PLANO DE REVITALIZAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FACTURA COMERCIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário

- Considerando o prazo decisório de 5 dias e a natureza e as características do PER, um processo que se quer simples, célere e ágil, tal pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam essencialmente perfunctórias e baseadas em prova documental.
- As faturas são documentos particulares sujeitos à livre apreciação da prova.
- O princípio da livre apreciação da prova não atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas. O princípio da livre apreciação da prova obriga a uma conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e das circunstâncias que os envolvem.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação 277/21.8T8PSR-E.1

2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I

1- Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre Processo Especial de Revitalização (PER) intentado em 28/07/2021, sob a manifestação de vontade da própria devedora, a sociedade R..., S.A.. Elencou como seus credores comuns: A...; (…), Lda.; (…), Unipessoal, Lda.; (…) – Contabilidade e Serviços, Lda.; (…) Bank And Services Portugal; Como credor garantido (hipoteca) (…) Banco, S.A.; Como credores privilegiados: a Administração Tributária e ISS – Instituto da Segurança Social, I.P..

2 - Juntou entre a demais documentação exigida pelos artigos 17.º-A, n.º 2 e 17.º-C, n.ºs 1 e 2, do CIRE, declaração da credora (…), Lda. manifestando a sua vontade de adesão a um PER respeitante à devedora.

3 - Em 14/09/2021 o administrador judicial provisório juntou a lista provisória de credores nos termos do n.º 3 do artigo 17.º-D do CIRE.

Nesta, além dos credores acima identificados, consta também, como credora comum a sociedade U...,S.L. com um crédito de 506.326,41 euros, por fornecimento de bens.

4 - Em 21/09/2021, (…) Banco, S.A., credor reclamante veio impugnar a lista provisória de credores alegando, em suma, o seguinte:

A. Quanto ao crédito reconhecido à credora U...,S.L.:

• A Credora U...,S.L. reclama um crédito no montante global de Eur. 506.326,41 (sendo Eur. 478.000,00 a título de capital e Eur. 28.326,41 a título de juros), com fundamento em alegados fornecimentos de bens à Requerente.

• Invoca ainda a Credora que tais fornecimentos não foram pagos, e que por esse motivo a Requerente preencheu em 15 de Julho de 2020 uma letra de câmbio em branco.

• Sucede que, da análise da reclamação da Credora não resulta (i) quando foram efetuados os fornecimentos de bens alegados, (ii) as faturas que serviram de base à venda dos bens à Requerente, (iii) a conta corrente dos fornecimentos à Requerente, (iv) nem qual a taxa de juro em que suporta o valor dos juros pedidos.

• Assim, é entendimento do Banco impugnante que não está demonstrada a existência do crédito, mormente do fornecimento de bens, que titula a existência da dívida.

• Da consulta à certidão comercial da Requerente, além de se ter verificado que a mesma alterou a sua sede social, para ... (anteriormente encontrava-se em ...), no dia anterior a apresentar o presente PER, é possível apurar que existem ligações entre a Requerente e o Credor Reclamante U...,S.L.

• De facto, no dia 30 de Novembro de 2019, o Sr. AA renunciou ao seu cargo de vogal do conselho de Administração da Requerente R..., S.A.

• Contudo, desde 17 de Fevereiro de 2016 e até à presente data, o referido Sr. AA permanece como administrador único da credora Reclamante U...,S.L.

• Mais acresce que é igualmente fácil de verificar, pela certidão permanente da Requerente R..., S.A., a qual se protesta juntar, que é Presidente do Conselho de Administração BB.

• Ora, é facilmente verificável que existem relações familiares entre os Administradores de ambas as empresas.

• Perante tal situação é claramente explicito que o crédito reclamado pela Credora U...,S.L. inexiste, e apenas foi simulado entre ambas as empresas a existência do mesmo, para que seja possível aprovar um plano de recuperação.

• Das declarações simplificadas empresariais juntas pela Requerente aos autos, verifica-se que o alegado crédito reclamado em questão não se encontra vertido nos anos de 2017, 2018 e 2019, pelo que só é possível o mesmo resultar do ano de 2020 (sendo que não foi junta pela Requerente a declaração referente a este período).

