NULIDADE DA DECISÃO
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
PROCESSO CRIME
INÍCIO DO PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
FGA
Sumário


I - Mesmo nos casos em que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado do processo penal, a pendência deste processo interrompe sempre o decurso do prazo de prescrição do direito de indemnização, até ao termo do prazo em que nesse processo o lesado possa deduzir pedido de indemnização civil ou em que seja proferido despacho de arquivamento do processo, pelo que tal prazo começará a correr quando for proferida decisão final do inquérito criminal, seja tal decisão de arquivamento ou de acusação ou de pronúncia/não pronúncia, e após a sua notificação ao arguido e/ou ao ofendido/assistente, por aplicação do critério definido no artigo 306.º, n.º 1 do CC.
III - Sendo a exceção de prescrição invocada pelo réu/responsável civil procedente, a mesma aproveita ao FGA em consequência da extinção da obrigação principal, que se reflete na obrigação acessória e de garantia deste último.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB, pedindo a condenação dos réus a pagar à autora as quantias seguintes: a) 5.000,00 € a título de indemnização por danos sofridos pelo seu pai; b) 40.000,00 € a título de indemnização pela perda do direito à vida; c) 15.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais sofrido com a morte de seu pai.
A autora formula o aludido pedido a título de indemnização por danos sofridos em virtude de acidente de viação ocorrido a 07-11-2011, pelas 17h20, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., no qual, em resultado de embate entre o veículo ligeiro misto de matrícula CL-..-.., conduzido pelo 2.º réu, e um velocípede conduzido por CC - pai da autora -, este sofreu lesões que causaram a sua morte, imputando ao 2.º réu a culpa exclusiva na produção do embate e alegando que não se encontrava transferida para qualquer seguradora a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pelo veículo por este conduzido, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citados, ambos os réus contestaram. O réu Fundo de Garantia Automóvel impugnou parte da factualidade alegada pela autora. O réu BB, por seu turno, arguiu a prescrição do direito de indemnização invocado pela autora e impugnou parte da factualidade pela mesma alegada.
Por despacho de 04-10-2021 foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição.
Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, o qual foi admitido como apelação.
Por acórdão de 07-04-2022 esta Relação julgou procedente a apelação, anulando a decisão proferida em primeira instância e determinando que o Mmo. Juiz a quo procedesse à oportuna designação de audiência prévia, destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos termos do artigo 591.º, n.º 1, b), do CPC, caso tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da ação.
Regressados os autos à primeira instância, foi realizada audiência prévia, na qual se cumpriu o determinado no acórdão proferido e se comunicou às partes a intenção de se conhecer imediatamente do mérito da causa, tendo-lhes sido facultada a discussão de facto e de direito.
Nesse âmbito, a autora requereu a junção de documentos, os quais foram admitidos pelo Tribunal a quo mas condenando a apresentante em multa.
Após, por despacho de 05-07-2022 foi proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição e absolvendo ambos os réus do pedido.

Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A- DO EXCESSO DE PRONÚNCIA – art.º 615, n.º 1, alínea d), do CPC
(FALTA DE ALEGAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL)
1.º – O Réu BB veio invocar a exceção da prescrição, não tendo o Réu Fundo de Garantia Automóvel invocado a aludida exceção;
2.º - O Réu BB não possuía seguro, pelo que incumbe ao Fundo de Garantia Automóvel “…a proteção dos terceiros lesados, nas finalidades e objetivos de segurança social do risco de circulação automóvel, quanto à satisfação das indemnizações, ao Fundo de Garantia Automóvel terão de ser aplicáveis as disposições e princípios que disciplinam a responsabilidade das seguradoras, tanto quanto é certo que ele não deixa de desempenhar a mesma função social, correspondente à idêntica necessidade, da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação rodoviária automóvel, e, como tal, verdadeira empresa seguradora nos casos em que o Estado não conseguiu assegurar que o lesante celebrasse o obrigatório contrato de seguro de responsabilidade civil (art.º 21 do DL n.º 522/85).
Desta forma, também o FGA tem de ser abrangido pelo âmbito do art. 497º do CC, e considerado responsável solidário conjuntamente com o lesante nos casos em que se lhe impõe que satisfaça as indemnizações a atribuir. Por isso, o FGA (tal como qualquer seguradora não pode aproveitar da invocação da prescrição feita pelo seu segurado) também não pode beneficiar da invocação pelo responsável civil, da exceção fundada no decurso do prazo prescricional, quando ele próprio a não invocou (e, ademais, quando na altura da citação do FGA, tal prazo ainda não havia decorrido).”, conforme decorre do Acordão do STJ de 01.07.2004, Revista n.º 296/04 - 7.ª Secção Araújo Barros (Relator) * Oliveira Barros Salvador da Costa Ferreira
3.º - O reconhecimento da prescrição da obrigação relativamente a algum dos coobrigados não aproveita aos restantes devedores que não tenham deduzido esse meio de defesa, porquanto a prescrição é um meio de defesa pessoal que não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal.

B – DA NÃO PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DOS RÉUS
No saneador-sentença refere:
“1.- No dia 7.11.2011, pelas 17:20 horas, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro misto com a matrícula CL-..-.., na altura conduzido pelo réu BB….BB, e o velocípede então conduzido por CC e o corpo deste.
2. Na sequência deste embate foi instaurado o processo de inquérito nº 1856/11...., no qual foi deduzida acusação pública em 31.10.2012 contra o aqui Réu BB e contra DD, imputando ao primeiro a prática de um crime de homicídio por negligência e de um crime de omissão de auxílio agravado e ao segundo a prática de um crime de omissão de auxílio.
3. Esta acusação foi notificada à aqui autora, na qualidade de assistente, por carta de 06.11.2012;
4. O arguido DD requereu abertura de instrução, tendo sido proferida decisão instrutória em 21.05.2013, mantendo a imputação constante da acusação pública.
5. Por correspondência de 22.05.2013, a aqui Autora, na qualidade de assistente, foi notificada de que, nos termos do disposto no art. 308º do CPP, foi proferido despacho de pronúncia “e para os prazos dele decorrentes – art. 77º nº 2 do CPP”.
6. Não foi deduzido pedido de indemnização civil contra o arguido BB.
7- Em 03.06.2016 foi proferida sentença, condenado o aqui réu BB pela prática dos crimes de homicídio negligente e omissão de auxílio agravado por que vinha pronunciado, a qual transitou em julgado em 04.07.2016.”
