EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
PRAZO
Sumário

A notificação do artigo 51.º, n.º 5, do CE, é, do ponto de vista material, uma citação, sendo feita na pessoa do expropriado, e não de um seu representante, destina-se a dar conhecimento ao expropriado da adjudicação e, simultaneamente, informar que pode recorrer dessa decisão, impugnando uma pretensão e dando origem a um processo judicial, tudo se passando como na citação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Nestes autos em que é expropriante Infraestruturas de Portugal, SA, na sequência da arguição de nulidade da sua notificação, pelo expropriado (…), com base no facto de não lhe ter sido enviado o acórdão arbitral previsto na fase pré-judicial do processo de expropriações previsto no CE, foi proferida decisão que indeferiu tal nulidade suscitada pelo expropriado, e, consequentemente, indeferiu a requerida concessão de novo prazo de 20 dias para a interposição de recurso, nos seguintes termos (despacho recorrido):
«Cumpre decidir.
Previamente, importa salientar que o requerimento apresentado em 21-03-2022 pelo expropriado (…) é legalmente admissível dado que constituiu resposta ao requerimento da expropriante de 18-03-2022, este último apresentado no seguimento da notificação do despacho de 09-03-2022 (contendo, nomeadamente, a informação da secretaria de 07-03-2022).
Dispõe o artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações que, depois de devidamente instruído o processo e de efetuado o depósito nos termos dos números anteriores, o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º.
Da conjugação da informação prestada pela secretaria em 07-03-2022 com o teor do requerimento apresentado pela interessada Banco (…) afigura-se que, de facto, aquando da sua notificação, não foi enviada ao expropriado (…) cópia da decisão arbitral.
Concorda-se com a argumentação da ora expropriante, que corresponde, aliás, à prática corrente dos tribunais, de que a notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações é, obrigatoriamente, realizada por carta registada com aviso de receção e que o aludido prazo de recurso se inicia na data de assinatura daquele aviso de receção, sendo certo que no caso concreto foi o próprio expropriado (…) quem assinou tal aviso de receção.
A lei prevê a notificação do expropriado, e não a sua citação, dado que, em regra, como ocorreu no caso concreto, aquele intervém no processo de expropriação ainda na sua fase administrativa.
Nos termos do artigo 54.º, n.ºs 1 a 3, do Código das Expropriações, o expropriado pode reclamar, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, contra qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo; recebida a reclamação, o perito ou o árbitro presidente, conforme for o caso, exara informação sobre a tempestividade, os fundamentos e as provas oferecidas, devendo o processo ser remetido pela entidade expropriante ao juiz de direito da comarca; o juiz decide com base nas provas oferecidas que entenda úteis à decisão do incidente e nos elementos fornecidos pelo procedimento, podendo solicitar esclarecimentos ou provas complementares.
Regra similar resulta do disposto nos artigos 149.º, n.º 1, e 195.º, n.º 1, do CPCivil dado que, em geral, o prazo de arguição de nulidades é de 10 dias.
Como decidiu o acórdão do STJ de 19-06-2019, Proc. n.º 375/14.4T8SCR.L2.S1, A circunstância de a notificação da decisão arbitral não conter a indicação da faculdade de interposição de recurso, constituindo uma nulidade processual, teria de ter sido arguida nos termos e prazos previstos nos artigos 201.º e 205.º do CPC então em vigor, pelo que tendo os requeridos tomado conhecimento (ou devido tomar conhecimento caso agissem com a devida diligência) dessa nulidade em momento anterior, competia-lhes proceder à respectiva arguição.
Em data anterior – acórdão de 25-05-2004, Proc. n.º 1790/04 – já o TRC tinha decidido que Resulta do n.º 5 do artigo 51.º do Código das Expropriações que a notificação do despacho de adjudicação, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros deve ser efectuada no mesmo acto, conjuntamente, e não por fases, ou separadamente; constitui nulidade, com previsão no artigo 201.º do C.P.Civil, a omissão da notificação da decisão arbitral, a qual deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar do momento em que o expropriado é notificado apenas do despacho de adjudicação.