• Dir-se-á que não é plausível que uma empresa forneça bens de um valor tão avultado, sem a existência de qualquer fatura que titule os bens.

• E de igual modo, não é legalmente admissível que os bens adquiridos não sejam discriminados na prestação de contas da Requerente.

Salienta-se que a percentagem de votos da credora reclamante U...,S.L. é de 47,86%.

• Não é indicado pela Credora Reclamante qual a taxa de juro aplicada ao alegado capital em dívida

• O crédito da Credora Reclamante U...,S.L. em conjunto com o crédito do credor Reclamante (…), Lda. (credor que subscreveu a declaração inicial que permitiu apresentar a Requerente a PER, e que detém uma percentagem de votos de 4,72%) perfazem mais de 50% dos créditos com direito a voto, os quais podem sozinhos aprovar o plano a apresentar pela devedora.

B. Quanto ao crédito reconhecido a (…), Lda..

• O aludido credor não apresentou qualquer reclamação de créditos, nem o AJP possui documentos que comprovem o suposto crédito (reconhecido) sobre a Requente.

• É possível verificar na certidão comercial da Credora (…), Lda., a qual se protesta juntar, que a mesma não tem qualquer atividade desde 2018, não tendo apresentado qualquer prestação de contas desde 2018, e até á presente data.

• Inexiste qualquer documento que prove que a sociedade Reclamante é credora do indicado montante Eur. 49.985,35.

• Uma vez que o alegado crédito da Credora (…), Lda., que acompanhou a apresentação da devedora a PER não existe, nem tão pouco cumpre o requisito de ser 10% dos créditos não subordinados, nos termos do artigo 17.º-C, n.º 1, do CIRE deve o presente PER ser imediatamente encerrado, por falta de fundamento legal, nomeadamente inexistência de credor que subscreva a declaração nos termos do mencionado artigo.

• O alegado crédito da Credora (…), Lda. (que acompanhou a apresentação da Requerente ao PER) e o alegado crédito da U...,S.L. (cujo administrador único, era há menos de 2 anos, igualmente administrador da Requerente), representam mais de 50% dos votos reconhecidos pelo Sr. AJP.

• Tais créditos são fictícios, e têm como mero objetivo aprovar o eventual plano a ser apresentado, em prejuízo dos credores remanescentes que ficam em maioria.

Requereu que tais créditos não fossem reconhecidos.

E requereu ainda e por fim:

- A notificação da Credora U...,S.L. para juntar aos autos cópia das faturas que titulam os alegados fornecimentos invocados no montante de Eur. 478.000,00, bem como, para juntar a conta corrente dos respetivos fornecimentos;

- A notificação da Credora U...,S.L. para juntar aos autos declarações de IRC dos últimos 3 anos.

- A notificação do Administrador Judicial para juntar aos autos o IES da Requerente (R..., S.A.) relativo ao ano de 2020, que espelhe a compra dos bens em causa à credora U...,S.L.

5 - Por requerimento de 14/10/2021 veio o mesmo credor, (…) Banco, S.A., juntar aos autos certidões comerciais que protestou juntar com a sua impugnação.

Sendo uma, a certidão permanente respeitante à sociedade R..., S.A., da qual consta ter por Conselho de Administração: BB no Cargo: Presidente; Gerência: CC, DD, AA e EE.

Tendo FF renunciado ao Conselho de Administração em 30/11/2019.

Sendo outra, a certidão permanente respeitante à sociedade (…), Lda., tendo por Objeto: “Comércio a retalho de equipamento de telecomunicações, em estabelecimentos especializados. Reparação de computadores e de equipamento periférico. Reparação de equipamento de comunicação. Consultadoria e programação informática e atividades relacionadas. Aluguer de máquinas e equipamentos de escritório (inclui computadores). Fabricação de computadores e de equipamento periférico. Processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas; portais web. Gestão e exploração de equipamento informático (…). Atividades de segurança privada, atividades relacionadas com sistemas de segurança, assistência técnica.” Consta da mesma que, em 2019 esta sociedade foi sujeita a uma medida de PER com plano homologado em 2020.

