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FACTO EXTINTIVO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXECUÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FALTA DE CITAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário
I – As eventuais nulidades processuais alegadamente cometidas ou omitidas ao longo do processo, não podem confundir-se com as causas de nulidade da sentença, previstas no artigo 615.º do CPC, devendo ser arguidas perante o juiz da causa, nos termos e prazo previstos nos artigos 197.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, do CPC, e não conferem à parte o direito de interpor recurso de tramitação processual há muito consolidada, invocando inexistente nulidade da sentença. II – A alegação pela Apelante de factos considerados extintivos do direito da Apelada, que foram do seu conhecimento antes da audiência prévia, só até esse momento poderiam ter sido carreados aos autos, nos termos do artigo 588.º, n.º 3, alínea a), do CPC. III – Não o tendo feito até então, precludiu a possibilidade de os invocar posteriormente, ou serem oficiosamente conhecidos nos termos do artigo 611.º, n.º 1, do CPC, já que, apesar da possibilidade de aplicação deste preceito nos acórdãos ex vi artigo 663.º, n.º 2, da citada codificação, esse conhecimento apenas é admissível, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, onde se insere o indicado termo final. IV – Apesar da menção efetuada em acórdãos proferidos no âmbito de processo com diferente causa de pedir, de que a aqui requerente era credora reclamante e devia ter sido citada na execução, nenhuma das citadas afirmações constantes nos arestos constituiu antecedente lógico da decisão, cuja ratio decidendi assentou na caducidade do direito com a adjudicação dos bens penhorados, em decorrência do disposto no artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil, não se verificando nem a exceção de caso julgado nem a autoridade de caso julgado, que obste à apreciação no âmbito do processo executivo da questão de saber se uma citação que neste não foi efetuada, devia ou não tê-lo sido. V – A citação pelo agente de execução só é devida relativamente a credores reclamantes munidos de título executivo. VI – Na expressão “falta das citações prescritas” a que se refere o artigo 864.º, n.º 10, do CPC, inclui-se a omissão de citação dos titulares dos direitos de ónus e encargos não registáveis – como é o caso do direito de retenção – mas que hajam sido reconhecidos, caso em que devem ser citados para reclamarem os seus créditos na execução e a omissão da sua citação configura a referida falta das citações prescritas no n.º 3, alínea b). VII – Sendo a sentença que reconheceu a aqui requerente como titular do direito de retenção, constitutiva daquele título, não se verifica a invocada falta de citação da Requerente desse incidente, já que a verificação desse vício dependia de qualidade que a promitente compradora não tinha à data da citação dos credores, que teve lugar no processo executivo em momento anterior à constituição na sua esfera jurídica daquele direito, e consequentemente da qualidade de credora. VIII – Tendo sido formulado um segundo pedido, processualmente inadmissível, que passou o crivo do despacho liminar, a sua dedução integra neste momento processual exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, impondo ao tribunal que se abstenha de conhecer do pedido e decrete a absolvição do réu da instância (cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, n.º 1, e 578.º, todos do CPC). (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Processo n.º 522/08.5TBSTR-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:
I. RELATÓRIO 1.Banco Comercial Português, S.A., inconformado com a decisão proferida em 25.05.2022, na qual o Tribunal a quo decidiu: «- julgar verificada a nulidade resultante da omissão da citação de AA para reclamar o pagamento do seu crédito, e consequentemente, julgar nula a verificação e graduação de créditos, a venda executiva e adjudicação ao exequente realizadas, do lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., Lote 2, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...05, e inscrito na matriz urbana sob o nº ...41; e - consequentemente, ordenar ao AE que proceda à citação de AA para reclamar o seu crédito, conforme previsto nos arts. 864.º, n.ºs 3, al. b), CPC (atual art. 786.º, n.ºs 1, al. b), NCPC)», interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as conclusões que se transcrevem: «A. Vem o presente recurso interposto do douto saneador-sentença proferido num apenso de “Embargos de Executado” que julgou verificada a nulidade resultante da omissão da citação de AA, e consequentemente ordenou julgar nula a verificação e graduação de créditos, a venda executiva, ordenando ainda o AE a proceder à citação desta. B. Salvo o devido respeito, o douto saneador-sentença carece de razão, violando claramente o disposto na Lei, como a seguir se demonstrará. C. A apelada deduziu, em 03/09/2018, o presente incidente/reclamação de declaração de nulidade resultante da omissão da citação nos autos de Execução sob a Ref.ª Citius “5225110” e, em 28/04/2021, nos autos de Execução sob a Ref.ª Citius “86542668” foi ordenada de “novo apenso de embargos de executado”. O mesmo foi constituído com o valor de € 1.806.136,64, valor esse, que o douto tribunal de que se recorre manteve, sem que justificasse a razão de ser ou indicasse o critério utilizado para na fixação do mesmo. D. No referido apenso de “Embargos de Executado” foi associada não só a ora apelada, como também, todos os intervenientes acidentais que já tinham deduzido pretensão semelhante e que viram a mesma ser indeferida, por decisão há muito transitada em julgado (tal como resulta exposto na alínea Q da factualidade assente) e, sem que se tenha percebido a razão de ser de tal associação. E. Tendo sido ainda associada a executada declarada insolvente e representada pelo Administrador de Insolvência, contudo, o AE (a quem cabe citar os credores e a quem foi ordenado que o fizesse) nunca teve a oportunidade para justificar o motivo da alegada omissão de citação que lhe cabia fazer e que alegadamente não fez. F. Por outro lado, nem o exequente, ora apelado, nem a apelada, pagaram a taxa de justiça condizente com o valor processual de € 1.806.136,64. G. E foi neste enquadramento, claramente violador da Lei, que foi decidida a reclamação de nulidade que deveria ter tramitado na execução, onde o ato foi praticado (ou melhor omitido), uma vez que, era esse o meio processual próprio. H. Pelo que, e antes de mais, é nula a decisão de que ora se recorre, por clara e notória violação da Lei e dos meios de defesa das partes, tendo atribuído direitos a quem não era parte e quem o douto tribunal a quo já tinha julgado a sua pretensão e, tendo ainda omitido procedimentos, numa clara violação do caso julgado e do exercício do contraditório. I. No presente recurso que ora se submete à apreciação de V. Exªs, pretende-se impugnar a decisão ora proferida, quer sobre a matéria de facto, solicitando-se a sua reapreciação e alteração nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do art. 712º do CPC, quer sobre a matéria de direito, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 685º A do CPC. J. Após a realização da audiência previa, foram considerados assentes / provados, os factos melhor elencados na sentença de que se recorre, da aliena A) a AE). K. Dos autos de execução (processo 522/08.5TBSTR) consta com a referência citius 590900 requerimento apresentado pelo AE dando a conhecer aos autos, que em 12.11.2008 havia procedido à citação dos credores, conforme resulta das notificações com as referências citius (588342, 588343, 588344 e 588345). L. E nessa senda, sempre teria que ser dado como provado, que a citação dos credores, nos termos do disposto no artigo 864.º do CPC, realizada pelo Agente de execução nomeado nos autos, Dr. BB, ocorreu em 12.11.2008. M. Sendo assim, em face dos documentos juntos aos autos, resulta provado que a citação dos credores, foi realizada pelo Agente de Execução em 12.11.2008, momento anterior à propositura da ação declarativa pela Apelada (proc. 864/09.2TBCSC), contra a anterior proprietária, para que ao abrigo do alegado contrato promessa de compra e venda, entre as partes celebrado, lhe viesse a ser reconhecido um crédito sobre a sociedade Ré e o correspondente direito de retenção sob a fração objeto do aludido CPCV, correspondente ao segundo andar frente, designado pela letra “K”, já identificado nos autos.
N. Assim, deve ser aditado aos factos dados como assentes / provados, a alínea AF, a qual deverá ter a seguinte redação: “No âmbito da ação executiva n.º 522/08.5TBSTR, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santarém, o Agente de execução procedeu à citação dos credores, ao abrigo do disposto no artigo 864.º e para os efeitos do disposto no artigo 865.º ambos do CPC na sua anterior redação, em 12.11.2008.” O. Deve ainda ser aditado ao elenco dos factos provados, a data do trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.º 864/09.2TBCSC, no 1.º Juízo Central do Tribunal de Família e Menores a Comarca de Cascais. P. Decorre da certidão junta aos presentes autos pela Apelada, a qual não foi pelas partes contestada, que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 864/09.2TBCSC, na qual veio a ser reconhecido o direito de retenção à então Autora, AA, transitou em julgado em 19.04.2010 (cf. documento junto aos autos principais em 03.09.2018 com a referência 29984912) Q. Assim sendo, a redação da alínea h) dos factos provados deverá passar a ser: H) Nos autos supra referidos foi proferida sentença em 03 de Março de 2010, a qual transitou em julgado a 19.04.2010, decidindo: a) declarar resolvido o contrato promessa celebrado entre autora e ré, por incumprimento desta; b) condenar a ré na restituição do sinal prestado em dobros, ou seja, no montante de € 90.000,00; c) condenar a ré a pagar, para além desse montante, juros de mora à taxa legal, contados desde 06.04.2009, data da sua citação, até efetivo e integral pagamento; d) reconhecer que a autora é titular do direito de superfície sobre a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1º andar direito, do prédio sito na Praceta ..., ..., freguesia de Salvador, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...79 e descrito na C.R.P. Santarém sob o nº ...9; e) condenar a ré a entregar à autora essa fração, livre e desocupada; f) condenar a ré a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, € 20,00 por cada dia de atraso na entrega da mesma fração; g) reconhecer à autora o direito de retenção da fração autónoma correspondente ao 2º andar frente (para habitação), com lugar de estacionamento e arrecadação, do prédio urbano em construção, nos denominados Edifícios ..., na Rua ..., freguesia de Marvila, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...41 e descrito na C.R.P. de Santarém sob o nº ...05, para garantia do direito de crédito resultantes do não cumprimento da promessa.“
R. Relativamente à impugnação da matéria de direito, não poderemos deixar de identificar os pontos em que a sentença recorrida andou mal, os quais se prendem em específico quanto à analise de: • Decisão da extinção do direito de retenção da Apelada, atenta a entrega voluntária do imóvel; • A caducidade do direito de retenção, em face da venda do imóvel no âmbito da ação executiva (processo 522/08.5TBSTR); • Circunstâncias e momento em que ocorreu a citação de credores, operada pelo Agente de execução nomeado nos autos; • A prevalência da hipoteca sobre o direito de retenção, uma vez que a sentença proferida no âmbito do processo 864/09.2TBCSC onde veio a ser reconhecido o direito de retenção da Apelada sob a fração em crise, não poderá ser oponível ao Banco Exequente, porquanto este sendo um terceiro juridicamente interessado não foi parte da mesma, sendo que tal sentença não lhe poderá ser oponível. • Da não verificação dos pressupostos para que viesse a ser decretada a nulidade da venda; • Do direito de retenção sob a fração designada pela letra “K” correspondente ao segundo andar frente, destinada a habitação, de tipologia T-três, com dois lugares de estacionamento na segunda cave identificado por P-nove e P-dez, com uma arrecadação no sótão identificada por A-oito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., Lote 2, freguesia de Santarém (Marvila), concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o nº ...20 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...41 da referida freguesia, o qual apenas poderia reconduzir à nulidade de tal venda e não da totalidade do prédio; S. Da douta decisão recorrida consta que: “Os factos provados são os que foram provados no âmbito do processo n.º 1.532/13.6TBSTR do Juízo Central Cível de Santarém, J4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, fazendo parte do caso julgado material resultante da decisão final aí proferida, transitada em julgado, sobretudo no confronto entre o Bancoexequente e AA, conforme certidão do referido processo (e respetivas decisões, incluindo do TRE, e STJ), junta aos autos”. T. Ora, a decisão final proferida no âmbito do processo n.º 1.532/13.6TBSTR do Juízo Central Cível de Santarém, J4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, já transitada em julgado e que constitui caso julgado material (o que significa que tem força obrigatória não só dentro do processo como também, e principalmente, fora dele) condenou a apelada a entregar ao Banco apelante a fração autónoma sobre a qual foi reconhecido, por sentença proferida em 03/03/2010 o alegado direito de retenção da apelada. U. Decisão que veio a ser confirmada pelos Tribunais Superiores. V. Em face disso, veio o então Autor, ora Apelante, a intentar a ação executiva que correu termos sob o n.º 3020/19.8T8ENT, no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 3, para entrega de coisa certa - fração autónoma designada pela letra "K", correspondente ao segundo andar frente - contra AA, para cumprimento da sentença proferida no âmbito do processo judicial n.º 1532/13.6TBSTR. W. A ação executiva n.º 3020/19.8T8ENT, veio a ser extinta em 17 de Novembro de 2021, por inutilidade superveniente da lide, porquanto na pendencia da execução, veio a então Executada AA, ora Apelada a proceder à entrega voluntaria da fração sob a qual havia sido reconhecido o direito de retenção, facto que esta ardilosamente omitiu nos presentes autos. X. Para prova da entrega voluntária do imóvel objeto do direito de retenção pela Apelada, muito requer o ora apelante, ao abrigo do disposto no artigo 651.