Assim, não tendo o expropriado (…), no prazo de 10 dias – contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 –, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso.
Conclui-se, pois, pelo indeferimento da arguida nulidade e, consequentemente, pelo indeferimento da requerida concessão de novo prazo de 20 dias para a interposição de recurso, o que se decide.
Custas do incidente pelo expropriado (…), com taxa de justiça mínima.
Notifique.»
Desta decisão recorreu o expropriado, que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
«A) Por despacho de 1 de abril de 2022 o tribunal a quo decidiu que “não tendo o expropriado (…), no prazo de 10 dias – contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 –, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso”.
B) O despacho surge na sequência de um requerimento do Recorrente no qual argumentou que o acórdão arbitral previsto na fase pré-judicial do processo de expropriações previsto no CE, não lhe havia sido notificado.
C) Desde logo, o despacho de que se recorre enforma uma decisão iníqua, injusta, e também surpreendente, pois se o Tribunal a quo tivesse decidido a questão de imediato após a consulta à secretaria, ainda que (ilegalmente) pudesse considerar a arguição intempestiva teria permitido ao aqui Recorrente dois dias – a que acrescem os três de multa –, para apresentar um recurso arbitral.
D) Assim, além da interpretação das normas aplicáveis ser ilegal, verifica-se que a atuação do Tribunal a quo, ao omitir a decisão arbitral, ao dar conta da admissão do erro e, por fim, ao demorar na tomada de decisão, provocou esta situação, violando de forma grave a confiança que os cidadãos têm de ter na Justiça.
E) Mas a decisão recorrida é essencialmente ilegal na forma como interpreta as normas de citação e de notificação.
F) Remetendo para os factos essenciais, temos que em 16 de fevereiro de 2022, o Tribunal a quo emitiu carta registada pela qual o Expropriado ficou “notificado, na qualidade de Expropriado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho, de que se junta cópia, da decisão arbitral, do montante depositado e ainda da faculdade de interposição de recurso”, sendo que no dia 17 de fevereiro de 2022, o Recorrente assinou o aviso de receção.
G) A notificação recebida tinha 221 páginas, incluindo uma “petição inicial”, 33 documentos (que eram, afinal, 32) e um despacho – mas a decisão arbitral não constava entre os documentos notificados.
H) O Recorrente foi notificado diretamente, sem advogado constituído; sem ter quaisquer conhecimentos das leis de processo, era-lhe totalmente impossível detetar a nulidade antes de ter entregue o processo a um advogado.
I) No dia 4 de março de 2022, o Mandatário do Expropriado arguiu a nulidade da notificação pela omissão da decisão arbitral na notificação que lhe fora dirigida, o que fez tempestivamente.
J) Se é verdade que no n.º 5 do artigo 51.º do CE se refere uma notificação, trata-se de uma notificação sui generis, porque é, do ponto de vista material, a chamada dos expropriados ao processo judicial, sendo a primeira vez que são chamados ao processo expropriativo quando ele já se encontra num tribunal.
K) Significativamente, a Recorrida submeteu uma “petição inicial” (cfr. ref.ª Citius 3172308) e a carta enviada ao Recorrente Expropriado refere “Registo com AR, Citação Via Postal 2ª tentativa”.
L) Por outro lado, o n.º 5 do artigo 51.º do CE não impõe que seja enviada com aviso de receção – ora, no CPC apenas as citações são enviadas com aviso de receção; não existem nesse Código notificações enviadas com aviso de receção.
M) Pelo que não há dúvidas de que, (i) tendo o Tribunal realizado a comunicação recorrendo ao aviso de receção, (ii)sendo a comunicação para “chamar, pela primeira vez, ao processo [uma] pessoa interessada na causa”, (iii) tendo a secretaria tratado o caso como uma citação, devem ser aplicadas à notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE as garantias gerais da citação.
N) Ora, nos termos do artigo 191.º do CPC, “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação”.
O) Não há dúvidas que não foi observada a formalidade prevista na lei – o envio da decisão arbitral (inobservância do n.º 5 do artigo 51.º do CE); não há dúvidas igualmente que o desconhecimento do acórdão arbitral prejudica a defesa do Recorrente, e, finalmente, sendo o prazo de recurso de 20 dias, o prazo para a arguição de nulidade tem de ser o que se aplica ao recurso, por analogia com o prazo de contestação à luz do artigo 191.º do CPC.