6 - Por despacho de 25/10/2021 foi ordenada a notificação do Sr. Administrador Judicial provisório e da credora U...,S.L., para se pronunciarem, querendo, sobre a impugnação apresentada e juntar os documentos solicitados pelo credor impugnante Novo Banco.

7 - Em 04/11/2021 a U...,S.L., alegadamente credora nos presentes autos, veio responder à impugnação.

Sobre os fornecimentos efetuados referiu que: forneceu à devedora durante o ano 2020 matérias primas, tais fornecimentos não foram pagos, nem na data do seu vencimento nem até à presente data; o valor em divida foi objeto de acordo de pagamento em prestações, que a devedora incumpriu; tendo sido objeto de execução, nos autos de processo 858/21..... Os fornecimentos foram efetuados, a devedora recebeu-os e não efetuou o pagamento que lhe competia, pelo que o crédito existe e deve ser reconhecido.

Quanto à relação familiar esclareceu que “não existe qualquer relação familiar entre a aqui credora e o administrador da devedora”

Juntou 7 faturas (datadas respetivamente de: 30/01/2020, 28/02/2020, 31/03/2020, 30/04/2020, 15/05/2020, 29/05/2020 e 30/06/2020, todas elas com vencimento imediato.

Juntou ainda a respetiva conta corrente, donde constam as mesmas faturas e o valor total de 532.163,54 euros, a seu favor.

8 - Por Requerimento de 17/11/2021 o credor (…) Banco, S.A., notificado da resposta à impugnação apresentada pela empresa U...,S.L., veio impugnar o alcance dos documentos juntos, “os quais destituídos dos demais documentos peticionados pelo Banco – e que não foram juntos – nada provam (…) e ser, no mínimo, estranho a falta de pagamento de faturas e a permanente venda de material/matéria prima de valores cada vez mais elevados.

9 - Por despacho de 30/11/2021 veio a Mmª Juíza ordenar a notificação do Sr. Administrador Judicial provisório para o efeito indicado no despacho de 25/10/2021, última parte, bem como para, no mesmo prazo de cinco dias, juntar cópia dos documentos que comprovem o crédito da sociedade (…), Lda..

10 - Por requerimento de 22/12/2021 veio a (…), Lda., juntar aos autos as faturas n.ºs: ...14, vencida em 23.04.21, ...20, vencida em 10.05.21, ...48, vencida em 10.06.21 e ...50, vencida em 17.06.21, que titulam o crédito reclamado por esta.

11 - Por requerimento entrado em 23/12/2021 veio o Sr. Administrador Judicial Provisório informar que reconheceu o crédito da (…), Lda., conforme relação de créditos apresentada pela devedora.

Mais informou que foi solicitado à devedora os comprovativos da existência do crédito, que juntou em anexo.

Sendo este anexo composto pelas mesmas faturas juntas em 22/12/2021 pela (…), Lda..

12 - Por decisão de 09/03/2022 a Mmª Juíza a quo conheceu da impugnação, nos termos que ora se transcrevem:

“Prevê o artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, que “a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

Da redação do preceito citado – aliada à especialidade do processo de revitalização – afigura-se-nos ser resultado pretendido pelo legislador e visado com esta singela tramitação, que as impugnações sejam decididas pelo Juiz em ato seguido à apresentação das impugnações, sem tentativa de conciliação, sem seleção de factos assentes e base instrutória, sem julgamento, sem produção de prova que não a documental.

Ora, as credoras U...,S.L., e (…), Lda., vieram juntar as faturas que titulam os créditos relativos a cada uma e constantes da lista provisória de credores (cfr. referências ...82, ...74 e ...74 dos autos).

Assim, isto é, perante a prova documental existente, julga-se improcedente a impugnação deduzida por (…) Banco, S.A., quanto aos créditos das sociedades acima identificadas.”

