IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONDIÇÕES DE SEGURANÇA
SINALIZAÇÃO
PREVENÇÃO DO PERIGO
QUEDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


I – Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
II – Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
III – Explorando o R. Banco um estabelecimento aberto ao público, é sua obrigação, o que decorre desde logo do DL 243/86, de 20 de Agosto que aprovou o Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços, assegurar que esse espaço reúne as condições de segurança necessárias a tal abertura, tendo, in casu, desde logo, incumprido as regras de higiene e segurança no trabalho ao nível da sinalização da pouca aderência do pavimento.
IV – Mesmo que se entenda que inexiste qualquer regra legal específica que impusesse ao R. Banco um determinado comportamento cuja omissão tenha causado o acidente, resultou demonstrada a violação de dever genérico de prevenção do perigo que sobre ele recaía por força da actividade desenvolvida e de que beneficia, traduzida no incumprimento de regras de conduta que lhe eram exigíveis observar.
V – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pelo dano biológico no montante de € 7.500,00, ao Autor que à data do acidente tinha 64 anos de idade e, em consequência de ter escorregado e caído no interior da agência do R. Banco 1..., devido ao facto do piso estar molhado face à intensa chuva que caía na altura e ao facto dos clientes terem de percorrer um trajecto pelo pavimento liso com o calçado húmido, a fim de irem colocar os guarda chuvas molhados no porta guarda chuvas, inexistindo qualquer sinalização de aviso de que o piso se podia encontrar mais escorregadio, nem estando o referido piso protegido com qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de protecção de circulação, queda essa que lhe provocou um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos, com sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas que implicam esforços suplementares;
VI – Considera-se justa e adequada a indemnização por danos morais no valor de € 6.000,00 fixada ao A. que, como consequência directa do acidente, sofreu lesões que lhe determinaram dores que ainda o acometem, sendo-lhe fixado um “quantum doloris” de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 7, bem como um dano estético permanente fixado no grau 1/7 e ainda a indemnização de € 2.500,00 pelo dano de afirmação pessoal (“dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional” e “pela repercussão nas atividades desportivas e de lazer” na nomenclatura utilizada pelo A.).