No direito aplicável é referido:
“4- Estando assim assente que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, importa determinar o momento em que o mesmo começou a correr e se se verificou alguma causa de interrupção desse prazo.
“…No caso vertente, o prazo de prescrição começou a correr com a notificação do despacho de pronúncia, efetuada no dia 27 de maio de 2013.”
“Assim, na ausência de qualquer outra causa de interrupção ou suspensão da instância, o prazo de prescrição terminou no dia 27 de maio de 2018, ou seja, antes de proposta esta ação e, consequentemente, da citação dos Réus.”
4.º – Entende a Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o prazo regra nos acidentes de viação encontra-se fixado no nº 1 do artigo 498º do Código Civil e comporta a exceção prevista no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, o qual refere que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”
5.º - Refere o artigo 323º nº 1 do Código Civil que, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito”
Existe entendimento maioritário na jurisprudência que a constituição de assistente em processo penal configura um ato idóneo para interrupção da prescrição, porquanto configura esta uma manifestação expressa do exercício do direito de reclamar uma indemnização, pelo que se entende que assim se interrompe a prescrição contra todos os responsáveis.
6.º - A interrupção da prescrição tem como efeito inutilizar todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto no nº 1 e nº 3 do artigo 327º do Código Civil.
7º – O art 62º do D.L. 291/2007 de 21 de agosto, impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil.
8º - O reinício do prazo prescricional teve lugar em 05.07.2016, dia seguinte à data do trânsito em julgado da sentença que condenou o aqui Réu BB, pelo que na data de entrada da presente ação e na data da sua citação, ainda se encontrava em curso o prazo prescricional.
9.ª - No caso dos presentes autos o Réu BB foi condenado pelo crime de homicídio negligente e pelo crime de omissão do dever de auxílio agravado, neste caso, sendo o prazo de prescrição da ação penal mais longo nada impede que a Recorrente se prevaleça do prazo mais longo, conforme o disposto no art. 498º nº 3 do Código Civil.
10.ª – Enquanto estiver pendente o processo penal não começa a correr o prazo da prescrição do direito à indemnização civil. A pendência do processo crime, representa uma interrupção contínua (ex. vi art. 323º nºs 2 e 4 do Código Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que, como as seguradoras, com eles estão solidários na responsabilidade de reparação dos danos; interrupção essa que cessa, começando o prazo a correr, quando o lesado for notificado do arquivamento do processo crime.
Neste caso o trânsito em julgado da decisão ocorreu relativamente ao arguido BB em 04.07.2016, conforme certidão judicial junta ao processo.

C – DA RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO RELATIVAMENTE AO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL:
Refere ainda a douta sentença de fls. o seguinte:
“…, na audiência prévia, a autora limitou-se a enquadrar juridicamente factos que o próprio réu FGA alegou na sua contestação, designadamente nos artigos 3, 19 e 20, onde afirma expressamente que reconheceu o seu dever de indemnizar a autora, mas que a medida da sua responsabilidade estava limitada a 50%, por ser esse o grau de responsabilidade do co-réu BB, razão pela qual apresentou uma proposta indemnizatória no ano de 2017. O único facto novo agora alegado pela autora é a data precisa deste ofício (sublinhado e negrito nosso), mas que se afigura irrelevante para efeitos do conhecimento da excepção da prescrição.
Posto isto, a questão suscitada pela autora traduz-se em saber se o reconhecimento do dever de indemnizar 50% dos danos decorrentes do acidente de viação em apreço nos autos e a apresentação de uma concreta proposta indemnizatória traduzem um reconhecimento do direito da autora apto a interromper o prazo de prescrição, nos termos do disposto no artigo 325.º do CC, ou a renúncia da prescrição, nos termos do artigo 302.º do mesmo código. Esta segunda hipótese sempre estaria liminarmente afastada, por força do disposto no n.º 1 deste artigo 302.º, em cujos termos «[a] renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional».
Na verdade, sendo o ofício em causa (datado de 09.10.2017) anterior ao termo do prazo de prescrição (que, como vimos, ocorreu em 27.05.2018) nunca poderia configurar uma renúncia da prescrição legalmente admissível.
De resto, a resposta seria a mesma ainda que o início do prazo de prescrição tivesse ocorrido no dia 29.11.2012, como alegou a autora, pois nesse caso o prazo de 5 anos teria terminado m 29.11.2017 (devendo-se a indicação, pela autora, da data de 29.11.2016 a um manifesto erro de cálculo), ou seja, igualmente após a suposta renúncia.”
Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos deixar de discordar com o supra exposto,
12º - Em sede de audiência prévia, veio a Autora a enquadrar juridicamente os factos que o Réu FGA alegou na sua contestação, mormente nos arts. 3,19 e 20, onde afirma expressamente que reconheceu o seu dever de indemnizar a Autora, mas que a medida da sua responsabilidade estava limitada a 50%, razão pela qual apresentou uma proposta indemnizatória no ano de 2017.
Imperioso para a Autora se mostrou demonstrar e provar em sede de audiência prévia o teor e a data dos aludidos documentos, e consequentemente proceder à respetiva junção.
13º - O aludido requerimento com referência ...41, e documentos ao mesmo anexo, um datado de 09.10.2017 e outro datado de 23 de julho de 2018, foram remetidos pelo Fundo de Garantia Automóvel à Autora, no primeiro documento o Fundo de Garantia Automóvel apresentou à Autora uma proposta indemnizatória num total de 24.370,51€,
no segundo documento (doc. nº ...), mail datado de 23 de julho de 2018, o Fundo de Garantia Automóvel referiu à Autora que:”… a proposta apresentada é definitiva em sede extrajudicial”.
14º - Através dos dois documentos o Fundo de Garantia Automóvel reconhece um direito à Autora, aqui Recorrente,
15º - reconhecimento do direito o qual, de acordo com o disposto no art. 325º nº 1 do Código Civil interrompe a prescrição, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente, e começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
16º-entendendo-se ainda que que, do conteúdo da proposta indemnizatória, reiterada a 23 de julho de 2018, ocorreu uma renúncia à prescrição por parte do Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do disposto no art. 302º do Código Civil,
17º - porquanto, se se admitisse que o decurso do prazo de prescrição havia ocorrido em 27.05.2018, como refere a douta sentença, sempre por força do documento nº ..., datado de 23.07.2018, o aludido Fundo de Garantia Automóvel teria renunciado à prescrição.