13 - Inconformado com tal decisão veio em 12/04/2022 o credor impugnante (…) Banco, S.A., interpor Recurso de Apelação, assim concluindo as suas alegações de recurso:

1. O presente recurso é interposto do douto despacho proferido Tribunal “a quo” que julgou improcedente as impugnações à lista provisória de credores, apresentada pelo Novo Banco, SA, quanto ao crédito reconhecido pelo Senhor Administrador Judicial Provisório às sociedades U...,S.L. e (…), Lda..

2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” não fez correta interpretação dos factos, nem adequada aplicação do direito.

3. O Banco Recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria em apreço e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o douto despacho recorrido.

4. O Banco Recorrente, na sequência da apresentação da lista provisória de credores (publicada no portal a 14.09.20221 – refª citius 31130642), impugnou os créditos reconhecidos à sociedades U...,S.L. e à sociedade (…), Lda..

5. As faturas juntas pela sociedade U...,S.L. – que no entender do Tribunal “a quo” titulam os créditos reclamados – não merecem qualquer credibilidade.

6. A simples análise das faturas permite concluir que as mesmas nunca entraram no giro comercial, antes foram emitidas para criar a aparência da existência do crédito. Nenhum IVA é cobrado ou consta das mesmas.

7. O IVA que alegadamente deveria ter sido cobrado e entregue ao Estado … não o foi não constando, tão pouco, de nenhuma das faturas.

8. Ao contrário do defendido, pelo Tribunal que “ … as faturas titulam os créditos..”.

9. Os bens (alegadamente) adquiridos não estão discriminados na prestação de contas da devedora / Requerente.

10. A devedora alterou a sua sede social para ... (anteriormente encontrava-se em ...), no dia anterior a apresentar o presente PER.

11. Existem ligações entre a estrutura societária da devedora e da sociedade U...,S.L., sendo que, em 30 de Novembro de 2019, o Sr. AA renunciou ao seu cargo de vogal do conselho de Administração da Requente R..., S.A. Contudo, desde 17 de Fevereiro de 2016 e até à presente data, o referido Sr. AA permanece como administrador único da credora Reclamante U...,S.L.

12. O crédito reclamado pela Credora U...,S.L. inexiste. Trata-se de crédito simulado, criado, apenas, para que seja possível aprovar um plano de recuperação, pois a percentagem de votos da credora reclamante U...,S.L. é de 47,86%.

13. Na impugnação à lista de credores, o Banco requereu que a sociedade U...,S.L. junta-se aos autos declarações de IRC dos últimos 3 anos e ao Senhor Administrador foi solicitado a junção aos autos do IES da devedora R..., S.A. que espelhasse a compra dos bens em causa. Tais documentos, cuja junção aos autos o Tribunal “a quo” deferiu por despacho de fls. do processo, nunca foram juntos. Não obstante, o Tribunal “ a quo” decidiu nos termos supra, fazendo tabua rasa da falta de junção de documentos que, por si só, permitiriam, também, demonstrar o alegado pelo Banco.

14. É entendimento do ... que a sociedade U...,S.L. não é credora da devedora R..., S.A.; sendo que o crédito reclamado visa apenas conferir uma posição decisória daquela no Plano a apresentar pela devedora, tudo em prejuízo dos outros credores, máxime do Banco Recorrente. Pois, o crédito da U...,S.L. em conjunto com o crédito da (…), Lda. (credor que subscreveu a declaração inicial que permitiu apresentar a Requerente a PER, e que detém uma percentagem de votos de 4,72%) perfazem mais de 50% dos créditos com direito a voto, os quais podem sozinhos aprovar o plano a apresentar pela devedora.

15. A sociedade (…), Lda. não reclamou créditos, não obstante o Sr. Administrador lhe tenha reconhecido um crédito no valor de Eur. 49.985,35 (quarenta e nove mil novecentos e oitenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos). O Banco impugnou a lista quanto a tal crédito, sendo que a impugnação não foi objeto de resposta.

16. Nessa medida, a impugnação deveria ser julgada procedente e o crédito excluído da lista.

17. Em 22.12.2021, a sociedade veio juntar aos autos várias faturas que alegadamente titulam o crédito que lhe foi reconhecido. Ora, tais documentos não merecem qualquer credibilidade, pois a sociedade (…), Lda. não tem atividade desde 2018, não tendo apresentado prestação de contas desde 2018 e até à data, como comprovou o Banco pela certidão comercial junta aos autos, sendo que, as faturas possuem data de emissão de 2021.