º do CPC, e a título excecional, a junção aos autos da certidão judicial emitida em 06 de Junho de 2022, quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, decorrente da entrega voluntária da fração pela então executada AA. Y. O documento em crise não havia ainda sido junto, porquanto, a decisão de que ora se recorre foi uma surpresa para o Exequente, o qual, convencido entre outros, da caducidade do direito da Apelada, da não oponibilidade do direito de retenção ao Apelante e ainda que não seria proferido um saneador sentença, mas que os presentes autos ainda prosseguiam para julgamento, não havia ainda requerido a emissão de tal certidão, por forma a fazer prova de mais um facto – extinção do direito de retenção. Z. Ao abrigo do disposto no artigo 761.º do Código Civil, com a entrega voluntária do imóvel pela Apelada, o direito de retenção que a mesma detinha sob a mesma extinguiu-se, e em face disso nunca poderia ter sido proferida a sentença de que ora se recorre, nos termos em que o foi. AA. Acresce que, o direito de retenção não impede a penhora, facultando ao seu titular o direito de ser pago com preferência aos demais credores do mesmo devedor. BB. Acontece que o invocado direito de retenção já havia caducado com a venda judicial operada no âmbito do processo executivo 522/08.5TBSTR. CC. O Banco Autor, ao adquirir o imóvel por via de venda judicial, adquiriu o mesmo livre de ónus e encargos, não lhe podendo ser aposto o alegado direito de retenção. DD. Nos presentes autos, a ora Apelada gozava de um direito real de garantia, direito de retenção, sobre a fração “K” melhor identificada nos autos, a qual integra um prédio que foi construído no lote de terreno que tinha sido objeto da venda no âmbito da execução hipotecária (processo 522/08.5TBSTR), com a venda realizada no processo executivo, o invocado direito de retenção caducou. EE. Tendo a douta sentença andando mal ao considerar que ao abrigo de um direito de retenção já extinto e / ou caducado, podia ainda a Apelada vir a peticionar a nulidade / anulação da venda, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que venha a julgar extinto e / ou caducado o direito de retenção de que a apelada se arroga ainda titular. FF. De acordo com a legislação aplicável, à data dos factos, alínea b) do n.º 3 do artigo 864.º CPC, os credores que sejam titulares do direito real de garantia, registado ou conhecido, devem ser citados pelo Agente de Execução, para reclamarem o pagamento dos seus créditos. GG. No caso dos autos, à data que o Agente de execução veio a fazer a citação dos credores, ao abrigo do disposto no artigo 864.º CPC (anterior redação), 12 de Novembro de 2008, ainda não era do conhecimento deste nem do então Exequente ora Apelante, que a Apelada era detentora de um direito de retenção. HH. Tanto mais que a ação instaurada por AA contra a anterior proprietária, (processo n.º 864/09.2TBCSC) apenas veio a ser intentada em 02.02.2009, tendo sido proferida a sentença, que veio a reconhecer o direito de retenção da Apelada sob a fração em crise, em 03.03.2010 com transito em julgado em 19.04.2010. II. E nesta senda, não veio efetivamente a ora Apelada a ser citada, ao abrigo do artigo 864.º do CPC na sua anterior redação, na qualidade de credora do então executado, na medida em que não era ainda do conhecimento, nem podia ser, de que esta era titular de um direito de retenção, o qual ainda não lhe havia sido reconhecido, e nem estava registado. JJ. Pese embora tal facto, podia a Apelada, caso assim o entendesse ter vindo aos autos de execução (proc. 522/08.5TBSTR) apresentar, de forma espontânea, a sua reclamação de créditos, o que de resto veio a acontecer com outros credores, que igualmente habitavam outras frações no mesmo prédio. KK. A verdade é que, à data que o Agente de execução veio a citar os credores, não havia ainda sido reconhecido o direito de retenção sob a fração “K”, correspondente ao segundo andar frente, à ora Apelada. LL. E nessa medida, desconhecia o Agente de Execução, entidade a quem incumbe a citação dos credores, a existência de moradores com um direito de retenção suscetível de “proteção”. MM. Tendo andado mal a sentença a quo ao decidir nos termos em que o fez, porquanto não poderia o Agente de execução à data da citação de credores, ter conhecimento que AA seria detentora de um direito real de garantia, porquanto o mesmo à data ainda nem tinha sido reconhecido. NN. Cumpre ainda esclarecer, que ao contrário do defendido na sentença recorrida, sempre que dirá, que mesmo que tivesse ocorrido a citação da Apelada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 864.º CPC (anterior redação), sempre o direito do então Exequente, ora Apelante prevalecia perante o seu alegado direito de retenção, conforme se demonstrará. OO. O referido direito de retenção foi reconhecido à ora Apelada, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 864/09.2TBCSC, e no qual esta figurava como Autora e a anterior proprietária, a sociedade insolvente S... Lda. como Ré. (facto provado nas alíneas G e H. PP. Acontece que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 864/09.2TBCSC, não forma caso julgado quanto ao Banco Exequente, ora Apelante, por se tratar de um terceiro juridicamente interessado. QQ. Não tendo a douta sentença de que ora se recorre, analisado tal questão. RR. Nos presentes autos, está assente que o Banco Exequente não teve intervenção na ação declarativa em que foi reconhecido o crédito invocado pela Apelada, bem como o direito de retenção relativamente à fração autónoma correspondente ao segundo andar frente, designado pela letra “K”. SS. Sendo terceiro nesta ação, sem que nela tenha exercido qualquer direito de defesa ou feito valer os seus interesses, e não tendo natureza constitutiva a sentença nela proferida, mas sim efeitos meramente obrigacionais, não está o exequente/apelante vinculado ao decidido naquela anterior ação, e não estando abrangido pela autoridade de caso julgado por ela formado, não lhe é vedado o direito de discutir de novo questão que haja sido conhecida em processo em que não foi vencido, nem sucedeu a quem o tenha sido. TT. Na verdade, e conforme resulta do supra exposto, entende-se que a decisão mencionada no facto H), não fez, nem pode fazer caso julgado no que toca ao Banco Exequente / Apelante, em primeiro lugar, porque os requisitos do caso julgado a tal se opõem, conforme disposto no artigo 581.º do CPC. - sendo manifesta a diferença entre os sujeitos intervenientes em cada uma das ações. UU. Nos termos do artigo 759º, nº 2 do C.C., o direito de retenção que recaia sobre coisa imóvel prevalece sobre a hipoteca, ainda que registada anteriormente, por força dessa prioridade conferida pela lei, o prejuízo do credor hipotecário não é um simples prejuízo económico, sendo também afectado o próprio direito hipotecário. VV. Antes do prejuízo económico, que pode até não se concretizar, já existia verdadeira e efetivamente um prejuízo jurídico, na medida em que o valor potencial da hipoteca foi desde logo diminuído com a declaração da existência do direito de retenção, o qual ficou situado numa ordem de pagamento preferente em relação ao crédito hipotecário. WW. Assim sendo, pronunciando-se essa sentença sobre a existência de um direito de retenção por banda do credor reclamante AA, sobre a fração correspondente ao 2.º andar, fração “K”, imóvel este hipotecado à exequente / apelante - direito de retenção esse que lhe atribuiria, em sede de graduação de créditos a proferir nestes autos, satisfação preferencial do eventual crédito em relação aos créditos provenientes da hipotecas constituídas sobre o imóvel, nos termos dos artigos 755º, nº 1, alínea f) e 759º, nº 2, ambos do CC - a reconhecer-se o caso julgado (sem intervenção da Credora Hipotecária na aludida ação) tal conclusão constituiria um atropelo direto aos direitos do Credor Hipotecário / Exequente, violando-se, assim, de uma forma grosseira, o princípio do contraditório – ac.STJ de 08.01.2019, disponível in “www.dgsit.pt). XX. Entende-se que o credor hipotecário não pode ser visto como um terceiro juridicamente indiferente, a quem o reconhecimento de um crédito concorrente com o seu e garantido por direito de retenção, em ação prévia em que não interveio, possa ser-lhe oponível, pelo efeito reflexo do caso julgado, cf de resto vem sendo defendido pela Jurisprudência dominante e mais recente. YY. Assim, devendo conferir-se ao Credor Hipotecário / Exequente e Apelante nos presentes autos, o qual não interveio na ação judicial onde veio a ser proferida a sentença a declarar reconhecido o direito de retenção da Apelada, o estatuto de terceiro juridicamente interessado, a mesma não lhe poderá ser oponível, não ficando assim afetado o posicionamento da sua garantia em confronto com a reconhecida àquela. ZZ. E tal entendimento conduzirá necessariamente à conclusão que mesmo que tivesse ocorrido a citação de AA, o seu crédito nunca seria graduado antes do crédito garantido pela hipoteca a favor do Banco Comercial Português, S.A., na medida em que a sentença que lhe veio a reconhecer o direito de retenção não poderá ser-lhe oponível. AAA. A sentença de que ora se recorre, fundamenta em absoluto a sua decisão, na afirmação constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 1532/13.6TBSTR, do Juiz 4 do Juízo Central Cível de Santarém do Tribunal da Comarca de Santarém, a qual adiantou que possivelmente a venda realizada na acção executiva podia vir a ser anulada, e o tribunal a decretar a nulidade da mesma, no processo executivo. BBB. Acontece que, no processo que correu termos sob o n.º 1532/13.6TBSTR não foram verificados nem sequer discutidos se estavam preenchidos os requisitos exigidos para que possa vir a ser decretada a nulidade da venda em crise. CCC. Nem o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça se debruçou acerca de tal questão, tendo apenas alertado, que o que a Ré poderia ter tentado, mas no âmbito do processo onde ocorreu a venda, seria, peticionar a nulidade da mesma. DDD. Acresce que, na douta sentença de que se recorre, também não é feita qualquer menção à verificação dos requisitos legalmente exigidos para um pedido de nulidade de sentença e bem assim o decretamento da mesma. EEE. É um facto inegável que a Apelada tem o direito de vir a arguir a nulidade da venda executiva, mas para tal terão que estar verificados os seus pressupostos, sendo certo, que para tal, não influirá apenas o facto de não ter ocorrido a citação de AA nos termos do artigo 864.º CPC na anterior redação, ou o facto de um acórdão mencionar que esta poderia ter lançado mão de tal instituto. FFF. Importa ainda mencionar, por mera cautela de patrocínio, e sem conceder, que no caso de se vir a considerar que a Apelada é ainda titular de um direito real de garantia (direito de retenção), e, reconhecida a obrigatoriedade da sua citação, o que está em causa nunca será todo o lote de terreno que veio a ser vendido, mas sim, apenas a fração autónoma designada pela letra “K” e melhor identificada supra. GGG. Ora à data da penhora e venda dos bens, ainda não havia sido constituída a propriedade horizontal do prédio, o que veio a acontecer somente em 08.11.2012, conforme alínea E) dos factos provados. HHH. Motivo pelo qual a venda incidia sobre os lotes de terreno sobre os quais o banco Exequente era titular de um direito real de garantia – HIPOTECA. III. Contudo, e como se sabe, decorrente da indivisibilidade da Hipoteca, a mesma abrange quer o terreno dado em garantia, quer as edificações nele implantadas no decurso do tempo. JJJ. Assumindo, o que por mera cautela se fará, que a Ré é titular do direito de retenção, a mesma abrange apenas e só uma parte do prédio que veio a ser adjudicado ao Banco exequente - fração autónoma correspondente ao 2º andar frente (para habitação), não obstante à data tratar-se bem futuro cuja existência jurídica estava dependente da constituição da propriedade horizontal. KKK. Assim, o direito de retenção que veio a ser reconhecido à Apelada AA, diz somente respeito à “(…) fração autónoma correspondente ao 2.º andar frente (para habitação), com lugar de estacionamento e arrecadação, do prédio urbano em construção, nos denominados Edifícios ..., na Rua ..., freguesia de Marvila, conselho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...41 e descrito na C.R.P. de Santarém sob o n.º ...05, (…)”, conforme dado como provado – alínea h). LLL. E incidindo o direito de retenção da Apelada, apenas sob a fração autónoma designada pela letra “K”, correspondente ao 2.º andar frente, apenas quanto a esta poderia vir a ser decretada a nulidade da venda, porquanto não foi reconhecido à Apelada o direito de retenção sobre a totalidade do lote de terreno sobre o qual incidia a hipoteca do Banco Exequente / Apelante. MMM. Assim, a verificar-se o direito de retenção da Apelada AA, o mesmo, não incide sobre o Lote de terreno para construção sito na ..., ..., Lote 2 freguesia de Marvila, concelho de Santarém, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...05, da dita freguesia, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...41 no Serviço de Finanças de Santarém, mas apenas e só sobre a fração autónoma designada pela letra “designada pela letra “K” correspondente ao segundo andar frente, conforme sentença proferida no âmbito do processo judicial n.º 864/09.2TBCSC, transitada em julgado em 19.04.2010 (facto h) provado). NNN. Tendo andado mal o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, nunca podendo ser decretada a nulidade da venda do lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., lote 2, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém, sob o n.º ...05, e inscrito na matriz urbana sob o n.º ...41, porquanto: 1) O direito de retenção reconhecido à Apelada não incide sobre o mesmo; 2) O objeto da venda no âmbito da ação executiva (proc. 522/08.5TBSTR) já não existe. OOO. Acresce que, os autos supra referenciados estão extintos, devido à insolvência da sociedade executada, os quais haviam anteriormente sido considerados suspensos em virtude da declaração da insolvência PPP. Para além do mais, os presentes autos há anos que não têm qualquer impulso processual, devendo a instância considerar-se deserta, independentemente de qualquer decisão judicial. QQQ. Assim, o requerimento que veio a ser apresentado pela Apelada, em 03.09.2018, requerendo, entre outros, que seja declarada a nulidade resultante da omissão da citação desta, deveria ter sido de imediato rejeitado, por ser inadmissível a sua apreciação em face da suspensão do processo executivo ao abrigo do disposto no artigo 88.º do CIRE. RRR. E também, em face do exposto, mal andou o Tribunal a quo ao não ter de imediato rejeitado o requerimento apresentado em 03.09.2018, por esgotado que se encontrava o seu poder jurisdicional. SSS. Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, e revogada a Douta sentença proferida em primeira instância. TTT. Na verdade, a douta decisão ora recorrida, salvo sempre o devido respeito, configura uma decisão injusta e incoerente, tendo existido uma violação clara da lei substantiva, por erro de interpretação e de aplicação de determinados preceitos legais e de determinados princípios, nomeadamente, os artigos 864.º anterior redação CPC, artigo 824 CPC, artigo 88 CIRE entre outros.».
