suporte digital):
“Neste momento, a Mmª. Juíza de Direito proferiu os seguintes despachos:
Questão prévia respeitante à admissibilidade do requerimento de 18/01/2022
Admite-se o requerimento em epígrafe apenas como requerimento de junção documental que se admite, considerando-se quanto ao mais (pontos 23 a 55) não escrito por não ser processualmente admissível um articulado de resposta à resposta da Autora às excepções.
*
DESPACHO SANEADOR
(…)
Relega-se para final o conhecimento das excepções peremptórias por dependerem de prova a produzir.
Valor da causa:
Fixa-se à presente acção o valor indicado pela Autora de €230.593,19.
OBJECTO DO LITÍGIO
Cumpre decidir se são devidas à Autora as quantias reclamadas em virtude de movimentações bancárias não autorizadas pela Autora.
Após debate foram enunciados os seguintes:
TEMAS DA PROVA
1) A saúde da Autora e a relação havida entre a Autora e os RR no que toca a pagamentos e movimentações da conta bancária da Autora na CGD com o IBAN PT50 (…);
2) Os valores transferidos, levantados ou debitados, dessas contas, em benefício dos RR nos anos de 2010 a 2017 e o respectivo desconhecimento pela Autora;
3) As reuniões havidas com a Autora e o reconhecimento feito pelos RR a este propósito;
4) Danos não patrimoniais sofridos pela Autora em virtude da actuação dos RR;
5) A proveniência do dinheiro existente na referida conta bancária da Autora (para efeitos de aferição da respectiva propriedade);
6) O pagamento de despesas pela Autora relativamente a imóveis de que era usufrutuária.
Não foram apresentadas reclamações.
*
Após foi proferido o seguinte despacho:
MEIOS PROBATÓRIOS
Prova por depoimento de parte e declarações de parte requerido pelos RR na contestação:
Ao abrigo do disposto nos art.ºs 452º a 454º do C.P.C., admite-se o depoimento de parte da Autora, à matéria indicada excepto quanto aos art.ºs 38º, 39º, 91º, 109º, 110º, 130º, 131º, 134º, 135º, 141º a 143º, 147º, 148º, 157º a 165º, 167º, 168º a 174º, 177º, 179º, 180º a 184º, 186º a 203º, 205º, 224º, 234º a236º, 255º a 257º, 291º, 293º a 301º, 333º a 336º, 339º e 340º da contestação por incidirem sobre matéria assente por acordo, que só pode ser provada por documento, conclusiva ou repetitiva.
Ao abrigo do disposto no art.º 466º do C.P.C., admite-se a tomada de declarações de cada um dos Réus à matéria indicada excepto quanto aos art.ºs 38º a 40º, 90º a 93º, 224º, 238º, 255º a 257º, 291º a 301º, 333º, 334º, 336º, 337º, 339º, 346º, 347º, 352º, 353º, 355º, e 356º da contestação por incidirem sobre matéria já assente por acordo, que só pode ser provada por documento, conclusiva ou repetitiva.
Róis de testemunhas apresentados pelas partes:
(…)
Prova documental:
Admito a junção aos autos dos documentos apresentados pelas partes, sem prejuízo da impugnação de que foram alvo e da respectiva valoração concreta a empreender no momento próprio e em conjugação com a demais prova.
Não se determina a notificação dos RR para os efeitos pretendidos pela Autora porque aqueles não colocam em causa as transferências bancárias e o crédito nas suas contas, mas sim, o alegado desconhecimento da Autora e o seu propósito.
Conforme requerido pelos RR, notifique:
a) a AT nos termos e para os efeitos requeridos;
b) a CGD nos termos e para os efeitos requeridos devendo a Autora previamente conceder a devida autorização relativamente à conta de que é titular;
c) a PGR nos termos e para os efeitos requeridos no 6º ponto do req. de prova documental dos RR;
d) o Centro Nacional de Pensões nos termos e para os efeitos requeridos.
Prazo de resposta: 15 dias.
Indefere-se a requerida notificação da Autora para juntar documentos que comprovem “eventuais” doações, pois os RR não concretizam que documentos pretendem e negam que a Autora tenha recebido doações que esta também não alegou.
Indefere-se a notificação da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, bem como do Banco de Portugal, uma vez que está em causa a obtenção de informação a coberto sigilo e de sigilo bancário relativamente a terceiro a qual de resto não se mostra imprescindível para prova dos factos em discussão.
Seguidamente pelos Ilustres Mandatários das partes foi pedida a palavra e no uso dela requereram o prazo de 10 dias, para alteração dos requerimentos probatórios.