18. Não deveria, pois, e pelos motivos expostos, ser julgada improcedente a impugnação apresentada pelo Banco (designadamente por força do vertido no antecedente ponto 15).

19. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e uma inadequada aplicação do direito.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e revogando o douto despacho judicial que indeferiu as impugnações apresentadas pelo Banco Recorrente (e não reconhecendo os créditos elencados e supra referidos), farão como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), é a seguinte a questão a decidir:

- Se devia o tribunal a quo ter rejeitado por não suficientemente demonstrados os créditos das reclamantes U...,S.L. e (…), Lda..


III

A factualidade a considerar consta do relatório supra.


IV

Fundamentação jurídica:

O PER destina-se a devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda sejam suscetíveis de recuperação (artigo 17.º-A, n.º 1, do CIRE).

Pretendeu o legislador com o PER que este mecanismo seja utilizado em tempo útil, antecipando a intervenção, de modo a evitar que o devedor chegue a entrar em situação de insolvência.

Invoca o credor (…) Banco, S.A. serem os créditos apresentados pelas reclamantes U...,S.L. e (…), Lda., créditos ficcionados, sem o necessário suporte probatório, com o único propósito de formarem a maioria necessária para que seja aprovado o desejado plano de revitalização. No fundo, credores forjados pela devedora para conseguir essa aprovação.

Importa ter presente que, não sendo elegíveis para o PER os devedores em situação de insolvência atual, a criação de credores ficcionados com vista à aprovação dum plano de revitalização, tanto lhes pode ser favorável para este efeito, como desfavorável para aquele, uma vez que tendencialmente a sua situação financeira surgirá mais deficitária.

Assim, o argumento avançado nesse sentido pelo credor (…) Banco, SA requer alguma relativização.

Vejamos em concreto da justeza da impugnação.

O PER é um mecanismo rápido e expedito de recuperação / revitalização.

Destina-se, como dissemos, a devedores que comprovadamente se encontrem em situação em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetíveis de recuperação.

Estamos perante uma impugnação deduzida por um credor na fase de reclamação de créditos.

Dispõe n.º 4 do artigo 17.º que:

“ A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada, no prazo de cinco dias úteis, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorreção do montante, da qualificação ou da classificação dos créditos relacionados, designadamente por inexistência de suficientes interesses comuns, devendo a impugnação, nos casos de incorreção da classificação dos créditos relacionados, ser acompanhada de proposta alternativa de classificação dos créditos.”

Nos termos do n.º 5 do artigo 17.º-D, “O juiz dispõe, em seguida, de cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações apresentadas (...)”.

Considerando o prazo decisório de apenas 5 dias, e a natureza e características do PER, um processo que se quer simples, célere e ágil, tal pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam essencialmente perfunctórias e baseadas em prova documental.

Nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2018, Proc. 70/18.5T8RGR-A.L1 in www.dgsi.pt:

“O PER pela sua natureza célere, pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam avaliadas de forma sumária.

A decisão sobre as reclamações de créditos em PER visa a formação de quórum deliberativo dos credores, que votarão a aprovação ou não do plano.”

Cabendo ao credor reclamante a prova do seu crédito.

Assim, por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/09/2014, Proc. 142/14.5TBPMS-A.C1, in www.dgsi.pt., onde se lê:

“Na impugnação da lista provisória de créditos em sede de PER, não obstante o dever de cooperação para a descoberta da verdade que também recai sobre o impugnante, é perante o credor reclamante – v. g. porque a impugnação se assume como incidente do jaez da ação de simples apreciação negativa e por a lista definitiva ter efeitos na subsequente insolvência –, que impende a essencialidade probatória, por via de regra apenas documental, sobre a existência do crédito.

O credor (…) Banco, SA considerou não estar demonstrada a existência dos créditos das reclamantes U...,S.L. e (…), Lda..

E que em relação à U...,S.L. e devedora, as certidões permanentes demonstravam existirem relações familiares entre os Administradores de ambas as empresas.

