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CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
PAGAMENTO DO PRÉMIO
PRÉMIO DE SEGURO
FALTA DE PAGAMENTO DO PRÉMIO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário
I - Nos contratos de seguro de vida destinados a garantir a obrigação do mutuário num contrato de mútuo bancário e nos quais o banco mutuante é beneficiário irrevogável, este deve ser informado de que o tomador do seguro não efectuou o pagamento do prémio de seguro para, querendo, se substituir àquele nesse pagamento. II - Se não se provou que essa informação foi enviada ao banco, mas também não que o banco pagaria o prémio em falta se a informação lhe tivesse sido transmitida, e se provou que apesar de notificados da resolução do contrato de seguro por falta de pagamento do prémio de seguro nem o tomador do seguro nem o beneficiário irrevogável, efectuaram o pagamento em falta, à luz das regras da boa fé a resolução operada pela seguradora é válida e eficaz no que respeita ao tomador do seguro.
Texto Integral
Recurso de Apelação ECLI:PT:TRP:2020:11157.18.4T8PRT.P2
Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório: AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Valongo, instaurou acção judicial contra a A... S.A., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em Lisboa, o Banco 1..., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., cuja sucursal em Portugal tem sede em Lisboa, e contra o Banco 2... em Portugal, pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em Lisboa, formulando contra estas os seguintes pedidos:
a) Condenar a A... a reconhecer que o contrato de seguro vida titulado pela apólice ..., celebrado com o marido da autora se mantinha em vigor à data de 14 de Setembro de 2015 e, consequentemente, a pagar à autora as mensalidades que após essa data e até ser proferida decisão final a autora pagou às 2ªas rés, e a pagar a estas a quantia que por referência ao seguro em crise se encontrar em dívida na mesma data.
b) Caso se demonstre que houve falha dos serviços do Banco 1... e do Banco 2..., a condenação destas a suportar todos os custos dessa falha, correspondentes ao valor que este deveria receber da 1ª ré, caso o contrato se mantivesse em vigor, ou seja, a perda do direito a ser reembolsado do capital em dívida à data do óbito do marido da autora.
c) Condenadas as rés pagar à autora 10.000,00€ de indemnização por danos não patrimoniais.
Para o efeito alegou, em síntese, que ela e o seu marido, BB, adquiriram em 2008 uma habitação com recurso a mútuo bancário, tendo o seu marido, em 2014, contratado um seguro do ramo vida para garantia daquele mútuo; o marido da autora faleceu de causas naturais no dia 14 de Setembro de 2015, situação que foi comunicada aos réus mas a ré seguradora declinou qualquer responsabilidade por alegadamente ter resolvido o contrato de seguro com efeito a 14 de Janeiro de 2015, por falta de pagamento do respectivo prémio.
As rés contestaram excepcionando a ilegitimidade (activa e passiva), aceitando a celebração do contrato de seguro, mas impugnando que o mesmo estivesse em vigor à data do óbito do marido da autora, pois que o mesmo se encontrava já anulado àquela data por falta de pagamento dos respectivos prémios, tendo o segurado revogado a ordem de pagamento bancário dos mesmos e não os tendo pago por qualquer outra forma, apesar de interpelado para o efeito.
Após julgamento, foi proferida sentença que veio a ser anulada por esta Relação, a qual determinou a ampliação da matéria de facto e a sanação de deficiências do anterior julgamento.
Repetida a audiência, foi proferida nova sentença, julgando, como anteriormente, a acção improcedente e absolvendo as rés do pedido.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I- A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal a quo, na medida em que fez uma incorrecta avaliação da prova documental constante dos autos e da testemunhal produzida em audiência de julgamento dando como provados factos que as rés não lograram provar e não dando como provados factos que autora alegou e provou e que se afiguram importantes para a boa decisão da causa.
II- Os factos contidos nos pontos 13, 14, 17 e 18 da sentença cuja revisão se requer não podem ser dados como provados, por as rés não terem logrado prová-los, tendo aliás a recorrente feito prova do contrário.
III- Os pontos 13 a 14 da sentença dizem respeito a uma alegada ordem de revogação de pagamento alegadamente emitida pelo decesso marido da A., e de um recibo, mas sobre tal matéria não foi feita prova, sendo de acrescentar que o depoimento da testemunha CC indicado na sentença para formar a convicção do tribunal não é apto a provar a existência de fundamento para resolução do contrato.
IV- Aliás, a ré A... solicitou ao tribunal a quo solicitasse às entidades (Banco 1..., Banco 2... e SIBS) que lhe comunicaram tal ordem de revogação a junção da declaração de ordem de revogação, ao que as mesmas responderam não poderem responder ao solicitado por não terem tal documento:
“Exmos. Senhores,
Informamos V/ Exa., que a informação relativa às operações bancárias deverá ser obtida junto do Banco onde encontra domiciliada a conta a partir da qual deveria ser pago através de débito directo. Informamos adicionalmente, que a SIBS FPS desempenha em Portugal a função de processador de sistema interbancário de débitos directos, por delegação do Banco de Portugal. Nesse sentido, limita-se a garantir o correcto encaminhamento da informação de débitos entre diferentes bancos. ....A SIBS não tem acesso às de dados das Instituições Bancárias, pelo que não podemos pronunciar quanto à existência, validade ou outros dados relativos a determinado NIB”.
Notificada da informação acima transcrita, a ré A... solicitou ao tribunal a quo notificasse as restantes rés (Banco 1... e Banco 2...) por serem estas as que teriam obtido a ordem de pagamento por débito directo, para virem aos autos juntar o documento de ordem de revogação - cf. requerimento de folhas 394 dos autos
Desta feita, foram as rés, notificadas para juntar tal documento, mas a verdade é que as mesmas informaram de forma expressa não deterem tal documento- veja-se a resposta da Ré Banco 2... constante dos autos a folhas 399: "... não dispomos de informação relativa a revogação de cobrança"
Note-se que a ré Banco 1... informou os autos que em virtude do negócio efectuado com a ré Banco 2... teria transferido todos os documentos a esta, pelo que se os houvesse seria esta quem os deteria. - Cf. folhas 404 dos autos
V- Perante tal acervo documental, é forçoso concluir que as rés de forma expressa demonstraram não possuírem qualquer documento que confirme o que alegaram, já a prova testemunhal referida na sentença para sustentar a convicção para dar como assentes tais factos resume-se ao depoimento da testemunha CC, sendo certo, porém, aquela testemunha não asseverou a existência de qualquer ordem de revogação, tendo aliás as testemunhas indicadas nas alegações demonstrado não ter havido qualquer ordem de revogação, sendo tais testemunhas credíveis e com conhecimento directo dos factos.
VI- Ademais, se existisse uma ordem de revogação a mesma constaria de documento escrito, tal como exige a lei aplicável aos bancos e à conduta habitual das rés, conforme resulta do depoimento da testemunha DD cf. ficheiro áudio ficheiro áudio 20211108113343-1 prestado no dia 8 de Novembro de 2021 aos minutos aos minutos 7:05 a 10:00; aos minutos 36:60 a 37:45 e aos minutos 39:33 a 42:32
VII- Ao dar como assente tais factos, o tribunal a quo violou a disposição legal contida no artigo 393º do Código Civil, a qual propugna que se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulado das partes, houver de ser reduzida a escrito, não é admitida prova testemunhal.
VIII- No entanto, ainda que fosse admitida prova testemunhal quanto à existência da ordem de revogação, a verdade é que nenhuma testemunha ouvida em audiência de julgamento atestou tal facto, tendo resultado exactamente o contrário, conforme depoimentos de testemunhas que se indicou nas alegações, designadamente a testemunha DD.
IX- Assim, o tribunal a quo dando como assente tais factos violou a forma contida no art. 342º do C. C. segundo a qual aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, sendo que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
X- Desta feita, incumbia às rés a prova da existência da ordem de revogação, o que não aconteceu.
XI- Assim, não podia o tribunal dar como provados os factos contidos nos pontos 13, 14, 17 e 18, pelo que pugna a recorrente, conforme fundamentos que se citaram nas alegações, pela alteração da resposta dada aos mesmos no sentido de não provados.
XII- Não existindo qualquer ordem de revogação de pagamento, somos a concluir que a ré Banco 1... incumpriu o contrato que havia firmado com o marido da autora, no que ao débito directo diz respeito.
XIII- A ré Banco 1..., tendo sido autorizada a efectuar os respectivos descontos para pagamento dos prémios de seguro e não o tendo feito, deve, por isso, ser responsável pelas consequências do não pagamento do prémio de seguro do mês de Novembro de 2014, já que tinha saldo suficiente na conta para o efeito – Cf. extractos bancários mencionados nas alegações.
XIV- A recorrente alegou que se o pagamento não foi feito foi por falha dos serviços da ré Banco 1..., o que demonstrou.
XV- A recorrente pugna pela alteração da decisão no sentido de dar como provados os factos abaixo, já que sobre eles produziu prova bastante para o efeito e que se citou nas alegações:
11. Na verdade, as condições particulares do contrato de seguro são as que constam do doc. 4 junto com a petição inicial e não qualquer outro.