(…)”
A A. reformulou o seu requerimento probatório. Os RR. reformularam o seu nos seguintes termos:
“1. Por despacho de 19/09/2022 o Tribunal indeferiu o pedido de informações à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública relativamente a dados da senhora C… na medida em que entendeu o Tribunal que estava em causa a derrogação de sigilo bancário de terceiro que não é parte na acção;
2. Neste sentido, para obviar a uma possível quebra de sigilo bancário de terceiro e, na medida em que resulta dos extractos bancários juntos pela A. com a petição inicial, i) em concreto no dia 04/02/2011, que foram creditadas na conta bancária da A. três transferências bancárias do IGCP com a menção de certificados, no valor global de €251.560,81, ii) que a senhora C… faleceu no dia 03/02/2011 (cfr. doc. 01 da contestação) e iii) que os RR. impugnaram que a A. fosse a proprietária dos fundos monetários existentes na conta bancária titulada pela A., requer-se a V. Exa:
A) A notificação da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E., …, nos termos dos artigos 417.º, n.º 1 e 436.º, ambos do CPC, porquanto é impossível aos RR. obterem por si tais informações, bem como tais informações são necessárias à boa decisão da causa e se situam no núcleo do direito à prova dos RR. (art. 20.º da CRP), para informar os presentes autos se a A., senhora M… contribuinte fiscal …, era titular, no período compreendido entre 01/02/2011 e 04/02/2011, de alguma conta de certificados de aforro e /ou certificados de tesouro e, em caso afirmativo que preste as seguintes informações:
a) Identificação das contas;
b) Qual a data em que tais contas foram resgatadas;
c) A identificação da pessoa que procedeu ao resgate;
d) A identificação da conta bancária de destino dos fundos resgatados;
Tudo para prova dos factos constantes dos pontos 109, 110, 112, 114, 128, 130, 138, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 164, 165, 167, 169 170, 183, 185, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202 e 203, todos da contestação.
B) Mais se requer, previamente à notificação da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E. supra referida que seja a A. pessoalmente notificada, na sua própria pessoa, para vir informar os presentes autos se consente, ou não, que a referida entidade preste as informações solicitadas”.
A A. apresentou recurso do despacho proferido na audiência prévia.
Antes da subida do mesmo a esta Relação e como resulta dos autos principais, foram emitidos ofícios para a Autoridade Tributária, para junção de cópia das declarações de IRS da A. ao longo de vários anos; para o Centro Nacional de Pensões para aferir dos valores de pensão de reforma que a A. aufere; para a Procuradoria Geral da República para informar da interposição de acção de liquidação de herança jacente a favor do Estado relativamente à falecida C…;
De seguida, os RR. vieram aos autos insistir que a A. responda à notificação sobre se dá autorização à Caixa Geral de Depósitos para prestar as informações requeridas, imputando a violação do dever de cooperação com o tribunal por não ter a A. respondido no prazo de dez dias, e que a mesma volte a ser notificada com a cominação expressa de que “a falta de resposta equivale à recusa de consentimento e será livremente apreciado pelo Tribunal o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil”.
O Centro Nacional de Pensões informou que a A. “é pensionista de sobrevivência do Centro Nacional de Pensões desde 01/02/2021, recebendo, na presente data, uma pensão mensal no valor líquido de 1.566,40€”.
A A. notificada do requerimento dos RR veio dizer que “1. Obviamente que a autora se opõe às sucessivas manobras de intrusão na sua vida privada e fá-lo com o fundamento legal previsto no disposto dos art.º 417.º n.º 3 do Cód. Proc. Civil e art.º 1.º, 26.º n.º 1 e 32.º n.º 8 da C.R.P. 2. Fazendo-o ainda, porque as diligências requeridas são espúrias ao interesse da demanda e desviantes do seu âmago. 3. Salvo o devido respeito os réus insistem em subverter a justiça procurada nos autos e agem com aparente e enganadora ingenuidade e dissimulada pureza de carácter. 4. Em substância, os réus laboram num reductio ad absurdum, quando ao longo de uma década usaram e abusaram dos capitais da autora, sempre assumiram que os mesmos lhe pertenciam, até propondo a sua devolução e, espantosamente pretendem agora, na Casa da Justiça, invocar que assim não será e que pelo contrário, lhes assiste o direito ou a legitimidade a apropriarem-se dos valores que confessadamente não são seus”.
*
Do despacho proferido em audiência prévia e relativamente ao qual já mencionámos que a A. interpôs recurso, são as seguintes as conclusões que a mesma formulou:
“1.ª A demanda centra-se no exercício do direito da autora em recuperar as verbas de que os réus, ao longo de anos, às suas ocultas e usando e abusando da sua confiança, movimentaram e se apropriaram da conta bancária de que a recorrente é única titular.
2.ª Não obstante os réus em sucessivos e distintos momentos confessarem à autora a utilização do dinheiro daquela conta em benefício próprio e até o dever de reembolsar a autora (entre outros, vejam-se os documentos 66 e 70 com a P.I., este último da lavra da ré sob o título “Perdão pelo meu comportamento”).
3.ª Surpreendem agora a autora com a alegação de que afinal as verbas de que se apossaram, não eram da propriedade daquela, mas de uma senhora, C…, entretanto falecida, com quem a autora detinha uma relação como se de filha e mãe se tratassem.
4.ª Animados com a ideia, os réus em requerimento probatório, requereram a notificação da Autoridade Tributária, da CGD, da Procuradoria-Geral da República e do Centro Nacional de Pensões de modo a investigar a origem dos valores que movimentaram da conta da autora.
5.ª Não obstante a oposição manifestada pela recorrente sustentada na impertinência, desnecessidade e inutilidade das diligências, o Meritíssimo Juiz a quo, deferiu a pretensão dos réus e ordenou a realização das diligências e, por consequência, relegou para momento posterior a designação da data de julgamento.
6.ª O objeto do recurso, delimita-se pelo escrutínio da decisão que, no caso concreto e no entender e pressentir da recorrente, contende com princípios e regras constitucionais, legais e processuais.
7.ª Numa primeira vertente, especialmente atendendo à natureza das diligências ordenadas, a decisão carece de motivação e posterga o regime previsto no art.º 205.º n.º 1 da C.R.P. e 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C..
8.ª Será, parece, razoável sufragar, que as diligências ferem a dignidade da recorrente e são intrusivas dos seus direitos de personalidade, em especial, da reserva da sua vida privada sob travejamento constitucional no art.º 1.º e 26.º n.º 1 C.R.P.