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., em B..., veio propor a presente acção[i] declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Banco 1... (Banco 1...), com sede na Praça ..., no ..., e O... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., com sede na Av. ... (...), Edifício ..., ..., Porto ..., pedindo a condenação solidária das RR., no pagamento da quantia global de € 34.426,42, que discrimina da seguinte forma: dano biológico, que quantifica em € 15.000,00; dano moral/quantum doloris, que quantifica em € 9.000,00; dano moral complementar resultante de incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional, que quantifica em € 5.000,00; repercussão temporária absoluta na atividade profissional por 60 dias, que quantifica em € 1.843,76; pela repercussão nas actividades desportivas e de lazer, que quantifica em € 2.500,00; e valor correspondente ao valor das despesas médicas, medicamentosas e deslocações em que já decorreu, que liquida em € 1.082,66; tudo sem prejuízo dos juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento e da indemnização por danos futuros a apurar em incidente de liquidação.
Para tanto, veio alegar, em suma, que (i) no dia 14/04/2016, cerca das 9h00, um dia muito chuvoso, deslocou-se à agência da 1ª R., sita na Rua ..., ..., em B..., a fim de ali realizar diversas operações bancárias; (ii) na entrada da dita agência estava colocado um tapete com tiras de perfis metálicos alternadas com sulcos de borracha e a cerca de 5 metros do tapete (junto do qual estavam as caixas de multibanco), estava o receptáculo para os guarda chuvas, onde o A. deixou o seu guarda chuva, posto o que aguardou a sua vez de ser atendido; (iii) depois de ser atendido ao balcão, o A. foi à caixa multibanco fazer várias operações, posto o que se encaminhou para o porta, a fim de recolher o seu guarda chuva, altura em que caiu desamparado no chão sobre o lado direito, o que aconteceu por o chão estar molhado, quer face à chuva intensa que caía, quer pela inaptidão do porta guarda chuvas para reter a água, estando em causa pavimento revestido de tijoleira cerâmica vidrada, recentemente colocada, sem qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação; (iv) apesar de ser visível a infiltração de água naquele local, a 1ª R. nada fez no sentido de diligenciar pela limpeza do piso ou, no mínimo, pela colocação de sinal que alertasse para o piso escorregadio, com o que afirma ter sido violado o dever geral de cuidado que sobre si impendia; (v) na sequência da queda, o A. foi conduzido ao Hospital ... pelo INEM, chamado pelo gerente, tendo sido mandado para casa por não se evidenciar existência de fratura, mas com indicação de repouso, tendo ficado de baixa médica por 12 dias, tendo feito massagens terapêuticas que implicaram, para o A., despesas; (vii) porquanto as dores não cediam e sentir dificuldades em elevar o braço, o A. deslocou-se ao Hospital ..., onde foi observado por ortopedista que o diagnosticou com ombro pseudoparalítico, sujeito a ressonância magnética, posto o que foi proposta a realização de cirurgia que, por não ter o A. meios para custear no privado, só em 04/01/2018 foi realizada; (viii) vindo a ter alta hospital em 05/01/2018, com necessidade de tratamento, imobilização do braço e plano de manutenção, razão pela qual esteve de baixa médica até 15/01/2018, que se prolongou até 12/02/2018; (ix) até à alta definitiva, em 06/07/2018, o A. sujeitou-se a fisioterapia, consultas e tratamentos, o que implicou para si despesas; (x) certo é que o A. apresenta dores, acentuada redução da mobilidade do ombro direito, que o limita para as actividades diárias, está impossibilitado de efectuar esforços, apresenta dificuldades na interação social e na afirmação pessoal, com períodos de embotamento afectivo, tudo relacionado com o sofrimento proporcionado pelos tratamentos prolongados e pelo longo período de incapacidade; (xi) o acidente limitou igualmente o A. na vida profissional, conseguindo desempenhar as suas funções mas à custa de esforço acrescido, tendo ficado com sequelas que discrimina; (xii) perspetiva, ainda, o A. a necessidade de cuidados de fisioterapia regulares e permanentes indefinidamente; (xiii) a 1ª R. transferiu a sua responsabilidade para a R. O..., através de seguro titulado pela apólice nº ...55.
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Citado, o Centro Distrital de ... do ISS, IP veio reclamar o reembolso da importância de € 764,55, que pagou ao A. a título de subsídio de doença nos períodos compreendidos entre 07/04/2016 e 18/04/2016 e 04/01/2018 e 12/02/2018.
Alega, para o efeito, (i) que o A., beneficiário do ISS, IP, esteve com incapacidade temporária para o exercício de atividade profissional nos sobreditos períodos, na sequência do acidente descrito nos autos; (ii) o ISS,IP suportou o pagamento da quantia global de € 764,55 a título de subsídio de doença ao A.; (iii) ademais a 1ª R. tinha transferido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros para a 2ª R., através da apólice ...55, pelo que são ambas as RR. responsáveis por reembolsar o ISS,IP das quantias despendidas, o que peticiona.
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Citada, a R. O... contestou a acção, dando conta de que o risco em sede de responsabilidade civil estava para si transferido pelo Banco 1... através dos termos do contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil, titulado pela apólice nº ...55.
Impugnando a dinâmica descrita pelo A., afirma que solicitou a entidade independente a averiguação do sinistro, tendo concluído que, apesar da chuva intensa que se fazia sentir no dia e hora dos autos, à entrada do estabelecimento existe um tapete de grandes dimensões, com lâminas de borracha e metal que visa absorver a água transportada no calçado dos clientes e que a cerca de 2,5 metros desse tapete, está um porta guarda chuvas (que afirma que não poderia ficar mais próximo da porta sob pena de ficar fora do perímetro do mesmo quando encerrado, e, bem assim, porque ficariam os guarda chuvas à mercê de quem os quisesse furtar).
De acordo com a R. seguradora, o A. terá saído do estabelecimento, onde regressou instantes depois para recuperar o guarda chuva e foi nessa altura que sofreu a queda.
Mais alega que o acidente se deu cerca de meia hora após a abertura ao público do estabelecimento e que o piso estava limpo e seco, por ter sido limpo antes da abertura, sendo absolutamente impossível ter no local em permanência uma equipa de limpeza.
De acordo com a R. O..., é usual colocar no pavimento um placard com o aviso de piso escorregadio, durante as operações de limpeza e imediatamente após estas, para que os clientes adoptem particulares cautelas, assinalando, porém (e apesar de nada dizer quanto à efectiva colocação do aviso, alegando, outrossim, que seria redundante), que o A. não tinha como desconhecer que estava a chover e que o piso estava molhado, logo escorregadio, pelo que lhe cabia adoptar as cautelas necessárias a evitar a queda.
Prossegue afirmando que nada de diferente poderia o R. Banco 1... ter feito, pois que ainda que lá colocasse em permanência uma empregada de limpeza, o chão não deixaria de estar escorregadio.
Não há, pois, culpa, nem nexo causal, sendo que, se é certo que nada podia o R. Banco 1... ter feito, mas já o A. teve a possibilidade de prever a possibilidade de escorregar e cair e de actuar em conformidade com tal possibilidade.
Pugna, pois, pela improcedência da acção.
Sob a Ref.ª ...03, veio a mesma R. impugnar a factualidade na base do pedido de reembolso formulado pelo CD de B... da SS, bem como a certidão por esta junta.
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Também o R. Banco 1..., apresentou contestação, aceitando o alegado pelo A. quanto à data e hora do acidente e, bem assim, aceitando ser a configuração do espaço a descrita nos artigos 5º a 9º da PI, impugnando, contudo, a dinâmica descrita.
Na verdade e de acordo com o R. Banco 1..., apesar do dia chuvoso inexistia infiltrações de água no interior da sucursal, cujo piso não estava molhado, menos ainda por uma hipotética inaptidão do porta guarda chuvas para suster a água dos guarda chuvas.
Prossegue, afirmando a desnecessidade de antiderrapante no pavimento do interior da sucursal, desde logo por força da existência do tapete na entrada que retém a água do exterior.
Reconhecendo que, nos dias mais chuvosos, a afluência às máquinas de multibanco e ao local do porta guarda chuvas origina alguma humidade, o R. alega ter dado instruções aos colaboradores para, em qualquer dia chuvoso, colocar a sinalização de aviso de que o piso pode estar mais escorregadio, o que sucedeu no dia em causa, pelo que nenhuma omissão houve por parte do banco R., sendo que foi o A. que, não atentando na sinalização, tão pouco usou do cuidado que se lhe impunha na marcha.
Porque entende que nenhum acto ilícito praticou (ainda que por omissão) para provocar os danos reclamados pelo A. e para a eventualidade da R. seguradora ser julgada parte ilegítima, requer, desde logo a intervenção principal provocada desta para acautelar um eventual direito de regresso.
Conclui, pugnando por que seja a acção julgada improcedente e seja a R. O... admitida a intervir acessoriamente, para acautelar o seu direito de regresso.
Sob a Ref.ª ...49, também este R. impugnou a factualidade na base do pedido de reembolso deduzido pelo CD de B... da SS.
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Por despacho com a Ref.ª ...33 foi consignado o entendimento da inexistência de fundamento para julgar a R. seguradora parte ilegítima, com o que saiu prejudicado o pedido de intervenção acessória provocada desta.
Foi igualmente admitido o pedido de reembolso formulado pelo CD de B... da SS.
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Foi dispensada audiência prévia e elaborado o despacho a que alude o art. 596º do CPC e proferido despacho saneador, no qual ficou afirmada a validade e regularidade da instância.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento da causa com respeito pelas formalidades legais.
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Foi, de seguida, proferida decisão, que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Condeno as rés Banco 1... e O... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., a pagar ao autor a quantia de €1.082,66 (mil e oitenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelas quantias suportadas com pagamento de consultas, tratamentos, exames médicos, medicamentos e deslocações;
b) Condeno as rés Banco 1... e O... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., a pagar ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia global de € 14.216,15 (catorze mil, duzentos e dezasseis euros e quinze cêntimos).
c) Sobre as quantias a que vem de aludir-se, incidem juros de mora, à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
d) Absolvo as rés do demais peticionado pelo autor; e
e) Condeno as rés Banco 1... e O... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., a pagar ao Centro Distrital de ... do ISS, IP a quantia global de € 764,55, a título de reembolso das quantias por este pagas a título de concessão provisória de subsídio de doença ao autor nos períodos de 07/04/2016 a 18/08/2016 e de 04/01/2018 a 12/02/2018.
Custas pelo autor e ré, na proporção do respetivo decaimento.
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Inconformado com essa sentença, apresentou o A. AA recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O presente recurso, cinge-se ao quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida a título de dano não patrimonial e à indemnização quanto ao dano futuro (aceitando-se o demais fixado, i.é. o pagamento de consultas, tratamentos e exames no montante de € 1.082,66 (dano patrimonial) e € 716,15 da repercussão temporária absoluta na atividade profissional).
2. No que respeita ao dano biológico, o Tribunal Recorrido não atendeu para o cálculo da indemnização, a todos os fatores legais relevantes, pois apenas considerou dois: (i) o défice funcional permanente de 3% [facto provado em aaa)]; (ii) os esforços suplementares de que carecerá para o exercício da sua atividade habitual profissional (com a nota de que adveio, entretanto, a reforma para o Autor).
3. Concluindo-se pela reparabilidade das consequências patrimoniais do dano biológico, o montante é fixado segundo juízos de equidade (artigo 566, n.º 3 CC) o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência donde não pode perder de vista a apreciação de diversos fatores como a esperança média de vida do lesado, a idade à data do sinistro, gravidade das lesões e sequelas físicas e psíquicas, modo de vida antes e depois do acidente.
4. Assim sendo, nesta perspetiva considera-se que a compensação a atribuir pelo dano biológico – que se posiciona como um dano permanente e interferindo em todos os aspetos da vida do lesado, seja no lazer, nas atividades domésticas diárias e também podendo ser o caso, no exercício da atividade profissional – se deve situar em valor acima ao arbitrado na sentença recorrida.
5. No que respeita ao Quantum doloris; dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática de atividade profissional (prejuízo de afirmação pessoal), devem ser valorizados os diversos componentes do mesmo, quer ao nível do sofrimento/dor no período de doença, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o
“dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação do lesado; a privação das satisfações e prazeres da vida, como sejam, a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas, lúdicas ou artísticas; o dano respeitante à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); a duração dos tratamentos; os danos irreversíveis na saúde e bem-estar do lesado.
6. Ponderando a matéria de facto provada a fixação do montante de € 8.500 a título de danos não patrimoniais, no segmento assinalado é sumário, tanto mais que não levou em consideração fatores que se reputam essenciais para a sua fixação.
7. Não atingindo uma “gravidade limite” tais danos foram causa direta e necessária do acidente e merecem, inevitavelmente, a tutela do direito.
8. E mais demonstram elevado sofrimento físico e psíquico, potenciado até pelo desprezo a que o Recorrente foi votado pelas Rés que recusaram a assunção da responsabilidade do sinistro, o que até agrava a sua culpa.
9. Assim, afigura-se mais ajustado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em quantia mais próxima da peticionada pelo Recorrente.
10. Quanto ao dano futuro, da matéria de facto provada resulta a necessidade de tratamentos médicos regulares de fisioterapia, dano que o Tribunal recorrido não valorizou, pelo que deve ser decidida a sua liquidação para execução de sentença, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, face ao facto de não ser possível, neste momento, a sua quantificação.
11. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 494.º, 496.º, 562.º todos do Código Civil
Termos em que, recebido o presente recurso e revogada a douta sentença substituindo-a por outra que acolha a pretensão do Recorrente se fará
JUSTIÇA
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Também inconformada com essa sentença, apresentou a R. A... – Companhia de Seguros, S.A.[ii] recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. A alínea o) do elenco dos factos provados comporta apenas considerações subjectivas e juízos de valor que não constituem “factos”, devendo ser eliminada.
2. A redacção da alínea m) do elenco dos factos provados deverá ser alterada, sugerindo-se a seguinte redacção: “m) O tapete que se encontra à entrada do local, apesar de absorvente, não era capaz de reter, nos dias de muita chuva, toda a humidade do calçado dos clientes nem toda a água dos guarda-chuvas”.
3. A redacção da alínea n) do elenco dos factos provados deverá ser alterada, dela se expurgando os elementos subjectivos e conclusivos que não constituem “factos”, sugerindo-se a seguinte redacção: “n) Era visível a existência de água e humidade no pavimento do interior da agência a que se alude em a).
4. Do depoimento do próprio autor produzido em audiência de julgamento, decorre a imposição de alteração dos pontos 10) e 14) do elenco dos factos dados como não provados, sendo entendimento da recorrente que o mesmo impõe que tais factos sejam dados como provados, ainda que com uma redacção restritiva.
5. Propõe-se a seguinte redacção para esses dois pontos:
10) Se os guarda-chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte a água escorre para o chão.
14) Quando efetuava a sua marcha, o autor não olhou para o chão e não atentou para a possibilidade de piso escorregadio.
6. Para fundamentar a decisão, transcreveram-se parcialmente na douta sentença dois Acórdãos, um do STJ de 22/05/2013 proferido no processo nº 3748/08...., e o outro deste Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 22/01/2003 no processo 1036/02-2.
7. Ambos os arestos citados na sentença se reportam a situações concretas muito diferentes das que são tratadas nos presentes autos, já que se reportam a acidentes ocorridos em grandes superfícies (um, com a quebra de uma garrafa de azeite, que se espalhou pelo chão e provocou a queda de uma utilizadora; outro, uma queda motivada pela existência de água que gotejava do tecto do estabelecimento, em consequência de uma infiltração pelo telhado).
8. A realidade de uma grande superfície ou de um centro comercial não pode comparar-se à realidade de uma agência bancária, desde logo, porque naqueles circulam diariamente milhares de pessoas que deambulam à procura de determinados bens que recolhem nas suas prateleiras ou nos pontos de venda e que transportam em carrinhos ou sacos ao longo de todo o percurso; enquanto numa agência bancária as pessoas (em muitíssimo menor quantidade) procuram apenas a obtenção dos serviços que estas proporcionam, sendo a sua postura mais ou menos estática.
9. Na situação concreta dos presentes autos, diversamente, ocorreu uma queda ocasionada pela existência de humidade ou água no pavimento, decorrente da chuva intensa que se fazia sentir naquele dia, transportada do exterior para o interior da agência pelos próprios clientes, nos seus sapatos, guarda-chuvas ou roupas, como de resto o próprio autor bem admitiu e explicou no seu depoimento.
10. Tal como foi comprovado pelo depoimento do próprio autor, a sólida convicção deste enquanto utente do estabelecimento do 1º réu não foi surpreendida por um acidente que escapou, de todo, pelo seu caráter insólito, a um critério de previsibilidade razoável.
11. Pelo contrário, o Autor foi confrontado com um pavimento molhado pelos guarda-chuvas dos vários utentes desse espaço, pois chovia muito nesse dia, sendo-lhe exigível que previsse a possibilidade de escorregar e cair, impondo-se-lhe que tomasse as devidas cautelas para prevenir tal evento, o que o autor confessadamente não fez, já que admitiu expressamente no seu depoimento que, quando se deslocou do multibanco para recolher o seu guarda-chuva, não olhou para o chão e não atentou para a possibilidade de piso escorregadio.
12. Sendo evidente para qualquer pessoa – nomeadamente para o autor – que o piso da agência se encontrava molhado e escorregadio em virtude da chuva forte que caía nesse dia, cuja água era transportada pelos próprios clientes nos seus sapatos, guarda-chuvas ou roupa, a existência ou não existência de um placard a avisar para o piso escorregadio não teria a virtualidade de impedir o acidente;
13. Chovendo muito nesse dia e atento o transporte da água para o interior da agência pelos próprios clientes nos termos referidos, seria impossível ao réu assegurar a limpeza e secagem do piso, ainda que tivesse um piquete de limpeza em serviço permanente – seria o mesmo que tentar impedir uma onda do mar de cair sobre a areia (“how do you keep a wave upon the sand?”).
14. A relação de causalidade decorre das leis naturais, e o que se extrai das leis naturais é que um ser humano a caminhar num pavimento exposto à água que escorre, além do seu próprio, dos guarda-chuvas de que são portadores dezenas de outros indivíduos que frequentam simultaneamente o mesmo espaço, pisa solo molhado, sendo impossível andar a enxaguar o piso onde cai a água a todo o instante à sua volta e sendo possível a ocorrência de uma queda.
15. O réu Banco 1... nada poderia fazer para evitar o sinistro, pelo que para além da inexistência do juízo de censura (culpa), também não se mostra possível estabelecer um nexo causal entre a sua omissão de diligência e o dano ocorrido.
16. As obrigações que impendem sobre o réu Banco 1..., enquanto titular de um estabelecimento bancário a retalho, não precludem nem afastam a auto-responsabilidade dos clientes que o frequentam, no sentido de que estes, enquanto cidadãos responsáveis e medianamente cautelosos, devem adoptar uma conduta prudente atendendo às circunstâncias que se lhes deparam – nomeadamente, estando o piso escorregadio, olhar para o chão quando se movimentam, coisa que o autor confessadamente não fez.
17. Pelas razões supra expostas, não devem os réus ser responsabilizados pelo pagamento da quantia em que foram condenados ao Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social.
18. Foram violadas as disposições legais dos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil.
Termos em que deve a douta sentença ser revogada, com as legais consequências, com o que se fará a melhor JUSTIÇA.
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Igualmente inconformado com essa sentença, apresentou o R. Banco 1... (Banco 1...) recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O Recorrente entende que alguns dos factos julgados como provados devem ser dados como não provados ou corrigidos na sua formulação, devendo ainda alguns dos factos dados como não provados ser dados como provados, tudo em ponderação dos subsídios probatórios produzidos, com especial enfoque na prova testemunhal.
2. Os factos provados sob a alínea h), quanto ao trecho “escorregou”, e alínea i) deverão ser julgados como não provados, quer em face do declarado pelo Autor nas suas declarações de parte, designadamente as passagens entre os minutos 21:32 a 21:47, 22:31 a 22:45 e 22:51 a 22:56, do depoimento gravado no sistema do Tribunal no dia 4 de novembro de 2021, entre as 14:13:40 e as 14:45:17, quer em face do valor probatório que deverá ser atribuído às declarações de parte quando desacompanhadas de qualquer outro meio de prova que as suporte, quer as regras do ónus da prova, designadamente no que se refere à prova do nexo causal – onde é inaplicável a presunção de culpa.
3. O facto provado sob a alínea l) da sentença recorrida deverá ser julgado como não provado, quer por inexistir qualquer meio de prova que suporte a conclusão de que o piso não estava protegido com qualquer fita antiderrapante – e tal facto foi alegado pelo Autor na sua petição inicial –, quer porque a inexistência de qualquer sistema de proteção de circulação encontra-se em contradição com o facto julgado como provado sob a alínea c).
4. O facto provado sob a alínea m) deverá ser julgado como não provado, quer por se encontrar em contradição com o facto provado sob a alínea c) – quanto às características/qualidades do tapete instalado na sucursal –, quer porque tal facto é meramente conclusivo contendo evidência sem relevância, crê-se, para o desfecho da presente ação porquanto nenhum tapete, seja ele qual for, é apto a evitar quedas em local que dista a sensivelmente 5 metros do mesmo.
5. Os factos provados sob as alíneas n) e o) – para além do facto da matéria de facto julgada como provada sob a alínea o) ser na verdade matéria conclusiva e não um verdadeiro facto – deverão ser julgados como não provados, designadamente por força da prova testemunhal produzida nestes autos, concretamente os depoimentos prestados no dia 4 de novembro de 2021 pelas testemunhas BB (depoimento gravado entre as 14:45:59 e as 15:29:03, passagens entre os minutos 02:32 a 03:28, 13:36 a 14:05, 20:06 a 21:08, 22:02 a 22:54, 25:06 a 27:11 e 39:45 a 40:12), CC (depoimento gravado entre as 15:31:10 e as 15:51:40, passagens entre os minutos 08:55 a 10:41, 10:44 a 11:34 e 16:04 a 18:00) e DD (depoimento gravado entre as 15:58:57 e as 16:19:51, passagens entre os minutos 07:00 a 08:30, 17:46 a 18:22 e 19:09 a 19:36), bem como em virtude da valoração probatória que deverá ser atribuída às declarações de parte do Autor e devido às diversas premissas, salvo o devido respeito, menos acertadas de que parte a sentença recorrida na sua motivação.
6. A impugnação dos factos dados como provados acima efetuada, designadamente dos factos julgados como provados sob as alíneas h), i), l). m), n) e o) impõe, logicamente e por serem factos contrários, que sejam julgados como provados os factos não provados constantes dos pontos 11 a 14 da sentença recorrida.
7. O facto não provado constante do ponto 9 deverá ser julgado como provado atento ao declarado pela testemunha CC, em 4 de novembro de 2021, no depoimento gravado no sistema do Tribunal entre as 15:31:10 e as 15:51:40, designadamente a passagem entre os minutos 06:42 e 07:01.
8. A presunção de culpa não se confunde com o nexo de causalidade, cabendo ao Autor a prova de que a ação ou omissão do Banco foi causa – atento o princípio da causalidade adequada – dos danos que sofreu com a queda.
9. O Banco não estava legalmente obrigado a praticar qualquer ato que não tenha praticado por forma a cumprir os deveres de prevenção do perigo a que se encontra adstrito.
10. A existência, ou não, de sinalização de perigo escorregadio é facto com relevância diminuta para a aferição do cumprimento dos deveres de cuidado quando se mostra evidente para qualquer cidadão médio que o piso se encontra escorregadio – como ocorre em dia muito chuvoso –; a tal propósito, em situação similar, veja-se o decidido no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11-01-2018.
11. A presunção de culpa prevista no artigo 493º do Código Civil não pode ser entendida de molde a transformar a responsabilidade subjetiva que impende sobre quem detiver a coisa à sua guarda em responsabilidade objetiva ou pelo risco.
12. O disposto no artigo 570º do Código Civil é aplicável à situação dos autos porquanto o Autor, ao não adotar qualquer comportamento de maior cuidado ao caminhar em piso evidentemente mais escorregadio (em face do dia de chuva em questão), pelo menos concorreu para a produção dos danos; a tal propósito, em situação similar à dos autos, atente-se ao decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-05-2018.
13. Na sentença recorrida foi efetuada menos feliz interpretação dos factos e menos acertada aplicação da Lei, designadamente, dos artigos 342º, 486º, 487º, 493º, 563º e 570º do Código Civil.
Pelo exposto,
Na procedência das conclusões do recurso do Recorrente, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que absolva o Recorrente do pedido, com todas as legais consequências, assim se fazendo
J U S T I Ç A.
*