TERMOS EM QUE, E NOS DO DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXªS., DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, DECLARANDO O DESPACHO-SANEADOR NULO POR EXCESSO DE PRONÚNCIA, art. 615º nº 1, al. d) NA PARTE EM QUE CONSIDERA QUE A INVOCAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO RÉU BB APROVEITA AO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, E AINDA RECONHECER QUE A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO DO(S) RÉU(S) NÃO SE ENCONTRA PRESCRITA, SENDO QUE, MESMO QUE NO LIMITE SE CONCEBESSE QUE A MESMA ESTIVESSE PRESCRITA, SEMPRE TERIA OCORRIDO RENUNCIA À PRESCRIÇÃO POR PARTE DA RÉ FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, VINDO A FINAL A SER PROFERIDO ACORDÃO QUE JULGUE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO PELA AQUI RECORRENTE FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!».

Cada um dos apelados apresentou resposta, ambos sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
A) Nulidade da decisão recorrida;
B) Prescrição do direito de indemnização.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª Instância:
1. No dia 07.11.2011, pelas 17:20 horas, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu em embate entre o veículo automóvel ligeiro misto com a matrícula CL-..-.., na altura conduzido pelo réu BB, e o velocípede então conduzido por CC e o corpo deste.
2. Na sequência deste embate foi instaurado o processo de inquérito n.º 1856/11...., no qual foi deduzida acusação pública em 31.10.2012 contra o aqui réu BB e contra DD, imputando ao primeiro a prática de um crime de homicídio por negligência e de um crime de omissão de auxílio agravado e ao segundo a prática de um crime de omissão de auxílio.
3. Esta acusação foi notificada à aqui autora, na qualidade de assistente, por carta de 06.11.2012;
4. O arguido DD requereu abertura de instrução, tendo sido proferida decisão instrutória em 21.05.2013, mantendo a imputação constante da acusação pública.
5. Por correspondência de 22.05.2013, a aqui autora, na qualidade de assistente, foi notificada de que, nos termos do disposto no artigo 308.º do CPP, foi proferido despacho de pronúncia «e para os prazos dele decorrentes – art. 77.º, n.º 2, do CPP».
6. Não foi deduzido pedido de indemnização civil contra o arguido BB.
7. Em 03.06.2016 foi proferida sentença, condenando o aqui réu BB pela prática dos crimes de homicídio por negligência e omissão de auxílio agravado por que vinha pronunciado, a qual transitou em julgado em 04.07.2016.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Defende a recorrente, em síntese, que a prescrição é um meio de defesa pessoal que não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal; apenas o réu BB veio invocar a exceção da prescrição, não tendo o réu Fundo de Garantia Automóvel invocado a aludida exceção; o reconhecimento da prescrição da obrigação relativamente a algum dos coobrigados não aproveita aos restantes devedores que não tenham deduzido esse meio de defesa, motivo pelo qual imputa à sentença recorrida o vício de excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al d), in fine, do CPC.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
Com relevo para a apreciação do invocado vício de excesso de pronúncia, importa considerar o preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), CPC, segundo o qual a sentença é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Este fundamento de nulidade deriva do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo código, do qual consta o seguinte: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Densificando o âmbito da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[i]: «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Nas palavras de Alberto dos Reis[ii], «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao Tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[iii].
Em consonância com este entendimento, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-10-2017[iv], com o seguinte sumário: « (…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
Refere-se, a propósito, no Ac. TRP de 11-01-2018[v]: «[n]ão confundamos questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes».
Neste domínio, importa ainda sublinhar que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui[vi].
Por contraponto, a apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso configura excesso de pronúncia.
Revertendo à situação em análise, facilmente se verifica que o verdadeiro motivo do vício apontado pela recorrente à sentença recorrida deriva de um alegado erro de julgamento.
No âmbito da apreciação da suscitada nulidade não poderá olvidar-se que a primeira instância conheceu do mérito da causa no despacho saneador, apreciando e decidindo a exceção perentória de prescrição invocada pelo réu BB, tal como resulta designadamente do seguinte segmento da decisão recorrida: « Assim, na ausência de qualquer outra causa de interrupção ou suspensão da instância, o prazo de prescrição terminou no dia 27 de Maio de 2018, ou seja, antes de proposta esta acção e, consequentemente, da citação dos réus.
Pelo exposto, impõe-se julgar procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu BB».
Sucede que o Tribunal a quo entendeu que a procedência da exceção de prescrição invocada pelo réu BB aproveita a ambos os réus, tendo por referência a exaustiva e rigorosa análise jurídica que empreendeu sobre a natureza da obrigação do Fundo de Garantia Automóvel (FGA), concluindo que a consequência da verificada prescrição - a extinção da obrigação principal - se repercute de forma relevante e necessária na obrigação acessória e de garantia do FGA, assim determinando a absolvição de ambos do pedido contra si deduzido.
Ora, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, é indiscutível que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Como referia, a propósito, Alberto dos Reis[vii], «[s]e é da competência do juiz indagar e interpretar a regra de direito, pertence-lhe evidentemente a operação delicada da qualificação jurídica dos factos. As partes fornecem os factos ao juiz; mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal, é função própria do magistrado, no exercício da qual ele procede com a liberdade assinalada na 1.ª parte do (…)».
Deste modo, a ponderação de todos os elementos relevantes que constituíam o resultado probatório expresso na matéria de facto provada, e o correspondente juízo formulado no âmbito da fundamentação de direito constante da decisão em referência configura a discussão de razões, motivos e/ou argumentos justificativos das conclusões formuladas pelo Tribunal a quo em consequência da apreciação das questões efetivamente suscitadas nos autos, e que foram efetivamente decididas por aquele tribunal, o que não preenche a nulidade suscitada.
Pelo exposto, não enferma a decisão recorrida de qualquer nulidade que cumpra verificar ou declarar, antes se constatando que os fundamentos agora invocados pela recorrente traduzem a sua discordância quanto ao mérito da decisão proferida.
Improcede, assim, a suscitada nulidade da decisão recorrida.

2.2. Da exceção de prescrição do direito de indemnização
No Direito Civil português «existem três tipos de prazos: prazo ordinário, prazos especiais e prazos presuntivos ou curtos prazos. Os dois primeiros tipos referem-se à prescrição ordinária; o último é próprio da prescrição presuntiva.
O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos, como se estatui no art. 309.º do C.Civ. Na prescrição ordinária há, porém, ainda casos de prazos especiais, inferiores a vinte anos (…)»[viii].