9.ª E sequer se descortina motivo para calibrar a quebra dos direitos fundamentais da recorrente sob a égide do princípio da proporcionalidade e subprincípios da adequação, exigibilidade ou da justa medida, no cotejo com algum virtual direito dos réus, que em circunstância alguma podem colher o reconhecimento do direito a manterem-se no gozo de valores de que ilicitamente se apossaram.
10.ª Num segundo momento, as razões concitadas pela recorrente estendem-se à inutilidade e impertinência da prova e, em acumulado prejuízo para a celeridade processual, como vimos, já afetada na delonga causada para o agendamento do julgamento.
11.ª A instrução do processo deve cingir-se aos factos pertinentes ao efeito jurídico útil da demanda, e as diligências ordenadas são espúrias à boa decisão da causa.
12.ª E a enunciada atividade probatória não será interessante à lide, uma vez que se os respetivos montantes se estabilizaram numa conta bancária de que a recorrente é única titular.
13.ª Se esta é possuidora e legitimamente e livremente pode movimentá-los, tal como o faz há mais de dez anos, como os autos evidenciam, sem impedimento de nenhuma ordem.
14.ª E se de outra banda não nos confrontamos com uma situação de contitularidade de conta bancária. A propriedade na instância não oferecerá dúvidas.
15.ª Quando muito, em esforço nestes autos demeritório, o hipotético desfecho seria concluir que o capital proveio da conta bancária de um terceiro (tal como em princípio sempre sucede) e infletiríamos para a averiguação da sua proveniência.
16.ª Mas na perspetiva dessa sindicância, nenhum óbice sobressairia no que toca à legitimidade da autora para reclamar o capital que deveria estar e não está, na sua conta bancária, muito menos de tal sorte atestar um direito adverso em benefício dos réus.
17.ª Ou seja, no limite, é absolutamente ao contrário do que os autos parecem prosseguir e pervertem, pois são os réus que não têm legitimidade para discutir e disputar a origem dos capitais da recorrente.
18.ª Acresce ainda que confirmando os réus, no passado e inclusivamente na demanda, que desde o ano de 2010 movimentaram os capitais da autora (vide art.º 50.º e ss. da P.I. e douto despacho proferido em audiência prévia, pág. 4, segundo parágrafo na parte correspondente à prova documental).
19.ª A pertinência em conjugar o histórico dos movimentos com um óbito posterior, de 03/02/2011 alegado pelos réus (art.º 127.º da contestação), é reforçadamente impertinente.
20.ª Salvo o devido respeito, o que se tem por mais grave é que as diligências deixam transparecer uma distração da evidente má-fé dos réus, que não fora o seu grau de parentesco com a autora e tal como os próprios estão cientes e admitem logo nos primeiros artigos da sua contestação, nos teria levado ao foro criminal.
21.ª Ao longo de vários anos, pelo menos desde 2010 (art.º 50.º da P.I. e douto despacho proferido em audiência prévia, pág. 4, segundo parágrafo na parte correspondente à prova documental) os réus usaram, ou na verdade abusaram, da confiança e do dinheiro da autora, sempre obviamente pressupondo e assumindo que os capitais àquela pertenciam (tal como decorre da leitura dos factos alegados na contestação nos art.º 292.º, assim como, da doação que aceitaram esclarecida pela autora no art.º 62.º da P.I. e em especial o Doc. 70, no qual a ré se dirige à autora e seu marido escrevendo como assunto “Perdão pelo meu comportamento”).
22.ª E após todo esse circunstancialismo, têm os réus o topete de instrumentalizar as regras processuais na mira de permanecerem enriquecidos com a sua conduta e, mais, fazendo-o sem olhar a meios, disparam sobre a honorabilidade da recorrente.
23.ª A matéria enquadrar-se-á em comportamentos já percecionados pelo Tribunal da Relação do Porto em douto acórdão de 22/10/2018, Proc. 528/11.7TVPRT.P1, de que foi relatora, Fernanda Almeida e transcrito no corpo das alegações.
24.ª Pelas razões expostas, a douta decisão recorrida violou, por diferente interpretação e aplicação ao caso concreto, os art.ºs 1.º, 26.º n.º 1 e 205.º n.º 1 da C.R.P., art.ºs 6.º n.º 1; 130.º e 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C., de que deveria sobressair um sentido decisório inverso, indeferir as manobras impertinentes e dilatórias requeridas pelos réus.
Termos em que e nos mais de direito (…) deve o presente recurso ser admitido, merecer provimento, determinando-se a revogação do despacho recorrido”.