P) A interpretar-se de outra forma, os cidadãos expropriados, sem advogados constituídos no processo, são manifestamente discriminados face aos réus do processo civil, na medida em que têm manifestamente menos tempo (10 dias em vez de 20 ou 30) para arguir nulidades.
Q) É assim evidente que devem ser aplicadas as regras da citação à chamada dos expropriados ao processo judicial, única forma de tratar equitativa e justamente os cidadãos.
R) Nesse sentido, tendo o Expropriado assinado o aviso de receção em 17 de fevereiro de 2022, poderia invocar a nulidade no prazo de 20 dias, isto é, até 9 de março de 2022 – tendo-o feito em 4 de março de 2022, o Recorrente manifestamente arguiu a nulidade de forma tempestiva.
S) Por não ter entendido assim, o despacho recorrido cometeu um erro de julgamento na aplicação do direito ao interpretar erradamente o disposto nos artigos 51.º, n.º 5, do CE, em conjugação com o artigo 191.º, n.º 2, do CPC.
T) Ainda que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, se se aplicar tout court o regime da notificação, ainda assim a arguição de nulidade foi tempestiva.
U) Com efeito, o CPC não prevê notificações com aviso de receção – as notificações são feitas por correio registado ou através da plataforma Citius e, para todas elas, funciona a regra de que se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja.
V) Se o Tribunal a quo decidiu que estamos perante uma notificação, então não podia desaplicar o regime da presunção, nos termos do qual, segundo o artigo 249.º, n.º 1, do CPC, “[s]e a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas […] por carta registada, dirigida para a sua residência […] presumindo-se […] feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
W) Assim, tendo o registo da carta ocorrido a 16 de fevereiro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 249.º do CPC presumir-se-ia feita no dia 19 de fevereiro de 2022, mas sendo este dia um sábado, presume-se que a notificação ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, primeiro dia útil seguinte.
X) Como a jurisprudência tem julgado de forma constante “[a] presunção instituída apenas pode ser ilidida pelo destinatário, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção, donde, para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo”.
Y) Fazer o contrário, significaria mesclar o regime das notificações com os da citação o que a lei de forma alguma prevê.
Z) Ora, segundo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de janeiro de 2016 “Quando a notificação ao mandatário seja efectuada por carta registada com aviso de recepção, não assume qualquer relevo jurídico a data de assinatura do aviso”.
AA) Pois se o CPC não prevê notificações com aviso de receção, nem em norma alguma refere que o que conta na notificação é a data da assinatura do aviso de receção, então não podem desaplicar-se as normas referentes às presunções, como fez o Tribunal a quo, sem qualquer base legal para o efeito.
BB) Acrescente-se que os exemplos de aplicação de aviso de receção no CE não são equiparáveis: as notificações dos artigos 10.º, n.º 5, 17.º, n.º 1, 21.º, n.º 7, 22.º, n.º 3, 35.º, n.º 1 ou 47.º, n.º 1, alínea a), são enviadas pelas entidades expropriantes, e não pelo tribunal, logo não lhes são aplicáveis as regras do CPC ao abrigo do n.º 2 do artigo 98.º do CE.
CC) A escolha pelo Tribunal a quo do recurso ao aviso de receção não pode ter a virtualidade de, pura e simplesmente, afastar a aplicação do disposto no CPC quanto às datas em que as notificações se consideram feitas.
DD) Isso significaria remeter o Recorrente para o “pior de dois mundos”: não só não beneficia do regime da citação (em que dispõe de mais tempo para arguir nulidades) como não beneficia das presunções de notificação que, nos termos da lei, e conforme reconhecido na jurisprudência, só ele, notificado, pode afastar.
EE) Assim, se se entender que estamos perante uma notificação, esta ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, pelo que o décimo dia para a prática do ato – no caso, a arguição de nulidade – foi o dia 3 de março de 2022.