12. Trata-se efectivamente de um contrato substancialmente diferente do agora junto pela ré A..., na medida em que o contrato junto sob doc. 4 que integra a petição inicial, é composto de uma acta adicional que contempla as condições e qualidades de beneficiário do Banco 1..., aqui réu.
13. Convencionaram ali as partes, isto é, a ré A... e o falecido marido da autora que o banco Banco 1... é um beneficiário irrevogável.
14. O documento a que se alude, atribui ao Beneficiário Aceitante Banco 1..., aqui 2ª ré, um conjunto de direitos, dentre os quais se destaca o direito a ser notificado de eventual falta de pagamento de qualquer prémio para querendo substituir-se ao tomador seguro, neste caso, do marido da autora.
15. Mais, consigna que aquele contrato de seguro não pode ser resolvido sem consentimento do Banco 1..., aqui ré.
16. Do expendido nas contestações apresentadas, conclui-se que a ré Seguradora não interpelou a ré Banco 1... para proceder ao pagamento de qualquer prémio em falta.
XVI- Reitera-se a recorrente alegou e fez prova de factos que reputamos essenciais para uma justa solução jurídica ao caso que nos ocupa, mas que o tribunal descurou totalmente, não tendo sido consignados nem no elenco dos factos provados nem no dos não provados.
XVII- Acresce, a autora alegou na sua petição inicial que a conta bancária utilizada para pagamento dos prémios de seguro sempre teve saldo suficiente para o efeito, pelo que se a ré Banco 1... não descontou a quantia necessária tal deve-se a uma falha dos serviços da ré, pelo que não o tendo feito até à data, está claramente em situação de incumprimento do contrato.
19. Assim, reitera-se a conta indicada pela A. e pelo decesso marido à 1a Ré, para, por meio de débito directo, proceder à liquidação dos prémios de seguro, até, pelo menos, à data da morte do marido da A., sempre teve saldo bastante para cumprir aquela obrigação, bem como para pagamento do prémio seguro de vida celebrado pela A. e a 1a Ré, tal como imposto pela 2a Ré (prémio mensal de 32,40€)
29. Não o tendo feito até à data, está claramente em situação de incumprimento contratual, tal como a 2a Ré, pois sempre teve fundos suficientes ao pagamento dos prémios na conta de que o marido da A. era titular, pelo que qualquer falta de pagamento só poderá ter ocorrido por falha nos serviços da 2a Ré.
30. Para além disso, a A. e o falecido marido nunca foram alertados de qualquer prémio de seguro em dívida, nem interpelados para pagar qualquer prémio eventualmente em atraso, sendo certo que nem as segundas Rés alguma vez informaram a A. ou o marido da insuficiência de saldo para pagamento de qualquer prémio.
31. A autora não tem rendimentos suficientes que lhe permitam proceder ao pagamento da prestação de amortização do crédito a habitação, sendo certo que jamais contrairia um mútuo de 215.000,00€ se não fosse o seu marido médico e auferisse rendimento bastante para o efeito.
38. A autora vive em sobressalto, não consegue dormir, não descansa, pois, receia ficar sem casa.
39. A autora tem uma filha com 23 anos de idade e, para garantir a frequência do curso superior teve de solicitar ajuda a terceiros.
40. A autora está totalmente desorientada e inconformada por ter de recorrer aos tribunais para obrigar as rés a cumprir um contrato que com ela celebraram.
XVIII- Acresce, ainda que se considere ter havido uma ordem de revogação de pagamento do prémio de seguro, o que só se concede como mero raciocínio jurídico, a verdade é que a ré seguradora não comunicou eficaz e validamente a pretendida resolução do contrato de seguro, na medida em que não demonstrou ter procedido nos termos das cláusulas contidas no contrato de seguro firmado com o marido da autora, nomeadamente as que dizem respeito à interpelação do Beneficiário Irrevogável que é a ré Banco 1... e a ré Banco 2... por efeito do negócio que aquela fez com esta.
XIX- O tribunal a quo fez alheou-se totalmente das cláusulas que infra se indicam, fazendo, porquanto, uma errada aplicação do Direito:
Cláusula 25 nº 7- Na falta de pagamento do prémio ou fracção dentro dos trinta dias posteriores à data do seu vencimento, o Segurador enviará, por carta registada, para pagamento no prazo de 8 dias a contar da data do registo.
No nº 8 da mesma cláusula- Não sendo efectuado o pagamento no referido prazo de 8 dias, o segurador procederá à resolução do contrato (...)
No nº 10 da mesma cláusula dispõe o seguinte: Sendo a cláusula beneficiária irrevogável o Segurador dará também conhecimento da comunicação referida no nº 8 do presente artigo.
O artigo 31º com título Estipulação beneficiária irrevogável consigna no seu nº 1 que em caso de não pagamento do prémio na data de vencimento, se o contrato estabelecer um benefício irrevogável a favor de terceiro, deve o Segurador interpelá-lo, no prazo de 30 dias, para, querendo, substituir-se ao Tomador de seguro no referido pagamento.
Acrescenta o nº 2 do mencionado artigo que o Segurador que não tenha interpelado o beneficiário nos termos do número anterior não lhe pode opor as consequências convencionadas para a falta de pagamento de prémio.
Consta ainda da acta adicional o seguinte: .. Se os prémios não forem pagos nos prazos fixados, não obstante avisado o Tomador de Seguro e o beneficiário Aceitante, este último, querendo, pode substituir-se ao Tomador do seguro no referido pagamento. Caso o Beneficiário Aceitante não se substitua ao Tomador do Seguro no pagamento dos prémios, nas condições estabelecidas na Apólice, o contrato será resolvido, sendo essa resolução imediatamente comunicada ao Tomador do Seguro e ao Beneficiário Aceitante.
XX- Posto que a interpelação de pagamento constante dos autos não pode ter eficácia resolutiva por duas razões que se destacam:
De acordo com o regime jurídico aplicável, a ré Banco 1... e Banco 2..., serem beneficiárias irrevogáveis tinha a ré A... de as interpelar para pagamento do prémio se seguro em falta e não o fez. Neste conspecto haveria a ré A... de enviar uma carta registada de interpelação com a cominação de resolução do contrato não só ao segurado, mas também àquelas. Assim, era indispensável que a ré A... tivesse feito duas comunicações de interpelação de pagamento do alegado prémio em falta. O que, como podemos alcançar do elenco factual provado e não provado, não aconteceu.
A segunda razão prende-se pela falta de motivo válido para resolução, já que não ficou demonstrada qualquer ordem de revogação de pagamento. Convenhamos que, tendo as partes convencionado a cláusula beneficiária irrevogável, fizeram-no tendo em vista uma maior protecção e segurança dos interesses em causa, bem como tendo convencionado o meio de pagamento por débito directo, verificando-se que igualmente ambos (Banco 1... e Banco 2... e Segurado) tinham interesse na sua manutenção, porque a resolução do contrato afecta qualquer um dos seus subscritores, não basta que só a um deles seja comunicada intenção de resolver o contrato.
XXI- A consequência da inércia de quem obteve tal comunicação admonitória sempre é susceptível de ser sanada pela Beneficiária Banco 1... e Banco 2...; e só se tiver exacto conhecimento do prémio em falta é que o outro signatário poderá ter a oportunidade de prevenir e obstar à praticada intenção de extinção do contrato.
XXII- Ora, o tribunal a quo desconsiderou aquelas óbvias intenções e, como se não bastasse, decidiu não aplicar as cláusulas particulares do contrato como se impunha, fazendo, por isso, uma errada aplicação do direito, as quais, sendo aplicáveis, a sorte dos autos seria obviamente diferente, pois a ré Seguradora, omitiu totalmente o procedimento vindo de referir.
XXIII- Isto posto, deve este tribunal considerar inválida e ineficaz a pretendida resolução, por evidente inobservância do procedimento convencionado pelas partes.
XXIV- Não obstante, e sem prescindir, caso se entenda não dever aplicar-se o disposto nas condições particulares, designadamente as supra referidas, a opção de não condenar a ré Banco 1... e Banco 2... por não terem cumprido a ordem de pagamento do prémio de seguro de acordo com as normas decorrentes da responsabilidade civil contratual é de repudiar, pelo que pugnamos por tal solução jurídica, e em consequência serem as rés condenadas conforme peticionado, ou com recurso à figura do abuso de direito, na medida em que ficou evidenciado terem sido as próprias rés quem causou e despoletou uma irregularidade da manutenção do contrato de seguro vigente.
Assim, deve este Tribunal em face do exposto, aplicar a solução de direito aos factos em conformidade como supra exposto, devendo consequentemente, serem as rés condenadas conforme peticionado na petição inicial.
As recorridas Banco 1... e A... - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se:
i. A decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada.
ii. Se o contrato de seguro foi resolvido de forma válida e eficaz por falta de pagamento do prémio de seguro.
iii. Se os bancos réus cometeram qualquer ilícito contratual ou legal gerador da obrigação de indemnizarem a autora.
III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. No dia 27.12.1989, contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial a aqui autora AA e BB.