O R. Banco 1... (Banco 1...) apresentou resposta às alegações de recurso do recorrente A. AA, nas quais pugna, sem prejuízo da alteração do decidido na sentença recorrida nos termos pugnados nas alegações apresentadas pelo Banco e pela Co-Ré Seguradora, pela improcedência do recurso.
*

A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:

O A. AA:
A. - se reaprecie a questão do montante indemnizatório arbitrado ao A. a título de danos não patrimoniais e futuros

A R. A... – Companhia de Seguros, S.A.:
I. - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em o), m) e n), devendo o primeiro ser eliminado e alterada a redacção dos restantes dois, bem como nos factos dados como não provados em 10) e 14), que devem ser dados como provados, ainda que com uma redacção restritiva (conclusões 1. a 5.);

II. - se reaprecie a decisão de mérito da acção (conclusões 6. e ss.).
O R. Banco 1... (Banco 1...):
1. - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em h), i), l), m), n) e o), que devem ser dados como não provados, bem como nos factos dados como não provados em 9) e de 11) a 14), que devem ser dados como provados (conclusões 1. a 7.);
2. - se reaprecie a decisão de mérito da acção (conclusões 8. e ss.).
*

3 – OS FACTOS

A) FACTOS PROVADOS

a) No dia 4 de abril de 2016, cerca das 9:00 horas, o Autor deslocou-se à agência/sucursal da 1.ª Ré, sita na Rua ..., ..., em B... a fim de ali proceder a várias operações bancárias.
b) O dia estava muito chuvoso.
c) À data, a agência bancária tinha colocado à entrada, e já no seu interior, um tapete de grande dimensão, com tiras de perfis metálicos alternados com sulcos de material não concretamente apurado destinado, além do mais, a reter a água que os clientes pudessem trazer do exterior.
d) Sensivelmente a 5 metros mais à frente desse local existia um recetáculo amovível de suporte para os guarda – chuvas, colocado do lado esquerdo no sentido de quem entra.
e) Entre a entrada e o local que se referencia com o referido recetáculo de guarda chuvas, e do lado direito, situavam-se as caixas de multibanco.
f) Os balcões dessa agência estavam situados para lá da localização do recetáculo dos guarda chuvas e das caixas de multibanco.
g) No dia referido em a), o Autor entrou na agência, colocou o guarda-chuva que trazia consigo no suporte, aguardou pela sua vez para ser atendido ao balcão, o que demorou número não concretamente apurado de minutos, fazendo-o junto à ilha de atendimento central (nas imediações do recetáculo de guarda chuvas).
h) Antes de sair da agência, encaminhou-se para as caixas de multibanco, onde realizou operações bancárias, sendo que, antes de sair, ao encaminhar-se para ir buscar o guarda-chuva, o Autor escorregou e caiu desamparado sobre o lado direito.
i) O que aconteceu devido ao facto de o piso estar molhado face à intensa chuva que caía e ao facto de os clientes terem de percorrer um trajeto pelo pavimento liso, com o calçado húmido, a fim de ir colocar os guarda chuvas molhados no porta guarda chuvas.
j) Havia, pois, água no piso provinda, essencialmente, dos vários guarda-chuvas que ali estavam colocados e que para ali foram levados.
k) O piso onde ocorreu a queda referida em h) era de tijoleira lisa, que tinha sido colocada no decurso das obras que recentemente (em 2015) tinham sido efetuadas na agência.
l) O referido piso não estava protegido com qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação.
m) O tapete que se encontra à entrada do local, apesar de absorvente, não era capaz de reter toda a humidade do calçado dos clientes e, principalmente, não impedia que a água dos guarda chuvas caísse para o piso fora da sua localização, tão pouco capaz de prevenir quedas em locais que distam em mais de 5 metros do local onde o mesmo se encontra.
n) Era visível a existência de água e humidade no pavimento do interior da agência a que se alude em a) e, não obstante, tal facto não suscitou por parte dos funcionários do banco réu, o cuidado de proceder ou mandar proceder à respetiva limpeza, por forma a manter o piso seco e seguro, ou, sequer de ali colocar qualquer sinal que alertasse para o perigo do piso estar escorregadio, como impunham as regras de higiene e segurança no trabalho então e agora vigentes e como o próprio piso de tijoleira, exigia, por ter pouca aderência quando húmido ou molhado.
o) A 1.ª Ré, única entidade em condições de proteger os utentes de lesões produzidas pelas condições físicas do espaço e a tal obrigada, omitiu este ato de, pelo menos, assinalar o perigo com vista a proteger os utentes do risco que o carácter escorregadio do piso potenciava.
p) Na referida agência, circulam muitas pessoas por dia.
q) Mercê da queda, o Autor foi transportado em ambulância do INEM chamada por colaborador do Banco que deu instruções para conduzir o Autor para o Hospital ..., tendo igualmente sido feita alusão à existência de seguro de responsabilidade civil, informação essa que foi transmitida na admissão no Hospital – cfr. fls. 13 v. e fls. 14 f..
r) Após ter sido consultado, radiografado e medicado, não havendo indícios de fratura, foi o Autor mandado para casa com indicação de repouso.
s) Em face de estado incapacitante para a sua atividade profissional, foi atestada a incapacidade temporária do Autor para o trabalho, num período inicial de 12 dias - 07.04.2016 a 18.04.2016 - apenas se autorizando a saída do domicílio para consulta e reabilitação – cfr. fls. 14 v..
t) Para a reabilitação efetuou o Autor seis sessões de massagens terapêuticas, conforme se atesta do documento que se junta, tendo pago a quantia de 60 euros – cfr. fls. 15 f..
u) Em 27 de maio de 2016, porque as dores não desapareciam e as dificuldades em levantar o braço eram maiores, recorreu ao Hospital ..., onde é observado por ortopedia que identificou ombro pseudoparalitico em doente com dor e limitação funcional marcadas – cfr. fls. 15 v.-16 f..
v) Foi estudado por ressonância magnética ao ombro direito por provável rotura maciça da coifa dos rotadores – cfr. fls. 15 v. e 16 f..
w) Em face do que foi proposta cirurgia, tendo sido emitida, a 10 de agosto de 2016, declaração médica onde se lê: “RX – sem sinais aparentes de fractura-luxação.
RM – sub-luxação posterior da cabeça do úmero … derrame articular exuberante associado a heterogeneidade do labrum antero-inferior e sugestivos de rotura do ligamento gleno-umeral médio e superior.
Rotura completa do supra-espinhoso e infra-espinhoso com atrofia e infiltração adiposa G II.
Existe nexo de causalidade entre a queda com traumatismo do ombro direito em 4/4/2016 e o quadro clínico apresentado.
O paciente necessita de cirurgia (que idealmente não deverá ter um período de espera grande e deverá ser realizada com rapidez/urgência) e posteriormente à cirurgia necessitará de realizar fisioterapia.” – cfr. fls. 16 v.
x) Não tendo possibilidades de custear uma cirurgia em Hospital ..., foi para lista de espera no Hospital ..., aguardando mais de um ano pela cirurgia, que só se viria a realizar em 2018.
y) Durante todo o ano de 2017 o Autor submeteu-se a várias consultas e exames no Hospital ...:
i) no dia 24 de janeiro de 2017 realizou a primeira consulta, para o que pagou € 7,00 – cfr. fls. 17 f.;
ii) No dia 11 de agosto de 2017 realizou consulta subsequente, para o que pagou € 7,00 – cfr. fls. 17 v.;
iii) No dia 22 de agosto de 2017 realizou exame ecografia simples de 12 derivações, para o que pagou € 1,40 – cfr. fls. 18 f.;
iv) No mesmo dia 22 de agosto e no dia 24 seguinte, realizou exames ao sangue, rx e consulta médica, para o que pagou € 13,25 – cfr. fls. 18 v..
v) Em 9 de setembro de 2017 efetuou nova consulta de ortopedia, esta já no Hospital ..., para o que pagou € 45 – cfr. fls. 19 f..
vi) Em 4 de janeiro de 2018 o Autor foi admitido no Hospital ... para tratamento cirúrgico de rotura da coifa do ombro direito que decorreu sem intercorrências, tendo tido alta para o domicílio no dia seguinte, constando do relatório de alta o seguinte: “05-01-2018 Operado a 4/01: artroscopia do ombro direito. Verificada rotura massiva do SE com retacção a glenoide sem excursão suficiente para reparação, subescap com rotura parcial intersticial.
Realizada tenotomia da LPB + acromioplastia + reconstrução capsular superior com Tutopatch com 2 ancoras a glenoide 2,8 + 2 helicoilna footprint + 2 ancoras multiflix laterais”.
Do mesmo documento fez-se constar os seguintes cuidados especiais: “Deve executar penso duas vezes por semana retirando pontos ao 15.º dia de pós-operatório.
Deve manter suspensor braquial, retirando o braço do imobilizador várias vezes ao dia mobilizando o cotovelo.”
E ainda como Plano de Continuidade de Cuidados Pós-Alta “deve manter o plano de reabilitação conforme indicação MFR (…) Medicação conforme prescrição anexa (…). – cfr. fls. Fls. 19 v. – 21 f..
z) Em face do estado incapacitante para a sua atividade profissional, foi atestada a incapacidade temporária do Autor para o trabalho, num período inicial de 12 dias, de 04-01-2018 a 15.01.2018 – cfr. fls. 21 v..
aa) E seguidamente por mais um período de 28 dias, de 16-01-2018 a 12-02-2018 – cfr. fls. 22 f..
ab) De 9 de janeiro a 6 de março de 2018, o Autor efetuou o plano de reabilitação conforme a indicação da especialidade da medicina física e de reabilitação no Hospital ... (60 sessões de vários tratamentos) para o que pagou € 177 euros – cfr. fls. 27-30.
ac) E no Centro Médico de Reabilitação realizou ainda consultas e tratamentos de fisioterapia, para o que pagou € 84,50 – cfr. fls. 31 f.
ad) Em 6 de julho de 2018 realizou consulta médica onde lhe é dada alta definitiva, sendo esta data considerada da consolidação das lesões, tendo pago pela consulta € 7. Cfr. fls. 31 v., 32 f. e relatório pericial de fls. 169-173.
ae) Ainda efetuou mais duas consultas da especialidade de ortopedia no Hospital ... em 2 e 15 de outubro de 2018, para o que pagou um total de 80 euros. – cfr. fls. 32 v. e 33 f..
af) No dia 5 de outubro de 2018, em face da alta definitiva o médico responsável emite relatório clínico onde se lê: “(…) RM – rotura massiva da coifa dos rotadores; laceração do labrum antero-inferior. Foi operado em Janeiro/2018 e no pós-op realizou fisioterapia. Na ultima avaliação em 06-07-2018 tinha dor raramente e referia SSV 85% (45% no pré-op).
Ao EO tinha ROM-160EAA/145Abd/rot interna L1; 20º RE 1.
Teve Alta com a recomendação de realizar Reabilitação Física Regularmente.” – cfr. fls. 33 v.
ag) De acordo com o relatório de avaliação de dano junto pelo autor e baseado em exame realizado em 15 de outubro de 2018, este apresenta dorsalgia associada à mobilização da coluna dorsal, ao ortostatismo prolongado em algumas situações como viagens longas.
ah) Apresenta acentuada redução da mobilidade do ombro direito o que o limita para as atividades diárias e a completa impossibilidade de efetuar esforços.
ai) Apresenta dificuldades na interação social e na afirmação pessoal com períodos de embotamento afetivo.
aj) O sofrimento proporcionado pelos tratamentos prolongados e pelo longo período de incapacidade condiciona um humor depressivo que dificulta a interação familiar.
ak) Tem dor à imobilização do ombro EVA2 2 em repouso e EVA 6 com esforços e dorsalgia moderada.
al) Para os atos da vida diária, não consegue transportar um saco de compras nem colocar o que quer que seja em cima de um móvel que lhe exija o levantamento do braço acima do nível dos ombros.
am) E tem dificuldades em executar tarefas domésticas, tais como mudar uma simples lâmpada, e de autocuidado, mesmo que simples.
an) Na vida profissional tem dificuldade na execução de algumas tarefas, necessitando de esforços adicionais para as cumprir.
ao) O Autor, atualmente reformado, exerceu as suas funções no Clube ..., sendo responsável pelo bar, assumindo igualmente funções administrativas.
ap) Enquanto no ativo, tinha de servir bebidas ao balcão e mesas, carregar caixas, lavar loiça, armazenar mercadoria, tarefas que fazia com muita dificuldade.
aq) Como lesões ou sequelas do acidente apresentava em 15 de outubro de 2018:
Membro superior direito:
- Mobilidade do obro direito limitada EA 130, RI L1, RE20, Abd 120
- Redução da força do membro superior direito
- 5 cicatrizes com cerca de 1 cm cada em torno do ombro direito
ar) Ainda de acordo com o referido relatório, o défice Funcional Temporário Total é fixável em 30 dias; o Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 793; a Repercussão Temporária Absoluta nas Atividades Profissionais é fixável em 60 dias; a Repercussão Temporária Parcial nas Atividades Profissionais é fixável em 763 dias; o quantum doloris da escala de Thierry é fixável em 4/7; a Afetação Permanente da Integridade Físico Psíquica é fixável em 12 pontos; a Repercussão nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável em 1/5; e há necessidade de cuidados de fisioterapia regulares indefinidamente. – cfr. fls. 34-37 f.
as) Com efeito, no que respeita à repercussão na sua atividade profissional a situação do Autor é compatível com o exercício da sua atividade profissional, mas com necessidade de esforços acrescidos.
at) O Autor era uma pessoa alegre, ativa, saudável, robusta e apta para qualquer trabalho, e com uma boa relação com todos os que o rodeavam.
au) Tinha ao tempo do acidente 64 anos de idade. – cfr. fls. 53.
av) Tornou-se um homem mais deprimido e a simples lembrança do que passou por causa do acidente ainda hoje causa estados de ansiedade.
aw) Suportou dores, quer no momento do acidente quer posteriormente durante os tratamentos e convalescença, sendo que algumas dores se perpetuarão atendendo à lesão.
ax) O Autor, à data do acidente, trabalhava no Clube ..., como técnico Administrativo, auferindo o salário bruto (com adicionais) de € 921,88 mensais, a que correspondia o valor líquido de € 740,65. – cfr. fls. 37 v.
ay) De acordo com o exame pericial determinado pelo Tribunal e realizado em 11/12/2020, à data o autor apresentava no membro superior direito: “aparente atrofia ligeira do deltóide direito; 4 cicatrizes ligeiramente hipocrómicas, medindo cerca de 1 cm de maior dimensão nas faces anterior, lateral e posterior do ombro, indolores à palpação. Dor referida à palpação da face anterior do ombro.
Sem limitação da abdução, com queixas álgicas acima dos 90º. Limitação álgica da antepulsão a 115º (contralateral a 130º), com dificuldade para manter a elevação do membro. Leva a mão direita à nuca, ao ombro contralateral e à região lombar (contralateral à transição dorso-lombar). Sem limitação das rotações. Perímetro do braço de 31 cm (32 cm à esquerda).
az) De acordo com o Senhor Perito “os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante; existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante; o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática; o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo.
aaa) Mais conclui o Senhor Perito: “- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 06/07/2018; - Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 2 dias; - Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 822 dias; - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo
assim fixável num período total de 116 dias; - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial sendo assim fixável num período total de 708 dias; - Quantum doloris fixável no grau 3/7; - Défice Funcionar Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos; - As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares; - Dano
Estético Permanente fixável em 1/7; (…) Tratamentos médicos regulares. Neste caso tratamentos
de fisioterapia (…).” – cfr. fls. 169-173.
aab) O autor é beneficiário do ISS, IP através do Centro Distrital de ... do Instituto de Segurança Social, inscrito sob o n.º ...87.
aac) No período temporal a que se alude em s), a SS, que concede prestações de doença provisoriamente, e enquanto não se reconhecer a eventual responsabilidade de terceiro por aquelas indemnizações, aos beneficiários em situação de incapacidade para o trabalho decorrente de acidente de trabalho ou da responsabilidade de terceiro, pagou ao autor, a título de subsídio de doença, a importância de € 139,05. (fls. 46 v.)
aad) Já nos períodos a que se alude em z) e aa), o ISS, IP pagou ao mesmo título ao autor a quantia de € 625,50. (cfr. fls. 46 v.)
aaf) À data enunciada em a) a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros clientes do banco réu encontrava-se transferida para a ré seguradora por força do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...55. (cfr. fls. 61 a 69 f.)
aag) O porta guarda-chuvas tinha o formato de um «caixote» fechado por todos os lados, menos pelo superior, pelo qual eram introduzidos os guarda chuvas.
aah) A zona mais próxima da porta de entrada fica fora do perímetro do estabelecimento quando este encerra com as portas de vidro, sendo que a zona entre a porta de entrada e as portas de vidro é a área onde estão colocadas as caixas multibanco. (cfr. fls. 69 f. a 71 v.)
aai) O estabelecimento do banco réu é limpo regularmente.
aaj) Porque a zona das máquinas de multibanco e do porta guarda chuvas tem abundante afluência, o que naturalmente origina alguma humidade no piso em dias mais chuvosos, o Banco deu instruções aos seus funcionários para, em qualquer dia chuvoso, colocar sinalização de aviso de que o piso se pode encontrar mais escorregadio.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

