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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário
I- Em matéria de competência judiciária, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, prevalece sobre as normas internas dos Estados aos quais o referido Regulamento se aplica. II- Relativamente à regra geral, segundo a qual a entidade empregadora deve ser demandada nos tribunais do Estado do seu domicilio [art. 21º, nº 1, a)], o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, prevê no seu art. 26.º uma situação de extensão de competência, por via da qual é competente o tribunal do Estado-Membro no qual o requerido compareça sem arguir a incompetência, salvo se se tratar de uma situação de competência exclusiva, prevista no artigo 24.º. III- Justifica-se a recusa do reenvio prejudicial quando o TJUE já se tenha pronunciado sobre a questão controvertida num caso substancialmente idêntico, de modo que a questão se possa considerar clarificada, bem como quando não se suscite uma dúvida razoável quanto à interpretação da disposição de direito da União em discussão.
Texto Integral
Revista n.º 314/21.6T8BRG.G1.S1 MBM/JG/RP
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. AA intentou ação declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a ENCONTEC GMBH, com sede em ... 19, ..., na Alemanha, pedindo que:
a. Seja declarada a ilicitude do despedimento.
b. A ré seja condenada a proceder à sua reintegração no posto de trabalho, ou a pagar uma indemnização pelo despedimento ilícito, no valor de 57,431.81 €.
c. A ré seja condenada a pagar-lhe: as retribuições vencidas e não pagas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude, sendo o montante vencido até à propositura da ação no valor € 59.607,26; a quantia de € 89.371,57, a título de créditos laborais;
uma indemnização por danos não patrimoniais, não inferior a € 50.000,00; o bónus referente à participação nos lucros, a calcular em posterior liquidação; juros de mora, vencidos e vincendos.
d. A ré seja condenada a declarar o autor como seu trabalhador na Segurança Social e nas Finanças, durante todo o período em que esteve ao seu serviço.
2. Para tanto,alega, em síntese, que em 01.04.2015 celebrou um contrato de trabalho com a R., para exercer as funções de engenheiro, que exerceu até ao dia 21.01.2020, data em que foi impedido de entrar nas instalações da R. e de trabalhar.
3. A R. excecionou a competência do tribunal nacional.
4. Na 1ª instância, foi proferida decisão, julgando o tribunal internacionalmente incompetente. 5. O A. apelou, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) julgado o recurso improcedente.
6.1. Novamente inconformado, interpôs o mesmo o presente recurso de revista, dizendo, em síntese, nas conclusões da sua alegação:
– O Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga é internacionalmente competente para apreciar e decidir a ação: de acordo com o disposto no artigo 23.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, o tribunal é competente por força da extensão de competência (acordo tácito) referida no artigo 26.º.
– Da conjugação do artigo 28.º, 1, com o artigo 26.º, 1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional à luz das regras estabelecidas no Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objetivo a arguição da incompetência do Tribunal - o que no presente caso não se verifica.
– O artigo 21.º do Regulamento estabelece que uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio, ou noutro Estado-Membro.
– Dispõe o artigo 26.° do Regulamento que “... é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º...”.
– No presente caso, tratando-se de uma ação de trabalho, tal competência não se encontra excluída por aplicação do artigo 24.º, sendo assim competente o tribunal português.
– O Tribunal declarou a incompetência internacional depois da requerida ter sido citada, ter comparecido nos autos, contestado a substância da causa - instruindo inclusive o processo com prova documental - para além da incompetência do tribunal.
– O artigo 10.º do Código de Processo de Trabalho, no seu n.º 1, estabelece que “… Na competência internacional dos juízos do trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, (…) em que os factos que integram a causa de pedir na ação tenham sido praticados, no todo ou em parte, em território português…”.
– Dispõe o artigo 59.º, do Código de Processo Civil, que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º.
– No considerando 18 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, expressamente se consignou que no respeitante aos contratos de seguro, de consumo e de trabalho, é conveniente proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regras gerais.