*
Contra-alegaram os RR. formulando a final as seguintes conclusões:
“A. As conclusões da Recorrente são uma mera reprodução das alegações, tanto de um ponto de vista formal (número de páginas e linhas), como substantivo;
B. A reprodução das alegações nas conclusões equivale à falta de conclusões, devendo, por tal razão, o recurso interposto ser rejeitado nos termos dos artigos 641.º, n.º 2, alínea b) e 639.º, n.º 1 e 3, ambos do CPC;
C. A falta de especificação dos fundamentos da decisão só terá o efeito previsto no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil desde que a falta de fundamentação seja absoluta;
D. O despacho recorrido não é nulo nos termos dos artigos 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC;
E. O Tribunal a quo admitiu os meios de prova porquanto os entendeu absolutamente necessários para a prova de factos controvertidos – constantes dos temas da prova;
F. Sendo tal decisão de manifesta simplicidade;
G. Da gravação da audiência prévia resulta que o Tribunal a quo informou as partes do porquê de entender que tais meios de prova deveriam ser admitidos e serem necessários à defesa dos Recorridos, sendo que os factos que os mesmos visam demonstrar são factos essenciais e controvertidos;
H. Antes ou durante tal acto processual nunca a Recorrente havia manifestado qualquer oposição relativamente à admissão de tais meios de prova;
I. Da Acta da Audiência Prévia não têm de constar os fundamentos que sustentam o despacho em questão, mas apenas, quanto muito, o seu segmento decisório, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 591.º, n.º 4, 155.º, n.º 1, 153.º, n.º 3, todos do CPC;
J. O despacho recorrido, na sua globalidade, é o que consta da Acta da Audiência Prévia e da gravação de tal acto processual e, da conjugação dos dois elementos, verifica-se que o mesmo está fundamentado;
K. O despacho recorrido ao afirmar “nos termos requeridos pelos Réus” está a fundar tal despacho nos termos das normas legais e das razões de facto invocadas pelos Réus;
L. Possibilidade essa que é permitida pela parte final do art.º 154.º, n.º 2 do CPC;
M. As diligências de prova objecto do despacho recorrido não são inúteis, impertinentes, nem violadoras do direito à reserva da vida privada da Recorrente (art.º 26.º, n.º 1 da CRP);
N. A Recorrente confunde e mescla duas realidades que a jurisprudência reconhece como distintas: titularidade de conta bancária e propriedade dos fundos existentes na conta bancária;
O. Os Recorridos impugnaram, na sua contestação, que a Recorrente seja a proprietária dos fundos existentes na conta bancária da CGD identificada no processo;
P. Assim, tal facto é controvertido e absolutamente essencial para a decisão da causa, na medida em que é a violação do direito de propriedade da Recorrente sobre os fundos que existem na conta bancária que pode fundar o pressuposto da ilicitude da responsabilidade civil aquiliana;
Q. A Recorrente alicerçou o seu pedido na responsabilidade civil extracontratual / aquiliana e, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do CC, tem provar os factos constitutivos do seu direito, desde logo a ilicitude e os danos;
R. Nunca os Recorridos confessaram à Recorrente que se apropriaram de qualquer quantia corporizada nos cheques dos autos, em benefício próprio, não existindo qualquer confissão judicial ou extrajudicial de tal realidade;
S. No presente processo só se discute se os Recorridos se apropriaram ilegitimamente, ou não, de uma avultada quantia monetária constante de cheques;
T. Não se discutem transferências bancárias, utilizações de cartões de débito, crédito ou qualquer outra realidade;
U. O facto dos Recorridos reconhecerem, muito antes da interposição da presente acção judicial, que utilizaram sem consentimento prévio da Recorrente €14.583,46, através de transferências bancárias, e cujo valor devolveram, não pode servir para a Recorrente querer impor e fazer crer ao Tribunal a quo e ao Tribunal da Relação que como os Recorridos utilizaram esse valor então, obviamente e sem qualquer margem para dúvidas, que utilizaram todo o dinheiro corporizado em cheques emitidos pela Recorrente;
V. Raciocínio sem qualquer sustentação lógica porque não tem qualquer substrato factual (repare-se que a Recorrente não identificou uma única despesa que tenha ficado por pagar por parte dos Recorridos), quando é a mesma que alega que entregava os cheques para pagar, entre o mais alegado, despesas;
W. Na contestação os Recorridos defenderam-se, entre o demais aí constante, invocando a excepção de abuso de direito na modalidade de tu quoque, invocando a excepção peremptória de ilegitimidade substantiva da A. e impugnaram os factos alegados pela A.;
X. Alegando um conjunto de factos tendentes a demonstrar que a Recorrente não é a proprietária dos fundos existentes na conta bancária da CGD de que é titular (cfr. pontos 157 a 215 da Contestação);
Y. A escassez de rendimentos da Recorrente associada à circunstância de a Recorrente se identificar perante terceiros como filha da falecida senhora C… (cfr. doc. 01 da pi), não o sendo, nem sendo da mesma sucessora (cfr. doc. 02 da contestação), ao facto da senhora C… ser proprietária de uma avultada fortuna e se constatar dos extractos bancários juntos pela Recorrente de uma conta bancária por si titulada de forma exclusiva, elevadas deslocações patrimoniais imediatamente antes e após o falecimento da referida senhora C… que a origem de todos os fundos existentes na conta bancária titulada pela Recorrente, a mesma conta bancária que alega que os Recorridos “movimentaram ilicitamente”, são provenientes de dinheiro da exclusiva propriedade da senhora C…;
Z. Apenas a prova requerida pelos Recorridos e admitida pelo Tribunal a quo poderá unir de forma clarividente estes factos;
AA. Sem rendimentos é impossível acumular seja que riqueza for (e daí a imprescindibilidade da notificação ao Centro Nacional de Pensões para apurar se a Recorrente tem rendimentos a título de pensionista, desde quando e em que montante e a notificação à AT para juntar as declarações de rendimentos da Recorrente por forma a verificar se o seu património permite alcançar as centenas de milhares de euros, ou se, ao invés, tal é manifestamente impossível);