2. A Apelada respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
3. No despacho em que admitiu o recurso, o Senhor Juiz pronunciou-se circunstanciadamente sobre as arguidas nulidades da sentença, e ainda sobre os documentos juntos com as alegações de recurso, rejeitando-os. Nesta parte, e conforme consta no despacho liminar proferido pela ora relatora, tal decisão padece do vício de inexistência formal, sendo um ato inidóneo para produzir os efeitos jurídicos que declara.
Consequentemente, pelas razões de gestão dos termos do recurso igualmente expostas no mencionado despacho, a decisão sobre a admissibilidade da junção do documento integrará o presente acórdão.
4. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo da apreciação daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, e do não conhecimento das questões que fiquem prejudicadas pela decisão dada a outras.
Assim, as questões colocadas no presente recurso, pela sua ordem lógica de apreciação, são as de saber se: i) a decisão enferma de nulidade; ii) deve ser modificada a matéria de facto provada, com aditamento dos factos indicados pelo Apelante; iii) deve ser revogada a decisão recorrida, porque à data da citação a requerente não era detentora de um direito real de garantia nem credora conhecida; iv) assim não se entendendo, apreciar se: a) o direito de retenção reconhecido à requerente não é oponível ao Banco exequente; b) o direito de retenção caducou; c) objeto da venda já não existe; v) em caso de procedência do recurso, apreciar o pedido subsidiariamente formulado pela apelada no requerimento em que arguiu a falta da sua citação como credora reclamante.
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III – Fundamentos III.1. – De facto A primeira instância considerou assentes os seguintes factos/incidências processuais: «A) Em 02 de Fevereiro de 2011, e em sede de ação executiva que correu termos sob o nº 522/08.5TBSTR no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santarém, na qual era exequente o ora Autor Banco Comercial Português S.A e executado S... Lda., o ora Autor adquiriu por adjudicação em venda judicial e pelo preço total de € 1.022.000,00 (um milhão e vinte e dois mil euros) o seguinte:
- lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., Lote 1, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...04, e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...40, pelo preço de € 511.000,00.
- lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., Lote 2, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...05, e inscrito na matriz urbana sob o nº ...41, pelo preço de € 511.000,00.
B) Contudo, não obstante, na data da aquisição os referidos bens se encontrarem inscritos e registados como lotes de terreno para construção urbana, a verdade é que, já se encontravam implantados, edificados e construídos os prédios urbanos que vieram a ser designados como Lotes 1 e 2, compostos por 11 (onze) frações autónomas cada um, destinados a habitação.
C) Após ter procedido à aquisição dos referidos bens, o Autor (exequente) a fim de proceder à legalização das respetivas edificações, iniciou o respetivo procedimento junto da Câmara Municipal de Santarém, com vistas à emissão das respetivas licenças de utilização.
D) Tendo em 04 de Junho de 2012, sido aprovado e emitido o respetivo Alvará de Utilização, em relação ao prédio urbano designado como Lote 2, no qual se localiza a fração autónoma ora reivindicada.
E) Com base no referido documento, em 08 de Novembro de 2012, o Autor procedeu à constituição da propriedade horizontal do prédio urbano designado como Lote 2, mediante escritura pública outorgada no Cartório Notarial ..., declarando-a como constituída por onze frações autónomas, individualizadas pelas letras “A” a “K”, destinadas a habitação.
F) A constituição da propriedade horizontal encontra-se registada pela Ap. 699 de 16 de Novembro de 2012.
G) Em 02 de Fevereiro de 2009, a Ré (ora requerente/interveniente) AA propôs ação ordinária contra S... Lda., a qual correu termos sob o nº 864/09.2TBCSC no 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais (Extinto), tendo sido considerado provada, além do mais, a seguinte factualidade:
1. “Por escrito denominado “contrato promessa de compra e venda com permuta datado de 18 de Outubro de 2007, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 13 a 16, a ré prometeu entregar à autora a fração autónoma correspondente ao 2º andar frente (para habitação), com lugar de estacionamento e arrecadação, do prédio urbano em construção, nos denominados Edifícios ..., na Rua ..., freguesia de Marvila, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...41 e descrito na C.R.P de Santarém sob o nº ...05, que ia ser submetido ao regime de propriedade horizontal, a que atribuíram o valor de 122.210,00 euros.
2. Em permuta, e por seu lado, a autora prometeu entregar à ré a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1º andar direito, do prédio sito na Praceta ... ..., nº 10, freguesia de Salvador, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...79 e descrito na C.R.P. de Santarém sob o nº ...9, a que atribuíram o valor de 79.800,00 euros.
3. A título de sinal e princípio de pagamento a autora pagou à ré a quantia de 45.000,00 euros.
4. A autora autorizou a ré a, desde logo, utilizar, remodelar e negociar a fração autónoma referida em 2 mas em caso de incumprimento contratual imputável à ré todas essas benfeitorias ou modificações ficavam na posse da autora sem esta ter de indemnizar a ré.
5. A escritura definitiva (de permuta) seria outorgada no prazo máximo de 300 dias a contar da data da assinatura do contrato, incumbindo à ré a respetiva marcação, devendo com antecedência e, por escrito, avisar a autora do local, dia e hora da mesma.
6. O referido prazo de 300 dias podia vir a ser prorrogado por 30 dias, no interesse da autora.
7. Todas as obras, benfeitorias e modificações que a autora introduzisse na fração referida em 1 ficariam a pertencer a esta caso se viesse a verificar incumprimento contratual imputável à autora.
8. À autora ficou vedado, antes da outorga da escritura de permuta, dar de arrendamento ou ceder gratuita ou onerosamente a fração referida em 1.
9. As frações eram permutadas livres de ónus ou encargos.
10. O contrato ficou sujeito a regime de execução específica.
11. Em alternativa a tal e em caso de incumprimento por motivo imputável à ré, a autora podia resolver o contrato, tendo o direito de exigir àquela o dobro das quantias entregues a título de sinal.
12. Não obstante o contrato atrás referido ter sido formalizado apenas em 18-10-2007, as cláusulas constantes do mesmo já estavam verbalmente acordadas entre as partes desde Janeiro de 2007.
13. Desde finais de Janeiro, princípio de Fevereiro de 2007 que a autora habita a fração referida em 1 permanentemente, aí comendo, dormindo, recebendo familiares e amigos e fazendo tudo o mais próprio da vida doméstica com autorização da ré.
14. Desde 29-01-2007 que é a titular do contrato de fornecimento de água, custeando os consumos.
15. Desde 02-07-2007 que é a titular do contrato de fornecimento de energia elétrica, suportando os respetivos custos.
16. No contrato referido em 1 existe um lapso de escrita relativamente aos valores atribuídos às frações prometidas permutar, sendo a diferença de valores existente entre as duas frações de 45.000,00 euros e tendo este sido o montante efetivamente pago em 09-01-2007 pela autora à ré a título de sinal.
17. Ultrapassado o prazo referido em 5 sem que a ré tivesse comunicado à autora a data e o local para a outorga da escritura, nem justificado a razão para a sua não realização, a autora requereu, em 21 de Agosto de 2008, no Tribunal Judicial de Cascais, a notificação judicial avulsa da ré.
18. Nessa notificação foi concedida à ré uma última oportunidade para esta poder cumprir o contrato, devendo no prazo de 1 mês proceder à marcação da escritura, avisando a autora do local, data e hora da mesma, sob pena de, não o fazendo a autora considerar para todos os efeitos como não cumprida a obrigação.
19. A ré, que foi notificada em 10 de Novembro de 2008, não só não procedeu à marcação da escritura, como nada transmitiu à autora.
H) Nos autos supra referidos foi proferida sentença em 03 de Março de 2010, decidindo:
a) declarar resolvido o contrato promessa celebrado entre autora e ré, por incumprimento desta;
b) condenar a ré na restituição do sinal prestado em dobros, ou seja, no montante de € 90.000,00;
c) condenar a ré a pagar, para além desse montante, juros de mora à taxa legal, contados desde 06.04.2009, data da sua citação, até efetivo e integral pagamento;
d) reconhecer que a autora é titular do direito de superfície sobre a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao 1º andar direito, do prédio sito na Praceta ..., ..., freguesia de Salvador, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...79 e descrito na C.R.P. Santarém sob o nº ...9;
e) condenar a ré a entregar à autora essa fração, livre e desocupada;
f) condenar a ré a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, € 20,00 por cada dia de atraso na entrega da mesma fração;
g) reconhecer à autora o direito de retenção da fração autónoma correspondente ao 2º andar frente (para habitação), com lugar de estacionamento e arrecadação, do prédio urbano em construção, nos denominados Edifícios ..., na Rua ..., freguesia de Marvila, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...41 e descrito na C.R.P. de Santarém sob o nº ...05, para garantia do direito de crédito resultantes do não cumprimento da promessa.