1) Que o tapete a que se alude em c) fosse de média dimensão e que tivesse, concretamente, na sua composição, borracha ou com sulcos de alcatifa/material têxtil.
2) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) o autor tenha aguardado concretamente cerca de 20 minutos para ser atendido e que tais factos tenham ocorrido em 14/04/2016;
3) Que o suporte de guarda chuvas a que se alude em d) fosse inapto para reter de modo eficaz a água e que, naturalmente, e face à intensidade com que caía, esta se infiltrasse naquela zona;
4) Que o pavimento a que se alude em k) fosse de cerâmica vidrada e que ali houvesse infiltrações;
5) Que no estabelecimento do banco réu circulem diariamente centenas de pessoas;
6) Que um colaborador do banco réu, após a queda, haja dito ao autor que a seguradora se responsabilizava pelo pagamento das despesas;
7) Que o porta guarda chuvas a que se alude em d) possua interiormente e na parte inferior, uma pequena caixa metálica também quadrada para recolher a água e que não possa ser colocado mais perto da porta de entrada;
8) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) o autor, depois de ser atendido, tenha abandonado o local esquecendo-se do guarda chuva e que tenha voltado a entrar instantaneamente para o recolher;
9) Que o estabelecimento do banco réu tenha sido limpo antes da abertura ao público;
10) Que apenas se os guarda chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte pode água escorrer para o chão.
11) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) o piso no interior da sucursal não se encontrasse molhado;
12) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) a sinalização de aviso de que o piso se poderia encontrar escorregadio tivesse sido colocada no local;
13) Que o banco réu tenha cumprido todas as regras de segurança e adotado todas as condutas adequadas a prevenir o risco de quedas; e
14) Que a queda do autor se tenha devido exclusivamente à desatenção deste quando efetuava a sua marcha, que sequer atentou na sinalização existente que alertava para a possibilidade de piso escorregadio.
C) A demais matéria contida nos articulados não releva para a decisão da causa, é conclusiva ou de direito, pelo que não foi aqui considerada.