  Relativamente ao regime prescricional da responsabilidade civil extracontratual, prevê o artigo 498.º do CC, com a epígrafe «Prescrição», o seguinte:
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.
Tal como salienta Ana Prata[ix], «[e]stabelecem-se aqui dois prazos prescricionais, com duração e momentos de início de contagem diversos, mas que correm, ou podem correr, pelo menos parcialmente, em simultâneo.
O prazo ordinário de vinte anos (art. 309.º) conta desde o “facto danoso”. É estabelecido um prazo especial mais curto (três anos) que corre a partir do momento “em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, isto é, daquele em que o titular do direito conhece os factos constitutivos dele. É irrelevante, para a contagem deste prazo, o “desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”.
(…) esclareça-se que, se ambos os prazos forem correndo em simultâneo, ocorre prescrição logo que o primeiro deles se esgote.
(…)
Nos termos do n.º 3, o prazo de prescrição será o do procedimento criminal, se o ilícito civil for também um ilícito criminal e aquele for superior a três anos. Esta alteração do prazo de prescrição não depende de o processo penal ter sido ou vir a ser iniciado, mas antes da qualificação dos factos».
O réu BB arguiu a prescrição do direito de indemnização invocado pela autora. Sustenta que é aplicável o prazo de 5 anos, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 498.º, n.º 3, do Código Civil e 148.º, n.º 1, e 118.º, n.º 1, c) do Código Penal, e que em relação ao sinistro no qual foram intervenientes o aqui réu e CC, pai da autora, foi instaurado o competente processo-crime, deduzida a acusação a 06-11-2012 e o réu pronunciado em 22-05-2013. Conclui que, tendo a ora autora sido admitida a intervir como assistente naquele processo, e notificada para os termos do artigo 77.º n.º 2 do Código de Processo Penal, ou seja, para, querendo, deduzir pedido de indemnização cível no prazo de vinte dias, e não o tendo feito nem estando impedida de exercer o direito a que se arroga na presente ação fora do processo penal, o prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que poderia deduzir tal pedido no processo-penal, de acordo com o princípio da adesão, no caso, com o desfecho do inquérito, portanto, e no limite, com a decisão de pronúncia, notificada à autora a 22-05-2013. Concluiu que na data em que a autora propôs contra o réu a presente ação de indemnização (27-05-2021), já se tinha completado há muito tempo o mencionado prazo de (5 anos) de prescrição, mostrando-se extinto o direito que aquela pretende exercer na presente ação, o que foi atendido pelo Tribunal a quo na sentença recorrida. Mais entendeu o Tribunal a quo que a procedência da exceção de prescrição invocada pelo réu BB aproveita a ambos os réus, porquanto a consequência daquela prescrição - a extinção da obrigação principal - repercute-se de forma relevante e necessária na obrigação acessória e de garantia do FGA, assim tendo determinado a absolvição de ambos os réus do pedido.
Insurge-se a recorrente autora contra tal decisão. Não põe em causa que o prazo de prescrição aplicável ao direito invocado é o de cinco anos, mas discorda do início (dies a quo) do referido prazo de prescrição tido em conta na sentença recorrida, sustentando que o prazo de prescrição, havendo processo-crime contra o condutor do veículo, só começa a contar-se, em relação aos civilmente responsáveis, a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, regra que não é aplicável apenas ao responsável pelo ilícito que constitui crime, mas também aos responsáveis meramente civis (designadamente a seguradora) por virtude do mesmo facto ilícito, devendo reconhecer-se que a obrigação de indemnização dos réus não se encontra prescrita porquanto o trânsito em julgado da decisão ocorreu relativamente ao arguido BB em 04-07-2016, conforme certidão judicial junta ao processo.
Como se vê, não suscita controvérsia nos autos a aplicabilidade à prescrição invocada pelo réu/recorrido do prazo de cinco anos, por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 498.º, n.º 3, do Código Civil e 148.º, n.º 1, e 118.º, n.º 1, c) do Código Penal.
Por outro lado, a recorrente também não contesta que em relação ao sinistro no qual foram intervenientes o aqui réu e CC, pai da autora (sinistro ocorrido no dia 07-11-2011) foi oportunamente instaurado o competente processo crime - processo de inquérito n.º 1856/11...., no qual foi deduzida acusação pública em 31-10-2012 contra o aqui réu BB e contra DD, imputando ao primeiro a prática de um crime de homicídio por negligência e de um crime de omissão de auxílio agravado e ao segundo a prática de um crime de omissão de auxílio (ponto 2 dos Factos provados), que esta acusação foi notificada à aqui autora/recorrente, na qualidade de assistente, por carta de 06-11-2012 (ponto 3 dos Factos provados), que o arguido DD requereu abertura de instrução, tendo sido proferida decisão instrutória em 21-05-2013, mantendo a imputação constante da acusação pública (ponto 4 dos factos provados), que por correspondência de 22-05-2013, a aqui autora, na qualidade de assistente, foi notificada de que, nos termos do disposto no artigo 308.º do CPP, foi proferido despacho de pronúncia «e para os prazos dele decorrentes - art. 77.º, n.º 2, do CPP»[x] (ponto 5 dos Factos provados), que não foi deduzido pedido de indemnização civil contra o arguido BB (ponto 6 dos Factos provados) e, por último, que em 03-06-2016 foi proferida sentença, condenando o aqui réu BB pela prática dos crimes de homicídio por negligência e omissão de auxílio agravado por que vinha pronunciado, a qual transitou em julgado em 04-07-2016 (ponto 7 dos Factos provados).
No caso, a recorrente também não contesta que com a instauração do procedimento criminal, independentemente do meio através do qual esse procedimento teve início e da natureza do crime participado, fica interrompido o prazo prescricional que então se encontrar em curso para os titulares do direito indemnizatório exercerem esse direito por via autónoma do processo penal, isto é, junto das instâncias cíveis, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 306.º do CC[xi], sendo este, aliás, o entendimento maioritário perfilhado pela jurisprudência. Assim  tal como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de 28-06-2018[xii]: « tem-se entendido, em nome do princípio da adesão obrigatória constante do art. 71º do CPP, que o prazo prescricional para a instauração de ação indemnizatória junto das instâncias cíveis e durante a pendência do processo-crime, não inicia a sua contagem nos termos do disposto no n.º 1 do art. 306º do CC.