I) A ré habita o 2º andar frente (para habitação), com lugar de estacionamento e arrecadação, do prédio urbano em construção, nos denominados Edifícios ..., na Rua ..., freguesia de Marvila, concelho de Santarém, inscrito na matriz sob o artigo ...41 e descrito na C.R.P. de Santarém sob o nº ...05 – agora fração K – desde o início de 2007, aí comendo, dormindo, recebendo familiares e amigos e fazendo tudo o mais própria da sua vida doméstica.
J) Quando a ré foi habitar a fração supra referida esta estava concluída e habitável.
L) A ré é titular dos respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica e abastecimento de água, bem como gás e televisão, suportando todos esses custos.
M) Pelo menos desde Abril de 2009, que o Autor sabe que o prédio está edificado e habitado.
N) E desde 14 de Abril de 2009 o Autor é conhecedor da situação concreta de cada um dos moradores, incluindo a da ré, sabendo a que título os mesmos ocupam as frações respetivas e desde quando.
O) Desde data não concretamente apurada que a ré, juntamente com os outros moradores vem suportando os encargos relacionados com o prédio na sua globalidade.
P) Na ação executiva que correu termos sob o nº 522/08.5TBSTR no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santarém, na qual era exequente o ora Autor Banco Comercial Português S.A e executado S... Lda., em 21/06/2010 diversos moradores, que não a ora ré, [CC, DD, EE e FF], que ocupavam frações, deram entrada de requerimentos pedindo em síntese:
a) a anulação dos atos praticados após penhora por falta de citação de credores; b) a anulação da venda executiva por erro sobre os bens a serem vendidos; subsidiariamente:
c) ser reconhecido o direito de retenção em relação a cada uma das frações.
Q) Sobre tais requerimentos recaiu o despacho que se encontra na certidão judicial de fls. 530 a 545 (mais concretamente a fls. 534 e 535), despacho de 11/10/2010 (referência eletrónica 3290665 PE), no qual se julgou improcedente a arguição de nulidade de falta de citação e da venda, não tendo sido admitida a reclamação de créditos com base no direito de retenção, por “manifesta falta de fundamento legal”.
R) O exequente no referido processo, e ora Autor, foi dispensado do pagamento do preço e do pagamento do IMI e o seu crédito foi graduado em primeiro lugar na referida execução.
S) Na referida execução a Ré, não teve qualquer intervenção, não foi citada, nem reclamou créditos.
T) O prédio descrito sob descrito na C.R.P. de Santarém sob o nº ...05, onde a Ré ocupa a agora descrita fração K, tinha em 11/02/2001, sem considerar a construção, o valor de € 103.106,00.
U) O mesmo prédio (905) com construção e sem propriedade horizontal, tinha em 11/02/2011 o valor de € 1.137.047,00.
V) E à data atual e com propriedade horizontal construída o valor de € 1.188.993,00.
X) O valor do apartamento ocupado pela Ré, (fração K), com lugar de estacionamento e arrecadação, era, em 11/02/2011, de € 122.233,00.
Z) E atualmente é de € 125.900,00.
AA) O valor médio dos restantes apartamentos implantado no prédio ...05 era, em 11/02/2011, de € 104.944,00.
AB) E atualmente é de € 108.092,00.
AC) O valor locativo do apartamento ocupado pela Ré (fração K) era em 11/02/2011 de € 755,00 por mês.
AD) E atualmente é de € 778,00 por mês.
AE) No âmbito do processo n.º 1.532/13.6TBSTR do Juízo Central Cível de Santarém, J4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, deram-se como provados os factos supra referidos de A) a AD)».
*****
III.2. – O mérito do recurso III.2.1. – Da nulidade da sentença O Banco Recorrente inicia o corpo das suas alegações com um ponto que intitula “Das questões prévias”, em cuja alínea a) invoca a nulidade da decisão recorrida por “clara e notória violação da lei e dos meios de defesa das partes, tendo atribuído direitos a quem não era parte e a quem o tribunal a quojá tinha julgado a sua pretensão e, tendo ainda omitido procedimentos, numa clara violação do caso julgado e do exercício do contraditório”, quanto à constituição do apenso dos “Embargos de Executado” com a indevida associação de outros intervenientes; ao não pagamento da taxa de justiça condizente com o valor processual atribuído à causa; e à falta de pronúncia do Agente de Execução sobre a alegada omissão de citação que lhe cabia fazer e não fez.
Em fundamento, invoca o Apelante que “a apelada deduziu, em 03/09/2018, o presente incidente/reclamação de declaração de nulidade resultante da omissão da citação nos autos de Execução sob a Ref.ª Citius “5225110” e, em 28/04/2021, nos autos de Execução sob a Ref.ª Citius “86542668” foi ordenada de “novo apenso de embargos de executado”. O mesmo foi constituído com o valor de € 1.806.136,64, valor esse, que o douto tribunal de que se recorre manteve, sem que justificasse a razão de ser ou indicasse o critério utilizado para a fixação do mesmo”, acrescentando que “nem o exequente nem a apelada, pagaram a taxa de justiça condizente com o valor processual de € 1.806.136,64”.
Acresce ainda, a seu ver, «que, em tal apenso de “Embargos de Executado” foi associada não só a ora apelada, como também todos os intervenientes acidentais que já tinham deduzido pretensão semelhante e que viram a mesma ser indeferida, por decisão há muito transitada em julgado (tal como resulta exposto na alínea Q da factualidade assente) e, sem que se tenha percebido também qual a razão de ser de tal associação. Foi também associada a executada declarada insolvente e representada pelo Administrador de Insolvência». Porém, prossegue a Apelante, «o AE (a quem cabe citar os credores e a quem foi ordenado que o fizesse) nunca teve uma palavra a dizer sobre a alegada omissão de citação que lhe cabia fazer e que alegadamente não fez».
Conforme referimos no relatório, no despacho proferido em cumprimento do disposto no artigo 617.º, n.º 1, do CPC, o julgador apreciou circunstanciadamente cada uma das questões colocadas pelo Apelante como justificação da invocada nulidade da sentença. Concordando com tal apreciação, para a qual remetemos quanto aos fundamentos aduzidos, para evitar repetições inúteis, sublinharemos apenas que a deduzida pretensão de declaração de nulidade da sentença está votada ao insucesso, desde logo porque nenhuma delas tem cabimento em qualquer uma das alíneas do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, (preceito que, aliás, nem sequer é convocado neste segmento das alegações nem nas conclusões –
salvo se o considerarmos na expressão “entre outros”, com a qual o Apelante encerra a conclusão TTT…).
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, sendo a da alínea a), uma nulidade formal, e sendo as previstas nas alíneas b) a e) – falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão, omissão ou excesso de pronúncia, e a omissão quanto a custas – vícios de substância ou de conteúdo concernentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, que afetam a regularidade do silogismo judiciário e se evidenciam na própria peça processual, sem necessidade de recurso a qualquer elemento externo à decisão para a sua deteção.
Como é bom de ver – bastando para o efeito cotejar a alegação efetuada com a citada disposição legal –, nenhum dos vícios invocados pelo Apelante se reporta a erros na arquitetura da sentença, que respeitem à forma ou ao modo como o juiz elaborou a decisão recorrida, respeitando antes à tramitação processual da causa.
Efetivamente, basta o título dado a estas denominadas “questões prévias”, “Da constituição do apenso dos “Embargos de Executado” e da atribuição do valor processual da Causa e da falta de pronúncia do Agente de Execução”, para inequivocamente vermos que a existirem, configurariam nulidade processual, tal como decorre do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, e não nulidade da sentença, como defende o Apelante.
Na verdade, qualquer um dos aduzidos fundamentos respeita à sequência processual, veja-se que o Apelante se refere à constituição do apenso, à associação dos intervenientes, ou à falta de pronúncia do agente de execução e do pagamento da taxa de justiça condizente com o valor processual.
Ora, estes apontados procedimentos, a serem vícios (e não cremos que o sejam), configurariam vícios de um ato ou omissão da sequência processual devida, e por isso, uma nulidade processual, mas não se converteriam numa nulidade da sentença ou despacho. Ademais, tal como alegados, tão pouco configurariam um erro material da decisão ou um erro de julgamento, que se caracterizam por serem um erro de conteúdo, e que no caso nem sequer foi apontado quanto ao valor dado ao incidente (limitando-se a afirmar que “o mesmo foi constituído com o valor de € 1.806.136,64, valor esse, que o douto tribunal de que se recorre manteve, sem que justificasse o razão de ser ou indicasse o critério utilizado para na fixação do mesmo”, o que não configura impugnação do valor).
Tratando-se de eventuais nulidades processuais alegadamente cometidas ou omitidas ao longo do processo, o certo é que toda a tramitação que agora entende estar eivada de vícios, foi conhecida do Apelante por haver sido sempre notificado e ter tido intervenção no incidente desde o seu início, donde que também não pudessem refletir-se numa nulidade da sentença, designadamente por configurar uma decisão-surpresa.
Com efeito, – e ao contrário do que perpassa das suas alegações nas quais parece querer invocar a violação do princípio do contraditório –, o recorrente esteve presente na audiência prévia, de cuja ata consta que “atenta a discussão efetuada em audiência, e nada mais tendo sido requerido pelos sujeitos processuais, facultado prévio contraditório, sem oposição, foi facultada às partes a discussão de facto e de direito, nos termos previstos no artigo 591.º, n.º 1, al. b), do NCPC, tendo o Mm.º Juiz de Direito dado a palavra aos mesmos para o efeito, que não se opuseram ao prosseguimento dos autos para as fases seguintes, pelo que o Mm.º Juiz de Direito deu a palavra para alegações orais aos Ilustres Mandatários”.
Consequentemente, não podendo, como já se disse, confundir-se a nulidade da sentença com a nulidade de processo prevista no artigo 195.º do CPC, desde logo pela oportunidade e forma da respetiva arguição, traduzida no aforisma que nos foi legado por ALBERTO DOS REIS[4], que “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”, o recorrente devia ter arguido as ditas nulidades perante o juiz da causa, nos termos e prazo previstos nos artigos 197.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, da citada codificação, o que oportunamente não fez. Porém, tal omissão apenas a si é imputável, não lhe conferindo o direito de interpor agora recurso de tramitação processual há muito consolidada, invocando inexistente nulidade da sentença.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a invocada nulidade da sentença.
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A final, o Apelante, ainda que sem qualificar qual o vício que da alegação “Da suspensão do processo executivo” adviria para a decisão recorrida, sob a alínea h) e nos números 172 a 177 do corpo das suas alegações vertidos nas conclusões OOO) a RRR), invoca que o requerimento que veio a ser apresentado pela Apelada, em 03.09.2018, requerendo, entre outros, que seja declarada a nulidade resultante da omissão da citação desta, deveria ter sido de imediato rejeitado, por ser inadmissível a sua apreciação em face da suspensão do processo executivo ao abrigo do disposto no artigo 88.º do CIRE, por via da sua deserção que é independente de qualquer decisão judicial, em suma, porque considera que atento o estado da execução se encontrava esgotado o poder jurisdicional.
A qualificação da decisão proferida após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz do processo, não é pacífica, havendo quem a classifique como padecendo do vício da inexistência, quem a considere como sendo uma nulidade absoluta[5], ou mesmo quem defenda que, por interpretação extensiva do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma decisão proferida depois de esgotado o poder jurisdicional, é nula por excesso de pronúncia[6].
O Senhor Juiz entendeu este segmento do recurso como invocação de nulidade, pronunciando-se no sentido de a mesma não existir.
No entanto, seja qual for a posição adotada, e quer se defenda a qualificação do vício da decisão proferida após prolação de uma outra que esgotara já o poder do julgador para a alterar, como sendo de inexistência jurídica, ou se adote a tese da sua qualificação como nulidade absoluta, a verdade é que, perante a verificação de tal vício, tudo se passa como se a segunda decisão nunca tivesse sido proferida.
Cremos, no fundo, ser esta a pretensão que a Apelante visava obter com aquela invocação, já que convoca o facto de a execução já estar suspensa ou extinta para defender estar esgotado o poder jurisdicional do juiz para decidir, em concreto, o incidente suscitado pela Apelada, visando a declaração de nulidade da venda executiva com fundamento na omissão da sua citação para reclamar na ação executiva o crédito que tinha sobre a executada.