BB. Inexistindo pensão de reforma ou tendo a mesma um valor baixo acompanhada por declarações de IRS com valores irrisórios não permitem ter uma conta bancária da qual alguém seja proprietário com centenas de milhares de euros;
CC. Estes dois meios de prova são adequados para se aferir da capacidade económica da Recorrente tendente a ter na sua propriedade centenas de milhares de euros;
DD. E são necessários porquanto os Recorridos não têm ao seu dispor qualquer outra forma, ou meio de prova, que lhes permita obter tais informações;
EE. A notificação à CGD para prestar as informações requeridas (nomeadamente, identificação da conta bancária de origem dos fundos que foram creditados na conta bancária da Recorrente e respectivo titular) é adequada a verificar a origem dos fundos aí existentes;
FF. E tal meio de prova é necessário porquanto os Recorridos não têm ao seu dispor qualquer outra forma, ou meio de prova, que lhes permita identificar o titular da conta bancária de origem por referência a entradas de dinheiro específicas e concretas na conta bancária da Recorrente;
GG. Os extractos bancários juntos pela Recorrente com a PI evidenciam avultadas entradas de dinheiro na conta bancária da mesma mas não permitem identificar a sua origem e quaisquer outros factos conexos com essa origem;
HH. Os Recorrentes identificaram por referência a dias concretos e dentro desses dias concretos um valor em específico para ser alvo de tais informações;
II. Ao ser identificada a origem e o titular da conta bancária de origem permitirá demonstrar, na conjugação, por um lado, com as informações do Centro Nacional de Pensões e declarações de IRS da A. (onde as suas fontes de rendimento têm de estar declaradas) e, por outro lado, com o facto de a Recorrente não ser sucessora da senhora C…, se os fundos existentes na conta bancária da Recorrente são sua propriedade, ou não;
JJ. Destes factos resultando a imprescindibilidade das informações em causa para assegurar uma defesa global e eficaz dos Recorridos e para assegurar a boa decisão da causa;
KK. Se a prova requerida pelos Recorridos não for prestada pela CGD, pela AT e pelo Centro Nacional de Pensões nunca os mesmos e o Tribunal saberão i) a proveniência dos fundos existentes na conta bancária titulada pela Recorrente e ii) se a Recorrente tinha rendimentos aptos a constituir em poucos anos uma poupança de centenas de milhares de euros;
LL. Quanto à notificação à PGR para informar se existe, ou não, uma acção judicial para declarar a herança da falecida senhora C… vaga a favor do Estado é de suma importância, porquanto em tal acção terá de ser liquidado todo o património da falecida senhora C… à data da sua morte;
MM. Daí que, existindo tal acção de declaração da herança vaga a favor do Estado, pode muito bem a mesma conter todos os movimentos de deslocação patrimonial do património da senhora C… após a sua morte e o seu destino, seja esse destino a esfera da Recorrente ou outro;
NN. E, existindo ou vindo a existir, o Estado tem de exercer o seu direito de herdeiro sobre todos aqueles que, por qualquer razão, de forma directa e imediata, interferiram com tal património após o falecimento;
OO. “Se os elementos pretendidos quando cruzados com outros meios de prova podem conduzir à demonstração de factos alegados pela parte, para efeitos daquela boa instrução do processo será de requisitá-los”;
PP. Ademais, não existe uma violação do direito à reserva da sua vida privada da Recorrente;
QQ. Não se pode olvidar que a imputação que a Recorrente faz assemelha-se, em muito, à imputação aos Recorridos de um crime de abuso de confiança qualificado nos termos do art.º 205.º, n.º 4, alínea b) do CP;
RR. Imputação essa que pode levar, em caso de procedência, a que os Recorridos tenham de pagar à Recorrente cerca de €250.000,00;
SS. A notificação à PGR para informar se existe uma acção judicial a declarar vaga a herança da senhora C… a favor do Estado não se situa em nenhuma dimensão protegida pelo seu direito à reserva da vida privada ou de qualquer terceiro externo à acção;
T. Quanto aos restantes meios de prova os mesmos não constituem uma intromissão no núcleo duro e essencial do direito à reserva da vida privada, sendo absolutamente adequados, necessários e proporcionais stricto sensu (art.º 18.º, n.º 2 da CRP);
UU. Tal como não procedem à ablação total ou comprimem de forma inaceitável o direito à reserva da vida privada da mesma;
VV. Se um extracto bancário tem a potencialidade de revelar muito da vida privada de uma pessoa foi a Recorrente que, de forma voluntária, revelou os seus extractos bancários desde 2010 a 2017, juntando-os com a pi;
WW. As informações requeridas, por si só, não revelam absolutamente nada da vida privada da Recorrente ou de qualquer terceiro, não suprimem o núcleo essencial da reserva da vida privada ou comprimem de forma inadmissível o direito à reserva da vida privada;
XX. Não se pretende que a CGD proceda à junção de todos os extractos bancários da conta bancária mencionada no período entre 2010 e 2017 (esses já constam do processo por iniciativa da Recorrente);
YY. Os Recorridos efectuaram uma dupla restrição às informações que requereram: a) identificaram os dias concretos cuja informação é pretendida e; b) por referência a esse dia concreto só querem saber a informação pedida por referência a um movimento em concreto e específico;
ZZ. A prestação de tais informações nunca permitirá uma fotografia total de todos os movimentos bancários efectuados pela Recorrente durante todo esse período temporal;
AAA. Tendo como contraponto, face à ausência de prestação de tais informações, a completa supressão do direito à prova dos Recorridos e a sua potencial condenação nos elevados montantes pecuniários peticionados;
BBB. No que concerne ao pedido dirigido à AT para juntar aos autos as declarações de IRS da Recorrente dos anos de 2005 a 2017 as mesmas visam a demonstração do património da Recorrente em ordem a apurar se a mesma tinha rendimentos aptos a gerar uma poupança de centenas de milhares de euros num curto espaço de tempo;
