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REGISTO PREDIAL
RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA
IMPUGNAÇÃO DE FACTOS REGISTADOS
CONTAGEM DO RESPECTIVO PRAZO
Sumário
- A contagem do prazo para interposição de recurso hierárquico ou para impugnação judicial das decisões do conservador faz-se nos termos especificamente previstos no artigo 154.º do Código do Registo Predial, sendo-lhe subsidiariamente aplicáveis as normas constantes do C.P.C. (cfr. artigo 156.º do Código do Registo Predial). - O prazo de 30 dias para interposição de recurso, previsto no n.º 1 do artigo 141.º do Código do Registo Predial, é um prazo processual, sendo que o acto de interposição de recurso hierárquico ou de impugnação judicial por parte do requerente poderá vir a ser praticado por via electrónica, nos termos do artigo 153.º-A, n.º 1, do Código do Registo Predial, valendo como data da interposição do recurso o da efectivação do respectivo registo constante dos meios electrónicos utilizados (email, fax, ou outro). (Sumário do Relator)
Texto Integral
P. 117/22.0T8RMR.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
AA veio impugnar judicialmente a decisão do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN, I.P., doravante) que indeferiu, por extemporaneidade, o recurso hierárquico por si apresentado de reclamação sobre despacho de qualificação de recusa do pedido de registo de acção por via da Ap. n.º ...52, de 2021/07/20.
Os autos foram com vista ao Ministério Público que pugnou pela incompetência absoluta do Juízo de Competência Genérica de ... (em razão da sua incompetência material) para conhecer da presente impugnação judicial.
Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a excepção invocada pelo Ministério Público, o ora recorrente pugnou pela competência do Tribunal para a apreciação da presente impugnação judicial, nomeadamente por tal impugnação ser tempestiva e ter sido apresentada dentro do prazo legal.
De seguida, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, na qual julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta (por incompetência material) do Juízo de Competência Genérica de ... e, consequentemente, indeferiu, sem mais, a presente impugnação judicial.
Inconformado com tal decisão dela apelou o requerente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1 - A decisão recorrida esteia-se em pressupostos errados e conclui consequentemente em errada aplicação do direito.
2 - A reclamação que fundamenta os presentes autos judiciais tem por objeto o indeferimento em sede de recurso hierárquico de decisão do conservador, cfr. artigo 140.º, n.º 1 e ss., do C.R.Predial, com fundamento na intempestividade do recurso interposto, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPCivil, aplicável subsidiariamente por força do artigo 156.º do CRPredial.
3 - A reclamação supra foi apresentada em conformidade com as normas processuais aplicáveis e então aplicadas à decisão que tem por objeto, designadamente nos termos e com os efeitos do disposto no artigo 643.º, n.º 1, do CPCivil, por remissão do artigo 156.º do CRPredial.
4 - Por enquanto, em nenhum momento, relativamente ao objeto dos presentes autos, o Recorrente apresentou impugnação judicial da decisão de qualificação do ato de registo.
5 - Nos termos processuais, cfr. artigo 643.º, n.º 3, do CPCivil, por aplicação subsidiária por remissão do artigo 156.º do CRPredial e com as devidas adaptações, a reclamação deveria ser apresentada no IRN, o que foi feito.
6 - O IRN tramitou o requerimento apresentado como reclamação tendo-a encaminhado para o Juízo Central Cível de Santarém como tal.
7 - Ao longo do processo em sede do tribunal a quo este foi tramitado sob a epígrafe Recurso de Conservador. Todavia, até ao douto parecer do Ministério Público nestes autos, nada indiciava que o processo estaria a ser tramitado noutra forma que não a determinada pelo aqui e ali Recorrente. Nenhuma decisão indicava a alteração da forma do processo determinada pela reclamação fundadora dos presentes autos.
8 - A reclamação do Recorrente que fundamenta os presentes autos judiciais deve correr sob a forma processual que no caso já era a observada aquando do despacho do IRN supra e que previa a sua reclamação judicial.
9 - Ainda que de um acto administrativo se tratasse, a competência para aferir da legalidade de tal acto não caberia aos tribunais administrativos, face ao disposto nos artigos 140.º, n.º 1, 145.º, n.º1 e 147.º, todos do Código de Registo Predial, que atribuem aos tribunais comuns a competência para apreciar a impugnação da recusa da prática do acto de registo, cfr. acórdãos supra do TCAN, STJ, STA e TCAS.
10 - O Tribunal a quo deve pronunciar-se sobre a reclamação apresentada do despacho do IRN que indefere sem conhecimento do seu objeto o recurso hierárquico interposto da decisão de recusa de qualificação de ato de registo.
11 - É da competência material do tribunal a quo pronunciar-se sobre a reclamação supra.
12 - Nestes termos e nos demais de Direito com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Évora, ao presente Recurso, depois de devidamente autuado, deve ser concedido provimento e em consequência, a decisão recorrida deve ser revogada. Assim se fazendo a costumada Justiça.
Pelo Ministério Público foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos junto das Ex.mas Juízes Adjuntas.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3][4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo requerente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se o Julgador a quo sedevia ter pronunciado sobre a tempestividade do recurso hierárquico, por aquele apresentado junto do IRN, da decisão proferida pela Conservadora do Registo Predial (sendo que a decisão do IRN indeferiu, sem conhecimento do seu objecto, o recurso hierárquico interposto da decisão de recusa de qualificação de acto de registo proferido pela Conservadora considerando-o extemporâneo).