Salvo o devido respeito, o Apelante não tem qualquer razão, porque nem a suspensão nem a deserção da instância correspondem à extinção da execução, tal como se evidencia pelo seguinte segmento da sentença recorrida: “[p]or despacho de 23/01/2013, foi suspensa a execução por força da insolvência da sociedade executada, o que não obsta à presente decisão, importando decidir a presente questão (…).
O que consta do ofício do AE inserido no citius sob a Refª 1377108 e, datado de 09/09/2013, não constitui decisão de extinção da execução, designadamente por insolvência da sociedade executada.
Estando suspensa a instância, é óbvio que não ocorre deserção da mesma, pelo que nada obsta à decisão do requerimento da requerente AA referência 5225110 PE”.
Acresce que, o infundado da sua pretensão é também e desde logo evidenciado pelo facto de, no concreto circunstancialismo do caso, não ser invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz da ação executiva quanto à matéria em causa.
Na verdade, a falta das citações legalmente previstas, e concretamente a falta da citação do credor imposta atualmente pelo artigo 786.º, n.º 1, al. b), tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, conforme expressamente decorre do n.º 6 do citado preceito da codificação processual civil[7].
Portanto, este normativo remete-nos para o regime geral decorrente da falta de citação do réu, previsto nos artigos 187.º e ss. do CPC, cuja verificação importa a nulidade do processado posterior àquela omissão, com as limitações previstas no referido n.º 6 do artigo 786.º[8], sendo o regime ali previsto aqui aplicável, com as necessárias adaptações.
Assim, de acordo com o n.º 2 do artigo 191.º do referido diploma legal, a nulidade decorrente da falta de citação do credor reclamante, sendo uma nulidade principal, pode ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo[9].
Pelo exposto, improcede igualmente a arguição de esgotamento do poder jurisdicional do julgador.
*****
III.2.2. – Da impugnação da matéria de facto Aceita o Apelante que os factos tidos por assentes “são os mesmos que foram dados como provados no âmbito do processo n.º 1532/13.6TBSTR do Juízo Central Cível de Santarém, J4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, fazendo parte do caso julgado material resultante da decisão final aí proferida, transitada em julgado, sobretudo no confronto entre o banco exequente e AA, de acordo com a certidão do referido processo (e respetivas decisões, incluindo do TRE, e STJ), junta aos autos, conforme decidido pelo Tribunal a quo”.
Contudo, entende que não foram atendidos “factos concernentes a esta execução e respetivos apensos, os quais para além de não terem sido colocados em causa pelas partes, são ainda de conhecimento oficioso pelo Tribunal, no exercício das suas funções ao abrigo do disposto no artigo 412.º n.º 2 do NCPC”.
A apelante fundamenta as razões pelas quais julga relevante o aditamento da matéria de facto que indica, reporta-se aos documentos que constituem meio de prova dos factos cujo aditamento pretende ver efetuado, e propõe a redação respetiva. Tratando-se de factos não contemplados na decisão recorrida, devem, pois, considerar-se cumpridos os ónus vertidos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto, em circunstâncias como a que nos ocupa.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente quando a prova produzida impuser decisão diversa.
No caso em presença, não está em causa uma efetiva alteração do que foi dado como provado, mas um aditamento de factos que relevam para a decisão do incidente objeto do presente recurso, de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito – ou seja, de harmonia com a amplitude com que as instâncias devem fixar a base factual relevante –, e que constam dos próprios autos de execução ou de documentos juntos aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa, e que, aliás, correspondem a peças processuais.
Considera ainda o Banco Recorrente, que deverá ser igualmente aditada aos factos provados, a data de trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.º 864/09.2TBCSC, no 1.º Juízo Central do Tribuna de Família e Menores a Comarca de Cascais, porquanto tal facto releva de forma bastante decisiva para a decisão a proferir a final, na medida em que toda a alegação apresentada pela Apelada e defendida na sentença, assenta no conhecimento do direito de retenção, que determinaria a citação da apelada na qualidade de credor.
Como é bom de ver, em ambos os casos trata-se de matéria de facto que este tribunal de recurso sempre poderia ter em consideração, como usa fazer quando tal releva na decisão das questões suscitadas, aditando-a ao abrigo do disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, de acordo com cuja estatuição, para além do mais, o juiz toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo e provados por documentos, os quais estão, aliás, subtraídos ao princípio da livre apreciação das provas, impondo-se-lhe ainda que o faça compatibilizando toda a matéria de facto adquirida.
Atentos os ditos comandos legais e os documentos juntos aos autos do processo principal, acessível eletronicamente, verificamos que, conforme alegado pelo Apelante, dos autos de execução (processo n.º 522/08.5TBSTR) consta, com a referência Citius 590900 um requerimento apresentado pelo Agente de Execução, dando a conhecer aos autos, que em 12.11.2008 havia procedido à citação dos credores, conforme resulta das notificações com as referências (588342, 588343, 588344 e 58835), e igualmente consta nos referidos autos a certidão junta pela Apelada (com o requerimento de 03.09.2018 com a referência 29984912), comprovativa de que a sentença proferida no âmbito do processo n.º 864/09.2TBCSC, na qual veio a ser reconhecido o direito de retenção à ali Autora, e requerente deste incidente, AA, transitou em julgado em 19.04.2010.
Verificamos igualmente que tanto deste processo principal como do processo 1532/13.6TBSTR constam incidências processuais relevantes para a decisão das questões colocadas a respeito da falta de citação da requerente e ainda da requerida junção de documento.
Assim, ao abrigo dos citados preceitos legais, e porque tal releva para a decisão do presente recurso, aditam-se ao elenco factual acima reproduzido, para além dos apontados pelo Recorrente, os seguintes factos/tramitação processual relevante:
· O Banco Comercial Português, S.A., ora Recorrente, apresentou em juízo em 22.02.2008, o requerimento executivo que deu origem à ação executiva n.º 522/08.5TBSTR, para pagamento pela executada S... Lda., da quantia de 1.806.136,64 €, garantida por duas hipotecas sobre os imóveis que indicou à penhora, identificados como “Prédio rústico sito na ..., ..., Lote 1, freguesia de Marvila, concelho de Santarém, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º ...05, da dita freguesia, e inscritos na respetiva matriz sob os artigos 2540 e 2541.
· No requerimento executivo, a exequente alegou que: “Através das Escrituras Públicas que se juntam como Título I e II e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, o Banco de Investimento Imobiliário, S.A. [ao qual a exequente sucedeu] concedeu à executada, para efeitos de construção de dois imóveis, dois empréstimos, cada um no montante de € 748.19685, ambos pelo prazo de 36 meses a contar de 11 de Agosto de 2000, os quais seriam amortizados à medida que a executada realizasse os contratos de compra e venda das futuras fracções dos edifícios, sem prejuízo de se liquidar o remanescente, até ao termo do prazo (cláusula 9.ª dos respectivos Documentos Complementares). (…)
A pedido da Sociedade executada, o prazo dos financiamentos supra referidos, foi sendo sucessivamente prorrogado, sem que tenha sido paga qualquer quantia por conta dos mesmos. A data da última prorrogação terminou a 11/10/2006, encontrando-se os referidos empréstimos, vencidos desde essa data.”.
· Em 14.05.2008, o Agente de Execução procedeu à citação da executada nos termos do n.º 6 do artigo 812.º do Código Processo Civil na redação então vigente, para pagar ou opor-se à execução.
· Em 12.11.2008, o Agente de Execução procedeu à penhora dos imóveis, e notificou a Executada nos seguintes termos: “Fica V. Exa. notificado da penhora constante do auto em anexo, pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 863-B do Código Processo Civil, (C.P.C.) tem o prazo de DEZ DIAS para deduzir oposição. Mais informo que no prazo da oposição e sob pena de condenação como litigante de má fé, nos termos gerais, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre o(s) bem(s) penhorado(s), bem como os respectivos titulares, podendo requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos da alínea a) do n.º 3 e do n.º 5 do artigo 834.º do C.P.C”. A sociedade executada não indicou a existência de eventuais credores.
· Nessa mesma data (12.11.2008) o Agente de Execução procedeu à citação dos credores, “Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art. 865.º e na alínea d) n.º 3 do art. 864.º ambos do CPC [na redação então vigente] fica V. Exa. citado para no prazo de quinze dias, reclamar os créditos que possam ser objecto de reclamação”.
· Em 27.05.2009, a exequente apresentou requerimento nos autos informando que se encontra a proceder à avaliação do imóvel e a analisar a possibilidade de requerer a adjudicação do mesmo, e informando ainda que, como o imóvel não se encontra licenciado, o Banco exequente também necessita de realizar obras e diligências com vista ao seu licenciamento, requerendo que os autos aguardassem pelo prazo de 60 dias.
· A sentença proferida em 03.03.2010 nos autos identificados na alínea G) (processo n.º 864/09.2TBCSC) e com o dispositivo transcrito na alínea H), transitou em julgado em 10.04.2010.
· Os autos de execução prosseguiram com a marcação do dia e hora para abertura de propostas, tendo, nesse dia 21.06.2010, sido apresentados os requerimentos referidos em P), o que motivou que fosse dado sem efeito a diligência designada.
· No despacho referido em Q) consta, para além do mais, a seguinte fundamentação: “Alegam os requerentes que não foram citados pelo sr. solicitador de execução nos termos do artigo 864 do CPC, sendo que o deveriam ter sido em virtude terem celebrado contratos promessa de fracções autónomas construídas no imóvel penhorado.
Ora, tal citação não poderia ter ocorrido. A citação a que alude o artigo 864/3 do CPC tem a ver com o bem penhorado. E, se bem atentarmos nos autos, os imóveis penhorados nos autos são dois lotes de terreno para construção urbana, e não fracções, o que significa que apenas os credores com garantia real relativamente a estes dois lotes de terreno poderiam ter sido citados.
Acresce que a celebração do contrato-promessa não torna os promitentes-compradores proprietários do bem objecto desse contrato, conferindo-lhes apenas a expectativa de se tornaram proprietários e por isso não poderão agir enquanto tal. Se é certo que os requerentes, segundo alegam, já se encontram na posse das fracções, também é certo que não existe sentença judicial transitada em julgado que lhes reconheça o direito de retenção sobre as mesmas. O mesmo é dizer, falece aos requerentes o direito de intervirem nestes autos como credores nos termos do artigo 864 do CPC.
Por isso, bem fez o sr. solicitador em não proceder às citações cuja falta agora se invoca”.
· Em 28.11.2011 a executada foi declarada insolvente por sentença proferida no processo 635/11.6TYLSB, do então 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.
· Em 12.02.2016, o Ilustre mandatário da ora Apelada apresentou requerimento nos autos de execução, pedindo que fosse autorizada “a emissão de certidão (em via electrónica) de fls. 1 a 4, 171 a 184, 489 a 491 e 497 a 502, destinando-se a mesma a instruir o processo comum 1532/13.6TBSTR, que corre termos no J5 da Instância Central Cível de Santarém, onde representa a aí R. e reconvinte AA. Mais requer que, autorizada a certidão, disso seja dado conta ao signatário, afim de proceder ao seu pagamento, para posterior envio da certidão por via electrónica”.
· Em 26.02.2016 o Ilustre mandatário foi notificado para proceder ao pagamento da certidão, a fim da mesma ser remetida eletronicamente ao indicado processo, pagamento que comprovou em 01.03.2016.
· Em 07.06.2018, neste Tribunal, foi proferido acórdão que, na improcedência do recurso, confirmou a decisão proferida no processo n.º 1532/13.6TBSTR.E1, instaurado pelo Banco ora Recorrente contra AA, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) considera-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e a Reconvenção totalmente improcedente por não provada, e, em consequência:
a) Declara-se o Autor Banco Comercial Português S.A., dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “K” correspondente ao segundo andar frente, destinada a habitação;
b) Condena-se a Ré AA, a restituir ao Autor Banco Comercial Português S.A., a referida fração autónoma, devoluta e desocupada de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;
c) Absolve-se a Ré AA do pagamento ao Autor de indemnização correspondente ao valor devido pela ocupação do imóvel desde Dezembro de 2012 até efetiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens;
d) Absolve-se a Ré AA do pagamento ao Autor de indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização do imóvel;
e) Absolve-se o Autor o Banco Comercial Português do pedido de reconhecimento à Ré/Reconvinte AA, do direito de retenção sobre a identificada fração, para garantia do crédito de € 90.000,00;
f) Absolve-se o Autor o Banco Comercial Português do pedido de condenação como litigante de má-fé.”