Na verdade, nos casos em que penda um processo penal, estando vedado ao lesado, por força do princípio da adesão obrigatória do pedido de indemnização cível ao processo penal, o direito de exercer o seu direito de natureza indemnizatória e civil de forma autónoma e por via de um meio diverso do processo penal, o processo penal funciona como que um obstáculo e/ou impossibilidade daquele poder exercer o seu direito de natureza indemnizatória fora do processo criminal, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 306º do CC, a contagem do prazo prescricional para aquele exercer esse direito indemnizatório junto das instâncias cíveis não se inicia».
Contudo, segundo a recorrente, a prescrição do direito de indemnização por si invocado deve considerar-se interrompida até 04-07-2016 (data do trânsito em julgado a sentença final no processo penal instaurado pelos factos em que aquela fundamenta tal direito), começando a correr o novo prazo somente a partir dessa data.
Já o Tribunal a quo entendeu que do princípio da adesão da ação cível à ação penal decorre que, com a abertura do inquérito crime, o lesado fica impedido de deduzir pedido de indemnização, devendo aguardar pelo encerramento do inquérito para exercer esse direito na ação penal; o prazo de prescrição não pode correr enquanto esse direito não puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CC, mas o direito de deduzir o pedido de indemnização civil passa a poder ser exercido com o fim do inquérito, ou seja, com a definitividade do despacho de acusação/arquivamento ou de pronúncia/não pronúncia, pelo que o prazo de prescrição se (re)inicia a partir desta data.
Para o efeito, enunciou, no essencial, a seguinte fundamentação:
«(…)
Nos termos do disposto no artigo 71.º do CPP, «[o] pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei».
Deste princípio da adesão da acção cível à acção penal decorre que, com a abertura do inquérito crime, o lesado fica impedido de deduzir pedido de indemnização, devendo aguardar pelo encerramento do inquérito para exercer esse direito na acção penal.
Mas se é assim, o prazo de prescrição não pode correr enquanto esse direito não puder ser exercido, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CC.
E o direito de deduzir o pedido de indemnização civil passa a poder ser exercido com o fim do inquérito, ou seja, com a definitividade do despacho de acusação/arquivamento ou de pronúncia/não pronúncia (cfr. ac. do TRL de 16.06.2020, já antes citado, onde se referem outras decisão dos tribunais superiores no mesmo sentido).
No caso concreto, foi proferido despacho de pronúncia contra o aqui réu BB, confirmando integralmente a acusação que havia sido deduzida contra o mesmo, o que, nos termos do disposto no artigo 310.º do CPP, determinou a irrecorribilidade daquele despacho de pronúncia e a remessa imediata dos autos para julgamento. O despacho de pronúncia foi notificado à aqui autora por correio de 22.05.2013, designadamente para os efeitos do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do CPP, ou seja, para deduzir pedido de indemnização civil no prazo de 20 dias.
Considerando-se esta notificação efectuada no dia 27 de Maio de 2013, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 2, do CPP, impõe-se concluir que, a partir de então, a autora estava em condições de exercer o seu direito de pedir a indemnização pelos danos causados pelo facto ilícito, pelo que o prazo de prescrição se (re)iniciou neste data.
É certo que, mesmo antes de proferido o despacho de acusação ou de pronúncia, a autora poderia ter deduzido pedido de indemnização civil em separado, ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 1, al. f), do CPP, uma vez que este tinha de ser necessariamente intentado contra o arguido e contra o FGA, sob pena ilegitimidade processual passiva, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 11 de Agosto.
Todavia, como a jurisprudência vem alertando, trata-se de uma mera faculdade, que não pode ser convertida num ónus, como sucederia se entendêssemos não ser aplicável a estas situações o disposto no artigo 306.º do CC.
(…)
Deste modo, a possibilidade de o lesado deduzir o pedido em separado, perante o tribunal cível, antes do encerramento do inquérito, não deve ser configurada como uma possibilidade efectiva do exercício do direito de indemnização, para efeitos de início do prazo de prescrição.
Em suma, no caso vertente, o prazo de prescrição começou a correr com a notificação do despacho de pronúncia, efectuada no dia 27 de Maio de 2013, por ser a data a partir da qual a autor passou a ter a possibilidade de exercer, sem quaisquer impedimentos de natureza jurídica, o direito de ser indemnizada com fundamento nos factos imputados ao réu BB.
Em primeiro lugar, passou a poder exercê-lo no processo penal, dentro do prazo de 20 dias, a contar da notificação que lhe foi feita do despacho de pronúncia, nos term0s do n.º 2, do artigo 77.º, do CPP.
Em segundo lugar, a partir de tal notificação, passou a poder exercê-lo fora do processo penal, com fundamento na al. f), do n.º 1, do artigo 72.º, do CPP.
Neste caso, do ponto de vista jurídico, não havia nenhuma circunstância que obrigasse a autora a esperar pelo trânsito em julgado da decisão proferida no processo criminal para, então, propor a acção cível contra a ora ré, não tendo o artigo 327.º, n.º 1, do CC, manifestamente, o alcance que a autora lhe pretende dar.
Assim, na ausência de qualquer outra causa de interrupção ou suspensão da instância, o prazo de prescrição terminou no dia 27 de Maio de 2018, ou seja, antes de proposta esta acção e, consequentemente, da citação dos réus.
Pelo exposto, impõe-se julgar procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu BB».
A orientação sufragada pelo Tribunal a quo sobre esta matéria encontra-se em concordância com o entendimento largamente dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[xiii], bem como em numerosas decisões das Relações[xiv], segundo o qual, mesmo nos casos em que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado do processo penal, a pendência deste processo interrompe sempre o decurso do prazo prescricional do direito de indemnização, até ao termo do prazo em que nesse processo o lesado possa deduzir pedido de indemnização civil ou em que seja proferido despacho de arquivamento do processo, ou seja, tal prazo não começa a correr enquanto não for proferida decisão final do inquérito criminal, seja tal decisão de arquivamento ou de acusação ou de pronúncia/não pronúncia e após a sua notificação ao arguido e/ou ao ofendido/assistente, por aplicação do critério definido no artigo 306.º, n.º 1 do CC.