D) MOTIVAÇÃO
No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos e dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
Com efeito, o Tribunal considerou os documentos juntos aos autos a fls. 13 f. (ficha de atualização de dados de utente), fls. 13 v. (declaração de presença do autor no Hospital ...), fls. 14 f. (pedido de informação do Hospital ...), certificados de incapacidade temporária para o trabalho de fls. 14 v. e 21 v. a 22 f., despesas médicas, de tratamentos, exames e transporte de fls. 15 f., 38 a 39 e 40 a 41, elementos clínicos de fls. 15 v. a 16 v., 19 v. a 21 f., 31 v a 33 v., 114-115, 118-120, 121, 122, 144 f. a 145 v., 153-154 e 158, relatório de avaliação de danos corporal apresentado pelo autor de fls. 34 a 37, recibo de vencimento de fls. 37 v., certidão de dívida da SS de fls. 46 v. e ofício de fls. 115, assento de nascimento do autor de fls. 53, condições particulares e gerais e apólice de fls. 61, 62 a 69 f. e 79 a 81, fotografias de fls. 69 v. a 71 f., relatório pericial preliminar de fls. 133 a 135 e relatório pericial final de fls. 169-173 e, bem assim, nas declarações de parte do autor, e no depoimento das testemunhas BB, CC e DD, todos colaboradores do réu Banco 1... e que estavam na dependência deste aquando dos factos em causa nestes autos, EE, mulher do autor e AA, filho do autor.
Vejamos, de forma resumida, o que disse em juízo cada uma destas pessoas.
O autor, num depoimento sereno, deu conta de que no dia 04/04/2016, cerca das 9h00, foi ao banco Banco 1..., na Rua ..., ..., assinalando que levava consigo o guarda chuva porque chovia, mais acrescentando tê-lo deixado no local apropriado para o efeito.
Descreveu que teve de aguardar a sua vez de ser atendido, posto o que foi junto das caixas multibanco e só depois foi recuperar o guarda chuva para ir embora, tendo, nessa altura, escorregado e caído sobre o lado direito.
Relatou que começou por querer levantar-se sozinho, mas depois começou a sentir-se mal e quando pediu que chamassem o INEM, constatou que os colaboradores do banco réu já o haviam feito, tendo sido transportado ao hospital onde o examinaram e sujeitaram a Raio X, posto o que foi mandado para casa com indicação para fazer repouso.
Porque não sentia melhoras – e tendo presente que um colaborador lhe dissera que o banco réu tinha seguradora – voltou ao balcão, onde foi encaminhado para a seguradora, na sequência do que foi visto por perito.
Como as dores não passassem, optou por ir ao Hospital ..., onde o médico prescreveu ressonância magnética, que a seguradora não assumiu, que acabou por fazer, tendo o médico informado que tinha de ser operado com urgência por ter sofrido rutura de ligamentos.
Como não podia adiantar o valor da cirurgia no particular, aguardou um ano pela cirurgia no SNS.
Fez fisioterapia durante muito tempo (que atualmente já não faz) e foi-lhe solicitado o pagamento da assistência de urgência no dia da queda, valor que, efetivamente, não pagou, por invocar a existência de seguro.
Quanto ao estado do piso, afirma que estava muito escorregadio (é muito liso e estava molhado), que o tapete não cobria todo o piso, acrescentando que entre o fim do tapete e o porta guarda chuvas seriam cerca de 5 metros de distância (distância que igualmente separa o referido recipiente das caixas multibanco), sendo que caiu quando saiu das caixas multibanco para ir recolher o guarda chuva, garantindo não ter feito qualquer gesto brusco ou apressado.
Do que se recorda, já depois de cair, uma senhora escorregou, mas, por ser jovem, conseguiu evitar a queda.
Questionado a respeito, afirmou que usava calçado de borracha, não usa dos de sola, e esperou junto à ilha central a sua vez de ser atendido e foi nas imediações da mesma ilha que caiu.
Continuando a frequentar aquela dependência, afirma que quando o piso está escorregadio, vê lá sempre, agora, o aviso amarelo, mas inexistia qualquer aviso à data em que sofreu o acidente.
Afirmando que esteve 2 ou 3 meses sem trabalhar, não pode precisar os dias concretos porque meteu férias, para faltar menos. De todo o modo, quando esteve de baixa foi-lhe pago subsídio de doença pela SS, não tendo presente o valor. Isto sucedeu em 2016 e em 2018 não tem ideia de ter recebido da SS mas admite que possa ter recebido sem que de tal se recorde.
BB, colaborador do banco réu há cerca de 21 anos, trabalha presentemente (e fazia-o à data), na Avenida ..., em B....
Em rigor, aquando da queda estava a trabalhar naquele balcão, mas não viu a queda, simplesmente apercebeu-se de alguma movimentação inusual e, quando se aproximou, viu o autor caído no chão.
A testemunha afirmou ter presente que estava em causa um dia chuvoso e afirmou que, presentemente, em dias como aquele, colocam o aviso amarelo de piso escorregadio, não tendo memória de o ver na agência no dia da queda.
Descreveu o tapete da entrada da agência, fala de um tapete de grandes dimensões que abarca a quase totalidade da entrada da agência e que ali estava desde a conclusão das obras de remodelação, que estima terem terminado cerca de um ano antes da queda em causa nestes autos.
Coincidentemente com o autor, descreve um tapete grande, com tiras intercaladas de alumínio e outro material (afirma que tipo alcatifa), afirmando que do fim do tapete até ao porta guarda chuvas dista cerca de 5 a 6 metros.
De acordo com esta testemunha esta queda foi a única de que teve conhecimento naquela agência.
Quanto à limpeza da agência, ocorre depois do fecho, ao fim do dia e geralmente são as senhoras da limpeza a colocar o aviso amarelo na entrada da dependência, embora reconheça que na formação de higiene e segurança no trabalho é frisada a necessidade de colocar o aviso amarelo em dias chuvosos, o que fazem, mas apenas quando têm disponibilidade (não param de atender para ir colocar o aviso).
A testemunha reconhece haver escorrência de água dos guarda chuvas em dias de chuva (até porque o caminho da entrada para o porta guarda chuvas se faz, pelo menos em 5 a 6 metros, pela tijoleira) mas isso nunca os fez chamar a equipa de limpeza, apesar de igualmente admitir que o piso, com gotículas, fica escorregadio.
CC, funcionário do banco réu há cerca de 30 anos, afirmou que trabalhava no balcão do Centro Comercial ... no dia da queda, tendo visto o senhor caído no chão junto ao recipiente para os guarda chuvas.
Afirma que trabalhava naquela agência havia três anos e que ali houvera obras entre 2015 e 2016, aludindo ao tapete metálico e têxtil da entrada, findo o qual é necessário percorrer 5 metros até ao porta guarda chuvas, usado pelos clientes que vão àquela sucursal.
No dia dos factos “chovia, chovia”, mas não estava lá equipa de limpeza, que só costuma proceder à limpeza no fim do dia, já depois do encerramento da agência.
Descreve o piso como mosaico com superfície lisa mas, não obstante, não tem memória de outra queda na agência.
Quanto aos factos, não está certo se foi o próprio ou um colega, quem chamou o INEM, mas está seguro de que foi alguém do balcão.
Referiu que têm dois avisos de piso amarelo e que o dia em questão teria sido um bom dia para estarem colocados na agência, até porque o chão estaria, no mínimo, húmido, sendo que isso que é assim agora, já o era então, mas a verdade é que não há propriamente um responsável pela colocação do placard: quando repararem que é necessário, quem reparar e estiver livre vai fazê-lo.
Quanto ao dia concreto, não tem ideia de ter visto lá o placard mas também não tem ideia de ter dado pela falta dele.
Explicou, também, que a água que ali entra é trazida pelas pessoas (e boa parte será absorvida pelo tapete) e que, tirando a limpeza ao fim do dia, só chamam a equipa de limpeza se houver verdadeiramente inundação na agência.
DD, também ela colaboradora do banco réu desde Outubro de 2007, trabalhava, igualmente, na agência dos ... no dia da queda, recordando-se de que o autor já tinha sido atendido (e viu-o ir na direção da saída, que é igualmente a zona das caixas multibanco) e voltou para trás para ir buscar o guarda chuva, sendo que depois o viu caído no chão a ser ajudado por alguém para que se levantasse, estaria perto da ilha de atendimento ou do porta guarda chuvas.
A testemunha recorda o autor como um senhor calmo e o comportamento que lhe viu no dia, antes de o ver caído, foi igualmente calmo.
Descreveu o espaço em termos semelhantes ao autor e aos colegas, afirmando que da porta ao porta guarda chuvas (e diz que o tapete terá cerca de 2 metros de lado), será uns 6 a 7 metros de distância.
O piso, afirma, é mosaico liso e, no dia, chovia, sendo que nos dias de chuva costumam pôr uns cones amarelos para alertar para piso escorregadio (consequência de normas de higiene e segurança no trabalho). Apesar de não ter memória visual de os ver lá, imagina que estivessem porque era suposto estarem lá e porque não tem memória de terem sido repreendidos por não terem colocado os cones. Certo é que não há uma pessoa concreta encarregue de os colocar.
No dia da queda, falou com o autor, que estava sentado no sofá, e que terá começado por recusar que fosse chamado o INEM, o que acabou por suceder, afirmando que tem ideia de que teria sido o colega, Sr. CC, a fazê-lo.
Afirma, igualmente, ter ouvido um colega dizer que havia seguro e tem presente que o autor participou o acidente, tanto mais que recebeu dele despesas, que encaminhava, mas desconhece o que mais aconteceu porque, poucos meses depois, saiu daquela agência.
Reconhecendo que o chão poderia ter pingos (não poças) de água, afirma não ter ficado com a ideia de que estivesse escorregadio, mesmo estando de saltos altos. Apesar de ser um balcão com muita afluência, todo o dia, não teve conhecimento de outra queda.
EE, mulher do autor, não assistiu à queda, limitando-se a depor quanto ao que percecionou no marido, que descreve como um homem calmo e cuidadoso que, depois da queda se tornou ansioso e impaciente.
A verdade é que os médicos vieram a diagnosticar uma rutura total dos ligamentos do ombro direito do marido, isto após ter sido inicialmente mandado para casa sem indicação de fratura, mas
com várias noites insones por causa das dores (o que o levou ao particular).
Afirma que o marido foi operado cerca de um ano ou um ano depois da queda, tendo ficado em casa cerca de um mês sem trabalhar, supondo que recebeu da SS. Certo é que não teve outros períodos de doença nos últimos anos, que não os relacionados com a queda.
O marido teve de fazer consultas e fisioterapia (que teve de pagar, face à recusa da seguradora), e que tudo ficou mais penoso para aquele (carregar pesos ou mudar uma lâmpada, por exemplo), que está psicologicamente afetado.
Afirma que o marido, que trabalhava no bar da ... e fazia serviços administrativos, sentiu-se limitado (sobretudo quanto ao trabalho no bar), o que o levou a reformar.
AA, filho do autor, apesar de maior, afirma que, por ter doença crónica, sempre dependeu dos pais para subsistir e o pai deixou de o ajudar, sendo que a mãe diz que está “muito chatinho”.
De forma mais vaga, falou da cirurgia do pai, algum tempo depois da queda, e que precisou de fisioterapia, dando conta da tristeza que sente ao ver que o pai, que sempre o ajudou, agora precisa de ser ajudado.
Tem ideia que após o acidente o pai esteve algum tempo sem trabalhar, como aconteceu após a intervenção cirúrgica, e supõe que recebeu subsídio de doença, embora não tenha perguntado.
Certo é que não lhe foi solicitada ajuda económica (embora adiante que não tinha condições para a prestar).
Dir-se-á que nenhuma das pessoas inquiridas presenciou a queda (apenas os colaboradores do banco réu viram o autor, ou caído, ou já depois de ser ajudado a levantar-se do chão), sendo que o autor descreve uma situação que os próprios colaboradores do banco réu corroboram, como seja um dia chuvoso e a necessidade de percorrer um pavimento liso (logo com menor aderência) e húmido da chuva (mais não seja, da humidade trazida pelo calçado dos clientes e pelos guarda chuvas que estavam necessariamente molhados e a escorrer água), a que se seguiu o escorregão e a queda.
O autor foi igualmente corroborado quanto à inexistência, no local, de avisos de piso escorregadio (e de notar que nenhum dos colaboradores tem memória de o ver no local, sendo que a alegada probabilidade de que ali estava porque deveria estar não é de molde a criar no Tribunal a convicção de que ali estaria o placard – e tal prova cabia ao réu – sobretudo se se atentar na circunstância de todos terem dito que a colocação é feita pelos colaboradores quando se apercebem de que as condições recomendam a colocação e, adicionalmente, tenham disponibilidade para o efeito, entenda-se, quando não estejam a atender clientes, sendo que todos confirmam que é um balcão com um fluxo continuado de clientes).
Afirme-se, ainda, que quanto ao espaço físico, tapete, dimensões, localização das máquinas de multibanco, do porta guarda chuvas, dos balcões e da zona onde o clientes aguardavam a vez de serem atendidos, em todos estes aspetos são convergentes os depoimentos das testemunhas com as declarações prestadas pelo autor, com exceção para o material do tapete, que, afirma o autor e a ré O..., é de borracha, sendo que testemunhas há, os funcionários do banco réu, que falam em material têxtil (BB referiu mesmo que talvez fosse alcatifa), o que determinou que se desse como provado que o tapete tem, a alternar com os perfis de alumínio, material não concretamente apurado, dando-se, pois, por não provado que fosse de borracha ou de material têxtil.
No que respeita à factualidade vertida em a) e b), dir-se-á que foi a mesma admitida por acordo das partes (cfr. artigo 3º da contestação da ré seguradora e 4º da contestação do banco réu), mas, ainda que assim não fosse, a verdade é que da tomada de declarações ao autor e da tomada de depoimento às testemunhas BB, CC e DD, tal matéria resulta absolutamente corroborada, sendo, aliás, que as fotografias de fls. 69 v. a 71 f., que as testemunhas supra identificadas (recorda-se, colaboradoras do banco réu) confirmam ser da agência onde o autor afirma ter sofrido a queda, foram juntas pela ré seguradora, que não deixa de aludir à data e hora dos autos, pelo que, apesar da impugnação genérica do artigo 2º da sua contestação, aceita a data e hora, juntando elementos documentais do espaço a que alude o autor.
As mesmas fotografias, declarações de parte e depoimentos, levam o tribunal a dar por provado o vertido em c), d), e), f), h), i), j), k), l), m), p), q), aac), aai) e aaj), assinalando-se que, particularmente, o depoimento de DD permite, de facto, corroborar a versão dada pelo autor em juízo, quando conjugada com as fotografias juntas pela seguradora ré, que tornaram despicienda a inspeção judicial ao local, já que possibilitaram ao Tribunal percecionar o espaço e rever a trajetória do autor, mais permitindo perceber a inevitabilidade de, alguém que trouxesse um guarda chuva molhado do exterior deixar um rasto de água (mais não seja gotículas) desde o fim do tapete até ao porta guarda chuva).
Mais se diga que os colaboradores do banco réu, à imagem do autor, foram claros a dar conta de que este era cliente habitual do balcão (descrevendo-o, particularmente DD, como um senhor cuidadoso e calmo), que aquela agência tivera obras em 2015, deram igualmente conta da inexistência de qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação.
No que concerne à factualidade vertida em n) e o), temos, por um lado, as declarações do autor, que categoricamente afirma que não estava colocado no pavimento o aviso de piso escorregadio, e o depoimento dos colaboradores do banco réu que afirmam não ter memória visual de estar colocado o aviso, mas que tão pouco se recordam de “dar por falta” do aviso, o que não é suficiente para criar a convicção no Tribunal de que estivesse o sinal colocado na agência, sobretudo se se atentar na hora dos factos, pouco depois da hora de abertura, com muita gente (note-se que quer o autor quer os colaboradores falam da espera de clientes) e num balcão onde, apesar das instruções quanto à colocação do aviso, não há uma pessoa responsável e a verdade é que o sinal é colocado pela primeira pessoa que venha a ter oportunidade (leia-se, quando não houver clientes para atender).
O Tribunal atendeu particularmente à documentação a que alude respeito dos concretos pontos da factualidade, assim sucedendo, concretamente, quanto aos pontos s), t), u), v), w), y) – (i) a (vi) –, z), aa), ab), ac), ad), ae), af), ag), ah), ai), aj), ak), al), am), na), ao), ap), aq), ar), as), au), ax), ay), az), aaa), aac), aad) e aaf), que resultam fundamentalmente da documentação a que ali se alude e que, de resto, foi corroborada pela demais prova.
No caso concreto dos períodos de incapacidade para o trabalho por doença e do correspondente subsídio de doença, além de ser compatível com as declarações do autor (que explicou que a baixa foi menos prolongada porque usou férias) e da sua mulher, é ainda o expectável à luz das regras da experiência comum: após uma queda como a sofrida ou após uma cirurgia, que haja períodos de imobilização. Ademais, é evidente a sobreposição dos períodos de incapacidade e de pagamento do subsídio de doença.
Quanto à factualidade vertida em x), r), at), av) e w), o Tribunal considerou as declarações do autor, conjugadas com o depoimento da mulher e filho que, apesar de o serem e com particular destaque a mulher do autor, depuseram de forma objetiva, distanciada e, por isso, credível, quanto ao impacto da queda para o autor.
Apesar de o Tribunal ter tido ao dispor dois relatórios de avaliação de dano corporal, o Tribunal considerará, porque mais isento e melhor fundamentado, as conclusões do determinado pelo Tribunal, já que só este poderá ser considerado prova pericial stricto sensu.
Quanto à factualidade não provada, dir-se-á que a convicção do Tribunal resulta da prova em sentido contrário, caso da factualidade vertida em 3), 8), 9), 10), 11), 12), 13) e 14) dos factos não provados, da insuficiência da prova produzida, caso da factualidade vertida em 1), 4), 5) e 6), ou da total ausência de prova bastante que a sustente, como sucede com a factualidade vertida em 2) e 7) dos factos não provados.
Na situação concreta da data alegada, 14/04/2016, a mesma é incompatível, desde logo, com a declaração de presença hospitalar de fls. 13 v., com os certificados de incapacidade e os numerosos elementos clínicos juntos aos autos, que sempre se reportam a 04/04/2016.