2. Por escritura pública de 16.06.2008, outorgada no Cartório Notarial de EE, sito em Matosinhos, inscrita no livro ......, de fls. 105 a 107 verso, o Banco 1..., sociedade anónima inglesa, NIPC ... celebrou com a autora e marido um mútuo com hipoteca, através do qual aquela concedeu à autora e marido um empréstimo de 215.000,00€ (duzentos e quinze mil euros), o qual se destinou à aquisição da fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a uma habitação distribuída pela cave, rés-do-chão e andar e logradouro “A-2”, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... e inscrito sob o artigo .......
3. Por imposição da mutuante, aliás, tal como decorre das cláusulas contratuais, os mutuários, aqui autora e marido obrigaram-se a fazer e manter um seguro de vida por valor não inferior ao capital mutuado em cada momento em dívida, tendo o mutuante como beneficiário, reforçando assim as garantias de pagamento.
4. O mais recente contrato de seguro vida celebrado e em vigor cuja pessoa segura era o marido da autora, é um contrato outorgado por BB em 30.04.2014, com início dos seus efeitos reportado a 14.04.2014, com o número de apólice e as condições particulares do documento de fls. 43 a 45, acta adicional de fls. 46, e condições gerais de fls. 98 a 119, que se consideram aqui reproduzidos).
5. Beneficiários do seguro, em caso de morte do segurado, eram o Banco 1..., cônjuge e descendentes da pessoa segura em partes iguais (doc. de fls. 43).
6. Pela acta adicional de fls. 46, o Banco 1..., declarou-se “interessado neste seguro na qualidade de Beneficiário Aceitante irrevogável”, nos demais termos aí referidos.
7. Trata-se de um contrato de adesão subscrito pelo marido da autora que, exercendo a actividade profissional de médico, celebrou um contrato de seguro vida - Ordem dos Médicos, designado Seguro de Vida - Ordem dos Médicos, cujas condições são as aí constantes.
8. Como contrapartida, o marido da autora obrigou-se a pagar um prémio anual no valor de 1.526,04€, tendo pago a primeira fracção no valor de 255,02€ e as restantes pagas mensalmente no valor de 127,17€, garantindo o pagamento do capital seguro (200.000,00€) em caso de morte da pessoa segura.
9. Sucede que o mutuário, BB, faleceu no dia .../.../2015, no estado de casado com a autora (documento de fls. 48, que se dá por reproduzido).
10. A autora participou o óbito às rés, com o fito de accionar aquele contrato de seguro.
11. A ré seguradora declinou qualquer responsabilidade, alegando ter resolvido o contrato de seguro com efeito a 14.01.2015, por falta de pagamento do respectivo prémio.
12. Na proposta de adesão ao seguro em causa, o falecido marido da autora assumiu a obrigação de pagamento dos prémios do contrato de seguro em apreço, através da autorização de débito em conta de depósitos da sua titularidade, ficando estabelecido o pagamento dos prémios de seguro com uma periodicidade mensal, através da conta com o NIB ..., indicado na proposta, que corresponde a uma conta do “Banco 3...[1]” (documento de fls. 89 a 91, que se dá por reproduzido).
13. A partir de Novembro de 2014 não foi possível proceder à cobrança dos prémios de seguro devidos junto da conta bancária associada ao contrato, tendo o recibo nº ..., no valor de €127,17, relativo ao período de 14.11.2014 a 13.12.2014, que se venceu em 14.11.2014, sido dado no seu vencimento como pago.
14. No entanto, em 25.11.2014, foi enviada pela SIBS informação de “Revogação de Cobrança - Operação contestada pelo devedor”, ficando novamente o recibo em aberto, por pagar.
15. Em 14.12.2014, a ré Companhia de Seguros remeteu para o BB carta registada com aviso de recepção para a morada indicada na proposta de seguro e que não foi sujeita a qualquer alteração, dando como limite o dia 31.12.2014 para ser regularizado o pagamento, sendo, após essa data, considerado o contrato de seguro anulado/resolvido (documento de fls. 148 a 152, que se dá por reproduzido).
16. Tal carta foi devolvida por não ter sido reclamada pelo marido da autora (mesmo documento).
17. Em 22.02.2015, a ré Companhia de Seguros comunicou ao Banco beneficiário a anulação da apólice (documento de fls. 153, que se dá por reproduzido).
18. Após a anulação da apólice, não foi recebido pela ré companhia de seguros qualquer outro pagamento de prémios relativos a este contrato de seguro, nem foi apresentado qualquer pedido de reposição da apólice.
19. A autora vem sofrendo de angústias e ansiedade, em consequência de as rés não assumirem como válido e vigente o contrato de seguro, à data do óbito do seu falecido marido.
20. O Banco 2... e o Banco 1..., acordaram em 02.09.2015, na alienação de parte da actividade do Grupo Banco 1... em Portugal, designadamente o seu negócio português de banca de retalho, operação que concretizaram em 01.04.2016 (doc. de fls. 184 a 187).
21- Em consequência do que o Banco 2... assumiu integralmente a relação bancária com todos os clientes anteriormente integrados no negócio do Banco 1..., nomeadamente no que se refere à conta bancária aqui em causa.
22- Tal alienação e assunção da relação bancária, foi comunicada à autora, tanto pelo Banco 1..., como pelo Banco 2... (docs. de fls. 189 a 193).
IV. O mérito do recurso: A] impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, querendo impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
Daqui resulta a necessidade de o recorrente individualizar os factos que estão mal julgados, especificar os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, indicar o sentido da decisão a proferir e, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, precisar as passagens do depoimento que tal hão-de permitir.
No caso, tais requisitos mostram-se cumpridos de forma satisfatória, sendo certo que, não obstante a redacção da norma, quando o recorrente questiona a suficiência dos meios de prova testemunhal acolhido pelo tribunal para julgar provado um facto que o recorrente defende dever ser julgado provado a impugnação pode consistir apenas no questionamento darazão de ciência da testemunha, sem necessidade de analisar o respectivo depoimento e, portanto, de precisar concretas passagens deste. Nada obsta, pois, ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Antes de entrar propriamente na apreciação da impugnação, é necessário corrigir um lapso de escrita no facto do ponto 12.
Refere-se nesse ponto que o pagamento do prémio de seguro devia ser feito por transferência a partir de uma conta bancária no Banco 3....
Trata-se de um lapso manifesto que resultou de não se ter atentado que embora a ré tivesse alegado que a conta bancária em causa estava domiciliada no Banco 3..., posteriormente acusou a sua falha, referindo que se tratava sim de uma conta do Banco 1... posteriormente transferida para o Banco 2... em Portugal, razão pela qual a seguir foi pedida a estes bancos a informação antes indevidamente solicitada ao Banco 3....
Acresce que já se encontravam juntos os extractos da referida conta que deixavam perfeitamente demonstrado que se tratava de uma conta do Banco 1... (só podia mesmo ser assim porque se tratava da conta através da qual o mútuo contratado com este banco seria pago).
Corrigindo esse lapso, decide-se alterar a redacção do ponto 12, substituindo a expressão «Banco 3...», pela expressão «Banco 1...».
A recorrente impugna de seguida a decisão de julgar provados os factos dos pontos 13 e 14, defendendo que a prova produzida é insuficiente para o efeito.
Trata-se de saber se o pagamento por transferência bancária da prestação do prémio de seguro de Novembro de 2014 não foi realizado porque, apesar de solicitado ao banco o seu pagamento e de inicialmente o pagamento ter sido aceite, a seguir foi recebida a indicação de «revogação de cobrança -operação contestada pelo devedor», ficando a prestação por pagar.
Encontra-se indiscutivelmente provado que o pagamento não teve lugar porque ao contrário do que sucedeu nos meses anteriores o valor correspondente não surge lançado a débito no extracto da conta bancária através da qual esse pagamento vinha sendo feito e seria igualmente feito nesse mês, extracto bancário que se encontra junto aos autos com a contestação do Banco 1....
Por esse motivo apenas pode haver dúvidas se ocorreu a situação alegada de ter havido uma intervenção do devedor para impedir o pagamento que inicialmente tinha sido aceite pelo banco. Dos documentos juntos parece não restar dúvida de que o não pagamento do prémio de seguro em Novembro de 2014 se deveu ao facto de o banco onde se encontrava aberta a conta na qual estava autorizado o débito directo do prémio não ter permitido a transferência desse valor mediante a invocação de «operação contestada pelo devedor». A questão consiste em saber se se tratou de uma informação correcta ou de um erro.
Conforme refere a recorrente não existe nos autos documento emitido/preenchido/subscrito pelo devedor que encerre uma ordem sua para impedir o pagamento. Esse documento foi requisitado aos bancos réus, tendo o Banco 1... vindo dizer que tinha transferido para o Banco 2... o seu negócio de retalho incluindo o contrato de mútuo com o devedor, pelo que a documentação existente está em poder deste, e o Banco 2... vindo declarar apenas que «o recibo foi devolvido com o motivo operação contestada pelo devedor», mas não possui documentação relativa a esse motivo.
Pode questionar-se se esse documento era indispensável para prova do motivo do não pagamento.