– A secção 5 do Regulamento – que abrange os artigos 20.º a 23.º – regula especificamente a competência em matéria de contratos individuais de trabalho.
– O recorrente foi contratado pela requerida em Portugal, resultando dos documentos juntos aos autos, mais concretamente do contrato de trabalho junto com a Petição Inicial, que o contrato lhe foi enviado para assinar, já assinado pela entidade empregadora.
– por aplicação do disposto na alínea c) do artigo 62.º, do Código de Processo Civil, “… quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”, é competente o Tribunal Português.
– O recorrente, encontrando-se despedido, incapacitado fisicamente, limitado financeiramente, numa situação de grave dificuldade económica, sem quaisquer recursos para suportar os custos de uma ação judicial – muito menos fora de Portugal – em 01.02.2020 apresentou pedido de apoio jurídico transfronteiriço, processo que remeteu diretamente ao Tribunal de Trabalho de Estugarda. Embora o recorrente nunca tenha sido notificado pelo Tribunal Alemão de qualquer solicitação ou decisão relativa ao pedido, a requerida apresentou junto com a sua defesa documentos que expressam que o pedido de apoio jurídico do recorrente se encontra indeferido pelo Tribunal alemão – apesar da extrema dificuldade económica comprovada e atestada pelo Estado Português, uma vez que nos presentes autos o recorrente litiga com apoio jurídico deferido pelo Instituto da Segurança Social Português.
– Este facto impossibilitou o recorrente de intentar a ação contra a requerida no Tribunal alemão, inclusive, pela impossibilidade de realizar eventuais deslocações à Alemanha para esse efeito, ao que acresce que toda esta situação aconteceu precisamente quando surgiu a pandemia covid-19.
– O recorrente não pode ser impedido de exercer os seus direitos - que só se podem tornar efetivos por meio de ação proposta em território português -, como dispõe o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
– O Tribunal a quo, negando ao recorrente o acesso à Justiça e aos Tribunais, violou princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, o direito ao trabalho, o direito à segurança no emprego, o direito à saúde, o direito conferido aos cidadãos portadores de deficiência, o direito à igualdade, o direito de livre deslocação e o direito ao acesso e tutela jurisdicional efetiva.
6.2. Subsidiariamente, o recorrente solicita o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, à luz do disposto no artigo 267.º, b), do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), tendo em vista decidir qual a real interpretação do direito da União a aplicar no presente caso, nomeadamente quanto à aplicabilidade das normas relativas à extensão da competência.
7. A R. contra-alegou, pugnando pelo improvimento do recurso.
8. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, tendo respondido o A., em linha com o antes sustentado nos autos.
9. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir são as seguintes:
a) Se o tribunal português é internacionalmente incompetente;
b) Se se impõe o reenvio prejudicial para o TJ.
Decidindo. II. 10. Mostra-se fixada pelas instâncias a seguintematéria de facto:
- O autor tem nacionalidade portuguesa, tendo residência pessoal em Portugal;
- A ré é uma sociedade comercial com sede na Alemanha;
- Com efeitos a partir do dia 1 de abril de 2015, a ré contratou o autor como seu trabalhador;
- O contrato de trabalho foi celebrado no dia 16 de fevereiro de 2015, em ..., na Alemanha;
- Ficou acordado que o local de trabalho do autor era em ... - ... ou ...;
- Bem como que o autor podia ser colocado pela ré nas instalações dos clientes e era obrigado a realizar trabalho em vários locais dentro da República Federal da Alemanha;
- Sendo aplicável ao autor o Acordo Coletivo Suplementar Bundesarbeitgeberverband der Personaldienstleister (BAP);
- Ficou acordado que o autor recebia um subsídio de renda mensal para o seu alojamento, no valor de € 250,00, e mantinha sua residência fora do local de trabalho, para além de uma residência secundária no local de trabalho.
III.