CCC. O mesmo sucedendo relativamente à notificação ao Centro Nacional de Pensões para informar se a Recorrente é pensionista, desde quando e o valor da pensão;
DDD. Uma vez mais, tais informações não se situam no núcleo essencial do direito à reserva da vida privada da Recorrente;
EEE. Sendo que a ausência de tal informações comprometerá de forma total e irreversível o direito dos Recorrentes à prova e a um processo justo e equitativo;
FFF. “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação” – art.º 26.º, n.º 1 da CRP;
GGG. “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” – art.º 20.º, nº 1 da CRP;
HHH. “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” – art.º 20.º, n.º 4 da CRP;
III. “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – art.º 18.º, n.º 2 da CRP;
JJJ. Fundando-se tal restrição, no caso concreto, no art.º 417.º do CPC;
KKK. “O direito à prova, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP representa uma componente do direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais. Por isso, quando se está perante elementos de prova indispensáveis à descoberta da verdade, o valor do segredo bancário, que tutela o interesse privado duma das partes, deve, em princípio, ceder perante o dever de cooperação na descoberta da verdade material, no âmbito da administração da justiça, mesmo no domínio da jurisdição civil”;
LLL. “Do extractado, decorre que o sigilo fiscal, na nossa ordem jurídica, não é um direito absoluto porquanto, verificadas certas circunstâncias, pode ser afastado (…)”
Nestes termos, analisada a globalidade dos presentes autos, deve o presente recurso ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se o despacho recorrido, (…)”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são a nulidade da decisão por falta de fundamentação e saber se as diligências probatórias requeridas pelos RR. e deferidas pelo tribunal no despacho ora recorrido devem ser indeferidas.
*
III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
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IV. Apreciação
Questão prévia: - da rejeição do recurso por, segundo os RR., as conclusões reproduzirem o corpo da alegação: - as conclusões devem ser uma síntese do corpo da alegação. Há quatro páginas de corpo de alegação e três de conclusões, o que vem a significar que as conclusões não são a mera reprodução do corpo da alegação, ainda que de facto não sejam um primor de síntese, mas o caso, precisamente porque não é de inteira coincidência, sempre possibilitaria ao relator ordenar o aperfeiçoamento das conclusões, o que não faz porque se entende que não estamos perante um volume de conclusões exorbitante nem nelas se leem repetições escusadas, pelo que se trata apenas de ler três páginas, o que de todo justifica, em face da celeridade processual, que tal convite ao aperfeiçoamento devesse ter sido formulado.
Nestes termos, improcede a questão prévia suscitada pelos recorridos.
* 1ª questão: - tal como sustentam os RR. é jurisprudência unânime que só a falta absoluta de fundamentação faz incorrer a decisão que a comete em nulidade nos termos do artigo 615º nº 1 al. b) do CPC. Não é o caso: - por um lado, as diligências instrutórias foram requeridas pelos RR. com a respectiva fundamentação ou designação de propósito (para prova da matéria alegado sob ….). O tribunal não deferiu todas as diligências requeridas, considerando que as que indeferiu eram desinteressantes para a solução da causa. A contrario, entende-se que as que deferiu, as deferiu porque as considerou pertinentes e relevantes para a decisão da causa. O facto da A. se ter manifestado contra, não torna a questão mais controvertida do que saber se as diligências requeridas são pertinentes e úteis ou não, isto é, não obriga a nenhum esforço acrescido de fundamentação. Em todo o caso, retomando que a nulidade invocada só se dá perante a ausência absoluta de fundamentação, a conclusão é que não ocorre a nulidade invocada. 2ª questão: - o artigo 342º do Código Civil estatui que àquele que invoca um direito cabe a prova dos factos dele constitutivos, e àquele contra o qual o direito é invocado cabe a prova dos factos impeditivos e modificativos do direito.
Como os RR. invocaram a excepção de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e na modalidade de tu quoque, e invocaram ainda a excepção de ilegitimidade substantiva da A., a questão é saber se têm o direito / ónus (segundo o artigo 342º nº 2 do Código Civil) de provar os seus factos constitutivos.
Aqui começamos a desbravar terreno – os factos invocados relativamente ao venire não estão, de modo algum, em causa. A A. não pedia recibos, documentos nem contas durante x anos e depois passou a pedir, pois isto nada tem a ver com informações que a PGR, a AT, a Caixa Nacional de Pensões e a instituição bancárias (relativamente às quais e perante as diligências deferidas, são destinatárias do despacho) possam dar.
Depois, como vimos, os factos fundamentadores da excepção de abuso na modalidade tu quoque são exactamente iguais aos factos fundamentadores da alegada excepção de ilegitimidade substantiva – são eles, basicamente, um único, a saber, a A. não era proprietária dos valores de que diz que os RR. se apropriaram, antes esses valores eram da Senhora C…, e tinham vindo à conta da A. antes da morte daquela, sem que a mesma tivesse feito doação à A., e depois da morte daquele, tinham na mesma vindo à conta da A., sem que a A. fosse herdeira da referida senhora.
Com o devido respeito, a excepção de ilegitimidade substantiva é exactamente isto: - a A. não tem legitimidade para reivindicar a devolução do dinheiro, porque não era dona dele. Esta ilegitimidade, porque é substantiva, confunde-se, ou literalmente cola-se, sobre o argumento que os RR. dão de que a A. formulou a causa de pedir na responsabilidade civil aquiliana, e que o pressuposto ou requisito fundamental da mesma responsabilidade é a existência dum direito violado, e que este direito violado é o direito de propriedade.