A nosso ver a resposta é negativa. Desde logo, por inexistir norma legal que imponha a pratica por escrito de acto susceptível de equivaler a esse motivo. Depois, por ser do conhecimento público e da informação disponibilizada pelo Banco de Portugal, designadamente no Caderno “Débitos Directos” [2] que o titular de uma conta bancária pode a qualquer altura gerir as autorizações de débito directo na sua conta através da rede multibanco ou do sitio do banco (online), designadamente inactivando autorizações que estejam activas, actuação que fica registado no sistema informático do banco, mas naturalmente não é reduzida a um documento escrito e assinado pelo titular da conta (no caso do multibanco é aliás o próprio titular da conta e ordenante que fica com o recibo da operação realizada, conforme lembrou a testemunha DD no seu depoimento).
Por fim, porque as operações dos débitos directos são feitas entre os bancos através da SIBS, mediante ficheiros electrónicos com inúmeros pedidos de pagamento de diversa ordem que são processados de forma automática por códigos, razão pela qual é perfeitamente possível que os bancos saibam através dos códigos usados o motivo pelo qual o pagamento não foi efectuado sem lhes ser exibido propriamente um documento escrito para cada um dos pagamentos constantes do ficheiro electrónico enviado.
Foi junto pela ré A... em 23-11-2021 documento que revela precisamente a utilização desses códigos (o que se compreende porque os pagamentos são feitos em lotes, através do sistema informático e por intermédio da SIBS) e o significado do código usado no caso que corresponde efectivamente a uma actuação do titular da conta no sentido de o pagamento não ser efectuado.
Nesse contexto, ao invés do sustentado pela recorrente a prova produzida podeser suficiente para julgar provados os factos dos pontos 13 e 14. No caso devemos considerar que essa prova é suficiente? Na nossa interpretação, a resposta é positiva.
Desde que devidamente escutados e interpretados, os depoimentos das testemunhas CC, DD e FF, em conjugação com os documentos juntos, são suficientes para se formar uma convicção objectivamente sustentada quanto a esses factos.
Estas testemunhas apenas conhecem a informação guardada nos sistemas das respectivas entidades patronais (a seguradora ré e o banco 2.º réu) não tendo tratado com o tomador do seguro/cliente do banco esta questão, razão pela qual não conhecem qualquer documento emitido por aquele no sentido de não autorizar o pagamento do prémio de seguro. Todavia, não excluem que essa revogação da autorização possa ter sido dada por uma via que não tenha deixado em poder do banco um documento que a comprove, v.g. a actuação na banca online ou através da rede multibanco, não apresentando qualquer razão para ter dúvidas da informação que consta dos sistemas informáticos a que tiveram acesso.
A circunstância de no extracto da conta não surgir um primeiro movimento a débito no valor do prémio e depois um segundo movimento para creditar esse mesmo valor na sequência da revogação da autorização explica-se facilmente. Na verdade, tendo o pagamento sido pedido através de um ficheiro SEPA com data de 11-11-2014 (data mencionada nos documentos juntos com o requerimento de 23-11-202), o movimento a débito não podia ser realizado no dia 14-11-2014 (a data de vencimento do prémio, conforme resulta da data da subscrição e da carta de anulação por falta de pagamento) ou nessa data valor porque a conta não tinha saldo suficiente para o pagamento do montante, só tendo passado a ter saldo suficiente no dia 21-11-2014 (cf. extracto bancário junto com a contestação do Banco 1...).
Por outro lado, não se vislumbra motivo para o banco invocar uma inexistente actuação do seu cliente no sentido de não permitir a concretização do pedido do credor de pagamento por débito directo previamente autorizado quando podia pura e simplesmente recusar o pagamento por insuficiência de saldo, situação que era real, imputável ao cliente e não acarretava para o banco nenhuma responsabilidade, sendo certo que nos meses anteriores sempre que houve saldo na conta (ou quando houve saldo na conta, porque em alguns casos o pagamento só é registado em data posterior ao do vencimento e numa altura em que o saldo é suficiente, o que permite dúvidas sobre se o pagamento não terá sido apresentado já em data anterior e repetido mais tarde por não ter sido concretizado no primeiro momento, prática bancária admitida por uma testemunha) o pagamento foi efectuado.
Acresce que o extracto da conta dos meses posteriores a Novembro de 2014 não menciona o pagamento deste prémio de seguro, ao contrário do que sucedera nos meses anteriores. Por isso, mesmo não tendo levantado nos correios a carta registada que lhe foi enviada pela seguradora a informar a falta de pagamento do prémio de seguro, o tomador do seguro / cliente do banco sabia ou podia saber que aquele prémio deixara de ser pago, pelo que, adoptando um grau de zelo mínimo que se crê próprio de uma pessoa adulta que tem um empréstimo bancário para a aquisição da habitação da família e um seguro de vida associado, era expectável que tivesse contactado o gestor de conta do banco para saber a razão e bem assim poder reverter as consequências de algum erro que tivesse havido a esse respeito, do que não há notícia nos autos, sendo certo que se o fizesse estava ainda a tempo de reverter essas consequências ao nível do contrato de seguro.
Por todos esses motivos afigura-se-nos que a decisão de julgar provados os factos dos pontos 13 e 14 é correcta e deve ser confirmada.
A impugnação da decisão de julgar provados os factos dos pontos 17 e 18, se porventura alcançamos o seu sentido e fundamento, é improcedente.
O que consta do ponto 17 resulta do documento n.º 7 junto com a contestação da ré seguradora. Nesse documento informa-se de facto que o contrato de seguro foi anulado por falta de pagamento do prémio. De qualquer modo, o documento em causa está dado como reproduzido na redacção do facto pelo que qualquer dúvida de interpretação será sanada pela respectiva leitura.
A redacção do ponto 18 é igualmente incontroversa. O facto apenas nos diz que depois da anulação do seguro a ré seguradora não recebeu qualquer outro valor a título de prémio desse seguro, o que parece uma evidência, conforme aliás resulta dos extractos bancários juntos. Coisa totalmente distinta que aquela redacção não infirma nem confirma, até por ser já pura matéria de direito, é saber se existia fundamento para a anulação e se a mesma foi realizada de forma válida e eficaz.
No corpo das alegações a recorrente ocupa-se, de seguida, de mostrar a sua discordância com a decisão de julgar não provado «que as rés nunca tenham remetido ao marido da autora qualquer comunicação de cancelamento do seguro» e «que a conta bancária em causa estivesse sempre aprovisionada com suficiente saldo para pagamento das prestações em causa».
Depois, nas conclusões das alegações de recurso acima reproduzidas, a recorrente não menciona em momento algum esse segmento da decisão sobre a matéria de facto, designadamente para sustentar a modificação da decisão e em que sentido.
É conhecido que as alegações de recurso se dividem em corpo das alegações, no qual o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir (artigo 639.º do Código de Processo Civil).
Nos termos dos artigos 608.º, nº 2, 609.º, n.º 1, 635.º, nº 4, e 639.º, do Código de Processo Civil, o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.
A delimitação do objecto do recurso pelas conclusões das alegações leva a que seja em função destas, e não propriamente do corpo das alegações (ainda que estas possam servir para interpretar aquelas) que se devam balizar as questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso e cujo conhecimento não esteja precludido ou prejudicado.
Havendo divergência entre os conteúdos do corpo das alegações e das respectivas conclusões, em virtude de uma questão ter sido mencionada no corpo das alegações, mas ter sido abandonada nas respectivas conclusões, a Relação não se pode pronunciar sobre tal questão.
Nessa medida, esta Relação não se pronunciará sobre a decisão de julgar não provados os factos acima referidos.
Admitindo, mediante uma leitura condescendente das normas legais, que se pudesse concluir que a Relação podia (e nesse caso devia) apreciar esta impugnação, deve afirmar-se, de modo peremptório, que a mesma seria improcedente.
A seguradora enviou ao marido da autora a carta junta sob o n.º 5 com a contestação da ré seguradora e julgada provada no ponto 15, cuja decisão a recorrente aceita. Nessa carta, a seguradora informa que está em dívida o prémio de seguro relativo ao período de 14-11-2014 a 13-12-2014, que o mesmo deverá ser pago até 30-12-2014 e que após essa data, subentende-se em caso de não pagamento do valor indicado, considerará o contrato resolvido ou reduzido de acordo com as cláusulas gerais. Por conseguinte, ainda que esta tenha sido a única carta enviada ao marido da autora, uma vez que nela é mencionada a consequência do não pagamento do prémio no novo prazo fixado, é incontornável julgar não provado «que as rés nunca tenham remetido ao marido da autora qualquer comunicação de cancelamento do seguro».
Da mesma forma, estão juntos aos autos os extractos da conta bancária a partir da qual eram pagos os prémios de seguro. Tais extractos revelam que houve meses em que a conta bancária apresentava um saldo inferior ao valor do prémio de seguro a pagar (127,17€) no dia 14 ou nos dias imediatamente a seguir, que era o dia do aniversário do contrato de seguro e, como tal, o dia do início das respectivas anuidade e mensalidades (foi também para esse dia que, como se assinalou já, através da SIBS foi pedido o pagamento da mensalidade de Novembro, e foi também nesse dia que foi paga a mensalidade de Agosto), vindo a suceder por várias vezes que o prémio acabou por ser pago apenas vários dias depois, na sequência da entrada na conta do valor da remuneração do titular recebida do Hospital ..., de Aveiro. É o caso dos meses de Junho, Setembro e Outubro e seria o caso do mês de Dezembro se a autora tivesse pedido o pagamento também nesse mês. Por isso, parece seguro que só podia ser julgado não provado «que a conta bancária em causa estivesse sempre aprovisionada com suficiente saldo para pagamento das prestações em causa».