11. Sobre as questões em discussão na presente revista, o TRG pronunciou-se no acórdão recorrido, fundamentalmente, do seguinte modo:
“(…) No caso é aplicável o regulamento nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho. Assim sendo as normas de direito interno invocadas não têm aplicação, designadamente as normas dos artigos 10º CPT e 62º do CPC. O regulamento é diretamente aplicável em todos os Estados Membros, artigo 288º do TFUE, constituindo, no seu âmbito de aplicação, o regime geral em substituição dos regimes constantes das leis internas de cada Estado-Membro. Isto porque, tendo em conta a necessidade de uma aplicação uniforme em todos os Estados, a sua aplicação deve fazer-se sem intercorrência de normas internas e de acordo com a interpretação do TJ. Veja-se artigo 8º, 4 da CRP e 59º da CPC. Conforme o TJ declarou, o juiz nacional ao aplicar normas de Direito da União, tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas normas, “não aplicando, se necessário e no exercício da sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem que tenha de pedir ou aguardar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional” - acórdãos Simmenthal, 106/77, EU:C:1978:49, n.ºs 21 e 24; Filipiak, C 314/08, EU:C:2009:719, n.o 81; Melki e Abdeli, EU:C:2010:363, n.º 43; Åkerberg Fransson, C 617/10, EU:C:2013:105, n.º 45. A aplicação de normas nacionais em tais condições seria incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito da União, diminuindo-lhe a eficácia. (…) Quanto à competência em matéria de contratos individuais de trabalho refere o aludido regulamento: Artigo 21.º 1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada: a) Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou b) Noutro Estado-Membro: i)no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou ii)se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador. 2.Uma entidade patronal não domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais de um Estado-Membro nos termos do n.º 1, alínea b). A regra é a de que a empregadora deve ser demandada nos tribunais do Estado do seu domicilio, podendo ainda, em concessão ao princípio do favorecimento da parte mais fraca da relação, a que alude o considerando 18, ser demandada no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho; não sendo possível determinar um local de trabalho habitual, ainda no lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador. Fora estas regras, e salvos os pactos atributivos de competência de acordo com o disposto no artigo 23º do regulamento, um tribunal só será competente por força da extensão de competência, - acordo tácito -, referida no artigo 26º. No caso não ocorre qualquer extensão de competência como veremos adiante. Refere o recorrente que o tribunal não podia declarar-se incompetente, referindo os artigos 26º e 28º do Regulamento. Parece contestar a oficiosidade da apreciação. Na secção 8ª do capítulo II, relativa à verificação da competência e da admissibilidade consta: Artigo 28.º 1. Caso o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro e não compareça em juízo, o juiz deve declarar-se oficiosamente incompetente, salvo se a sua competência resultar do disposto no presente regulamento. 2. O tribunal suspende a instância enquanto não se verificar que foi dada ao requerido a oportunidade de receber o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, em tempo útil para providenciar pela sua defesa, ou enquanto não se verificar que foram efetuadas todas as diligências necessárias para o efeito. … A apreciação da incompetência internacional é sempre oficiosa como resulta deste normativo. Veja-se a parte final do artigo “salvo se a sua competência resultar do disposto no presente regulamento”. E a expressão, “o juiz deve”. Ocorrendo incompetência o juiz deve declará-la. Se a competência resulta de norma do regulamento, significa que não ocorre a incompetência internacional. O recorrente defende a verificação da extensão de competência.[1] No II capítulo, secção 7, relativa relativo à extensão da competência consta: Artigo 26. 1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º 2. Nas matérias abrangidas pelas secções 3, 4 e 5, caso o requerido seja o tomador do seguro, o segurado, o beneficiário do contrato de seguro, o lesado, um consumidor ou um trabalhador, o tribunal, antes de se declarar competente ao abrigo do n. 1, deve assegurar que o requerido seja informado do seu direito de contestar a competência do tribunal e das consequências de comparecer ou não em juízo. Resulta da conjugação destas normas que sendo o requerido empregador domiciliado num Estado-Membro demandado no tribunal de outro Estado-Membro, que não aqueles em que a ação pode também ser intentada nos termos do artigo 21º, 1, b), a incompetência do tribunal não ocorre em determinada circunstância, que é a de o citado se ter apresentado em tribunal