Na fundamentação deste aresto, a respeito da questão de saber “Se o direito de retenção da Ré não caducou com a venda judicial”, afirmou-se: “À data da penhora do lote descrito sob o nº (…), a Ré, beneficiária da promessa de transmissão da fração autónoma correspondente ao 2º andar frente, do prédio nele em construção, havia obtido a tradição da fração, gozando do direito de retenção sobre a coisa pelo crédito resultante do não cumprimento do contrato-promessa imputável à outra parte (artº 755º, al. f), do CC) e, assim, enquanto titular de direito real de garantia não registado, mas conhecido, deveria ter sido citada, para reclamar o seu crédito na execução, aguardando a graduação dos créditos a obtenção do título executivo em falta (artº 869º, nº 1, do CPC) e não o foi [al. S)]. (…) Não se vê, assim, como lhe dar razão quanto a esta questão”.
Neste aresto consta declaração de voto, onde se consignou o vencimento, com os seguintes fundamentos: “Nos autos está provado que o Banco conhecia a situação da Ré desde 14.04.2009, tendo esta, de resto, obtido em 03.03.2010 sentença contra a sociedade construtora, reconhecendo o seu direito de retenção sobre a fração identificada nos autos, que lhe havia sido entregue em Fevereiro de 2007. Está igualmente demonstrado que a Ré nunca foi citada para reclamar os seus créditos na execução – e deveria tê-lo sido, nos termos do art. 864.º, n.º 10, do CPC de 1961, na versão em vigor à época em que a execução correu os seus termos. (…) Por outro lado, resulta dos autos que o Banco adquiriu o imóvel em 02.02.2011, e foi dispensado do pagamento do preço e do IMI, sendo o seu crédito graduado em 1.º lugar. Logo, tem lugar a exceção prevista no art. 864.º, n.º 11, do CPC de 1961, na versão então em vigor – o Banco exequente foi o exclusivo beneficiário da venda e esta pode então ser anulada, por falta de citação da Ré, que ainda está a tempo para o fazer, precisamente porque nunca foi citada na execução. Nesta perspetiva, tendo o Banco violado os deveres de boa-fé processual a que estava vinculado, contribuindo para a falta de citação da Ré para a execução e impedindo-a de ali reclamar os seus créditos, e ocorrendo invalidade da venda efetuada, não pode reivindicar da Ré a fração. Reforçando, mais uma vez, que a Ré, porque nunca foi citada para a execução, continua em tempo para ali requerer a anulação da venda da fração ao Banco, considero que, salvo melhor opinião, a ação deveria improceder e a reconvenção proceder”.
Deste acórdão foi interposto recurso de revista.
· Em 03.09.2018, AA, apresentou o requerimento que deu origem ao presente apenso, pedindo a declaração de nulidade resultante da omissão da citação da requerente para reclamar o pagamento do seu crédito, a anulação de todos os atos posteriores a essa omissão, nomeadamente a verificação e graduação de créditos, a venda judicial e a adjudicação pelo exequente do bem abaixo identificado, nos termos no disposto no nº 11 do artigo 864º do CPC, na redação conferida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e suas alterações (atual nº 6 do artigo 786º), ou, alternativamente à anulação da venda e adjudicação, e nos termos da 2ª parte da mesma disposição legal, o pagamento pelo exequente da indemnização correspondente ao referido crédito.
· Por acórdão proferido em 19.02.2019, o Supremo Tribunal de Justiça, concedeu parcial procedência ao recurso, condenando o Autor como litigante de má fé, e no mais acordou em manter o Acórdão recorrido, não dando razão à Ré quanto à caducidade do direito de retenção e ao invocado abuso do direito.
Na fundamentação deste aresto, a respeito da invocada desconformidade entre os bens penhorados e os adjudicados, depois de convocar o disposto no artigo 864.º, n.º 11 do CPC, na redação ao tempo vigente, afirmou-se:
“No caso presente, e como é aceite por todos, a Ré não foi citada para reclamar o seu crédito, quando gozava de um direito de retenção, crédito que, se reconhecido, seria graduado antes do crédito do Autor, exequente no processo de execução. Por outro lado, no processo de execução, os bens penhorados foram adjudicados ao próprio exequente (o ora Autor), que ficou dispensado de depositar o preço dado que o valor pelo qual os bens foram adjudicados era inferior à quantia exequenda, foi o exequente o único e exclusivo beneficiário, pelo que, nos termos da última disposição legal citada, a venda poderá ser anulada, sendo certo que a Ré, por não ter sido citada, ainda estará a tempo de o fazer. Contudo, no caso presente, não foi essa a pretensão da Ré, não podendo o Tribunal, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia, decretar a nulidade da venda efetuada no processo executivo, local próprio para se discutir essa falta de citação e a nulidade da venda. (…) No caso dos presentes autos, a Ré gozava de um direito real de garantia, o direito de retenção, sobre uma determinada fração de um prédio que foi construído no lote de terreno que tinha sido objeto de venda em execução hipotecária. Com a venda realizada no processo executivo (que se mantém válida até que venha eventualmente a ser declarada a sua invalidade) caducou esse direito, que tinha sido reconhecido à Ré, na qualidade de promitente compradora dessa fração, operando a garantia sobre o respetivo montante e não mais sobre o bem vendido”.
*****
Da junção de documento:
Pese embora não suscite a questão na vertente de facto, o certo é que, com as alegações de recurso, o Apelante junta um documento visando implicitamente o aditamento da base factual da decisão, pelo que entendemos ser este o momento próprio para a sua apreciação, tanto mais que acima já elencámos as incidências processuais que relevam para a decisão a esse respeito.
Efetivamente, aduz o Apelante que o documento cuja junção ora requer, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 651.º do CPC, é superveniente à apresentação pela Apelada nos presentes autos, do pedido de nulidade da venda do imóvel, fundamentado no seu alegado direito de retenção, direito de que esta veio a abdicar com a entrega voluntária do imóvel, o que se pode dar como provado com a junção do referido documento, o que requer.
Em fundamento da necessidade da sua junção aos presentes autos neste momento processual, diz o Apelante que no âmbito do processo executivo que instaurou e correu termos sob o n.º 3020/19.8TOBEN, Juiz 3 – Juízo de Execução do Entroncamento – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a apelada AA veio a entregar voluntariamente o imóvel correspondente à fração que ocupava em 2021, “conforme documento que ora se junta (certidão judicial emitida 06.06.2022 com o estado do processo 3020/19.8TBOEN)”, o que conduz necessariamente, ao abrigo do disposto no artigo 761.º do Código Civil[10], à extinção do direito de retenção.
Mais aduz que apenas com as alegações de recurso vem requerer a junção aos autos de tal documento, porquanto, a decisão de que recorre foi para si uma decisão completamente surpresa, tanto mais que já havia sido requerida a nulidade da venda por outros promitentes-compradores, no mesmo processo, e a mesma veio a ser julgada improcedente, conforme factos assentes nas alienas P) e Q), não se percebendo como num mesmo processo se podem, quanto aos mesmos factos ter decisões tão contraditórias.
Invoca ainda que a sentença recorrida veio a ser proferida sem que tivesse ocorrido um verdadeiro julgamento da causa, tendo a mesma sido proferida e notificada no âmbito de um despacho saneador-sentença, motivo pelo qual, não sendo expetável para o Apelante tal situação, não foi junto durante o encerramento da discussão em 1ª instância, e que teria sido, caso o Tribunal não tivesse decidido de forma tão abrupta.
Finalmente, refere que o Banco Exequente, certo que o direito de retenção de que se arroga a Apelada já havia caducado, aliado ao facto de igualmente considerar que não lhe poderia ser oponível, não pensou ser necessário provar ainda outros factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
Contudo, decorrente da fundamentação da sentença, a qual se prende ao simples facto de não ter ocorrido a citação de AA, sem analisar os motivos concretos para tal, sempre terá que provar, à cautela, que a Apelada, desistiu/abdicou do seu direito com a entrega voluntária da fração.
Vejamos, pois, se como pretende o Apelante, tal documento deve ou não ser admitido nesta fase processual, ou seja, se estamos perante caso em que a junção do referido documento, face à novidade/surpresa da decisão proferida, só com a decisão recorrida, que julgou procedente a arguida nulidade da venda por falta de citação da requerente atribuindo-lhe já nesse momento a qualidade de credora reclamante, se tenha tornado imprescindível e absolutamente necessário, designadamente para que venha a ser julgada a extinção do direito de retenção que lhe havia sido reconhecido.
É consabido que os documentos são meios de prova cuja exclusiva função é a de demonstrar os factos (artigo 341.º do Código Civil), daí que a sua junção, em regra, deva ser efetuada na fase instrutória da causa, momento que se mostra ultrapassado.
Ora, a junção de documentos com as alegações de recurso só é passível de ser efetuada no âmbito do recurso de apelação em que nos movemos, quando se verifique alguma das situações prevenidas no artigo 651.º do CPC, do qual resulta que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Assim, da conjugação do disposto nos artigos 425.º e 651.º do CPC, verifica-se que apenas é admissível a junção de documentos no âmbito das alegações de recurso de apelação nestes tipos de situações:
- quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em primeira instância;
- quando a apresentação se tenha tornado necessária apenas em virtude do julgamento proferido pela primeira instância.
Cabe, portanto, verificar se a pretendida junção deste documento com as alegações de recurso, tem arrimo na segunda destas situações em que a lei excecionalmente a permite e que o Recorrente invocou.
É entendimento firmado na doutrina e jurisprudência a respeito deste segundo fundamento de admissibilidade excecional da junção de documentos com as alegações de recurso, que essa junção é ainda possível nesta fase processual, quando só pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tenha tornado necessário demonstrar factos com cuja relevância processual a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, e mormente quando a decisão assente em fundamento jurídico com cuja aplicação ou interpretação a parte não podia ter contado.
Este entendimento do preceito assenta na constatação de que os recursos visam reapreciar, com vista a confirmar, modificar, revogar ou anular, as decisões recorridas e não a criar decisões sobre matéria nova, razão pela qual, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso se debruça apenas sobre as questões que já foram submetidas à apreciação do Tribunal recorrido.
Por isso mesmo, o recurso não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, já que a sede própria para a instrução da causa é o tribunal de primeira instância, donde resulta a natureza excecional da admissão de documentos nesta sede, uma vez que a referida reapreciação das decisões deve ser efetuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento em que as mesmas foram proferidas, e não avaliar da sua bondade ou desconformidade em função de outros documentos novos que poderiam ter sido tomados em conta, mas não o foram no momento próprio por não terem sido presentes para apreciação do julgador da primeira instância, isto apesar de a parte saber, ou pelo menos dever saber, por estar devidamente patrocinada, que os mesmos se destinavam a provar factos que estavam sujeitos a instrução.
Ora, quanto aos documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária apenas por virtude do julgamento proferido pela primeira instância, interpretando o preceito de harmonia com o seu carácter excecional, não bastará para possibilitar a junção de documento com este fundamento que a decisão seja desfavorável ao recorrente para que ele junte em sede de recurso documentos cuja junção poderia ter efetuado até ao encerramento da discussão em primeira instância sendo «evidente que, na sua última parte, a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida»[11].
Efetivamente, em face do preceituado no artigo 423.º, n.º 1, do CPC, «os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes».
Assim, «em regra, os documentos são – e devem ser – anexados ao articulado em que se referem, seja como fundamento da acção, seja como fundamento da defesa, os factos dele constantes. (…)
Dois pontos cumpre salientar em tal regime. Por um lado, não é no período de instrução, mas na fase inicial dos articulados, que normalmente se insere a produção da prova documental.
Por outro lado, os actos de proposição, admissão, preparação, produção e assunção da prova, em que analiticamente se desdobram os diversos procedimentos probatórios, aparecem singularmente concentrados, quanto à prova documental, no acto de junção do documento aos autos, mediante anexação ao respectivo articulado.»[12]
Este regime regra decorre do princípio da audiência contraditória, visando que a parte contrária possa, desde logo, contestar no articulado ou em resposta subsequente quer a admissibilidade, quer a autenticidade e força probatória material do documento apresentado.