Tal orientação, dominante da nossa jurisprudência, vem sintetizada no sumário do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-05-2018:
«I - No caso em apreço, uma vez iniciado o procedimento criminal com a notícia do crime (de ofensa à integridade física por negligência previsto no art. 148.º, n.º 1, do CP), o prazo de prescrição de 5 anos (aplicável por força das disposições conjugadas dos arts. 498.º, n.º 3, do CC, e 118.º, n.º 1, al. c), do CP) apenas começou a correr, nos termos do art. 306.º, n.º 1, do CC, com o desfecho do inquérito, portanto, com a dedução da acusação contra o arguido em tais autos, momento a partir do qual o direito pôde ser exercido na acção civil.
II - Com efeito, curando da responsabilidade civil conexa com a criminal, o art. 71.º do CPP consagra o princípio da adesão da acção civil à acção penal que, mais do que uma mera interdependência das acções, arrasta o pedido de indemnização civil de perdas e danos para a jurisdição penal.
III - Não obstante as diversas salvaguardas à obrigatoriedade de o direito à indemnização ser exercido no procedimento penal, plasmadas no art. 72.º do CPP, assiste ao lesado o direito de aguardar o termo do inquérito criminal, com o seu arquivamento ou com a dedução da acusação, se, perante qualquer das situações abarcadas em tais ressalvas, não quiser recorrer, logo, à acção cível em separado.
IV - Contudo, deduzida a acusação no inquérito, uma vez que o direito à indemnização tem de ser aí exercido nos prazos peremptórios cominados no art. 77.º do CPP, sob pena de ficar definitivamente encerrada a possibilidade do exercício da acção cível em conjunto com a penal, cessa o impedimento para o exercício do direito na instância cível e passa a verificar-se a inércia do respectivo titular, em que se funda a extinção inerente à prescrição, iniciando-se o cômputo do prazo desta a partir de então».
Perfilhando idêntico entendimento, refere-se no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25-03-2010: «[p]ensamos que os efeitos jurídicos da queixa-crime, ainda que interruptivos, não podem colher a sua justificação nos artigos 323.º, números 1 e 4 e 327.º do Código Civil, mas antes no artigo 306.º do mesmo diploma legal, numa interpretação extensiva do mesmo, de maneira a acolher não só os prazos de prescrição originais que ainda não tiveram início, como aqueles que se iniciaram e que, por motivos de ordem legal, se vêem impedidos superveniente de ser exercidos, como finalmente aqueles que sucedem aos primeiros (…).
Logo, haja um desencadeamento oficioso dos autos de inquérito criminal ou tenha o mesmo na sua raiz uma queixa do ofendido, certo é que o prazo prescricional não se inicia (artigo 306.º do Código Civil), até, pelo menos, a altura em que o lesado está em condições de poder exercer o seu direito de natureza indemnizatória».
Em síntese, podemos assentar nas seguintes conclusões, tal como enunciadas no sumário do referenciado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-10-2009:
«I - O prazo de prescrição a que alude o art. 498.º, n.º 1, do CC não começa a correr enquanto não findar o procedimento criminal iniciado, no caso de homicídio por negligência, com a notícia do crime (arts. 306.º, n.º 1, do CC e 137.º, n.º 1, do CP).
II - O pedido de indemnização civil em separado, admissível quando verificados os casos contemplados no art. 72.º do CPP, constitui uma faculdade concedida ao lesado que ele pode exercer verificada qualquer das situações a que alude o art. 72.º do CPP; essa opção ficaria inviabilizada em muitos casos se a pendência do inquérito não impedisse o início do decurso do prazo de prescrição (art. 306.º, n.º 1, do CC) implicando entendimento contrário desrespeito do princípio da adesão contemplado no art. 71.º do CPP.
III - Assim sendo, com o desfecho do inquérito, ou por arquivamento ou por acusação, inicia-se o prazo de prescrição, pois, a partir desse momento, o não exercício da acção cível em separado ou conjuntamente, conforme os casos, é da responsabilidade do lesado, não existindo, assim, razão para não se considerar terminado o impedimento posto ao decurso do prazo prescricional.
(…)».
Seguindo de perto o entendimento enunciado nos arestos antes citados, cujos fundamentos entendemos de sufragar integralmente, é manifesto que na data em que a autora propôs contra a réu a ação de indemnização já se tinha completado o mencionado prazo de 5 anos de prescrição, mostrando-se, por isso, extinto o direito que aquela pretendia exercer na presente ação.
 Daí que a sentença recorrida não mereça censura nesta parte, improcedendo as correspondentes conclusões da apelação.
Ainda assim, importa apreciar se ocorreu renúncia à prescrição por parte do réu FGA e se a mesma é relevante à luz da natureza da respetiva obrigação e em face da extinção da obrigação principal, por prescrição.
Sobre esta matéria a 1.ª instância considerou, no essencial, que a apresentação da concreta proposta indemnizatória pelo FGA em 50% dos danos decorrentes do acidente de viação em apreço, através do ofício que remeteu à autora em 09-10-2017, nunca poderia traduzir uma válida renúncia da prescrição porquanto esta só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional, nos termos previstos no artigo 302.º, n.º1, do CC, sendo aquela proposta anterior ao termo do prazo de prescrição (que, como vimos, ocorreu em 27-05-2018), apenas se poderia equacionar tal proposta enquanto facto interruptivo do prazo de prescrição, por força do reconhecimento do direito da autora, mas que tal  questão sempre se revelaria indiferente para o desfecho da ação tendo em conta a natureza da obrigação do FGA, posto que esta entidade não é um devedor solidário, ou seja, não é responsável direto pelo pagamento da indemnização por danos resultantes da circulação de veículos automóveis, mas antes um obrigado subsidiário, um mero garante da satisfação da indemnização, desde que verificados os pressupostos legalmente previstos, assim se compreendendo que, uma vez extinta a obrigação de indemnização a cargo do devedor principal, seja por prescrição, seja por outra causa, se extinga igualmente a obrigação do FGA, pois a obrigação de garante deste está condicionada pela existência, verificação e quantificação da obrigação do responsável civil. Em consequência, concluiu que a exceção de prescrição invocada pelo réu BB é procedente e que a mesma aproveita a ambos os réus, o que determina a absolvição de ambos do pedido contra si deduzido.