FF) Termos em que a prática do ato pelo Recorrente no dia 4 de março de 2022 foi tempestiva nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 e no n.º 6, ambos do artigo 139.º do CPC.
GG) Por outro lado, não pode aplicar-se o prazo de arguição de 10 dias para nulidades num processo expropriativo na fase em que o presente se encontrava, dado que os elementos literal e teleológico subjacentes ao disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, no que se refere às nulidades de notificações, pressupõem um processo judicial pendente, em que estão obrigatoriamente constituídos mandatários para representar os interesses das partes.
HH) Sendo essa a razão pela qual as nulidades resultantes da citação são tratadas autonomamente – no caso, permitindo ao citado argui-las no prazo de contestação.
II) A interpretação segundo a qual a arguição de nulidade está sujeita ao prazo geral de 10 dias em situações em que não se encontre mandatário constituído no processo ofende princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
JJ) Enquanto não existe um mandatário constituído no processo, não há processo equitativo.
KK) Há uma notória desigualdade de armas, pois o processo expropriativo entra pela mão de um Advogado, mas é citado (ou notificado, se se quiser) a um cidadão que não domina aquele processo concreto nem as normas que o regulam.
LL) Como se escreveu no Acórdão de 25 de maio de 2004 do Tribunal da Relação de Coimbra, no Proc. 1790/04, “Nesse despacho ordena-se que se proceda a todas as notificações referidas no artigo 51º, n.º 5, do Código das Expropriações. Sendo aquele mandatário advogado, conhecendo, portanto, certamente, aquela norma, deveria ter verificado que tinha sido omitida a notificação da decisão arbitral e dos elementos apresentados pelos árbitros”, pelo que a jurisprudência reconhece efetivamente a diferença entre a representação por mandatário e a ausência deste precisamente no caso do artigo 51.º, n.º 5, do CPC.
MM) O princípio da igualdade das partes no processo é consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, embora seja por vezes necessário que o juiz dê um tratamento desigual às partes, de forma a garantir a igualdade em termos substantivos, de forma a contrariar a posição mais frágil em que uma das partes se possa encontrar – é manifestamente o caso presente até à intervenção de mandatário.
NN) O Recorrente, que não é advogado nem tão pouco licenciado em Direito, recebeu uma notificação de 221 páginas em cuja primeira página lhe davam um prazo de 20 dias para recorrer, e na última se indicava o valor de indemnização devido.
OO) Nenhum cidadão colocado nesta situação estaria em condições de saber que dispunha apenas de um prazo de 10 dias para arguir nulidades – mais a mais quando, considerando os factos aqui em causa, a perceção da falta do documento estava bastante dificultada.
PP) O princípio da tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental previsto na CRP que implica, em primeiro lugar, o direito de acesso aos tribunais para defesa de direitos individuais, não podendo as normas que modelam este acesso obstaculizá-lo ao ponto de o tornar impossível ou dificultá-lo de forma não objetivamente exigível.
QQ) Este princípio encontra-se ainda presente no disposto no artigo 157.º, n.º 6, do CPC, onde se refere que “[o]s erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” – se a Secretaria erra a favor da parte, dando-lhe mais prazo, a parte beneficia do prazo extra; quando o erro prejudica ostensivamente a parte, tem, à luz da mesma norma e dos princípios constitucionais aplicáveis, de encontrar-se uma solução equiparável, que passará sempre por permitir ao notificado arguira nulidade em prazo superior, no mínimo o que dispunha para praticar o primeiro ato no processo (in casu, 20 dias para apresentar recurso).
RR) Pelo que as normas do artigo 51.º, n.º 5, do CE, e as normas dos artigos 191.º, 195.º, 199.º, 219.º e 249.º do CPC, quando interpretadas no sentido em que, por um lado, o prazo de arguição de nulidades processuais é apenas de 10 dias e, por outro, se conta da assinatura do aviso de receção, violam o n.º 4 do artigo 20.º da CRP.
Termos em que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, reconhecendo-se que a arguição de nulidade foi tempestiva, devendo o despacho de 1 de abril de 2022 ser revogado, repetindo-se a notificação, sem a nulidade que enfermou a inicial, dando oportunidade ao Recorrente de, querendo, interpor recurso da decisão arbitral.»