A seguir, nas conclusões das alegações de recurso, a recorrente defende que devem ainda ser julgados provados diversos factos.
Tais factos não constam de modo expresso do elenco dos factos provados ou não provados pelo que, em rigor, podia sustentar-se estar-se perante um pedido de ampliação da matéria de facto. Todavia, atenta a fórmula usada na decisão recorrida para delimitar os factos sobre que recai a decisão (“no essencial e com relevo para o objecto do presente processo e pretensões das partes”) e a circunstância de já anteriormente ter sido anulado o julgamento para ampliação da matéria de facto e correcção de insuficiências da motivação, iremos considerar que os demais factos que não constam do elenco dos factos provados foram afinal julgados não provados, apesar da redacção do elenco destes.
Os factos retirados do alegado nos artigos 11 a 15 da resposta da autora às contestações constam, na medida em que interessam, dos factos julgados provados nos pontos 4, 5 e 6. O resto são puras conclusões de direito a retirar com base nas condições do contrato julgadas provadas. Em sede de matéria de direito se averiguará se a resolução foi validamente efectuada. Por esse motivo o referido nos artigos 11 a 16 do aludido articulado de resposta não será transposto para a fundamentação de facto da decisão.
Os factos retirados do alegado pela autora na petição inicial sob os artigos 19 e 29 respeitam à existência na conta bancária de saldo suficiente para o pagamento do prémio de seguro (o último artigo repete o primeiro, acrescentando-lhe não um facto, mas uma conclusão de direito). Este facto já antes foi abordado a propósito da (não) impugnação (válida) do facto julgado de forma especificada não provado atinente ao saldo da conta. Remete-se para o ali exposto então.
Conforme se assinalou, o saldo da conta variava ao longo do mês respectivo e havia dias em que não era suficiente e dias em que era suficiente para pagar o prémio de seguro em causa. O dia que deve relevar para saber se existia saldo suficiente para pagar o prémio não pode deixar de ser o dia em que esse pagamento devia ser realizado, ou seja, o dia 14 ou os dias imediatamente a seguir, por se tratar do dia do aniversário do contrato de seguro, o dia do início das respectivas anuidade e mensalidades. A mensalidade de Agosto foi paga nesse dia; o pagamento da mensalidade de Novembro foi pedido para esse dia e à data o saldo era insuficiente para o seu pagamento.
Segundo os extractos bancários juntos aos autos entre os meses de Junho de 2014 e Setembro de 2015 (16 meses) a conta apenas apresentou saldo suficiente para o pagamento do valor de 127,17€ no dia 14 e/ou nos dias imediatamente subsequentes, nos meses de Julho e Agosto de 2014 e Julho de 2015, ou seja, por 3 vezes. Em todos os outros meses o saldo era insuficiente por essa altura.
É certo que por vezes o prémio acabou por ser pago apenas vários dias depois do dia 14, após entrar na conta um depósito mais significativo, proveniente da remuneração do titular. Foi o caso dos meses de Junho (24), Setembro (25) e Outubro (24) de 2014, nos quais, como vimos, a conta não tinha saldo suficiente no dia 14 e/ou nos dias imediatamente a seguir. Já em Julho e Agosto de 2014 em que, como vimos, a conta tinha saldo suficiente no dia 14, o pagamento ocorreu nos dias 15 (Julho) e 14 (Agosto).
O que daqui se retira é óbvio: quando a conta tinha saldo suficiente, o pagamento era feito nos dias devidos; quando a conta não tinha saldo suficiente o pagamento era feito apenas vários dias depois, quando a conta já apresentava saldo suficiente. O que se explica pela justificação apresentada por um dos funcionários bancários ouvido como testemunha: o pagamento é pedido em lote através de ficheiro informáticos trocados entre os bancos através do SIBS e por vezes quando algum dos pedidos não é acolhido é repetido dias mais tarde em novo ficheiro informático precisamente para ultrapassar falhas pontuais nos saldos, porventura por esquecimento dos devedores, entretanto sanadas.
Nesses termos, é evidentemente impossível julgar provados os factos constantes da alegação dos artigos 19 e 29 da petição inicial.
O artigo 30 compreende dois factos distintos. O primeiro (a autora e o falecido marido nunca terem sido alertados de qualquer prémio de seguro em dívida, nem interpelados para pagar qualquer prémio eventualmente em atraso) não é verdadeiro, conforme se extrai do facto provado no ponto 15, cuja decisão a recorrente não impugnou, o qual, aliás, se encontra provado documentalmente.
O segundo (as segundas rés nunca informaram a autora e o falecido marido da insuficiência de saldo para pagamento de qualquer prémio) pode ou não ser verdadeiro. Para que fosse julgado provado a recorrente necessitava de indicar os meios de prova que o permitissem. Todavia, em momento algum das suas alegações, quer no corpo quer conclusões das mesmas, a recorrente indica tais meios de prova, saltando da abordagem dos factos dos artigos 19 e 29 para o artigo 31.
Logo a impugnação da decisão relativa ao facto do artigo 30 da petição inicial tem de ser julgada improcedente por falta de necessária e devida fundamentação ao nível dos meios de prova, sendo certo que não cabe ao Tribunal da Relação a obrigação de proceder por sua iniciativa à análise da totalidade dos meios de prova produzidos para verificar se alguém deles seria suficiente para a demonstração do facto em questão, ónus que incumbe à recorrente.
Os factos alegados nos artigos 37 (que a recorrente indica incorrectamente ser o 31) e 39 são irrelevantes para o caso concreto, para além de que, como quer que seja, a autora contratou o mútuo e por isso não pode deixar de ter configurado que nas vicissitudes inerentes à vida (que incluem a morte) tinha a obrigação de o pagar e corria o risco de ficar a pagá-lo sozinha.
Quanto à matéria dos factos 38 e 40 daquele articulado, afigura-se-nos que o facto julgado provado no ponto 19 é absolutamente suficiente para a decisão de mérito a proferir, sendo certo que o critério de relevância dos danos não patrimoniais não é o do sujeito, o modo como ele lida com a situação, mas sim o critério objectivo decorrente do padrão do bom pai de família
Por conseguinte, improcede na totalidade a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
C] da matéria de direito:
Em sede de matéria de direito a recorrente insurge-se contra a decisão de julgar a acção improcedente, sustentando que não se pode decidir que o contrato de seguro foi validamente resolvido por falta de pagamento do prémio, seja por inexistir o fundamento invocado para a resolução, seja por não terem sido observadas as disposições contratuais que regem sobre o modo de operar a resolução.
A recorrente sustenta ainda que caso assim não se entenda, então deve concluir-se que foi a actuação dos réus bancos a criar a irregularidade no contrato de seguro, pelo que nos termos da petição inicial ou com base no abuso de direito as mesmas devem ser condenadas a suportar o prejuízo que para a autora advém da ineficácia do contrato de seguro. Quid iuris?
Na presente acção existe uma pluralidade de partes coligadas e uma cumulação de causas de pedir e de pedidos.
Na parte da lide que respeita à ré seguradora a autora invoca o contrato de seguro do ramo vida e formula um pedido que corresponde ao cumprimento da obrigação assumida pela seguradora no aludido contrato, qual seja, a de uma vez verificado um determinado risco coberto pelo seguro (no caso, a morte da pessoa segura) pagar ao banco beneficiário a importância em dívida no contrato de mútuo para habitação, até à concorrência do capital seguro de 200.000,00€.
Na parte da lide que concerne aos réus Banco 1... e Banco 2... a autora sustenta que estes tinham a obrigação de pagar o prémio de seguro e que se não o pagaram foi por erro dos seus serviços já que a conta estava provisionada para o efeito, razão pela qual respondem pelos prejuízos que causaram à autora correspondentes ao montante que a ré seguradora devia pagar ao réu banco ao abrigo do contrato de seguro para liquidação integral do mútuo e desoneração da autora do respectivo pagamento.
A tudo isso e em relação a todos os demandados a autora alega que por não terem assumido já a responsabilidade que a autora lhes imputa os demandados incorreram na obrigação de indemnizar os danos morais sofridos pela autora em virtude desse comportamento.
Comecemos pelo contrato de seguro.
Resulta da matéria de facto que entre o marido da autora e a ré A... foi celebrado um contrato de seguro de grupo do ramo vida, através do qual a ré seguradora, em resultado da aceitação da proposta de adesão do marido da autora, se obrigou a pagar ao banco Banco 1... um montante indexado ao valor em dívida num contrato de mútuo para aquisição de habitação própria celebrado pela autora e pelo marido com este banco, no caso de se verificarem certos eventos relativos à pessoa do marido da autora, mais concretamente, no que interessa para efeitos da acção, a sua morte.
O contrato de seguro é um contrato bilateral, de execução continuada e de adesão que pode ser definido como a convenção através da qual uma das partes – o segurador – se obriga, mediante retribuição – o prémio – paga pela outra parte – o segurado – a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.