Contra este entendimento insurge-se a recorrente, sustentando, no essencial, que em sede de audiência prévia veio enquadrar juridicamente os factos que o réu FGA alegou na sua contestação, onde afirma expressamente que reconheceu o seu dever de indemnizar a autora, mas que a medida da sua responsabilidade estava limitada a 50%, razão pela qual apresentou uma proposta indemnizatória no ano de 2017. O aludido requerimento com referência ...41, e documentos ao mesmo anexo, um datado de 09-10-2017 e outro datado de 23-07-2018, foram remetidos pelo FGA à autora, sendo que no primeiro documento o FGA apresentou uma proposta indemnizatória num total de 24.370,51€ e no segundo documento (doc. nº ...), mail datado de 23 de julho de 2018, o Fundo de Garantia Automóvel referiu à Autora que: “… a proposta apresentada é definitiva em sede extrajudicial”, pelo que, mesmo admitindo que  o decurso do prazo de prescrição havia ocorrido em 27-05-2018, como refere a sentença recorrida, sempre por força do documento n.º ..., datado de 23-07-2018, o aludido FGA teria renunciado à prescrição.
No caso, não existe controvérsia quanto à matéria de facto constante da sentença recorrida, porquanto a recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto incluída naquela decisão.
 Apesar de alegar que no segundo documento (doc. nº ...), mail datado de 23 de julho de 2018, o FGA referiu à Autora que: “… a proposta apresentada é definitiva em sede extrajudicial”, verificamos que a recorrente não indica quaisquer factos que entenda terem sido indevidamente julgados nem suscita o aditamento de tal matéria ao elenco dos factos provados.
Ora, a falta de impugnação de tal matéria pela ora recorrente delimita necessariamente os poderes de cognição do Tribunal ad quem, tal como decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Não obstante, entendemos que o eventual aditamento de tal matéria ao elenco dos factos provados nunca assumiria qualquer relevância jurídica à luz das circunstâncias específicas do caso em apreciação, em face da extinção da obrigação principal, por prescrição, revelando-se a mesma, neste enquadramento, absolutamente inócua para o objeto da presente apelação, tal como concluiu o Tribunal a quo em relação à eficácia interruptiva de um eventual reconhecimento do direito da autora por parte do FGA, com ampla citação de jurisprudência que julgamos elucidativa sobre a questão em referência.
Com efeito, tal como salientou de forma exaustiva a decisão apelada, em moldes que entendemos de sufragar inteiramente: «O Fundo de Garantia Automóvel garante, para além do mais que aqui não releva, a satisfação das indemnizações por danos corporais (como tal se considerando a lesão corporal que determine morte ou internamento hospital igual ou superior a sete dias, ou incapacidade temporária absoluta por período igual ou superior a 60 dias, ou incapacidade parcial permanente igual ou superior a 15%), decorrentes de acidentes rodoviários originados por veículo sujeito ao seguro obrigatório e que seja matriculado em Portugal, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz (cfr. artigos 48.º. n.º 1, al. a), e 49.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, ambos do DL n.º 291/2007, de 11 de Agosto), ficando sub-rogado nos direitos dos lesados, logo que satisfaça a indemnização que lhes é devida (cfr. artigo 54.º, n.º 1 do mesmo diploma).
Decorre deste regime que o FGA não é um devedor solidário, ou seja, não é responsável directo pelo pagamento da indemnização por danos resultantes da circulação de veículos automóveis, mas antes um obrigado subsidiário, ou seja, um mero garante da satisfação da indemnização, desde que verificados os pressupostos ali previstos.
Recorde-se que a sub-rogação se traduz na transmissão do crédito para o terceiro que se substituiu ao devedor no cumprimento da obrigação (cfr. artigos 589.º e ss. do CC), ao contrário do direito de regresso, que tem por fonte uma verdadeira solidariedade e que se traduz num novo crédito, que não se identifica com o extinto pelo pagamento (cfr. artigo 524.º do CC).
Em consonância com o que vimos expondo, afirma-se no ac. do STJ de 23.09.2008 que «o Fundo não é um devedor, mas, tão só, um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado. Responderá, consequentemente, em sede subsidiária e não como devedor principal ou directo – que é o violador da obrigação de segurar –, inexistindo entre este e o FGA uma relação de solidariedade passiva (própria)».
Esta posição de garante é corroborada pelo regime processual definido nos artigos 61.º e seguintes do citado DL n.º 291/2007, de 11 de Agosto, visto que, ao contrário do que sucederia numa situação de solidariedade própria, a acção destinada à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, é obrigatoriamente proposta contra o FGA e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade (cfr. artigo 62.º, n.º 1).
Assim se compreende que, uma vez extinta a obrigação de indemnização a cargo do devedor principal, seja por prescrição, seja por outra causa, se extinga igualmente a obrigação do FGA, pois a obrigação de garante deste está condicionada pela existência, verificação e quantificação da obrigação do responsável civil (ac. TRP de 30.04.2013, acima citado).
Como se afirma no primeiro dos acórdãos do STJ acima citados, «se o titular do direito à indemnização perdeu o direito de a exigir do responsável devedor, isto é, o direito de accionar a obrigação garantida, não se encontra fundamento para que ainda possa ser exercitado o direito consubstanciado pela obrigação de garantia. Com efeito, perante a subsidiariedade da obrigação de garantia, a responsabilidade do garante haverá de aferir-se pela existência e pela medida da obrigação garantida, de sorte que, extinta a obrigação do responsável civil, com ela se extingue a posição de seu garante encabeçada pelo FGA. Afloramentos do princípio estão patentes nas normas dos arts. 651º e 653º C. Civil, relativas à fiança, onde expressamente se prevê, como decorrência da natureza acessória da garantia, que a extinção da obrigação principal determina a sua extinção, bem como desoneração dos fiadores na medida em que não lhes for possível ficarem sub-rogados nos direitos do credor, por facto positivo ou negativo deste».
Numa outra perspectiva, mas igualmente em abono da tese que vimos expondo, escreve-se o seguinte no ac. do TRP de 12.02.2008, também anteriormente citado:
«Porque a obrigação de garantia visa a protecção do lesado – credor da obrigação de indemnização – não seria, razoável, atentos princípios práticos e atinentes ao senso comum e considerando as normas e princípios jurídicos aplicáveis e em parte supra referidas, que, negligenciada, por parte do lesado/credor, e por mais de cinco anos, a acção indemnizatória a que tem direito, ainda assim possa subsistir a obrigação de garantia, pela consideração conceitual de que as duas obrigações são autónomas.
Tal consideração, partindo de uma jurisprudência de conceitos, que está essencialmente ultrapassada, e na ausência de preceito legal expresso que acolha a solução da subsistência da obrigação de garantia, levaria à protecção do lesado, em situações em que, ele próprio, quiçá numa postura de pura inacção e desleixo, se havia desinteressado dessa protecção, deixando correr o prazo prescricional, por forma extinguir o seu crédito».