Nas contra-alegações a expropriante concluiu da seguinte forma:
«63 – A notificação a que se refere o artigo 51.º, n.º 5, do Código das Expropriações foi remetida ao expropriado por carta registada com aviso de recepção expedida em 16/2/2022.
64 – O expropriado recebeu a notificação em 17/2/2022, conforme aviso de recepção junto aos autos, assinado pelo próprio – ref.ª Citius 3181559.
65 – O prazo de 10 dias para arguir a irregularidade terminou, assim, em 28/2/2022. Mesmo com o benefício excepcional dos três dias de multa previstos no artigo 139.º, n.º 5, do CPC, o expropriado poderia praticar o acto, no máximo, até 3/3/2022.
66 – A irregularidade foi, pois, arguida fora de prazo, ficando sanada.
67 – Por todo o exposto, bem andou a decisão recorrida ao indeferir a arguição e a concessão de um novo prazo de 20 dias para o expropriado recorrer, querendo, da decisão arbitral.
Termos em que deve ser declarado improcedente o recurso.»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
A factualidade relevante para a apreciação do presente recurso é a seguinte:
A) No dia 9 de fevereiro de 2022, pela mão do seu Exmo. Mandatário, a Expropriante, ora Recorrida, enviou para o Tribunal Judicial de Évora uma “petição inicial”.
B) Por despacho de 15 de fevereiro de 2022, o juiz a quo determinou “Com cópia do presente despacho, da decisão arbitral e do relatório de avaliação apresentado pelos árbitros, notifique a entidade expropriante, o expropriado e a interessada Banco (…), S.A., com indicação, quanto a estes últimos, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso da decisão arbitral, no prazo de 20 dias a contar da notificação do presente despacho (artigos 51.º, n.º 5, e 52.º, n.º 1, ambos do Código das Expropriações)”.
C) Em 16 de fevereiro de 2022, o Tribunal a quo emitiu carta registada pela qual o Expropriado ficou “notificado, na qualidade de Expropriado, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo do despacho, de que se junta cópia, da decisão arbitral, do montante depositado e ainda da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º CE, tendo para o efeito o prazo de 20 dias”.
D) No dia 17 de fevereiro de 2022, o Recorrente assinou o aviso de receção – sendo notificado diretamente uma vez que não tinha advogado constituído.
E) A notificação recebida tinha 221 páginas, incluindo uma “petição inicial”, 33 documentos (que eram, afinal, 32) e um despacho.
F) A decisão arbitral – aquela de que poderia recorrer – não constava entre os documentos notificados.
G) A primeira folha da notificação concedia ao Recorrente um prazo de 20 dias para recorrer da decisão arbitral.
H) No dia 4 de março de 2022, o Mandatário do Expropriado arguiu a nulidade da notificação pela omissão da decisão arbitral na notificação que lhe fora dirigida.
I) No dia 7 de março de 2022, a Secretaria admitiu que essa omissão tinha ocorrido.
J) No dia 10 de março de 2022, o interessado Banco informou o Tribunal a quo de que também não tinha recebido o documento n.º 31, correspondente ao Acórdão Arbitral.


2 – Objecto do recurso.

Questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: Saber qual o prazo que se aplica à arguição da nulidade da notificação correspondente ao artigo 51.º, n.º 5, do CExpropriações .


3 - Análise do recurso.

A decisão recorrida considerou que, a nulidade da notificação da decisão arbitral, deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias, a contar do momento em que o expropriado foi notificado apenas do despacho de adjudicação, pelo que, não tendo o expropriado Nuno Cabral, no prazo de 10 dias – contado da data em que foi notificado, isto é, de 17-02-2022 –, arguido a nulidade da sua notificação, tal nulidade não pode agora fundamentar a concessão de novo prazo para a apresentação de recurso.