É ainda um contrato aleatório pois as partes submetem-se a uma álea, à possibilidade de ganhar ou perder, e oneroso na medida em que apesar de ambas as partes estarem sujeitas ao risco de perder, no final de contas só uma virá a ganhar - cf. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, Coimbra, 2005, pág. 403 -.
Nas palavras de Moitinho de Almeida, in O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Lisboa, págs. 23-24, o contrato de seguro é «aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de pretensão a realizar em data determinada».
Este tipo contratual encontra-se especialmente subordinado às imposições normativas do princípio da boa fé, devendo a seguradora e os proponentes do contrato de seguro orientar as respectivas condutas, na fase pré-contratual tal como depois na fase do cumprimento do contrato, segundo os ditames de um correcto proceder, característica que leva a doutrina e a jurisprudência a qualificar o seguro como um contrato de «Uberrima Fides» - v.g. Luís Poças, in O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro, Coimbra, 2013, pág. 36 e seg. -.
Na data em que o contrato a que respeitam os autos foi celebrado vigoravam já as disposições legais do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril. Este regime jurídico contém regulamentação para os seguros do ramo vida, que englobou na categoria mais ampla dos seguros de pessoas (titulo III) e aplica-se, entre outros, aos contratos de seguro celebrados após 1 de Janeiro de 2009, como o presente.
O mencionado regime jurídico do contrato de seguro estabelece o seguinte sobre o pagamento dos prémios de seguro.
No artigo 53.º estabelece-se que salvo convenção em contrário, o prémio inicial, ou a primeira fracção deste, é devido na data da celebração do contrato, e as fracções seguintes do prémio inicial, o prémio de anuidades subsequentes e as sucessivas fracções deste são devidos nas datas estabelecidas no contrato.
No artigo 55.º estabelece-se que o prémio pode ser pago, nos termos previstos na lei ou no contrato, por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, sem que o segurador possa recusar o recebimento. O n.º 2 da norma acrescenta mesmo que o contrato de seguro pode conferir ao terceiro interessado, titular de direitos ressalvados no contrato, o direito de proceder ao pagamento do prémio já vencido, desde que esse pagamento seja efectuado num prazo não superior a 30 dias subsequente à data de vencimento.
O artigo 57.º refere-se à mora no pagamento do prémio. A norma dispõe que a falta de pagamento do prémio na data do vencimento constitui o tomador do seguro em mora. Quanto aos efeitos da falta de pagamento do prémio, a norma distingue duas situações: na generalidade dos seguros esses efeitos são os que decorrem do disposto nos artigos 59.º e 61.º (regime legal), nos seguros indicados no artigo 58.º, são os que estiverem estipulados nas condições contratuais (regime voluntário).
Os seguros indicados no artigo 58.º são, entre outros, precisamente os seguros e operações regulados no capítulo respeitante ao seguro de vida. Para esses, como vimos, vale o regime de consequências da falta de pagamento do prémio constante das cláusulas do próprio contrato, mas o artigo 58.º permite que se apliquem as consequências legalmente fixadas para os restantes seguros se as partes tiverem estipulado a sua aplicação e a mesma não se oponha à natureza do vínculo.
Para o comum dos seguros, o regime legal estabelecido possui duas ideias fundamentais: o aviso de pagamento e a resolução automática do contrato.
Segundo o artigo 60.º, em regra, o segurador deve avisar por escrito o tomador do seguro do montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento, com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que se vence o prémio, ou fracções deste, advertindo o tomador, de modo legível, das consequências da falta de pagamento do prémio ou de sua fracção.
Segundo o artigo 61.º a falta de pagamento do prémio inicial, ou da primeira fracção deste, na data do vencimento, determina a resolução automática do contrato a partir da data da sua celebração. Já a falta de pagamento do prémio de anuidades subsequentes, ou da primeira fracção deste, na data do vencimento, impede a prorrogação do contrato e determina a resolução automática do contrato na data do vencimento de uma fracção do prémio no decurso de uma anuidade.
No caso deparamo-nos com um seguro de vida, pelo que em regra o regime de consequências da falta de pagamento do prémio é o estabelecido nas cláusulas do contrato. Vejamos qual é esse regime, recordando que segundo se provou ao contrato de seguro em causa correspondem as condições particulares do documento de fls. 43 a 45, a acta adicional de fls. 46, e as condições gerais de fls. 98 a 119, tudo dado como reproduzido na fundamentação de facto.
As condições gerais do contrato contêm as seguintes cláusulas: Artigo 25º - Prémios 1. Os prémios são anuais e devidos antecipadamente pelo Tomador do seguro. 2. O Segurador pode facultar o pagamento dos prémios anuais em fracções, … (…) 6. Mediante aviso prévio do Segurador nos termos do Artigo seguinte, o Tomador do seguro obriga-se a pagar pontualmente os prémios estabelecidos nas Condições Particulares no local e pela forma convencionados, podendo ser acordado o uso de outros meios apropriados que facilitem a cobrança. 7. Na falta de pagamento do prémio ou fracção dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, o Segurador enviará aviso, por carta registada, para pagamento no prazo de 8 dias a contar da data do registo. 8. Não sendo efectuado o pagamento no referido prazo de 8 dias, o Segurador procederá à resolução do contrato, cessando quer a garantia principal Morte quer as garantias complementares contratadas e, consequentemente, qualquer obrigação de pagamento do Segurador ao abrigo deste contrato. 10. Sendo a cláusula beneficiária irrevogável, o Segurador dará também ao(s) beneficiário(s) conhecimento da comunicação referida no n.º 8 do presente Artigo. (…) Artigo 26º - Aviso de pagamento A vigência do contrato, o Segurador deve avisar por escrito o Tomador do seguro do montante a pagar, assim como da forma e do lugar de pagamento e das consequências da falta de pagamento do prémio ou das suas fracções, com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que se vence o prémio, ou fracções deste. Artigo 27º- Modo de efectuar o pagamento 1. O prémio de seguro pode ser pago em numerário, por cheque bancário, sistema de débito directo, vale postal e pagamento serviços (SIBS), de acordo com o estabelecido nas Condições Particulares. (…) 3. O pagamento por sistema de débito directo fica subordinado à condição da não anulação posterior do débito por retractação do autor do pagamento, no quadro de legislação especial que a permita. Artigo 28º - Mora 1. Nos termos legalmente admissíveis, a falta de pagamento do prémio na data do vencimento constitui o Tomador do seguro em mora. Artigo 29º - Falta de pagamento 1. A falta de pagamento do prémio na data do vencimento confere ao Segurador o direito à resolução do contrato. 2. O Tomador do seguro pode exercer a faculdade de repor em vigor o contrato resolvido, mediante o pagamento dos prémios em atraso, acrescidos de juros: a) no prazo de 1 mês, a contar da data de resolução, nas condições originais e sem novo exame médico; b) no prazo de 6 meses, a contar da data de resolução, nas condições originais, mediante novos exames médicos à(s) Pessoa(s) Segura(s). Artigo 30º - Pagamento por terceiro (…) 2. Do contrato de seguro pode resultar que ao terceiro interessado, titular de direitos ressalvados nas Condições Particulares, seja conferido o direito de proceder ao pagamento do prémio já vencido, desde que esse pagamento seja efectuado num período não superior a 30 dias subsequentes à data de vencimento. 3. O pagamento do prémio, ao abrigo do disposto no número anterior, determina a reposição em vigor do contrato (…) Artigo 31º - Estipulação beneficiária irrevogável 1. Em caso de não pagamento do prémio na data de vencimento, se o contrato estabelecer um benefício irrevogável a favor de terceiro, deve o Segurador interpelá-lo, no prazo de 30 dias, para, querendo, substituir-se ao Tomador de seguro no referido pagamento. 2. O Segurador que não tenha interpelado o Beneficiário nos termos do número anterior não lhe pode opor as consequências convencionadas para a falta de pagamento do prémio.
As «Condições Particulares» definem o seguinte quanto aos «Prémios»: - Os prémios são variáveis e calculados anualmente, no inicio de cada anuidade, pela aplicação ao capital seguro da taxa definida para o escalão etário onde se integra a(s) idade(s) actuarial(ais) da(s) Pessoa(s) Segura(s) de acordo com a Opção subscrita pelo Tomador do seguro. (…) - Os prémios serão liquidados mediante débito em conta indicada pelo Tomador do seguro, podendo ser pagos em fracções semestrais, trimestrais, e mensais sem qualquer custo adicional, desde que o prémio fraccionado não seja inferior a 5,00 euros.
Finalmente, a «Acta Adicional» estabelece o seguinte: «Declaramos que Banco 1..., P L. C está interessado neste seguro na qualidade de Beneficiário Aceitante irrevogável, pelo que: . O benefício deste seguro, a favor do Banco 1..., P L C, não poderá ser alterado sem o consentimento deste. (...) . O contrato de seguro titulado por esta Apólice não pode ser resolvido sem consentimento do Beneficiário Aceitante com a excepção do estipulado nos dois pontos seguintes da presente Acta Adicional: . A liquidação dos prémios é da inteira responsabilidade do Tomador do seguro. Se os prémios não forem pagos nos prazos fixados, não obstante avisado o Tomador do seguro e o Beneficiário Aceitante, este último, querendo, pode substituir-se ao Tomador do seguro no referido pagamento. Caso o Beneficiário Aceitante não se substitua ao Tomador do seguro no pagamento dos prémios, nas condições estabelecidas na Apólice, o contrato será resolvido, sendo essa resolução mediatamente comunicada ao Tomador do seguro e ao Beneficiário Aceitante.»