Certo é, como se adverte no mesmo aresto, que no interesse e para protecção do lesado, a lei confere ao seguro obrigatório/automóvel uma função de alcance social relevante.
Sendo assim, como ali também se afirma, «quando o lesado – para protecção do qual a lei se preocupou, impondo ao sujeito responsável a celebração obrigatória de um contrato de seguro – deixa prescrever o seu direito de crédito indemnizatório sobre o responsável, – aqui aquele que devia ter segurado, e não segurou – desinteressando-se dessa protecção, então, não se pode compreender e aceitar, que, ainda assim, esteja de pé a obrigação de o garantir».
Assim, conclui-se no mesmo acórdão que «[a] razão social da obrigatoriedade do seguro automóvel não permite exigir do Fundo – ou das Seguradoras – o suporte adicional de tal protecção, esgotada a exigibilidade da obrigação de indemnizar pelo lesado/credor, em benefício do qual, e só para benefício do qual, o seguro foi tornado obrigatório».
À luz das considerações jurídicas antes enunciadas, não pode deixar de se concluir, tal como fez a decisão recorrida, que a exceção de prescrição invocada pelo réu/recorrido BB é procedente e que a mesma aproveita a ambos os réus, porquanto o regime legal aplicável atribui ao direito de reembolso do FGA a natureza de uma sub-rogação legal, como tal com o conteúdo limitado pelo direito originário.
Com efeito, o artigo 593.º, n.º 1 do CC estabelece que o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.
Neste enquadramento, «o crédito transmite-se ao sub-rogado «com todas as suas qualidades e defeitos» (…), mantendo-se inalterado o regime aplicável ao crédito sub-rogado (…).
Por efeito da sub-rogação, o novo credor é investido na posição jurídica do credor originário, substituindo-o e adquirindo as faculdades que este tinha no contexto da relação creditória existente (…)»[xv].
Assim, «o FGA responde subsidiariamente e não como devedor principal ou direto, inexistindo entre o responsável civil e o FGA uma verdadeira relação de solidariedade passiva, ou seja, o FGA não é um verdadeiro devedor, mas um mero obrigado subsidiário, que se substitui ao devedor originário na falta de seguro obrigatório, ficando, após a satisfação do direito do lesado, colocado no lugar deste, como credor de pleno direito, devido à sub-rogação ocorrida»[xvi].
Deste modo, perante a subsidiariedade da obrigação de garantia, a responsabilidade do garante haverá de aferir-se pela existência e pela medida da obrigação garantida, de sorte que, extinta a obrigação do responsável civil, com ela se extingue a posição de seu garante encabeçada pelo FGA[xvii], sendo por isso irrelevante a eventual interrupção ou renúncia da prescrição relativamente apenas ao réu FGA.
Improcedem, assim, integralmente, as conclusões da apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - Mesmo nos casos em que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado do processo penal, a pendência deste processo interrompe sempre o decurso do prazo de prescrição do direito de indemnização, até ao termo do prazo em que nesse processo o lesado possa deduzir pedido de indemnização civil ou em que seja proferido despacho de arquivamento do processo, pelo que tal prazo começará a correr quando for proferida decisão final do inquérito criminal, seja tal decisão de arquivamento ou de acusação ou de pronúncia/não pronúncia, e após a sua notificação ao arguido e/ou ao ofendido/assistente, por aplicação do critério definido no artigo 306.º, n.º 1 do CC.
III - Sendo a exceção de prescrição invocada pelo réu/responsável civil procedente, a mesma aproveita ao FGA em consequência da extinção da obrigação principal, que se reflete na obrigação acessória e de garantia deste último.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Guimarães, 15 de dezembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)





[i] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 737.
[ii] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, p. 143.
[iii] Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1-  6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[iv] Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
[v] Relator: Filipe Caroço, p. 2685/15.4T8MTS.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[vi] Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
[vii] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 93.
[viii] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e actualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, p. 697.
[ix] Cf. Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 651-653, em anotação ao artigo 498.º do CC.
[x] Preceito que tem o seguinte teor: «O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias».
[xi] Segundo o qual «O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição».
[xii] Relator José Alberto Moreira Dias, p. 4077/17.1T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[xiii] Neste sentido, cf., os Acs. do STJ de 22-05-2018 (relator: Alexandre Reis), p. 2565/16.6T8PTM.E1. S2; de 13-10-2009 (relator: Salazar Casanova), p. 206/09.7YFLSB; de 31-01-2007 (relator: Sebastião Póvoas), p. 06A4620; de 22-01-2004 (relator: Ferreira de Almeida), p. 03B4084; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[xiv] Neste sentido, cf., entre muitos outros, os Acs. do TRL de 06-01-2022 (relator: Manuel Rodrigues), p. 4294.20.7T8SNT. L1-6; TRL de 16-06-2020 (relatora: Cristina Silva Maximiano), p. 1662/19.0T8PDL- L1-7; TRP de 15-06-2020 (relatora: Fernanda Almeida), p. 15132/18.0T8PRT.P1; TRG de 24-01-2019 (relatora: Fernanda Proença Fernandes), p. 10960/16.4T8PRT-A. G1; TRG de 28-06-2018 (relator: José Alberto Moreira Dias), p. 4077/17.1T8GMR.G1; TRG de 28-09-2017 (relatora: Alexandra Rolim Mendes), p. 1806/14.9T8BRG.G1; TRG de 10-11-2014 (relator: António Santos), p. 1525/12.0TJVNF.G1; TRC de 28-01-2014 (relatora: Sílvia Pires), p. 631/09.3TBPMS.C1; TRC de 09-01-2012 (relator: António Beça Pereira), p. 113/11.3TBTND-A.C1; TRL de 25-03-2010 (relator: José Eduardo Sapateiro), p. 1227/08.2TVLSB.L1-6; TRC de 15-09-2009 (relator: Jorge Arcanjo), p. 170/2001.C2; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[xv] Cf. Paulo Olavo Cunha, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Das Obrigações em Geral - Coord. José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2021 - p. 641.
[xvi] Cf. o Ac. TRP de 14-06-2016 (relatora: Maria Cecília Agante), p. 1400/14.4TBPNF.P1; disponível em www.dgsi.pt.
[xvii] Cf., por todos, o Ac. do STJ de 23-09-2008 (relator: Alves Velho), p. 08A1994; disponível em www.dgsi.pt.