O recorrente discorda, argumentando que:
Devem ser aplicadas à notificação prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE as garantias gerais da citação e o prazo para a arguição da nulidade é o que se aplica ao recurso, por analogia com o prazo de contestação, à luz do artigo 191.º do CPC, pelo que, tendo o Expropriado assinado o aviso de receção em 17 de fevereiro de 2022, poderia invocar a nulidade no prazo de 20 dias, isto é, até 9 de março de 2022 – tendo-o feito em 4 de março de 2022, o Recorrente manifestamente arguiu a nulidade de forma tempestiva e ao interpretar-se de outra forma, os cidadãos expropriados, sem advogados constituídos no processo, são manifestamente discriminados face aos réus do processo civil, na medida em que têm manifestamente menos tempo (10 dias em vez de 20 ou 30) para arguir nulidades.
Alega ainda que, mesmo que assim não se entenda, se se aplicar tout court o regime da notificação, ainda assim, a arguição de nulidade foi tempestiva, pois o CPC não prevê notificações com aviso de receção – as notificações são feitas por correio registado ou através da plataforma Citius e, para todas elas, funciona a regra de que se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse quando o não seja.
Se o Tribunal a quo decidiu que, estamos perante uma notificação, então não podia desaplicar o regime da presunção, nos termos do qual, segundo o artigo 249.º, n.º 1, do CPC e por isso tendo o registo da carta ocorrido a 16 de fevereiro de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 249.º do CPC presumir-se-ia feita no dia 19 de fevereiro de 2022, mas sendo este dia um sábado, presume-se que a notificação ocorreu a 21 de fevereiro de 2022, primeiro dia útil seguinte, pelo que o décimo dia para a prática do ato – no caso, a arguição de nulidade – foi o dia 3 de março de 2022. Logo, a prática do ato pelo Recorrente no dia 4 de março de 2022 foi tempestiva nos termos do disposto na alínea a) do n.º 5 e no n.º 6, ambos do artigo 139.º do CPC.
Também alega que, não se pode aplicar o prazo de arguição de 10 dias, para nulidades num processo expropriativo, na fase em que o presente se encontrava, dado que os elementos literal e teleológico subjacentes ao disposto nos artigos 195.º e 199.º do CPC, no que se refere às nulidades de notificações, pressupõem um processo judicial pendente, em que estão obrigatoriamente constituídos mandatários para representar os interesses das partes tal como na citação.
Finalmente, invoca que, a interpretação segundo a qual a arguição de nulidade está sujeita ao prazo geral de 10 dias, em situações em que não se encontre mandatário constituído, no processo ofende princípios relevantes em termos de conformação do Processo Civil, nomeadamente, o princípio do processo justo e equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, segundo o qual “[t]odos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
Cumpre decidir:
Cremos que o recorrente tem razão.
Dispõe o artigo 38.º, n.º 1, do Código das Expropriações (CE) que na falta de acordo entre expropriante e expropriado – artigos 33.º e 34.º – sobre o valor da indemnização é este fixado por arbitragem com recurso para os tribunais comuns. Do seu n.º 3 decorre que “da decisão arbitral cabe sempre recurso com efeito meramente devolutivo para o tribunal da situação dos bens ou da sua maior extensão”.
O processo de expropriação é, pois, um processo especial que comporta a existência de decisão proferida por árbitros, sendo a arbitragem obrigatória, o laudo arbitral é remetido ao juiz que, como decorre do n.º 5º do artigo 51.º do CE/99 – Lei n.º 168/99, de 18.9 – “No prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º”.
Nos termos do artigo 52.º, n.º 1, do CE/99 – “O recurso da decisão arbitral deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da notificação realizada nos termos da parte final do n.º 5 do artigo anterior, sem prejuízo do disposto no Código de Processo Civil sobre interposição de recursos subordinados, salvo quanto ao prazo, que será de 20 dias”.
Deste enquadramento, resulta, no nosso entender, um paralelismo com a situação da citação: Tal como na citação esta notificação chama o expropriado ao tribunal, dá origem ao primeiro prazo de um processo judicial, implica um efeito cominatório, pelo que, para todos os efeitos, a notificação do artigo 51.º, n.º 5, do CE, é, do ponto de vista material, uma citação, sendo feita na pessoa do expropriado, e não de um seu representante.