Não obstante, atento o interesse público no apuramento da verdade material, o n.º 2 do citado preceito possibilita que a parte possa ainda apresentar documento que não juntou com o articulado respetivo, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo porém condenada em multa pela apresentação tardia, exceto se provar que não pôde oferecer o documento oportunamente, podendo ainda efetuar a sua apresentação após aquele limite temporal mas apenas quando se verifique alguma das situações excecionais previstas no n.º 3 do artigo 423.º do CPC.
Assim, para que seja possível a apresentação de documento em momento posterior ao encerramento da discussão, designadamente em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 425.º do CPC, é necessário que estejamos perante uma decisão de primeira instância absolutamente surpreendente, com a qual não era razoável a parte contar face aos elementos probatórios constantes do processo, podendo tal imprevisão da decisão proferida assentar quer em razões de prova quer em razões jurídicas com cuja aplicação a parte razoavelmente não pudesse contar.
Ora, este núcleo de situações encontra-se hoje bastante reduzido, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, porquanto, se o juiz cumprir o juiz o princípio do contraditório, dando às partes antes da decisão a possibilidade de se pronunciarem, as mesmas devem, para além de argumentar o que entenderem ser conveniente, oferecer os documentos que julguem adequados à sustentação da posição que defendam.
Como enfatizam J. DE CASTRO MENDES e M. TEIXEIRA DE SOUSA[13] “atendendo à proibição das decisões-surpresa (art. 3.º, n.º 3), o caso é de verificação rara, ou melhor, só se pode verificar em violação dessa proibição (…)”. In casu, conforme deflui da tramitação processual relevante acima transcrita, ao contrário do alegado pelo Apelante, tendo a audiência prévia sido convocada e tido lugar ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC, e tendo aquele estado presente e alegado, seguramente a subsequente prolação da sentença recorrida não foi uma decisão-surpresa.
Mas, tê-lo-á sido o seu conteúdo, como o Apelante também sustenta?
Cremos igualmente que não.
Efetivamente, aquando do requerimento em que arguiu a falta da sua citação, a Apelada apoiou-se na afirmação que já constava a esse respeito no Aresto deste Tribunal da Relação, e concretamente no acima citado segmento do mesmo.
É certo que aquando da resposta do exequente não havia ainda ocorrido a entrega da fração no âmbito do processo executivo de cuja existência agora nos dá nota e que foi proferido nos autos despacho que julgou não haver lugar à citação de outros requerentes em condições semelhantes à da ora Apelada.
Mas, tal não significa que o entendimento expresso pelo Apelante seja atendível, atento o demais circunstancialismo igualmente demonstrado.
Com efeito, o acórdão do nosso mais alto tribunal onde, para além do mais, consta o segmento acima transcrito, é de 19.02.2019, e a factualidade que agora o Apelante alegou em sede de recurso, e pretende demonstrar por via da junção do documento – a extinção da instância executiva por via da entrega da fração, foi do seu conhecimento pelo menos em 17.11.2021 (cfr. notificação que lhe foi efetuada nessa data), data a partir da qual podia ter sido trazida ao incidente de arguição de nulidade da citação, por via de articulado superveniente, admissível nos termos do artigo 588.º, n.º 1, do CPC, onde alegasse os factos pertinentes, e juntasse a respetiva prova, prevenindo a possibilidade de a afirmação proferida naquele aresto poder sustentar a decisão do tribunal a quo, como veio a ocorrer.
De facto, a materialidade em causa, tal como alegada pelo Apelante em sede de recurso nas conclusões V) a Z) – e na sua perspetiva –, configura um facto extintivo do direito da Apelada subjacente à invocada qualidade de credora reclamante com fundamento no direito de retenção, já que, a poder considerar-se a entrega da fração no decurso do processo executivo como voluntária, conforme defende o Apelante, extinguiria aquele direito em face do disposto no artigo 761.º do Código Civil.
Como tal, nos termos expressos do artigo 588.º, n.º 3, alínea a), do CPC, devia ter sido alegada, no máximo, na audiência prévia, pois que esta se realizou em 25.05.2022.
Na verdade, basta ver o que decorre da alínea c) do citado preceito, para assim se concluir, já que a alegação dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes aos articulados, apenas podem ser alegados nesse momento, “se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores”, in casu, à audiência prévia.
Até esse momento, não haveria qualquer preclusão porque funcionaria a exceção prevista no n.º 2 do artigo 573.º do CPC, relativamente ao princípio da concentração de toda a defesa na contestação, plasmado no seu n.º 1 e extensivo aos incidentes.
Porém, não o tendo feito até então, temos de concluir que in casu precludiu a possibilidade de o invocar posteriormente, ou ser oficiosamente conhecido nos termos do artigo 611.º, n.º 1, do CPC, já que, apesar da possibilidade de aplicação deste preceito nos acórdãos ex vi artigo 663.º, n.º 2, da citada codificação, esse conhecimento apenas é admissível, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, onde se insere o indicado termo final, não podendo permitir-se que entre agora nos autos pela janela do recurso, facto alegadamente extintivo do direito da requerente, relativamente ao qual a preclusão decorrente do decurso do tempo já fechara a porta.
Assim, conclui-se que não se verifica na espécie o segundo fundamento excecional que a lei prevê para que o documento em causa possa ser admitido nesta fase processual.
Pelo exposto, recusa-se a junção do documento apresentado com as alegações de recurso, determinando-se que seja retirado do processo e restituído ao apresentante, nos termos do preceituado no artigo 443.º, n.º 1, do CPC, e condena-se o Apelante na multa correspondente a 1 UC, de harmonia com o previsto no artigo 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
*****
III.2.3. – Da falta de citação
Em apertada síntese, o Apelante dissente da decisão recorrida por considerar que a Requerente não foi citada no processo executivo, porque não tinha que o ser, já que à data em que a citação teve lugar, a mesma não era nem credora reclamante nem credora conhecida.
Por seu turno a Apelada, conforme já havia sublinhado no requerimento do incidente defende que “era assim, inequivocamente, e é, titular de direito real de garantia conhecido, pelo que, por força de lei, impunha-se e impõe-se ainda a sua citação para reclamar o pagamento dos seus créditos. Aliás, quanto a essa situação em concreto pronunciou-se já o Tribunal da Relação de Évora, por decisão não transitada em julgado e pendente de recurso de revista, no processo 1532/13.6TBSTR.E1 (…), extraído dos autos de processo ordinário nº 1532/13.6TBSTR do Juiz 5 do Juízo Central Cível de Santarém, em que é A., o aqui exequente, e R., a ora requerente, aí se concluindo, de forma inequívoca, que nos presentes autos, e ao contrário do que aconteceu, se impunha a citação da ora requerente para reclamar o pagamento dos seus créditos: «À data da penhora do lote descrito sob o nº ...05, a Ré, beneficiária da promessa de transmissão da fracção autónoma correspondente ao 2º andar frente, do prédio nele em construção, havia obtido a tradição da coisa, gozando do direito de retenção sobre a coisa pelo crédito resultante do não cumprimento do contrato-promessa imputável à outra parte (artº 755º al. f), do CC) e, assim, enquanto titular do direito real de garantia não registado, mas conhecido, deveria ter sido citada, para reclamar o seu crédito na execução, aguardando a graduação dos créditos a obtenção do título executivo em falta (artº 869º, nº 1, do CPC) e não o foi [al. S)]»”.
A este respeito, consta afirmado e sublinhado na decisão recorrida, que:
«Como resulta dos autos e da factualidade provada, a requerente/interveniente AA deveria ter sido citada para reclamar o seu crédito (crédito resultante de resolução de contrato-promessa de permuta com a sociedade executada Sociedade S... Lda.), pois era já na altura titular de direito de retenção (em consequência de traditio de fração, que veio a ser a fração K, do prédio ...05 Santarém) que garantia o seu crédito de 90.000 euros e respetivos juros de mora desde 06/04/2009 (crédito julgado reconhecido no âmbito da ação de processo ordinário n.º 864/09.2TBCSC, do 1.º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e Comarca de Cascais (extinto), transitada em julgado) – arts. 864.º, n.os 3, al. b), 11, CPC (atual art. 786.º, n.os 1, al. b), 6, NCPC). Como já na altura era titular de direito de retenção sobre fração (que veio a ser a fração K) do prédio ...05 Santarém, direito real de garantia esse que, não estando registado, era já conhecido, deveria ter sido citada para reclamar o seu crédito, mas não foi.
Atento o disposto no art. 864.º, n.º 11, CPC (atual art. 786.º, n.º 6, NCPC), “a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação”.
Pelo exposto, a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, pelo que a nulidade resultante da omissão da citação de AA para reclamar o pagamento do seu crédito, determina consequentemente, a nulidade da verificação e graduação de créditos, da venda executiva e da adjudicação ao exequente realizadas, do lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., Lote 2, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...05, e inscrito na matriz urbana sob o nº ...41. Mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário.
Contudo, a ressalva legal não se aplica, já que o exequente foi o exclusivo beneficiário da venda executiva/adjudicação realizada, já que foi o banco exequente que adjudicou os dois prédios, com dispensa de depósito do preço e do IMT, sendo os seus créditos graduados em 1º lugar, e o produto da venda dos dois prédios foi imputado nos créditos do exequente. Consequentemente, nada obsta a que se julgue a invalidade/nulidade da verificação e graduação de créditos, da venda executiva e da adjudicação ao exequente realizadas, do lote de terreno para construção urbana, sito na ..., ..., Lote 2, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ...05, e inscrito na matriz urbana sob o nº ...41.
Nem a decisão de 11/10/2010 (referência eletrónica 3290665 PE), que não decidiu nenhum requerimento/pretensão da requerente/interveniente AA. Era assim, inequivocamente, e é (designadamente por força da anulação da adjudicação/venda executiva realizadas), titular de direito real de garantia conhecido, pelo que, por força de lei, impunha-se e impõe-se ainda a sua citação para reclamar o pagamento dos seus créditos (nos termos do Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 1.532/13.6TBSTR, o seu direito não caduca com a venda, se esta for anulada nesta execução, ressalvando-se essa hipótese).
Consequentemente, deve ordenar-se ao AE que proceda à citação de AA para reclamar o seu crédito, conforme previsto nos arts. 864.º, n.os 3, al. b), CPC (atual art. 786.º, n.os 1, al. b), NCPC).
Aliás, isso mesmo foi reconhecido no Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo ordinário n.º 1532/13.6TBSTR do Juiz 4 do Juízo Central Cível de Santarém do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém», passando a transcrever o acima referido segmento daquele aresto, e prosseguindo dizendo:
«Aí se refere: “No caso presente, a Ré não foi citada para reclamar o seu crédito, quando gozava de um direito de retenção, crédito que, se reconhecido, seria graduado antes do crédito do Autor, exequente no processo de execução (…) foi o exequente o único e exclusivo beneficiário, pelo que, nos termos da última disposição legal citada, a venda poderá ser anulada, sendo certo que a Ré, por não ter sido citada, ainda estará a tempo de o fazer” (e que só não se fez no processo n.º 1532/13.6TBSTR por se entender que seria “excesso de pronúncia”, afirmando-se ser o processo executivo o “local próprio para se discutir essa falta de citação e a nulidade da venda”).
O que a requerente AA deduziu por requerimento referência 5225110 PE. (…)”.
Dito de outra forma, e conforme expressamente julgado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo 1532/13.6TBSTR, incumbe ao processo executivo a decisão da invalidade da venda (o que a requerente AA deduziu por requerimento referência 5225110 PE), e caso venha a ser julgada inválida a adjudicação/venda executiva realizada, o direito de retenção da requerente não caduca (independentemente da decisão proferida no processo 1532/13.6TBSTR); só no caso de se manter a adjudicação/venda executiva realizada, é que o direito de retenção da requerente AA caducará por efeito da venda, conforme julgado no processo 1532/13.6TBSTR.
Na presente execução foi omitida formalidade legal essencial com influência em toda a tramitação posterior, o que resultou na venda judicial e adjudicação inválidas/nulas.
Devendo julgar-se em conformidade».
Apreciando.
Como é bom de ver, tanto no requerimento do incidente formulado pela ora Apelada em 03.09.2018, como na decisão recorrida, parte-se da sublinhada ideia de que a requerente não foi citada na execução – o que é verdadeiro e inquestionado –, devendo tê-lo sido, o que constitui o cerne da questão decidenda.