Sendo este o regime legal e contratual aplicável ao caso em apreço no tocante ao pagamento do prémio de seguro, às respectivas consequências e ao modo de as operar, vejamos a que resultado conduz a sua aplicação aos factos provados.
Nos termos do artigo 342.º do Código Civil, cabe àquele que invocar um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado e compete àquele que opuser factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado fazer a prova dos factos integradores da excepção arguida.
Como vimos, a causa de pedir da acção, na parte em apreciação, é o contrato de seguro. Por isso, para fazer a demonstração dos factos constitutivos do seu direito a autora tinha de provar a celebração de um contrato de seguro, a termo certo, mas sucessivamente renovável, que o mesmo cobre o risco de morte da pessoa segura, que esse risco ocorreu e que nessa data existiam valores em dívida no contrato de mútuo a que o seguro está associado. Tanto bastava para satisfazer o ónus probatório que a compele.
Cabia à ré seguradora demonstrar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito da autora, ou seja, que o contrato de seguro se extingui de forma válida e eficaz, melhor dizendo, que se verificou uma situação imputável ao tomador de seguro que era fundamento de resolução do contrato e que com esse fundamento procedeu validamente à resolução do mesmo, fazendo cessar os seus efeitos obrigacionais.
Resulta da matéria de facto que ocorreu efectivamente um facto que era causa de resolução do contrato: a falta de pagamento do prémio de seguro, mais propriamente de uma das mensalidades em que o prémio anual se encontrava dividido.
Essa falta de pagamento é imputável no caso ao tomador do seguro uma vez que na sua origem esteve uma intervenção do próprio tomador do seguro de não permitir a cobrança do prémio por débito directo, intervenção que o banco sobre a qual estava autorizado o débito do prémio estava obviamente obrigado a respeitar. Por conseguinte, estamos perante uma situação de mora no cumprimento da obrigação imputável ao devedor que desencadeia as consequências prevista no contrato e na lei, qual seja a de permitir a resolução do contrato no caso de a mora se converter em incumprimento definitivo.
Resta saber se a seguradora procedeu validamente à resolução do contrato, isto é, se executou os procedimentos previstos para operar essa resolução de forma válida.
Parece não haver dúvidas de que no tocante ao tomador de seguro propriamente dito esses procedimentos foram cumpridos.
As cláusulas do contrato apenas exigem a interpelação do tomador de seguro para efectuar o pagamento em falta num novo prazo, o que consubstancia um mecanismo de interpolação admonitória destinado a converter a mora em incumprimento definitivo, conforme era necessário para que a resolução pudesse ser aplicada, e a comunicação de resolução.
Ora nada obsta a que a interpelação do devedor do prémio possa conter desde logo a informação de que caso o pagamento em falta não seja realizado no novo prazo concedido o contrato fica resolvido. O sentido da exigência epistolar é somente o de o devedor ser devidamente advertido quer da falta de pagamento verificada quer de que a manter-se essa situação o contrato se extinguirá por resolução.
Se dúvidas houvesse de que assim se deve entender, bastaria atentar que nos termos das cláusulas do contrato o devedor pode ainda, por mero acto unilateral, repor em vigor o contrato anulado mediante o pagamento dos prémios em atraso e respectivos juros (artigo 29.º das condições gerais), o que constitui um regime em que o devedor é particularmente favorecido com sucessivas oportunidades para eliminar a falha e impedir a extinção do contrato.
Sucede que a seguradora enviou efectivamente ao tomador do seguro uma carta informando que não fora paga a mensalidade do prémio relativa ao período de 14-11-2014 a 13-12-2014, que para efectuar o pagamento em falta o tomador dispunha de novo prazo até 30-12-2014 (o que respeita o prazo de 8 dias assinalado no artigo 25.º das condições gerais) e que após esse prazo (naturalmente se o pagamento não fosse efectuado) consideraria o contrato resolvido.
Essa carta não foi recebida pelo destinatário porque este não foi encontrado pelo distribuidor postal e uma vez avisado para a levantar nos correios, não a foi levantar, tendo a carta sido devolvida por não ter sido reclamada. Por conseguinte, nos termos do artigo 224.º do Código Civil, uma vez que a declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder, é dele conhecida ou só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, temos de concluir que a interpelação para o pagamento e a simultânea informação da resolução do contrato em caso de persistência do não pagamento se tornaram eficazes em relação ao tomador do seguro.
As dúvidas surgem em relação ao beneficiário do seguro que surge no contrato de seguro como «beneficiário irrevogável».
Decorre das condições do contrato que em caso de não pagamento do prémio de seguro na data de vencimento, a seguradora deve avisar o tomador do seguro para efectuar o pagamento em falta e que pode resolver o contrato caso esse pagamento se mantenha por pagar. Todavia, dessas condições e da acta adicional junta resulta que havendo, como havia no caso, um beneficiário irrevogável, a seguradora deve avisar igualmente o beneficiário irrevogável da falta de pagamento ocorrida, uma vez que este pode, querendo, substituir-se ao tomador de seguro e pagar o prémio em falta; se essa substituição não tiver sido feita pelo beneficiário irrevogável o contrato pode ser resolvido.
O contrato prevê assim várias comunicações a realizar pela seguradora: a comunicação da falta de pagamento ao tomador do seguro e ao beneficiário irrevogável, a comunicação da resolução ao tomador do seguro e ao beneficiário irrevogável. Tal como nada impede que na comunicação da falta de pagamento do prémio a seguradora informe o tomador do seguro, desde logo, a consequência que advirá para o contrato no caso de o prémio continuar por pagar, também parece nada impedir que ambas as informações sejam transmitidas ao beneficiário irrevogável na mesma comunicação. O que é indispensável é que ambas as informações sejam transmitidas e que naturalmente a resolução não seja feita se o pagamento do prémio for concretizado no prazo suplementar concedido, pelo tomador do seguro ou pelo beneficiário irrevogável, sob pena de a resolução ser inválida ou ineficaz.
A ré seguradora alegou e assim ficou demonstrado que comunicou ao banco beneficiário, em 22-02-2015, a anulação da apólice, conforme doc. nº ... que juntou com a contestação. Na comunicação em causa apenas é dito o seguinte: «Informamos que procedemos à anulação da apólice ..., com efeito a 14-01-2015, por não ter sido efectuado o pagamento do respectivo prémio». Estamos, pois, claramente, não perante a informação de que não foi pago um prémio de seguro e a interpelação da destinatária para, querendo, se substituir no seu pagamento, mas já perante a informação da resolução do contrato com tal fundamento.
Daqui resulta que a ré seguradora, sobre a qual recai, repete-se, o ónus de demonstrar que procedeu à resolução do contrato de forma válida e eficaz, não alegou e não demostrou que procedeu à interpelação do beneficiário irrevogável para se substituir no pagamento do prémio em falta (interpelação que naturalmente pressupunha a indicação de qual o prémio em dívida, do respectivo valor e do novo prazo para o pagamento, tudo informação que não consta da única comunicação alegada).
A pergunta que se coloca é se essa não (alegação nem) prova da interpelação do beneficiário irrevogável para se substituir ao tomador do seguro impede a resolução do contrato de seguro por falta de pagamento do respectivo prémio.
Cremos que a resposta deve ser negativa.
Nos termos do n.º 2 da cláusula 31.º das condições gerais do contrato a falta dessa interpelação apenas impede a seguradora de opor ao beneficiário irrevogável as consequências da falta de pagamento do prémio. Dessa cláusula não resulta que a seguradora não possa proceder à aplicação da consequência legal da falta de pagamento do prémio (a resolução), resulta somente que caso aplique essa consequência não poderá opor os seus efeitos ao beneficiário irrevogável.
Na nossa interpretação, a acta adicional não revoga o ali consagrado, nem diz o contrário. Ela limita-se a repetir, de modo mais concentrado, o que já resultava do regime geral do contrato de seguro e das respectivas condições gerais acima indicadas.
A acta adicional reafirma que a liquidação dos prémios é da inteira responsabilidade do Tomador do seguro; é o que já resulta das disposições gerais do contrato e da definição do tomador de seguro como a pessoa que celebra o contrato e é responsável pelo pagamento do prémio.
Acrescenta que se os prémios não forem pagos nos prazos fixados, o beneficiário aceitante pode, querendo, substituir-se ao Tomador do seguro no referido pagamento, para o que deverá obviamente ser notificado; é o que resulta do artigo 31.º das condições gerais.
E acrescenta que se esse pagamento continuar sem ser feito, pelo tomador do seguro ou pelo beneficiário aceitante, o contrato será (rectius, poderá ser, pois a resolução não é obrigatória nem automática) resolvido; é o que resulta do regime do contrato de seguro.