e não ter levantado a questão da competência. Trata-se de uma competência, por extensão, que se baseia na escolha das partes, ainda que tácita, aplicável apenas quando a mesma não decorre de outras disposições do regulamento - acórdãos ČPP Vienna Insurance Group, C 111/09, EU:C:2010:290, n. 21, e Cartier parfums lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, EU:C:2014:109, n.34. Esta norma de extensão deve ser interpretada de acordo com o entendimento do TJ de 24 de junho de 1981, Elefanten Schuh GmbH, Processo 150/80, ECLI:EU:C:1981:148; de 31 de março de 1982, W. contra H., Processo 25/81, ECLI:EU:C:1982:116; de 14 de julho de 1983. Gerling Konzern, Processo 201/82, ECLI:EU:C:1983:217, no sentido de que “permite ao réu não contestar apenas a jurisdição, mas também, em alternativa, apresentar defesa relativa à substância da causa, sem perder o direito de suscitar a exceção de incompetência” - Veja-se também o Ac. STJ de 14/12/2017, processo nº 143378/15.0YIPRT.G1.S1. Para o tribunal se poder considerar incompetente, e é, para não funcionar a competência tacitamente acordada pelas partes nos termos do artigo 28º do Regulamento, relevam duas circunstâncias, determinando ambas a incompetência. A primeira consiste na não comparência do citado no processo. A segunda consiste na invocação por parte do citado, aquando da sua intervenção nos autos, da incompetência do tribunal. A arguição deve logo ser efetuada, sob pena de fixar a competência. No caso presente, a citada em resposta à demanda enviou comunicações, tendo desde início e em todas elas referenciado que contestava a competência do tribunal. A recorrente não faz afirmação correta ao pressupor nas suas alegações que ocorreu intervenção ou aprestação no processo sem se invocar a incompetência. O facto de se ter desconsiderado a “defesa” nos termos dos art. 40º nº1 al. a) e 41º do Cód. de Processo Civil, por não ter a ré constituído mandatário, não altera os termos factuais da intervenção processual da parte, logo contestando a competência. Do comportamento desta não pode colher-se qualquer indicação no sentido de aceitação tácita da competência. Assim sendo e porque não ocorre a extensão de competência como acima vimos, o juízo sobre a incompetência internacional não merece reparo. Relativamente ao acesso à justiça, o mesmo encontra-se garantido, o requerente tem que deduzir o pedido no tribunal competente. O recorrente não pode escolher o tribunal de acordo com a sua melhor conveniência, ao arrepio de normas que estabelecem o modo desse exercício. O direito ao acesso à justiça mostra-se garantido na CDFUE (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Refere o artigo 47 (Direito à ação e a um tribunal imparcial): Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. Este direito está garantido através dos tribunais internacionalmente competentes nos termos do Regulamento, os alemães. Não ocorre qualquer inconstitucionalidade. O autor celebrou um contrato com elementos de conexão plurilocalizados, tendo desempenhado o seu trabalho em território alemão, não podendo pretender furtar-se às normas de direito que regulam a relação entre jurisdições, quer quanto ao direito aplicável, quer, no que ao caso importa, quanto ao foro competente, até pelas implicações que o respeito de tais normas envolve em termos de execução das decisões. Alude o recorrente à omissão de reenvio prejudicial, contudo não resulta da alegação qual norma do regulamento reclama o reenvio. Por outro o reenvio só seria obrigatório na segunda instância – artigo 267º, b,) 2º parágrafo, do TFUE. Melhor dito, o reenvio apenas é obrigatório para o tribunal cuja decisão não admita recurso. Refere o recorrente a aplicabilidade de outras normas – relativas à extensão da competência -, que não apenas o artigo 21º do Regulamento. Como vimos, a extensão de competência que invoca não ocorre, e relativamente a estas normas já o tribunal de justiça se pronunciou e esclareceu o respetivo sentido, não se configurando no caso qualquer particularidade que demande reenvio por parte desta instância - vd. Acórdão do Tribunal de 27 de Março de 1963, Da Costa, processos apensos 28 a 30-62, ECLI:EU:C:1963:6 e Cilfit, referindo a dispensa do reenvio obrigatório nos casos em que já há jurisprudência do TJ sobre a questão. Importa ainda considerar a “teoria do ato claro” formulada pelo TJ. Mostrando-se claras as normas invocadas, no que concerne à concreta aplicação, é dispensado o reenvio - Acórdão do Tribunal de 6 de outubro de 1982, CILFIT, processo 283/81, ECLI:EU:C:1982:335.” 12. Também o acórdão de 15.12.2022, desta Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no procedimento cautelar comum[2] apenso aos presentes autos, concluiu no sentido da incompetência internacional do tribunal português para decidir do peticionado nesse processo, bem como pela improcedência do pedido de reenvio prejudicial.