Acrescentando que das declarações simplificadas empresariais juntas pela devedora Requerente aos autos, verifica-se que o alegado crédito reclamado em questão não se encontra vertido nos anos de 2017, 2018 e 2019, pelo que só é possível o mesmo resultar do ano de 2020 (sendo que não foi junta pela Requerente a declaração referente a este período).

Acrescenta o impugnante não ser plausível que uma empresa forneça bens de um valor tão avultado, sem a existência de qualquer fatura que titule os bens, tal como, não é legalmente admissível que os bens adquiridos não sejam discriminados na prestação de contas da Requerente.

Perante tal impugnação a U...,S.L., veio responder à impugnação esclarecendo que, sobre os fornecimentos efetuados forneceu à devedora durante o ano 2020 matérias primas, tais fornecimentos não foram pagos, nem na data do seu vencimento nem até à presente data; o valor em dívida foi objeto de acordo de pagamento em prestações, que a devedora incumpriu; tendo sido objeto de execução, nos autos de processo 858/21..... Os fornecimentos foram efetuados, a devedora recebeu-os e não efetuou o pagamento que lhe competia, pelo que o crédito existe e deve ser reconhecido.

Juntou 7 faturas datadas respetivamente de: 30/01/2020, 28/02/2020, 31/03/2020, 30/04/2020, 15/05/2020, 29/05/2020 e 30/06/2020, todas elas com vencimento imediato e juntou ainda a respetiva conta corrente, donde constam as mesmas faturas e o valor total de 532.163,54 euros, a seu favor. Valor esse correspondente ao total reclamado.

Perante essa junção de faturas e respetiva conta-corrente resta-nos apreciar qual o valor probatório de tais documentos.

Atentemos ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/02/2000, Revista n.º 1142/99 – 7.ª Secção, em cujo sumário se lê:

“I - Os documentos são um suporte instrutório, um meio de prova, a partir do qual o juiz forma livremente a sua convicção, sobretudo quando estão em causa documentos de natureza particular.

II - A apreciação da validade e legalidade coloca-se ao nível da sua pertinência e admissibilidade para a formação da decisão, que não ao nível desta por serem alheios ao thema decidendum, a não ser que os documentos constituam eles próprios, quanto à 'invalidade', causa de pedir de uma qualquer ação.

III - As faturas são documentos particulares que, nos termos dos artigos 373.º a 375.º do CC, só têm força probatória plena, observados os requisitos referidos nos preceitos, se apresentados contra o seu autor; se é este mesmo a utilizá-los estão sujeitos à livre apreciação do tribunal.

IV - Se ao documento faltarem requisitos legais não é inválido, apenas a sua força probatória é apreciada livremente pelo tribunal (artigo 366.º, também do CC).

Ora, estamos perante a livre apreciação da prova, sendo que o princípio da livre apreciação da prova não atribui ao juiz o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas. O princípio da livre apreciação da prova obriga a uma conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e das circunstâncias que os envolvem.

Ora, face a tal prova documental e no juízo perfunctório que se exige, haverá que considerar que as 5 faturas emitidas durante o ano de 2020 reportam-se a fornecimentos reais das mercadorias e nos valores que delas constam, nas datas que delas constam, estando, assim, devidamente comprovada a reclamação da sociedade U...,S.L.

Quanto à relação familiar tendo esta reclamante esclarecido que “não existe qualquer relação familiar entre a aqui credora e o administrador da devedora”, caberia à impugnante a prova da sua afirmação.

Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a impugnação deduzida por (…) Banco, S.A., quanto à reclamante U...,S.L.

Relativamente à impugnação do crédito da (…), Lda. importa atentar que não só o Sr. Administrador judicial provisório como a própria reclamante vieram juntar as faturas que titulam o crédito reclamado.

Também relativamente a esta impugnação se impõe a sua improcedência, porquanto as faturas se mostram suficientes para comprovar o crédito reclamado, nos termos anteriormente definidos.

A decisão recorrida não merece, assim, qualquer censura.

Em suma: (…)


V

Termos em que acorda-se em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Évora, 15 de dezembro de 2022

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)