A obrigação de pagamento dos prémios de seguro é exclusivamente do tomador de seguro. A acta adicional afirma-o, mas isso já resultava do teor das cláusulas gerais do contrato. O beneficiário goza do direito potestativo de se substituir, querendo, ao tomador do seguro nesse pagamento, mas não tem a obrigação de o fazer. O que significa que se o não fizer não incorre em incumprimento do contrato de seguro, nem em incumprimento do contrato de mútuo que celebrou com o tomador do seguro. A resolução do contrato é a consequência legal e contratual do incumprimento do devedor.
A mera não demonstração de que ao terceiro beneficiário foi permitido usar o direito potestativo de se substituir ao devedor não parece poder impedir aquela consequência sem que esteja demonstrado que se tal tivesse sucedido este iria de facto usar esse direito e impedir a resolução. Nem a autora nem o banco que tinha a qualidade de beneficiário irrevogável sustentam nos autos que caso aquela notificação tivesse sido feita o banco se teria substituído ao tomador de seguro. Nesse contexto, parece que o n.º 2 da cláusula 31.º das condições gerais não pode ser interpretado para além do que ela mesmo afirma: que a resolução só não produz efeitos em relação ao beneficiário.
Nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, no cumprimento da obrigação, como no exercício do direito correspondente as partes devem proceder de boa fé. Os ditames da boa fé (a boa fé objectiva, enquanto regra de conduta delimitada pela actuação do bom pai de família) impedem, designadamente, que falhas menores assomem como suficientes para a desencadear ou impedir consequências contratuais associadas ao incumprimento.
A notificação de que estamos a falar visa a protecção do beneficiário irrevogável, do respectivo benefício representado pelo contrato, não a protecção da posição do tomador do seguro. O que sucede é que essa protecção do terceiro gerará indirectamente uma vantagem para o tomador caso aquele decida substituir-se num pagamento que não é sua obrigação fazer. Por isso trata-se de uma mera regra procedimental porque não interfere nem com o incumprimento do contrato (que recai sempre sobre o obrigado ao dever de prestação) nem com a interpelação admonitória do devedor para converter esse incumprimento em definitivo.
A notificação não contende com os deveres do tomador do seguro porque respeita a um comportamento alheio não vinculativo, puramente facultativo, que o terceiro adoptará ou não segundo a sua conveniência ou oportunidade. Nesse sentido, na economia do contrato e no que concerne ao tomador do seguro a falta de notificação é uma falha menor e não deve constituir fundamento suficiente para neutralizar as consequências do incumprimento definitivo do verdadeiro e único obrigado a cumprir.
Acresce que o contrato confere ao tomador do seguro ainda uma última via para impedir a resolução do contrato, qual seja a de após a resolução do contrato, e, não obstante esta, proceder ao pagamento dos prémios em dívida e respectivos juros de mora, impondo por acto unilateral a reposição em vigor de uma relação contratual já extinta (artigo 29.º das condições gerais), o que, no rigor dos princípios exigia um novo mútuo consenso.
Nesse contexto global, afigura-se-nos que afronta as regras da boa fé e por isso deve ser rejeitada uma interpretação que abstraindo do disposto no n.º 2 do artigo 31.º das condições gerais e atribuindo à acta adicional um conteúdo que literalmente esta não parece ter, conclua no sentido de, mesmo não estando demonstrado que o banco pagaria os prémios em falta para impedir a resolução e estando demonstrado que apesar da notificação de resolução por falta de pagamento de prémios de seguro que a seguradora enviou ao tomador do seguro e ao beneficiário irrevogável, nem um nem outro efectuaram os pagamento em falta da contrapartida do risco assumido pela seguradora, a resolução operada pela seguradora não é válida e eficaz no que respeita ao tomador do seguro.
A ser assim, deve concluir-se que o contrato de seguro, pelo menos no que respeita ao tomado do seguro, se encontrava valida e eficazmente resolvido por falta de pagamento do prémio de seguro e, por isso, falece o fundamento com que a autora pretendia obrigar a ré seguradora a liquidar o saldo em dívida do contrato de mútuo e improcede, nessa parte, a acção.
Como vimos, a outra parte da acção funda-se já não no contrato de seguro, mas em algo diferente, mais propriamente na actuação dos réus bancos relacionada com o contrato de seguro.
Esta pretensão era ab initio totalmente improcedente em relação ao réu Banco 2... na medida em que este apenas se tornou parte no contrato de mútuo e, como tal, beneficiário do contrato de seguro, depois do óbito do mutuário / tomador do seguro, razão pela qual o seu comportamento não podia de modo algum ser causa de qualquer vicissitude em relação a um contrato que ou já se encontrava extinto por resolução ou em relação ao qual já se havia verificado o sinistro que operaria o vencimento da obrigação da seguradora.
Após o julgamento da causa parece igualmente inevitável a improcedência desse pedido em relação ao réu Banco 1....
Em primeiro lugar, porque a falta de pagamento do prémio de seguro de Novembro de 2014 não lhe é imputável, mas sim ao titular da conta que revogou a autorização de débito directo, sendo certo que o pagamento dos prémios seguintes não ocorreu porque a seguradora já não pediu o seu pagamento uma vez que optou por interpelar directamente o tomador do seguro e, perante a inércia, deste pela resolução do contrato.
Em segundo lugar, porque o banco era apenas beneficiário irrevogável do contrato de seguro, não era o devedor dos respectivos prémios, pelo que a circunstância de ele não se ter substituído ao tomador de seguro no pagamento do prémio que aquele não pagou na data do seu vencimento não acarreta nenhum incumprimento de deveres contratuais ou legais nem gera qualquer responsabilidade perante o tomador de seguro.
Em terceiro lugar, porque nem do contrato de mútuo, nem do contrato de seguro resulta para o banco mutuante / beneficiário irrevogável qualquer dever obrigacional de avisar o mutuário da falta de pagamento do prémio de seguro e/ou da resolução do contrato, informações que cabia à seguradora transmitir e que transmitiu, sendo certo que o extracto da conta bancária informa os movimentos efectuados na conta sobre a qual estava autorizado o débito directo e, consequentemente, que o prémio de seguro em causa não foi pago.
Por fim, porque a responsabilidade emerge sempre de um comportamento ilícito (artigo 483.º do Código Civil), o qual tem natureza contratual (traduz o incumprimento de obrigações de natureza contratual) ou natureza extracontratual (traduz a violação de deveres legais de actuação ou de normas legais de protecção), razão pela qual sem ilicitude nenhum comportamento pode gerar a obrigação de indemnizar os danos que um terceiro sofreu.
Ora, não sendo o banco parte no contrato de seguro, mas mero beneficiário da prestação assumida pela seguradora, e não tendo assumido naquele qualquer dever de prestação, nenhum comportamento seu pode ser visto como incumprimento contratual dessa relação jurídica (esquecendo a polémica figura doutrinária da responsabilidade de terceiro pelo incumprimento de obrigações), sendo certo que a outra fonte da responsabilidade civil (violação de direitos subjectivos alheios ou de normas legais de protecção) não foi sequer invocada ou pode ser conjecturada nas concretas circunstâncias do caso (podia, eventualmente, invocar-se a violação de um qualquer dever de prestação resultante do contrato de abertura de conta bancária, mas não foi isso que foi invocado).
Por fim, diga-se que o último pedido formulado pela autora é igualmente improcedente.
Para que determinado comportamento possa gerar a obrigação de indemnização é, como vimos, necessário que o mesmo possua a qualidade da ilicitude. Excluída, por não vir alegada nem poder estar em causa, a ilicitude por violação de direitos subjectivos absolutos ou normas legais de protecção, essa qualidade só pode resultar da violação do contrato, rectius, da violação de deveres de prestação de fonte contratual.
Mesmo admitindo que o incumprimento contratual possa gerar a obrigação de indemnizar danos não patrimoniais, como mais modernamente se vem admitindo, tal incumprimento só se coloca na relação credor-devedor: quem pode responder por essa consequência é o devedor inadimplente. Ora a causa de pedir alegada pela autora para pedir a condenação dos réus a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais consiste no facto de os demandados não terem assumido já a responsabilidade que a autora lhes imputa.
Como vimos, só a seguradora é responsável pelo cumprimento das obrigações que assumiu mediante a celebração do contrato de seguro, sendo certo que, como se demonstrou não há incumprimento da sua parte. Os bancos réus apenas são partes no contrato de mútuo a que aquele seguro se encontra associado e quanto ao contrato de seguro nenhum incumprimento foi sequer alegado, pelo que não pode advir responsabilidade para os réus.
Em suma, a acção foi correctamente julgada improcedente, pelo que o recurso contra a mesma é igualmente improcedente.
V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, a qual vai condenada a pagar às recorridas, a título de custas de parte, as taxas de justiça que suportaram com o recurso.
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Porto, 14 de Dezembro de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 720)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas]
__________________________________________ [1] Lapso de escrita abaixo corrigido, com substituição do Banco 3... pelo Banco 1.... [2] Consultado in https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/1_debitos_diretos.pdf e cuja data é de Setembro de 2014, sendo por isso contemporânea dos factos.