Na parte coincidente com o objeto do recurso de revista em apreço, a argumentação aí expendida é, no essencial, a seguinte:
“Sublinhe-se, desde já, que no domínio de aplicação em matéria civil e comercial a solução deve ser encontrada no quadro do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, o qual prevalece sobre as normas internas dos Estados aos quais o referido Regulamento se aplica. Não há, pois, que atender ao artigo 62.º do CPC, nem tão-pouco ao artigo 10.º do CPT, porquanto como muito bem se afirma no Acórdão recorrido, “o citado Regulamento é diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, nos termos do artigo 288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, constituindo, no seu âmbito de aplicação, o regime geral em substituição dos regimes constantes das leis internas de cada Estado-Membro”, situação consentida pelo artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
(…)
Ao contrário do que pretende o Recorrente os tribunais portugueses carecem de competência para conhecer do mérito e tal competência não lhes é atribuída pelo artigo 26.º do Regulamento. Como se pode ler no Acórdão recorrido:
“Trata-se de uma competência por extensão, que se baseia na escolha das partes, ainda que tácita, pelo que não se verifica em qualquer uma de duas situações: a não comparência do requerido no processo; ou a imediata invocação pelo requerido, aquando da sua intervenção nos autos, da incompetência do tribunal. Ora, a presente providência cautelar foi indeferida liminarmente, antes da intervenção da Requerida, e, por outro lado, nos autos principais, onde já fora citada, a mesma enviou comunicações em que, desde o início, referiu que contestava a competência do tribunal. Tal realidade não é prejudicada pelo facto de ali se ter desconsiderado a “defesa”, nos termos dos arts. 40.º, n.º 1, al. a) e 41.º do Código de Processo Civil, sendo inequívoco que a Requerida não assumiu qualquer comportamento, em qualquer lugar do processo, no sentido de que aceitava tacitamente a competência”.
Também no douto Parecer do Ministério Público, proferido neste Supremo Tribunal em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT, se afirma que “(q)uanto ao disposto no art.º 26.º do Regulamento importa dizer que no processo principal não foi aceite a defesa da recorrida que não constituiu mandatário, pelo que não se configura a sua previsão”.
(…)
Finalmente, quanto ao pedido de reenvio prejudicial feito pelo Recorrente, o qual, invocando o artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, defende ser o mesmo obrigatório para este Tribunal, importa ter presente que, pese embora a letra do preceito, o próprio Tribunal de Justiça tem, na sua jurisprudência, concretizado casos em que tal reenvio pode legitimamente ser recusado pelos tribunais nacionais de um Estado-Membro. Trata-se, desde logo, daquelas situações em que “a resposta a essa questão, seja ela qual for, não possa ter influência na solução do litígio”. Esta situação não se verifica, todavia, no caso concreto em que assume relevância fundamental a interpretação a dar ao artigo 35.º do Regulamento. No entanto, e de acordo com a jurisprudência do TJ, a recusa em proceder ao reenvio também se justifica quando o TJUE já tenha respondido à questão num caso substancialmente idêntico, de modo que a questão se possa considerar clarificada, ou, também, quando não se coloque uma dúvida razoável quanto à interpretação da disposição de direito da União em causa. Ora, face à jurisprudência do TJ que exige que exista “um elemento de conexão real entre o objeto das medidas requeridas e a competência territorial do Estado contratante do juiz a quem são pedidas” para que se aplique o artigo 35.º do Regulamento e não se verificando tal elemento de conexão, não existe qualquer dúvida interpretativa que seja necessário esclarecer através do reenvio.”