 [transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE Facto e de DIREITO

Como já supra referido, estão em causa e foram interpostos três recursos: um pelo A. AA, outro pela R. A... – Companhia de Seguros, S.A. e outro pelo R. Banco 1... (Banco 1...).
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Comecemos, então, pelas questões relativas à alteração da matéria de facto.

I. - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em o), m) e n), bem como nos factos dados como não provados em 10) e 14)

Considerando a apreciação da prova produzida, diverge a apelante R. A... – Companhia de Seguros, S.A. da decisão da matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em o), m) e n), entendendo que o primeiro deve ser eliminado e a redacção dos restantes dois alterada, bem como nos factos dados como não provados em 10) e 14), que entende deverem ser dados como provados, ainda que com uma redacção restritiva.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos do depoimento do próprio autor, ouvido em declarações de parte, em que se baseia.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC. 
Cumpre, pois, apreciar.

O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.  
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.  
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.    
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida[iii].
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela[iv].
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência[v].
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela[vi].
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.  
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
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Como já referido supra, pretende a apelante a alteração da matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em o), m) e n), entendendo que o primeiro deve ser eliminado e a redacção dos restantes dois alterada[vii], bem como nos factos dados como não provados em 10) e 14), que entende deverem ser dados como provados, ainda que com uma redacção restritiva[viii].
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Passemos, então, aos aludidos factos, começando pela pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em o), m) e n) dos factos provados.

Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou provado que:

o) A 1.ª Ré, única entidade em condições de proteger os utentes de lesões produzidas pelas condições físicas do espaço e a tal obrigada, omitiu este ato de, pelo menos, assinalar o perigo com vista a proteger os utentes do risco que o carácter escorregadio do piso potenciava.
m) O tapete que se encontra à entrada do local, apesar de absorvente, não era capaz de reter toda a humidade do calçado dos clientes e, principalmente, não impedia que a água dos guarda chuvas caísse para o piso fora da sua localização, tão pouco capaz de prevenir quedas em locais que distam em mais de 5 metros do local onde o mesmo se encontra.
n) Era visível a existência de água e humidade no pavimento do interior da agência a que se alude em a) e, não obstante, tal facto não suscitou por parte dos funcionários do banco réu, o cuidado de proceder ou mandar proceder à respetiva limpeza, por forma a manter o piso seco e seguro, ou, sequer de ali colocar qualquer sinal que alertasse para o perigo do piso estar escorregadio, como impunham as regras de higiene e segurança no trabalho então e agora vigentes e como o próprio piso de tijoleira, exigia, por ter pouca aderência quando húmido ou molhado.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o já supra transcrito, que aqui se dá por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda a apelante, referindo que a al. o) apenas comporta considerações subjectivas e juízos de valor que não constituem “factos”, pelo que deve ser eliminada, e que a redacção das als. m) e n) devem ser alteradas, expurgando-se esta última dos elementos subjectivos e conclusivos que não constituem “factos”
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida e atendendo às concretas alíneas ora em questão, conclui-se assistir alguma razão à apelante.
Com efeito, no que concerne à al. o), se bem que o seu teor não comporte apenas considerações subjectivas e juízos de valor, tal como resulta da sua primeira parte, no que concerne à segunda parte, isto é, a não colocação no local de sinalização de aviso pela 1ª R. de que o piso se poderia encontrar escorregadio, isso resulta já da al. n), pelo que a sua subsistência configuraria uma repetição. Impõe-se, pois, eliminar tal alínea.
Quanto à al. m), discorda-se das considerações da recorrente – v.g. a função do tapete não é prevenir quedas, mas apenas absorver a água dos sapatos, dos guarda-chuvas e das roupas dos clientes -, tendo o teor desta al. que ser articulado com o das als. c) a f). Como assim, atendendo ao todo, nenhum reparo se impõe fazer.
Já no que concerne à al. n), para além de um excerto - como impunham as regras de higiene e segurança no trabalho então e agora vigentes - que configura inequivocamente elementos subjectivos e conclusivos, a justificar a sua eliminação, temos que o seu remanescente teor, articulado com o das als. aai) e aaj), não carece de qualquer correcção. Como assim, para além da eliminação do mencionado excerto, mais nenhum reparo se impõe fazer.

Passemos, agora, à pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em 10) e 14) dos factos não provados.
Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou não provado que:
10) Que apenas se os guarda chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte pode a água escorrer para o chão.
14) Que a queda do autor se tenha devido exclusivamente à desatenção deste quando efetuava a sua marcha, que sequer atentou na sinalização existente que alertava para a possibilidade de piso escorregadio.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o já supra transcrito, que aqui se dá por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda a apelante, atendendo ao depoimento do próprio A. produzido em audiência de julgamento, pelo que entende deverem ser dados como provados, ainda que com uma redacção restritiva, propondo para o “10) Se os guarda-chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte a água escorre para o chão.” e para o “14) Quando efetuava a sua marcha, o autor não olhou para o chão e não atentou para a possibilidade de piso escorregadio.”. 
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se não assistir razão à apelante.
Com efeito, quanto ao ponto 10), não decorre do depoimento do próprio A. que Se os guarda-chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte a água escorre para o chão, até porque, como referiu, desde o fim do tapete até ao recipiente para os guarda-chuvas, cuja distância era de cerca de 5 metros, a água vai sempre escorrendo para o chão, o que depois o torna escorregadio, já que se trata de chão liso. Lembrando-se o teor das als. i) a l), que retratam bem o enquadramento em que ocorreram os factos.
E quanto ao ponto 14), o A. nunca mencionou que quando efectuava a sua marcha não olhou para o chão, nem atentou para a possibilidade de piso escorregadio. Retirar do seu depoimento tais conclusões não é correcto, não se podendo construir um desfecho de excertos truncados. Perguntar se havia água no chão ou alguma poça de água/humidade pelo chão todo, resultante de as pessoas entrarem com os guardas chuvas a pingar, respondendo o A. que não sabia responder a tal pergunta, pois não estava a olhar para o chão para ver se havia água em todo o lado em volta, só sabendo que tinha escorregado, depois de ter dito ser normal que houvesse água no chão pois estava a chover muito e as pessoas entravam com os guarda-chuvas a pingar, não permite extrair tal remate. Sendo do senso comum que, ao contrário do piso seco, o piso molhado é escorregadio. O que uma pessoa medianamente avisada ou prudente, o homem médio, «o bom pai da família» como se lhe refere a lei, sabe.
Logo, entende-se nada haver aqui a corrigir.
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1. - se altere a matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em h), i), l), m), n) e o), bem como nos factos dados como não provados em 9) e de 11) a 14)

Considerando a apreciação da prova produzida, diverge o apelante R. Banco 1... (Banco 1...) da decisão da matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em h), i), l), m), n) e o), entendendo que devem ser dados como não provados, bem como nos factos dados como não provados em 9) e de 11) a 14), que entende deverem ser dados como provados.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, indicando os trechos do depoimento do próprio autor, ouvido em declarações de parte, e das testemunhas BB, CC e DD, em que se baseia.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC. 
Cumpre, pois, apreciar.
*
Comecemos pela pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em h), i), l), m), n) e o) dos factos provados.
Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou provado que:
h) Antes de sair da agência, encaminhou-se para as caixas de multibanco, onde realizou operações bancárias, sendo que, antes de sair, ao encaminhar-se para ir buscar o guarda-chuva, o Autor escorregou e caiu desamparado sobre o lado direito.
i) O que aconteceu devido ao facto de o piso estar molhado face à intensa chuva que caía e ao facto de os clientes terem de percorrer um trajeto pelo pavimento liso, com o calçado húmido, a fim de ir colocar os guarda chuvas molhados no porta guarda chuvas.
l) O referido piso não estava protegido com qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação.
m) O tapete que se encontra à entrada do local, apesar de absorvente, não era capaz de reter toda a humidade do calçado dos clientes e, principalmente, não impedia que a água dos guarda chuvas caísse para o piso fora da sua localização, tão pouco capaz de prevenir quedas em locais que distam em mais de 5 metros do local onde o mesmo se encontra.
n) Era visível a existência de água e humidade no pavimento do interior da agência a que se alude em a) e, não obstante, tal facto não suscitou por parte dos funcionários do banco réu, o cuidado de proceder ou mandar proceder à respetiva limpeza, por forma a manter o piso seco e seguro, ou, sequer de ali colocar qualquer sinal que alertasse para o perigo do piso estar escorregadio, como impunham as regras de higiene e segurança no trabalho então e agora vigentes e como o próprio piso de tijoleira, exigia, por ter pouca aderência quando húmido ou molhado.
o) A 1.ª Ré, única entidade em condições de proteger os utentes de lesões produzidas pelas condições físicas do espaço e a tal obrigada, omitiu este ato de, pelo menos, assinalar o perigo com vista a proteger os utentes do risco que o carácter escorregadio do piso potenciava.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o já supra transcrito, que aqui se dá por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda o apelante, referindo que as als. h), quanto ao trecho “escorregou” e i) deverão ser julgados como não provados, quer em face do declarado pelo A. nas suas declarações de parte, quer em face do valor probatório que deverá ser atribuído às declarações de parte quando desacompanhadas de qualquer outro meio de prova que as suporte, quer as regras do ónus da prova, designadamente no que se refere à prova do nexo causal – onde é inaplicável a presunção de culpa; que a al. l) deverá ser como não provado, quer por inexistir qualquer meio de prova que suporte a conclusão de que o piso não estava protegido com qualquer fita antiderrapante – e tal facto foi alegado pelo Autor na sua petição inicial –, quer porque a inexistência de qualquer sistema de proteção de circulação encontra-se em contradição com o facto julgado como provado sob a alínea c); que a al. m) deverá ser dada como não provada, quer por se encontrar em contradição com o facto provado sob a alínea c) – quanto às características/qualidades do tapete instalado na sucursal –, quer porque tal facto é meramente conclusivo contendo evidência sem relevância, crê-se, para o desfecho da presente ação porquanto nenhum tapete, seja ele qual for, é apto a evitar quedas em local que dista a sensivelmente 5 metros do mesmo; e que as als. n) e o) – para além do facto da matéria de facto julgada como provada sob a alínea o) ser na verdade matéria conclusiva e não um verdadeiro facto –, deverão ser dados como não provados, designadamente por força da prova testemunhal produzida nestes autos, concretamente os depoimentos prestados no dia 4 de novembro de 2021 pelas testemunhas BB (…), CC (…) e DD (…), bem como em virtude da valoração probatória que deverá ser atribuída às declarações de parte do Autor e devido às diversas premissas, salvo o devido respeito, menos acertadas de que parte a sentença recorrida na sua motivação
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, para além do já decidido supra em I. quanto ao recurso da R. A... e relativamente aos pontos n) e o) que também valem para aqui, conclui-se não assistir razão ao apelante. Não se tendo adquirido assim, convicção diferente daquela obtida pelo tribunal da 1ª instância, que bem valorou toda a prova produzida.
Com efeito, quanto aos pontos h) e i), a motivação afigura-se-nos assertiva, estando de acordo com as declarações do A., confirmadas pelos depoimentos das testemunhas – colaboradores e funcionário do apelante R. –quanto à presença do A. na agência, o seu percurso (a testemunha DD só não o viu cair, tendo visualizado o seu trajecto e depois viu-o já caído no chão e a ser ajudado por um terceiro a levantar-se) e as condições meteorológicas (tempo com chuva) e estado do piso (molhado). Também os documentos relativos à presença do A. no Hospital ... e os diversos elementos clínicos e exames médicos, bem como relatório de avaliação de danos e relatórios periciais relativos ao mesmo são compatíveis com esta factualidade dada como provada.
O mesmo se passa quanto ao ponto l), pois, como bem consta da motivação, do depoimento dos colaboradores do banco réu, resulta que deram igualmente conta da inexistência de qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação, o que também emerge das fotografias juntas aos autos pelo Banco R. e que foram exibidas no decurso da audiência de julgamento. Acresce que o tapete descrito em c), que pode ter várias funções, desde logo a aí também referida - reter a água que os clientes pudessem trazer do exterior -, não configura qualquer sistema de proteção de circulação.
Nenhum reparo a fazer também quanto ao ponto m), inexistindo qualquer contradição com o facto provado sob a al. c) como já referido no ponto anterior quanto à função do tapete, nem se tratando de facto meramente conclusivo, já que contém matéria de facto.
E quanto aos pontos n) e o), nada mais se nos afigura acrescentar ao já decidido supra em I., que acolheu parcialmente o pretendido no recurso. Sendo que quanto à inexistência, no local, de avisos de piso escorregadio, para além das declarações do A. nesse sentido, nenhum dos colaboradores do Banco R. tem memória de o ver no local, valendo aqui as demais considerações que constam da motivação da sentença recorrida, que se dão por reproduzidas, a fim de evitar mais repetições.