Antes de apreciar a questão supra referida, e com interesse para os autos, importa ter presente a seguinte factualidade:
- A decisão de recusa da prática do acto de registo por parte da Conservadora do Registo Predial de ... foi notificada ao requerente, através do seu ilustre mandatário, por carta registada enviada em 13/8/2021. - O requerente, através do seu ilustre mandatário, apresentou recurso hierárquico de tal decisão para o Presidente do IRN, o que fez por email e por telecópia, recebidas na dita Conservatória às 20.22 horas e às 20.26 horas do dia 15/9/2021, respectivamente, tendo enviado, ainda, o original da dita petição, por via postal registada em 16/9/2021, recepcionada na dita Conservatória do Registo Predial em 20/9/2021.
Como vimos, o recurso interposto pelo requerente para o tribunal a quo teve, como sua base de sustentação, a tempestividade do recurso hierárquico que tinha dirigido ao Presidente do IRN, o qual foi apresentado no último dia do prazo previsto para esse fim (cfr. artigo 141.º, n.º 1, do Código de Registo Predial, doravante CRP), pelo que podia e devia aquele tribunal ter-se pronunciado sobre a referida questão recursiva na decisão aqui sob censura – cfr. artigos 145.º a 147.º do C.R.P..
Todavia, e apesar de não o ter feito, haverá que apreciar agora neste Tribunal Superior se o recurso hierárquico interposto pelo requerente e dirigido ao Presidente do IRN é ou não tempestivo, adiantando-se, desde já, que a resposta a tal questão não poderá deixar de ser afirmativa.
Vejamos:
Ora, a este propósito sempre se dirá que, muito embora os actos típicos praticados pelos conservadores não sejam actos administrativos, mas actos que se inserem no âmbito do direito privado, tendo uma natureza judicial ou parajudicial – como sustenta Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, “Impugnação das Decisões do Conservador nos Registos”, Almedina 2002, pág. 57 – os interessados têm à sua disposição dois meios de impugnação das decisões do conservador que recuse a prática de um acto nos termos em que foi requerido (recusa parcial ou total, ou efectuado como provisório, por natureza ou por dúvidas):
a) Recurso hierárquico para o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado;
b) Impugnação Judicial para o tribunal da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo.
Por sua vez, o artigo 141.º, n.º 1, do C.R.P. estipula que o interessado tem um prazo de 30 dias a contar da notificação do despacho de recusa ou da provisoriedade, seja para recorrer hierarquicamente, seja para deduzir impugnação judicial.
E, a tal respeito, a doutrina e a jurisprudência dominantes têm entendido que tal prazo se conta, em termos processuais, a partir da notificação do despacho sob impugnação, sendo a regra da contagem dos prazos a da continuidade fixada no actual artigo 138.º, n.º 1, do C.P.C. (correspondente ao artigo 144.º, n.º 1, do anterior C.P.C.) – cfr. neste sentido Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, ob. cit., págs. 74 e 75 e Acórdãos da R. P. de 29/11/2005, R.L. de 19/5/2009 e da R. C. de 6/10/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Entretanto, o D.L. 125/2013, de 30/8, procedeu a diversas alterações ao Código de Registo Predial, tendo aditado os artigos 154.º a 156.º, relativamente a notificações, prazos e direito subsidiário, sendo que neste último preceito legal o legislador consagrou a regra da “aplicação subsidiária do disposto no Código de Processo Civil”, nomeadamente quanto aos “atos, processos e respetivos prazos”.
E, a previsão da aplicação subsidiária do C.P.C. quanto aos “prazos”, contida no artigo 155.º do C.R.P., tem vindo a ser entendida como um argumento no sentido da caracterização do prazo de 30 dias, previsto no citado n.º 1 do artigo 141.º do C.R.P., como sendo um prazo de natureza processual.
Por outro lado, o artigo 153.º-A, n.º 1, do referido Código estipula que: - Os atos do processo de registo podem ser realizados por via eletrónica, nos termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, incluindo a interposição de recurso hierárquico, de impugnação judicial e os respetivos envios eletrónicos.
Voltando agora ao caso em apreço, constata-se que resultou apurado nos autos que o requerente tem-se por notificado da decisão de recusa da prática do acto de registo por parte da Conservadora do Registo Predial de ... em 16/8/2021, pois a notificação postal datada de 13/8/2021 presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo – cfr. artigo 154.º, n.º 2, do C.R.P..
Por outro lado, o requerente apresentou recurso hierárquico de tal decisão para o Presidente do IRN, o que fez por email e por telecópia, recebidas na dita Conservatória às 20.22 horas e às 20.26 horas do dia 15/9/2021, sendo certo que tal acto sempre podia ter sido realizado por via electrónica por força do disposto no n.º 1 do já citado artigo 153.º-A.
Ora, o referido prazo de 30 dias para interpor recurso hierárquico para o IRN, a que alude o n.º 1 do artigo 141.º do C.R.P., além de ser um prazo processual, teve o seu início, in casu, em 17/8/2021 (cfr. artigo 155.º, n.º 2, do C.R.P.), terminando o mesmo em 15/9/2021, ou seja, precisamente no dia em que o requerente apresentou junto da Conservatória do Registo Predial de ..., por via electrónica, o dito recurso hierárquico.
Assim sendo, atentas as razões e fundamentos supra elencados, forçoso é concluir que tal recurso foi interposto tempestivamente pelo requerente, aqui apelante, não sendo – de todo em todo – extemporâneo e, por via disso, terá de ser apreciado o seu mérito, oportunamente, pelo Conselho Directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, determinando-se, em consequência, o ulterior prosseguimento dos presentes autos junto daquela entidade.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
***
Decisão:
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pelo requerente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Sem custas (atenta a isenção de que beneficia o Ministério Público – cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais).
Évora, 15 de Dezembro de 2022
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Anabela Luna de Carvalho
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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, págs. 286 e 299).