13. A propósito da interpretação do artigo 26.º do Regulamento, ou, mais rigorosamente, da correspondente norma do Regulamento n.º 44/2001 (que o Regulamento n.º 1215/2012 substituiu), refira-se ainda o Ac. do TRP de 23.02.2017, Proc. nº 159312/15.4YIPRT.P1, que sobre a matéria se pronunciou em termos concludentes:
«A competência pode assim resultar não apenas do acordo explícito (pacto de jurisdição) como ainda do acordo implícito das partes que ao apresentarem-se perante aquele tribunal a demandar e a oferecerem a sua defesa aceitam tacitamente a respetiva jurisdição, caso o requerido compareça em tribunal sem arguir no primeiro ato de defesa a incompetência do tribunal ao qual é posta a questão.
Esta norma corresponde ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 que o Regulamento n.º 1215/2012 veio substituir, não apresentando diferenças em relação à disposição pretérita.
A interpretação do artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 foi realizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20.05.2010, no processo C-111/09 (Česká podnikatelská pojišťovna as Vienna Insurance Group), no qual se formulou a seguinte jurisprudência (…):
“21. (…) o artigo 24.º, primeiro período, do Regulamento n.º 44/2001 estabelece uma regra de competência baseada na comparência do demandado no processo, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a ação não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também nos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão da sua competência. 22. O artigo 24.º, segundo período, do Regulamento n.º 44/2001 prevê exceções a essa regra geral. Estabelece que não há uma extensão tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção se o demandado deduzir uma exceção de incompetência, expressando assim a sua vontade de não aceitar a competência desse órgão jurisdicional, ou se o litígio em causa for um dos litígios relativamente aos quais o artigo 22.º do referido regulamento estabelece regras de competência exclusiva. (…) 25. (…), segundo a jurisprudência relativa ao artigo 18.º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), disposição idêntica, no essencial, ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001, nos casos que não constam expressamente de entre as exceções previstas na segunda frase do referido artigo 18.º, é aplicável a regra geral sobre a extensão tácita da competência. Ao pronunciar-se no âmbito de um litígio em que as partes tinham celebrado um pacto atributivo de jurisdição, o Tribunal de Justiça afirmou que não havia qualquer razão decorrente da economia geral ou dos objetivos da referida Convenção para se considerar estarem as partes impedidas de submeter um litígio a um órgão jurisdicional diferente do estipulado no pacto (v. acórdãos de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh, 150/80, Recueil, p. 1671, n.º 10, e de 7 de Março de 1985, Spitzley, 48/84, Recueil, p. 787, n.os 24 e 25). 26. Nestas condições, uma vez que as regras de competência enunciadas na secção 3 do capítulo II do Regulamento n.º 44/2001 não são regras de competência exclusiva, o tribunal onde a ação foi intentada com inobservância das referidas regras deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz qualquer exceção de incompetência. (…) 30. (…) embora nos domínios visados pelas secções 3 a 5 do capítulo II do mesmo regulamento as regras de competência tenham por objetivo oferecer à parte mais fraca uma protecção reforçada (v., a este respeito, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, FBTO Schadeverzekeringen, C-463/06, Colect., p. I-11321, n.º 28), não pode ser imposta a essa parte a competência judiciária determinada por essas secções. Se essa parte decidir deliberadamente comparecer no processo, o Regulamento n.º 44/2001 dá-lhe a possibilidade de contestar o mérito da ação perante um órgão jurisdicional diferente dos determinados com base nas referidas secções. 33. Resulta do exposto que importa responder à segunda questão que o artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o tribunal em que a ação foi intentada, sem que as regras constantes da secção 3 do capítulo II deste regulamento tivessem sido respeitadas, deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz uma exceção de incompetência, constituindo essa comparência no processo uma extensão tácita da competência.” Também no Acórdão de 11.09.2014, no processo n.