Embora a decisão dos árbitros no processo de expropriação, por utilidade pública, seja uma verdadeira decisão judicial, sendo susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada, a notificação em causa destina-se a dar conhecimento ao expropriado da adjudicação e, simultaneamente, informar que pode recorrer dessa decisão – impugnando uma pretensão e dando origem a um processo judicial, tudo se passando como na citação.
Por outro lado, não se pode esquecer que estamos perante um erro do tribunal, não expectável para o expropriado, que teve que se aperceber da irregularidade em causa, tanto mais que, o expropriado foi notificado diretamente, não tendo advogado constituído, sendo difícil a percepção da falta do Acórdão Arbitral.
Não há qualquer dúvida que, por erro da secretaria, o expropriado não foi notificado do acórdão arbitral previsto na fase pré-judicial do processo de expropriações previsto no CE, o elemento mais importante da notificação tendo em vista o acto a que se destinava, ou seja, o eventual recurso dessa decisão.
Ora, a parte não pode ser prejudicada por actos praticados pela secretaria judicial como estatui o artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil vigente – vide a este propósito o Ac. do STJ de 5.04.2016, proc. n.º 12/14.7TBMGD-B.G1.S1 Relator: Fonseca Ramos.
É pois uma situação especial, em que o desvio do formalismo processual, em tudo idêntico à omissão de formalidades na citação, que pode ser passível de correcção oficiosa a todo o tempo nos termos do artigo 226.º, n.º 1, do CPC, sob pena do lapso da secretaria se transformar num erro irreparável, que tem por consequência a paralisação de um direito.
Note-se aliás que, como refere o expropriado foi colocado numa situação no mínimo equívoca depois de arguir a nulidade : “quando a secretaria se pronunciou referindo “o ficheiro com 26 páginas, identificado como "Relatório pericial [Doc.66]", correspondente ao Doc. 31 mencionado na p.i., certamente encontrava-se aberto no ambiente de trabalho do PC e por essa razão, não aparece integrado na inicial versão final da notificação. No entanto, a signatária tem ideia de ter confirmado a remessa dos referidos anexos, procedido à sua impressão e inserção na referida notificação, o que perante o requerimento que antecede e a esta distância temporal não pode garantir o prazo de 20 dias contado da assinatura do aviso de receção – independentemente de não se concordar que o prazo pudesse estar já em curso – estava a correr e, face àquela resposta, que admitia a não notificação – posteriormente confirmada pelo interessado Banco – o Expropriado, ora Recorrente, não podia senão aguardar por uma resposta do Tribunal a quo que desse procedência à sua arguição, tendo o tribunal decidido em 1 de abril de 2022, quando esse prazo de 20 dias relativo ao recurso já se encontrava decorrido”, o que cremos, só por si justificaria a tempestividade do recurso.
De qualquer forma, a notificação em causa deve equipara-se à citação.
Nos termos do artigo 191.º do CPC “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. 2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação (…). 4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
Logo, no caso concreto uma vez que está assente que não foi observada a formalidade prevista na lei, qual seja a do envio da decisão arbitral (inobservância do n.º 5 do artigo 51.º do CE) temos que concluir que ocorre a nulidade invocada e o prazo para a sua arguição é o indicado para o recurso.
E porque o expropriado assinou o aviso de receção em 17 de fevereiro de 2022, poderia invocar a nulidade no prazo de 20 dias, isto é, até 9 de março de 2022, pelo que, tendo-o feito em 4 de março de 2022, arguiu a nulidade de forma tempestiva, devendo ser repetida a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do CE, permitindo ao Expropriado, aqui Recorrente, querendo, apresentar recurso da decisão arbitral.
Sem necessidade de mais considerações procede o recurso.

Sumário: (…)

4 - Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar procedente o recurso de apelação em consequência, revogar a decisão recorrida, considerando-se que a nulidade foi tempestivamente arguida, devendo ser repetida a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 51.º do CE, permitindo ao Expropriado, aqui Recorrente, querendo, apresentar recurso da decisão arbitral.
Custas pelo recorrido.
Évora, 15.12.2022
Elisabete Valente
Ana Isabel Pessoa
José António Moita