Passemos, agora, à pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em 9) e de 11) a 14) dos factos não provados.
Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou não provado que:
9) Que o estabelecimento do banco réu tenha sido limpo antes da abertura ao público;
11) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) o piso no interior da sucursal não se encontrasse molhado;
12) Que nas circunstâncias de tempo e lugar a que se alude em a) a sinalização de aviso de que o piso se poderia encontrar escorregadio tivesse sido colocada no local;
13) Que o banco réu tenha cumprido todas as regras de segurança e adotado todas as condutas adequadas a prevenir o risco de quedas; e
14) Que a queda do autor se tenha devido exclusivamente à desatenção deste quando efetuava a sua marcha, que sequer atentou na sinalização existente que alertava para a possibilidade de piso escorregadio.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o já supra transcrito, que aqui se dá por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda o apelante, atendendo à impugnação supra dos factos julgados como provados sob as als. h), i), l), m), n) e o), cujo acolhimento impõe, logicamente e por serem factos contrários, que sejam julgados como provados os factos não provados constantes dos pontos 11 a 14 da sentença recorrida. Já quanto ao facto não provado constante do ponto 9, o mesmo deverá ser julgado como provado atento ao declarado pela testemunha CC, em 4 de novembro de 2021 (…). 
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se não assistir razão ao apelante.
Com efeito, quanto aos pontos 11 a 14, em face do não acolhimento, com relevo, da impugnação dos factos provados, fica prejudicada a pretensão, por serem factos contrários. E quanto ao ponto 9, é irrelevante se o estabelecimento do R. foi limpo na véspera, desconhecendo-se se no dia anterior ou de noite choveu. O que releva é o próprio dia em que ocorreram os factos, sendo a esse momento que se refere o ponto 9, sendo claro o depoimento da testemunha em causa: No dia dos factos “chovia, chovia”, mas não estava lá equipa de limpeza, que só costuma proceder à limpeza no fim do dia, já depois do encerramento da agência.
Assim, entende-se nada haver aqui a corrigir.
*

II. e 2. - reapreciação da decisão de mérito da acção

Não tendo sido acolhida, com relevo, a impugnação da matéria de facto, fica prejudicada a reapreciação, em conformidade, da decisão de mérito da acção.
Impõe-se, pois, aferir da apreciação jurídica da causa independentemente dessa alteração, o que as recorrentes RR. também pretendem.
Com efeito, entende o recorrente Banco R. que não estava legalmente obrigado a praticar qualquer ato que não tenha praticado por forma a cumprir os deveres de prevenção do perigo a que se encontra adstrito e que a existência, ou não, de sinalização de perigo escorregadio é facto com relevância diminuta para a aferição do cumprimento dos deveres de cuidado. E a recorrente Seguradora R. entende que o réu Banco 1... nada poderia fazer para evitar o sinistro, sendo que as obrigações que impendem sobre o réu Banco 1..., enquanto titular de um estabelecimento bancário a retalho, não precludem nem afastam a auto-responsabilidade dos clientes que o frequentam, no sentido de que estes, enquanto cidadãos responsáveis e medianamente cautelosos, devem adoptar uma conduta prudente atendendo às circunstâncias que se lhes deparam – nomeadamente, estando o piso escorregadio, olhar para o chão quando se movimentam, coisa que o autor confessadamente não fez.
Entendem, pois, os RR. que não existe nexo de causalidade entre a sua omissão de diligência e o dano ocorrido, pelo que não devem ser responsabilizados pelo pagamento das quantias em que foram condenadas.
Ora, verifica-se que o A. sofreu uma queda quando se deslocou à agência/sucursal do 1º R., a fim de ali proceder a várias operações bancárias, o que aconteceu devido ao facto de o piso estar molhado face à intensa chuva que caía e ao facto de os clientes terem de percorrer um trajeto pelo pavimento liso, com o calçado húmido, a fim de ir colocar os guarda chuvas molhados no porta guarda chuvas. Inexistindo qualquer sinalização de aviso de que o piso se podia encontrar mais escorregadio, com vista a proteger os utentes do risco que o carácter escorregadio do piso potenciava. Não estando o referido piso protegido com qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de proteção de circulação. Sendo que na referida agência, circulam muitas pessoas por dia.
Como assim, é de aderir à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Tendo-se concluído assertivamente que:
No caso em apreço, a ré Banco 1... explora um estabelecimento aberto ao público, inserido no Centro Comercial ... sendo sua obrigação assegurar que esse espaço reúne as condições de segurança necessárias a tal abertura, incumprindo, inclusive as regras de higiene e segurança no trabalho enunciadas, desde logo ao nível da sinalização da pouca aderência do pavimento.
Na verdade, tanto a situação de perigo estava sinalizada que os colaboradores da ré Banco 1... tinham e têm instruções para colocar o aviso de piso escorregadio mas não o fizeram naquele dia, desvalorizando, até, o momento da colocação do aviso e a necessidade de proceder à secagem do pavimento.
Mais se diga que, sem prejuízo da perda estética, mal se compreende que a ré, sabedora que o posicionamento do porta guarda chuvas proporcionar escorrência de água para o chão, não tenha alterado a localização deste ou não tenha dotado o pavimento de material antiderrapante, para aumentar a aderência do mesmo e, desta forma, assegurar a segurança de circulação naquela agência.
A verdade é que não o fez e sequer assegura a limpeza/secagem do chão em dias chuvosos, nem mesmo assinala a situação de perigo que a escolha de materiais e localização do mobiliário que decidiu implementar gera.
A regra geral que preside à responsabilidade civil extracontratual está vertida no art. 483º nº 1 do Código Civil (CC), o qual dispõe que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, pois: (i) a existência de um facto voluntário do agente; (ii) a ilicitude de tal facto (mediante a violação de um direito de outrem ou violação de lei que protege interesses alheios); (iii) a culpa (ou nexo de imputação do facto ao lesante, enquanto juízo ou censura ético-jurídica por o mesmo não ter agido de modo diverso ao exigido pela ordem jurídica); (iv) o dano (isto é, que o facto ilícito tenha causado um prejuízo a alguém); e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Cumpre determinar se a ré Banco 1... violou, efetivamente algum direito ou lei que se destine a proteger interesse alheio.
O DL 243/86, de 20 de Agosto, aprovou o Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços, aplicável, por força do disposto no artigo 2º do Regulamento Anexo a “c) Todos os serviços ou locais de quaisquer estabelecimentos, instituições e organismos onde os trabalhadores exerçam principalmente a atividade de escritório não compreendidos no artigo seguinte e aos quais não se aplique outra legislação ou outras disposições que regulamentem a higiene e segurança na indústria, nas minas, nos transportes ou na agricultura.”
Visa, ademais, dotar tais estabelecimentos de higiene e segurança no trabalho, prevendo a contenção da humidade, determinando a limpeza diária do pavimento, mas em horário que não crie incómodo para os trabalhadores (leia-se, também utilizadores).
Ora, no caso é possível perscrutar várias condutas que podia e devia a ré Banco 1... ter implementado no estabelecimento, para remover, minorar e (no mínimo) sinalizar o perigo que os dias de chuva acarretam (colocação de material antiderrapante no pavimento, alteração da localização do porta guarda chuvas, disponibilização de equipa de limpeza em permanência em dias de chuva e, no mínimo, colocação de avisos sinalizadores de perigo).
Mas a verdade é que não as adotou e sequer se pode apontar ao autor uma conduta temerária ou desatenta (que não ficaram minimamente provadas) que tenha conduzido à queda e à danosidade subsequente, sendo manifesto que este comportamento omissivo foi determinante para a ocorrência do acidente e os danos que comprovadamente lhe seguiram.
Tivesse a primeira ré assegurado o cumprimento das regras de higiene e segurança e, concomitantemente, tivesse assegurado a circulação em segurança no interior da dependência bancária onde opera e a queda não se teria verificado.
Temos, pois, verificados os pressupostos do facto ilícito e da culpa.          
Mas mesmo que se entenda que inexiste qualquer regra legal específica que impusesse ao R. Banco um determinado comportamento cuja omissão tenha causado o acidente, resultou demonstrada a violação de dever genérico de prevenção do perigo que sobre ele recaía por força da actividade desenvolvida e de que beneficia, traduzida no incumprimento de regras de conduta que lhe eram exigíveis observar.
Admitindo que, enquanto entidade exploradora de um estabelecimento comercial aberto ao público, recaía sobre a proprietária do mesmo o dever de prevenir que fossem causados danos a terceiros, encontrando-se obrigada a adoptar condutas adequadas a prevenir, nomeadamente, o risco de quedas, mantendo o pavimento limpo e seco e ou implementando condutas para remover, minorar e sinalizar o perigo que os dias de chuva trazem (v.g., colocação de material antiderrapante no pavimento, alteração da localização do porta guarda chuvas, disponibilização de equipa de limpeza em permanência em dias de chuva e, no mínimo, colocação de avisos sinalizadores de perigo), tendo de ser o lesado a fazer prova da violação desse dever, não havendo lugar a qualquer inversão do ónus da prova, uma vez que o lesado não beneficia de nenhuma presunção legal, verifica-se que o logrou fazer, como já supra explanado.
Ora, tendo resultado danos do sinistro para o A., devem os RR. ser responsabilizados pelo seu pagamento, pois à luz do estatuído no art. 562º do CC “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Logo, não assistindo razão aos recorrentes RR., improcedem, também, nesta parte, os recursos.
*

A. - reapreciação da questão do montante indemnizatório arbitrado ao A. a título de danos não patrimoniais e futuros

Passemos, agora, ao recurso do A.
Questiona o recorrente o quantum indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais e futuro, entendendo ser adequado à reparação in casu, no que concerne aos primeiros, o valor peticionado e aos segundos, serem relegados para liquidação de sentença.
Ora, diga-se, desde já que, quanto aos danos futuros, não é possível conhecer da sua pretensão, pois inexiste qualquer decisão sobre a questão.
Com efeito, apesar do pedido constar da p.i., como é reconhecido no relatório da sentença recorrida, o que se verifica é que existe uma omissão de pronúncia relativamente a tal questão, seja a nível do enquadramento jurídico (Do Direito), seja da decisão (Dispositivo). O que configuraria uma causa de nulidade da sentença, taxativamente enumeradas no art. 615º do CPC, que visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. O que é o caso, sendo que o recorrente não a arguiu.
Logo, colocando a questão no recurso como o fez perante o Tribunal superior, questão que não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. Como assim, não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer.