º C-112/13, o Tribunal de Justiça assinalou que: “50. (…) segundo jurisprudência constante, as disposições do Regulamento n.º 44/2001 devem ser interpretadas de maneira autónoma, com referência principalmente ao seu sistema e aos seus objectivos (v., neste sentido, acórdãos Cartier parfums-lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, C-1/13, EU:C:2014:109, n.º 32 e jurisprudência referida, e Hi Hotel HCF, C-387/12, EU:C:2014:215, n.º 24). (…) 53. (…) há que recordar, em primeiro lugar, que esse artigo 24.º faz parte do capítulo II, secção 7, do Regulamento n.º 44/2001, sob a epígrafe «Extensão de competência». O referido artigo 24.º, primeiro período, estabelece uma regra de competência assente na comparência do requerido, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a ação não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também aos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do requerido possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão da sua competência (v. acórdãos ČPP Vienna Insurance Group, C-111/09, EU:C:2010:290, n.º 21, e Cartier parfums-lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, EU:C:2014:109, n.º34).”
Em conformidade com esta interpretação, o que está previsto na secção 7 do capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012 (como antes do Regulamento n.º 44/2001) são situações de extensão (expressa e tácita) de competência. Verificada a previsão do 26.º deste Regulamentos a competência alarga-se ao tribunal onde o réu foi demandado e perante o qual compareceu sem arguir a respetiva incompetência, o qual passa a ser igualmente competente como o tribunal designado por disposição específica do Regulamento, designadamente os artigos 5.º e 7.º.
Esta extensão de competência ocorre ainda que conduza à derrogação das competências de proteção, só cedendo perante as normas do Regulamento que definem competências exclusivas (artigo 24.º), ao contrário do que sucede com a definição de competência através do pacto de jurisdição que nunca pode contrariar as regras de competência exclusivas e em matéria de seguros, contratos celebrados por consumidores e contratos individuais de trabalho (artigo 25.º, n.º 4).
Essa solução justifica-se porque a intenção clara destes Regulamentos é agilizar o funcionamento da justiça no espaço da União e impor a todos os Estados a aceitação das decisões proferidas pelos tribunais de qualquer deles, pelo que se o réu é demandado nos tribunais de um Estado - Membro e aí comparece a defender-se sem suscitar, como podia, a incompetência dos tribunais desse Estado, nenhum interesse existe em inutilizar o processado e obrigar à instauração de nova ação nos tribunais de outro Estado, exceto nas situações que justificam a fixação de uma competência exclusiva.
Daí resulta afinal que o autor pode instaurar a ação num tribunal que inicialmente não seria o competente (designadamente o do Estado - Membro do seu domicílio e não o do Estado - Membro do domicílio do demandado) ficando, no entanto, dependente de que o réu compareça perante esse tribunal e não argua a incompetência deste. O simples facto de o requerido comparecer em tribunal e não arguir a incompetência do tribunal onde a ação foi proposta, optando por apresentar somente a sua defesa quanto ao fundo da causa, determina que a competência fique atribuída também a este tribunal, o qual, nessa altura e por reunião desses dois fatores, adquire competência em razão da nacionalidade.»
14. Em suma, relativamente à regra geral, segundo a qual a entidade empregadora deve ser demandada nos tribunais do Estado do seu domicilio [art. 21º, nº 1, a)], o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, prevê no seu art. 26.º (norma na qual o recorrente baseia os elementos centrais da sua argumentação) uma situação de extensão de competência, por via da qual é competente o tribunal do Estado-Membro no qual o requerido compareça sem arguir a incompetência, salvo se se tratar de uma situação de competência exclusiva, prevista no artigo 24.º. In casu, em resposta à demanda, a R. dirigiu comunicações ao tribunal, tendo desde início e em todas elas referenciado que contestava a competência do tribunal, sendo que o facto de ter sido desconsiderada a sua “defesa”, por a mesma não ter constituído mandatário, “não altera os termos factuais da intervenção processual da parte”, que, deste modo, contestou a competência.