Assim, esta discussão não extravasa o âmbito do artigo 342º nº 1 do Código Civil, como os RR. aliás repetidamente afirmam, e nestes termos não constitui excepção extintiva do direito da A., que confira aos RR. o direito à prova respectiva.
Podemos assim restringir a análise ao direito à prova dos factos que integram a excepção de abuso de direito na modalidade tu quoque, e por causa dela, quer dizer, apenas porque integrados numa excepção autónoma, isto é, autónoma porque faz intervir ou convoca um universo jurídico normativo diverso do mero litígio inter partes.
Na verdade, convoca o sentimento mais profundo da comunidade jurídica, duma sociedade organizada segundo o Direito, de que há resultados que o funcionamento das regras jurídicas permitiria que, porém, não são toleráveis para esse sentimento, que o ferem de tal maneira que se tem procurar um remédio casuístico, que é o de impedir em concreto que o resultado se produza. Quer estejamos no domínio da boa-fé, quer do fim social e económico do direito, quer em qualquer outro domínio do qual proceda a violação do referido sentimento, a questão é impedir o resultado do direito para repor, para não deixar que esse sentimento – que é simultaneamente um padrão, até de sobrevivência da mesma sociedade organizada segundo o Direito – seja violado. É este o fundamento comum das várias modalidades de abuso de direito recondutíveis ao artigo 334º do Código Civil.
Como excepção que foi invocada, ela tem de admitir a possibilidade da procedência do direito reclamado. Se a A. invocou um direito e quer a sua reparação, quando os RR. invocam uma excepção de abuso de direito têm de admitir, apesar de o negarem em sede de impugnação, que estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, concretamente, e é deste que estamos a falar, o pressuposto da violação do direito alheio, ou seja, os RR. têm necessariamente, por mera lógica jurídica e teoricamente, que admitir que opõem a excepção de abuso do direito para impedir a procedência do direito da A. assente na invocação da violação por parte dos RR. desse mesmo direito. Repare-se que apesar da negação formal, os RR., na excepção, não dizem “não temos de devolver porque não tirámos”, dizem “não temos de devolver porque não é teu”.
O mais relevante, porém, é que o RR. não dizem “não temos de devolver porque é nosso”.
Nestes termos e com o maior respeito, e usando uma expressão popular, a invocação da excepção “tu quoque” – também tu – redunda para os RR. numa invocação, ao menos por exigência teórica, de “ladrão que rouba ladrão”. Ou seja, também tu (Autora, tal como nós) “roubaste”, logo não tens direito de chamar a ordem jurídica a proteger o teu “roubo” contra quem também e posteriormente te tenha “feito a mesma coisa”.
Está bem de ver que o “tu quoque” não é uma modalidade de defesa independente da teoria geral do abuso de direito, ou seja, do tal fundamento de que o que é intolerável para a ordem jurídica se tem de impedir. Ou dito de outro modo, o remédio para o mal não pode ser outro mal, porque a ordem jurídica não prevê senão uma sociedade conforme ao Direito, e soluções conformes ao Direito, e não a punição do mal com outro mal do mesmo e exacto calibre.
Na realidade, a excepção de abuso de direito na referida modalidade é invocável entre partes relativamente a um “mal” que tenha sido cometido na relação entre partes, e que por ter sido cometido por uma das partes contra a outra, não pode ser sancionado. A excepção não é invocável relativamente a um terceiro, ou melhor dizendo, no caso, pelos RR. que são terceiros relativamente à suposta apropriação ilícita que a A. terá feito dos bens da referida C…. Se pudéssemos conceber essa excepção deste modo, ela comportar-se-ia como uma denúncia criminal, o que não é o pensamento teórico que preside a nenhuma das modalidades do abuso de direito.
Não estamos sós nesta concepção do âmbito de invocação e aplicação da excepção do abuso de direito na modalidade “tu quoque”.
No sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 14.3.2019, no processo n º 1189/15.0T8PVZ.P1.S1 lê-se:
I - O alcance do princípio do abuso do direito excede o conjunto dos grupos ou tipos de casos considerados na doutrina e na jurisprudência – como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, o tu quoque ou o desequilíbrio no exercício jurídico – e, por consequência, não é absolutamente necessário coordenar a situação sub judice a algum dos tipos enunciados.
II - O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte.
III - O autor, ao actuar ilicitamente, designadamente deixando de pagar as quotas ao condomínio, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita do condomínio, concretizada na não realização de obras para as quais as quotas, que o autor deixou de pagar, seriam necessárias”. (sublinhado e negrito nosso).
No sumário do acórdão desta Relação de Lisboa de 6.10.1994, com a referência (dgsi) RL199410060077262 lê-se:
- (…)
- Há abuso de direito, expresso na fórmula "tu quoque", quando, com ofensa clamorosa do sentido jurídico dominante, alguém desrespeita um contrato e vem depois exigir à outra parte o seu cumprimento; diversamente do que se passa no "venire contra factum proprium", em que a contradição está no comportamento do titular do direito, no "tu quoque" a contradição está nas bitolas valorativas utilizadas pelo titular do direito para julgar e julgar-se.
- Actua com abuso de direito aquele que, tendo-se constituído em mora no pagamento do prémio de seguro e desencadeando o processo resolutivo, acaba por pagar quando o contrato já estava resolvido, e vem depois exigir à seguradora a cobertura dos danos sofridos, valendo-se, para isso, de uma inobservância da lei por parte da seguradora no modo de levar ao conhecimento dele a resolução”.