Resta, pois, a questão do recurso relativamente aos danos não patrimoniais.
Temos que aqui a razão da discórdia do A. recorrente reside no facto da sentença quanto ao dano biológico, para o cálculo da indemnização, não ter atendido a todos os factores legais relevantes, mas apenas a 2 (défice funcional permanente de 3% e esforços suplementares) e relativamente ao quantum doloris e dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática de atividade profissional (prejuízo de afirmação pessoal), por deverem ser valorizados os diversos componentes do mesmo, quer ao nível do sofrimento/dor no período de doença, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação do lesado; a privação das satisfações e prazeres da vida, como sejam, a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas, lúdicas ou artísticas; o dano respeitante à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); a duração dos tratamentos; os danos irreversíveis na saúde e bem-estar do lesado.
Entendendo o R. Banco, independentemente de ter apresentado recurso da sentença por não se conformar com a mesma, que a sentença não merece o juízo de censura que lhe é apontado nas alegações de recurso sob resposta, pois a indemnização foi fixada em quantia similar à de casos idênticos atribuídos pela melhor jurisprudência pátria (diga-se, aliás, que os valores arbitrados – principalmente tendo em atenção a idade do Autor – encontram-se mais próximos de se encontrarem em excesso do que em defeito).
Quid iuris?
 
Peticionou o A. a condenação da R. no pagamento, a título de indemnização, além do mais, ora não em questão, o montante de € 15.000,00, pelo dano biológico, € 9.000,00 a título de danos morais/“quantum doloris” e de € 5.000,00 a título de dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional.
Tendo a sentença recorrida fixado o montante de € 5.000,00, pelo dano biológico, de € 6.000,00 a título de danos morais/“quantum doloris” e de € 2.500,00 pelo dano de afirmação pessoal (“dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional” e “pela repercussão nas atividades desportivas e de lazer” na nomenclatura utilizada pelo autor). O que fez, pronunciando-se nos seguintes termos:
Do dano pela violação dos direitos à integridade física e psíquica - dano biológico
Nas palavras de JOÃO ÁLVARO DIAS, o dano biológico consiste “na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão.”[ix]
A jurisprudência tem-se manifestado pacificamente no sentido de o dano biológico, “perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, [ser] sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.”[x]
Quanto aos critérios para fixação da compensação de tal dano, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 06/12/2017 que “deverá tal compensação do dano biológico, a fixar com apelo a juízos de equidade, ter em consideração, quer a perda inelutável de potencialidades laborais decorrentes do grau de incapacidade permanente parcial apurado, quer o longo período de incapacidade temporária absoluta imediatamente posterior ao acidente, ponderada a sua idade - 64 anos - e os projetos e intenções de vida, documentados na factualidade apurada) uma efetiva potencialidade laboral, drasticamente afetada pelas sequelas do sinistro.”
In casu, foi diagnosticado à vítima um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, numa escala de 100 pontos, sendo que as sequelas do autor, que, entretanto, se reformou, são compatíveis com a sua então atividade habitual profissional, embora implicando esforços suplementares. Impõe-se, ainda, considerar que à data o autor estava já próximo da idade da reforma, reforma que, entretanto, adveio.
Tudo ponderado, entende-se ser equitativo, porque justo, no caso concreto, a atribuição de uma indemnização de €5.000,00.
(…)

Do “quantum doloris”
A indemnização pelo dano não patrimonial deve englobar a consideração do dano moral propriamente dito, na vertente do "pretium doloris" ou “quantum doloris”, entendido como o ressarcimento da dor física sofrida.
Neste particular, há que notar que os valores a que se reportam as tabelas indemnizatórias da Portaria n° 679/09, de 25 de Junho, que constitui a primeira alteração à Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, que fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, são valores que “visam a solução rápida de litígios e a prevenção do litígio judicial, estabelecendo critérios orientadores de «propostas razoáveis» a apresentar pelas Seguradoras, que não quaisquer critérios (nunca por nunca derrogadores de lei) que se impusessem de per se aos tribunais.”[xi]
Da factualidade adquirida, extrai-se que o autor, como consequência direta do acidente, sofreu lesões que lhe determinaram dores que ainda o acometem. Por seu lado, o relatório pericial considerou ter o autor apresentado um “quantum doloris” fixável em 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
Entende-se, pois, de acordo com uma avaliação casuística e com apelo à equidade, ser de fixar o presente dano em €6.000,00.
(…)
Dano de afirmação pessoal (“dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional” e “pela repercussão nas atividades desportivas e de lazer” na nomenclatura utilizada pelo autor)
Está em causa, no prejuízo de afirmação social, um dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes - familiar, profissional, afetiva, recreativa, cultural e cívica.
Resultou provado nos presentes autos que o autor, em consequência do acidente, passou a desempenhar a sua atividade profissional com esforço adicional, mas também que estava na fase final da vida ativa, tanto assim que, entretanto, reformou, e que deixou de ser uma pessoa ágil e desembaraçada, passando a ser uma pessoa menos alegre, mais irritadiço, passando, ainda, a apresentar dano estético no grau 1/7.
A verdade é que nada alega quanto a atividades desportivas e de lazer que tenha deixado de fazer e menos ainda as demonstrou.
Entende-se, pois, ser equitativo fixar o quantum compensatório de tal dano de afirmação pessoal em €2.500,00.

Que dizer?

No tocante à fixação do dano não patrimonial, são estes os princípios tidos para nós, como “sagrados”, e que logramos aplicar em outras instâncias recursivas cujo objecto se fixa no valor indemnizatório.
1. No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.
2. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.
3. Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
4. Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
Avançando.
Nos termos do art. 496º/1 do CC, são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.
A indemnização atribuída por danos de natureza não patrimonial respeita apenas aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, como é o caso da ofensa dos direitos à integridade física, saúde e qualidade de vida, entre outros – já se escrevia no Acórdão do STJ de 12-07-1988, que os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo atender-se apenas aos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito –.
A gravidade mede-se por um padrão objectivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas[xii].
Como é sabido, tratando-se de danos de natureza infungível, não sendo possível a reconstituição da situação que existia anteriormente ao evento danoso, procura-se apenas proporcionar ao beneficiário, através da indemnização, o gozo de possíveis situações de bem-estar decorrentes da utilização desse dinheiro.
No caso dos autos, a 1.ª instância considerou estes danos com gravidade suficiente para lhes arbitrar uma indemnização. Sendo impugnado pelo recorrente o seu quantum.
 Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano em situações com algumas similitudes.
Vejamos, pois, duas dessas decisões, proferidas pelos nossos Tribunais, acerca da fixação dos danos não patrimoniais:
- no Ac. do STJ de 14-12-2016, proferido no âmbito do processo nº 619/04...., da ... Secção, foram fixado os montantes de € 10 000 para reparação do dano biológico e € 2 500 para compensação de todos os danos não patrimoniais pela lesão corporal sofrida pela autora (na sequência de uma queda em piso molhado).
- no Ac. da RP de 14-11-2011, proferido no âmbito do processo nº 5632/07...., da ... Secção, foi fixado o montante de € 7 500 para reparação dos danos não patrimoniais pela lesão corporal sofrida pelo autor (na sequência de uma queda em piso molhado).

Assim, tudo considerado, atenta a factualidade apurada e a concretização doutrinal e jurisprudencial supra exposta, a única censura que cabe fazer ao valor fixado na 1.ª instância, é o montante relativo à reparação do dano biológico, que peca por exíguo, entendendo-se como equilibrado e justo, fixá-lo em € 7.500,00, pelo que, nesta parte, procede este recurso. Sendo de manter, no mais, o decidido.
*
                     
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.
II – Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
III – Explorando o R. Banco um estabelecimento aberto ao público, é sua obrigação, o que decorre desde logo do DL 243/86, de 20 de Agosto que aprovou o Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços, assegurar que esse espaço reúne as condições de segurança necessárias a tal abertura, tendo, in casu, desde logo, incumprido as regras de higiene e segurança no trabalho ao nível da sinalização da pouca aderência do pavimento.
IV – Mesmo que se entenda que inexiste qualquer regra legal específica que impusesse ao R. Banco um determinado comportamento cuja omissão tenha causado o acidente, resultou demonstrada a violação de dever genérico de prevenção do perigo que sobre ele recaía por força da actividade desenvolvida e de que beneficia, traduzida no incumprimento de regras de conduta que lhe eram exigíveis observar.
V – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pelo dano biológico no montante de € 7.500,00, ao Autor que à data do acidente tinha 64 anos de idade e, em consequência de ter escorregado e caído no interior da agência do R. Banco 1..., devido ao facto do piso estar molhado face à intensa chuva que caía na altura e ao facto dos clientes terem de percorrer um trajecto pelo pavimento liso com o calçado húmido, a fim de irem colocar os guarda chuvas molhados no porta guarda chuvas, inexistindo qualquer sinalização de aviso de que o piso se podia encontrar mais escorregadio, nem estando o referido piso protegido com qualquer fita antiderrapante ou qualquer outro sistema de protecção de circulação, queda essa que lhe provocou um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos, com sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas que implicam esforços suplementares;
VI – Considera-se justa e adequada a indemnização por danos morais no valor de € 6.000,00 fixada ao A. que, como consequência directa do acidente, sofreu lesões que lhe determinaram dores que ainda o acometem, sendo-lhe fixado um “quantum doloris” de grau 3 numa escala de gravidade crescente de 7, bem como um dano estético permanente fixado no grau 1/7 e ainda a indemnização de € 2.500,00 pelo dano de afirmação pessoal (“dano moral complementar resultante da incapacidade permanente que exige esforços acrescidos na prática da sua atividade profissional” e “pela repercussão nas atividades desportivas e de lazer” na nomenclatura utilizada pelo A.).
*
                     
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, no parcial provimento do recurso, revogando parcialmente a sentença da 1ª instância no que concerne ao valor da condenação dos RR. a pagar ao A. a título de indemnização pelo dano biológico, que se fixa em € 7.500,00, acordam os juízes desta secção cível em:
I – Substituir a sentença proferida nessa parte pela condenação seguinte:
b) Condeno as rés Banco 1... e O... – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., a pagar ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia global de € 16.716,15 (catorze mil, duzentos e dezasseis euros e quinze cêntimos).
c) Sobre as quantias a que vem de aludir-se, incidem juros de mora, à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
II – Manter no mais o decidido.
III – As custas nas duas instâncias, são pelos RR. e A., na proporção do respectivo decaimento. 
Notifique.
*
Guimarães, 15-12-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)


[i] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga - JC Cível - Juiz 1
[ii] Cuja intervenção foi admitida, na qualidade de R., em substituição de Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., uma vez que, por força de fusão, foi esta incorporada na sociedade “Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.”.
[iii] In “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
[iv] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
[v] In B.M.J. nº 112, pág. 190.
[vi] Obra supracitada.
[vii] Propondo para o “m) O tapete que se encontra à entrada do local, apesar de absorvente, não era capaz de reter, nos dias de muita chuva, toda a humidade do calçado dos clientes nem toda a água dos guarda-chuvas.” e para o “n) Era visível a existência de água e humidade no pavimento do interior da agência a que se alude em a).”.
[viii] Propondo para o “10) Se os guarda-chuvas molhados não forem bem manuseados ou colocados no suporte a água escorre para o chão.” e para o “14) Quando efetuava a sua marcha, o autor não olhou para o chão e não atentou para a possibilidade de piso escorregadio.”.
[ix] JOÃO ANTÓNIO ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, Coimbra, Almedina, 2001, p. 27.
[x] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2011, processo n.º 52/06.0TBVNC.G1.S1. Vide, também neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2010, processo n.º 270/04.5TBOFR.C1.S1, e de 20/05/2010, processo n.º 103/2002.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 
[xi] Acórdão da Relação do Porto de 22/05/2012, processo n.º 11/08.8TBSJM.P1, disponível em www.dgsi.pt. Tal ideia tem sido, aliás, reiteradamente repetida pela jurisprudência nacional. 
[xii] Neste preciso sentido, vd. A. Varela, Obrigações, pág. 428.