Não podendo da sua conduta processual, retirar-se qualquer indicação no sentido da aceitação tácita da competência, não ocorre, pois, a alegada extensão de competência, como já decidiu o supracitado Acórdão de 15.12.2022, desta Secção Social.
Sobre esta problemática, embora no âmbito do Regulamento n.º 44/2001, cfr. Maria José Serrano Garcia, Competência judicial e lei aplicable en el âmbito de los contratos de trabajo internacionales, Editorial Reus, Madrid, 2011, págs. 71 – 76.
15. Toda a argumentação complementar do recorrente foi afastada por este mesmo aresto e pelo acórdão recorrido, em termos que não suscitam qualquer dúvida e que por inteiro se acolhem, designadamente quanto à inaplicabilidade das normas adjetivas portuguesas ao caso dos autos (em favor da tese sustentada pelo recorrente) e ao facto de não merecer qualquer censura a apreciação oficiosa da incompetência internacional do tribunal.
A tese de que o recorrente se encontrava impossibilitado de intentar a ação no Tribunal alemão, ou que tal facto limitasse os seus direitos de acesso à Justiça e aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, também não encontra o menor suporte na matéria de facto provada, sendo certo que o único elemento de conexão existente entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa é a sua nacionalidade.
Consequentemente, também não se configura no caso dos autos qualquer violação da CRP, mormente do vasto catálogo dos direitos invocados neste âmbito (v.g. direito ao trabalho, direito à segurança no emprego, direito à saúde, direito conferido aos cidadãos portadores de deficiência, direito à igualdade e direito de livre deslocação).
16. Por fim, quanto ao pedido de reenvio prejudicial deduzido pelo recorrente, constatando-se que as soluções acolhidas no presente acórdão, maxime no tocante à questão central da interpretação do art. 26º do Regulamento, se encontram manifestamente alinhadas com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, bastamente elencada no acórdão recorrido (supra nº 11) e no citado Ac. do TRP de 23.02.2017 (supra nº 13), impõe-se concluir no sentido da inexistência de qualquer dúvida interpretativa que se imponha esclarecer através do reenvio.
Na verdade, e como o Acórdão de 15.12.2022, desta Secção Social, “de acordo com a jurisprudência do TJ, a recusa em proceder ao reenvio também se justifica quando o TJUE já tenha respondido à questão num caso substancialmente idêntico, de modo que a questão se possa considerar clarificada, ou, também, quando não se coloque uma dúvida razoável quanto à interpretação da disposição de direito da União em causa”. [3]
IV.
17. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.
Lisboa, 12 de janeiro de 2023
Mário Belo Morgado (Relator) Júlio Manuel Vieira Gomes Ramalho Pinto
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[1] Todos os destaques e sublinhados são nossos. [2] Proc. n.º 314/21.6T8BRG-A.G1.S1. [3] Invocando-se neste sentido no mesmo aresto: «N.º 36 do Acórdão Consorzio Italian Management: «a força da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.º, TFUE pode privar de causa a obrigação prevista no artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE e esvaziá-la assim de conteúdo, designadamente quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a outra questão suscitada em processo análogo e já decidida a título prejudicial, ou, a fortiori, no âmbito do mesmo processo nacional, ou quando uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça resolve a questão de direito em causa, seja qual for a natureza dos processos que deram lugar a essa jurisprudência, mesmo não havendo uma estrita identidade das questões controvertidas.» Cfr., igualmente, o n.º 33 do mesmo Acórdão: “Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno só pode ser isento desta obrigação quando tenha constatado que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta interpretação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável”».