No estudo intitulado “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, do Prof. Doutor António Menezes Cordeiro[1], ensina-se:
“12. Tu quoque
I. Tu quoque (também tu!) exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso (115):
- ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente;
- ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio;
- ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.
Estamos perante um tipo abusivo que suscita algumas dificuldades dogmáticas. Ele disfruta, de resto, de um suporte doutrinário claramente inferior ao dos restantes tipos (116).
II. O Código VAZ SERRA tem numerosas consagrações parcelares da regra-mãe tu-quoque (117).
Recordamos três:
— artigo 126.º: o menor que use de dolo para se fazer passar por maior não pode invocar a anulabilidade do acto;
— artigo 342.º/2: há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova do onerado;
— artigo 570.º/1: a culpa do lesado pode reduzir ou excluir a indemnização.
Todavia, torna-se problemático generalizar estas menções: isso poderia equivaler a permitir repercutir, indefinidamente, as inobservâncias da ordem jurídica. O tu quoque requer, assim, uma aplicação confinada entre as partes envolvidas.
III. O tu quoque deve ser aproximado do segundo princípio mediante, entre a boa fé e os casos concretos: o da primazia da materialidade subjacente (118). A ordem jurídica postula uma articulação de valores materiais, cuja prossecução pretende ver assegurados. Nesse sentido, ele não se satisfaz com arranjos formais, antes procurando a efectivação da substancialidade. Pois bem: a pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente. Nessas condições, exigir à contraparte um procedimento idêntico ao que se seguiria se nada tivesse acontecido equivaleria ao predomínio do formal: substancialmente, a situação está alterada, pelo que a conduta requerida já não poderá ser a mesma. Digamos que, da materialidade subjacente, se desprendem exigências ético-jurídicas que ditam o comportamento dos envolvidos.
Num exemplo retirado da lei (570.º/1): havendo culpa do lesado, a realidade subjacente não pode ser equiparada ao ilícito comum; por isso, a indemnização pode ser minorada ou suprimida.
Temos, aqui, uma interessante área de progresso futuro.
IV. Apesar da novidade e das carências doutrinárias, a jurisprudência portuguesa tem isolado o problema, na prática, contemplando-o com soluções justas: ainda que sem nomear o tu quoque. Assim:
RPt 3-Fev.-1981: por falta de obras, um armazém torna-se inutilizável com a chuva; instado a fazer obras, o senhorio nega-se; o locatário desocupa, por isso, o local: o senhorio move um despejo com base no encerramento; o tribunal recusa-o, por abuso(119);
STJ 21-Set.-1993: uma companhia de seguros fora condenada, trânsito em julgado, a pagar 4.364 c.; conseguiu, todavia, um recibo pelo qual pagara 3.000 c., acrescentando que era tudo o devido; não pode invocar essa circunstância para não cumprir a sentença(120);
STJ 12-Jul.-2001: num contrato-promessa, o Réu assina, faz reconhecer a assinatura e manda ao Autor, pedindo-lhe que assinasse e fizesse reconhecer a sua; o Autor perde o documento e alega a invalidade por não ter assinado: há abuso(121);
RLx 2-Mar.-2004: um condómino que não queira assinar a acta da assembleia não pode prevalecer-se disso para a impugnar: seria abuso do direito(122)”. (negrito e sublinhado nossos).
Outro exemplo desta mesma localização de invocabilidade no domínio da relação inter partes encontramos no Acórdão do STJ de 10.10.2002, referência 02B2601, em cujo sumário se lê:
“É de empreitada o contrato pelo qual o proprietário de um veículo encarrega uma oficina de proceder à sua reparação ou revisão.
2) Tendo o dono do veículo optado por vender o veículo em virtude dos defeitos introduzidos por aquela oficina, sem ter previamente recorrido às vias judiciais (art.º 1218º e seg. do CC), não pode depois pedir a condenação do inadimplente no montante do prejuízo sofrido com a desvalorização do carro.
3) Tendo o dono da oficina aplicado no veículo peças defeituosas, não pode por seu lado vir exigir o pagamento do preço da obra feita (abuso do direito - "tu quoque" e art.º 428º-1 do CC).
Em suma, a excepção invocada não se aplica no caso concreto, razão pela qual tudo indica a sua improcedência, em função do que os factos dela fundamentadores já não geram um direito à prova constitucionalmente garantido, porque este direito existe apenas para a prova de factos essenciais à decisão das questões do litígio, neste caso, duma excepção que pudesse ser julgada procedente (o que não é o caso). Torna-se assim evidente que as diligências probatórias requeridas são inúteis e como tal não deviam ter sido deferidas.
Nestes termos procede o recurso, revogando-se o despacho recorrido. Relativamente às informações que em cumprimento dos ofícios enviados, já foram prestadas, as mesmas não podem ser discutidas nem referidas, nem podem relevar para a decisão da causa, devendo considerar-se não escritas. O tribunal, outrossim, e perante aliás a recusa da A., não deve ordenar a notificação da Caixa Geral de Depósitos para prestar as informações requeridas pelos RR.
Custas do recurso pelos recorridos - artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento e em consequência revogam o despacho recorrido, ordenando que as respostas às diligências probatórias que já vieram aos autos sejam consideradas não escritas e não possam ser consideradas, discutidas nem relevadas para a decisão da causa, e ordenando outrossim ao tribunal que não ordene a notificação da Caixa Geral de Depósitos para prestar as informações requeridas pelos RR.
Custas pelos recorridos.
Registe e notifique.