Para o efeito, louvando-se no referido nos arestos deste Tribunal e do Supremo Tribunal de Justiça, tanto o julgador como a requerente assumem ter ali sido decidida tal questão, aceitando-a como coberta pela força do caso julgado material de anterior decisão proferida em litígio que também opunha ambas as partes deste incidente.
Conforme salienta JOSÉ LEBRE DE FREITAS[14] «o caso julgado material é, pois, primacialmente caracterizado por impor às partes uma norma de comportamento, baseada no prévio acertamento, com o referido efeito preclusivo, das respetivas situações jurídicas, ao contrário das preclusões (processuais) do direito à prática dos vários atos processuais que precedem a sentença, esta preclusão manifesta-se assim no plano do direito substantivo. A inadmissibilidade de nova decisão em futuro processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto, seja repetindo-a (proibição de repetição), seja modificando-a (proibição de contradição), mais não é do que consequência processual desse efeito substantivo: uma vez conformadas, pela sentença, as situações jurídicas das partes, elas passam a ser indiscutíveis.
Esta indiscutibilidade manifesta-se de dois modos:
— Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado);
— Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado)».
Tendo presente este quadro, basta atentar nas pretensões formuladas na mencionada ação, para vermos que não se verifica a tríplice identidade exigida pelo artigo 581.º do CPC, para que possa considerar-se que na decisão deste incidente o tribunal se encontra colocado na possibilidade de contradizer a decisão tomada no processo n.º 1532/13.6TBSTR, pela evidente razão de que não existe nem identidade de pedido nem de causa de pedir.
Efetivamente, o pedido formulado neste incidente visa a anulação da adjudicação do imóvel ao exequente, tendo como fundamento a omissão da citação devida na execução por nela dever ser credora reclamante, e ser credora conhecida, enquanto naquela ação a reconvenção deduzida visava, na parte que ora importa, o reconhecimento do direito de retenção sobre a fração que havia sido adjudicada ao exequente, e que este reivindicara.
Não se verificando aquela tríplice identidade, não se verifica a exceção de caso julgado, que obste à apreciação neste incidente da questão de saber se a citação que não foi efetuada, devia ou não tê-lo sido, desde logo porque, como se mostra plasmado no artigo 621.º do CPC, a sentença apenas constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Sem embargo, defende a Apelada que este Tribunal já decidiu que ela devia ter sido citada e não foi, posição que teve eco na decisão recorrida, desta feita já com recurso aos citados segmentos do acórdão proferido naqueles autos pelo nosso mais Alto Tribunal.
Será que no caso estamos perante situação em que, faltando a tríplice identidade, se verifica o dito efeito positivo da autoridade de caso julgado, impeditivo de que se possa conhecer de novo nestes autos dos fundamentos usados naquela ação?
A resposta é igualmente negativa.
Como ensina MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[15], tal pode ocorrer quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, e ainda quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, o mesmo é dizer, quando tais questões decididas constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença, como ocorre com as questões prejudiciais[16].
Ora, no caso em presença, nenhuma das citadas afirmações constantes nos arestos constituiu antecedente lógico da decisão que julgou improcedente o peticionado reconhecimento do direito de retenção, desta feita na reconvenção deduzida na ação de reivindicação instaurada pelo Banco exequente, e cuja ratio decidendi assentou na caducidade desse direito com a adjudicação dos bens penhorados, em decorrência do disposto no artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil.
Portanto, também não se verifica aquela exceção inonimada.
Aliás, a verdade é que, ao contrário do que perpassa da decisão recorrida, a questão decidenda no incidente que nos ocupa não foi objeto da decisão proferida naqueles acórdãos, ao invés do que uma leitura menos atenta dos arestos convocados pode fazer inculcar.
Na realidade, como já referimos, não se verifica a tríplice identidade entre o anterior julgado e o presente, precisamente porque constatou-se que a citação não foi efetuada e partiu-se do pressuposto que devia tê-lo sido, pela formulação do facto provado em S), onde consta que “na referida execução a Ré não teve qualquer intervenção, não foi citada, nem reclamou créditos”, o que sustenta as afirmações posteriormente efetuadas nos acórdãos quanto à tempestividade para o fazer.
Porém, basta percorrer o elenco factual tido por assente para verificar que em momento algum do mesmo consta a data em que na ação executiva foi efetuada a citação dos credores para reclamarem os seus créditos, e, por isso, a necessidade do aditamento desse facto, que acima foi efetuado.
Em qualquer caso, e como é entendimento pacífico, as decisões dos tribunais, sendo um ato jurídico, são passíveis de interpretação, a efetuar nos termos dos artigos 236.º a 238.º, ex vi artigo 295.º, todos do Código Civil, não podendo valer um sentido das mesmas que não tenha no texto que as corporiza um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso.
Nessa interpretação há que ter presente que a fundamentação e decisão constituem um todo que deve ser cotejado para que o intérprete possa captar o verdadeiro alcance da decisão.[17]
FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, precisa que “[é] da sentença no seu todo (que não apenas de uma parte dela) que hão-de extrair-se os verdadeiros sentido, conteúdo e objeto do julgado; importa, por isso, ponderar e sopesar devidamente os motivos, isto é, a parte justificativa (motivatória) da decisão, em ordem a surpreender nela uma qualquer restrição ou ampliação do dispositivo, ou mesmo a concluir que determinadas questões não foram objeto de resolução explícita ou sequer implícita (apesar da amplitude da redação da parte dispositiva) ou ainda, e ao invés, que foram consideradas e decididas questões não compreendidas na parte dispositiva.
No fundo, tornar-se-á, amiúde, necessário recorrer ao arrazoado da sentença para captar o verdadeiro pensamento do julgador. Do que se trata é de reconstituir o itinerário valorativo e cogniscitivo seguido pelo julgador ao decidir como decidiu”[18].
Revertendo o que vimos de afirmar ao caso em presença, basta a leitura atenta dos arestos convocados para concluir que nos mesmos não foi decidida a questão suscitada neste incidente, extraindo-se essa conclusão de forma bastante evidente dos segmentos em que se afirmou que a decisão da questão atinente à anulação da adjudicação não podia ser ali efetuada pois que configuraria um excesso de pronúncia, porque tal pretensão não havia sido deduzida pela aqui requerente, e tanto basta para que seja no âmbito do processo executivo que cumpra apreciar da tempestividade e bondade da deduzida pretensão.
Para o efeito, da extensa factualidade provada no âmbito do processo n.º 1532/13.6TBSTR, que não importa ao caso em presença, e daquela que foi acima aditada, com interesse para a decisão do objeto deste incidente importa reter a seguinte cronologia:
· Desde finais de janeiro, princípio de fevereiro de 2007 que a requerente ocupa a atual fração K), por traditio que teve lugar por via da celebração entre si e a sociedade construtura de um contrato-promessa de compra e venda, com eficácia meramente obrigacional, em que foi efetuado o pagamento de sinal e prevista a sua execução específica;
· Em 22.02.2008, o Banco exequente fez dar entrada do requerimento executivo que deu origem à ação executiva n.º 522/08.5TBSTR de que este incidente constitui apenso;
· Em 12.11.2008, o agente de execução procedeu à citação dos credores não tendo citado a requerente, que não reclamou o seu crédito;
· Em 02.02.2009, a requerente propôs ação ordinária contra a sociedade construtora, pedindo, para além do mais, o reconhecimento do direito de retenção sobre a fração autónoma correspondente ao andar que habitava;
· Pelo menos desde abril de 2009, que o Banco exequente sabe que o prédio está edificado e habitado;
· E desde 14 de abril de 2009 é conhecedor da situação concreta de cada um dos moradores, incluindo a da aqui requerente, sabendo a que título os mesmos ocupam as frações respetivas e desde quando;
· Por sentença proferida em 03.03.2010 e transitada em julgado em 19.04.2010, foi reconhecido à requerente AA o peticionado direito de retenção;
· Em 02.02.2011, os imóveis penhorados foram adjudicados ao Banco Exequente, que em 08.11.2012 procedeu à constituição da propriedade horizontal;
· Em 26.02.2016 o Ilustre mandatário da aqui requerente apresentou requerimento no processo executivo pedindo a emissão de certidão para junção ao processo 1532/16.6TBSTR, a qual foi emitida após ter sido satisfeito o respetivo pagamento;
· Em 03.09.2018 foi apresentado o requerimento arguindo a falta de citação.
Ainda que no caso não tenha havido alteração que releve em substância, a este incidente é aplicável a codificação processual civil vigente, quanto ao regime de arguição da nulidade.
Conforme acima já constatámos, a falta das citações legalmente previstas, tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, atualmente previsto nos artigos 187.º e ss. do CPC, e cujo regime de arguição segue a previsão do n.º 2 do artigo 191.º do referido diploma legal, de acordo com cuja estatuição, não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo.
Significa isto que a arguição da falta de citação nestes casos pode ocorrer a todo o tempo, mas é necessariamente concomitante com a primeira intervenção no processo, quando não tenha sido indicado prazo para a defesa[19]. In casu, vimos que a requerente deste incidente requereu a emissão de uma certidão em 2016, na ação executiva, demonstrando que a conhecia, e só em 2018 veio arguir aquela nulidade, pelo que, e em bom rigor, a mesma já teria de considerar-se então sanada, em face do que dispõe o artigo 198.º, n.º 2, do CPC, e tanto bastaria para o indeferimento do requerido.
Acontece que, como vimos, em ambos os arestos proferidos no processo n.º 1532/16.6TBSTR, foi afirmado que a Ré, não tendo sido citada nem tendo tido qualquer intervenção no processo, ainda estaria em tempo para o fazer, pelo que, nesta parte, tendo presente o que dispõe o artigo 8.º do CPC, a respeito do dever de boa-fé processual e o princípio da confiança, não deixaremos de enfrentar a questão de mérito que foi colocada, e que concerne a saber se aquando da citação dos credores, a requerente devia ou não ter sido citada.
Em face do que dispunha o artigo 864.º, n.º 3, alínea b), do CPC, na redação vigente à data em que foi efetuada a citação dos credores (12.11.2008), o agente de execução citava para a execução os credores que fossem “titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, para reclamarem o pagamento dos seus créditos”, sendo que, nos termos do n.º 10 do preceito, a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efetuados, dos quais o exequente não haja sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente ou outro credor pago em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação[20].
Como bem se sublinhou no aresto deste Tribunal proferido no referido processo 1532/16.6TBSTR, com a reforma da ação executiva operada pelo DL n.º 38/2003, de 08.03, deixou de se proceder à citação edital dos credores desconhecidos e impôs-se ao executado o dever de indicar, sob pena de condenação como litigante de má-fé, os direitos ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre o bem penhorado, bem como os respetivos titulares, dever que, conforme já vimos, o executado não cumpriu no caso, pois que sabia haver celebrado o contrato-promessa de compra e venda da fração, recebendo o sinal e tendo permitido que a promitente compradora para ali fosse morar, em janeiro ou fevereiro de 2007.
Em anotação ao referido preceito legal esclarece LOPES DO REGO[21], a respeito da citação dos credores, na parte que ora releva, ser «[d]e salientar que, neste caso, deixa de ter lugar a citação edital dos credores, com garantia real, desconhecidos, só se citando:
- os que constam da certidão de ónus, remetida nos termos do artigo 838.º n.º 2;
- os que sejam conhecidos no processo, nomeadamente em consequência de indagação feita no acto de penhora pelo agente executivo, nos termos do artigo 831.º, n.º 2, ou em consequência do cumprimento pelo executado do dever de indicação, previsto no n.º 6 deste preceito legal». In casu, não tendo o contrato-promessa sido registado, o agente de execução não podia saber da sua existência por via da certidão da Conservatória do Registo Predial. Realizando-se a penhora dos prédios hipotecados por via eletrónica, e estando estes então descritos como prédios rústicos, não decorre dos autos que o agente de execução tivesse feito alguma indagação a respeito da realização no local de construção, que era a finalidade do empréstimo concedido pelo exequente, como declarado no requerimento executivo, ou que de algum modo tivesse tido conhecimento da situação de facto.
Aliás, destes autos e ao contrário do que a Apelada vem afirmando, não decorre também sequer que o exequente tivesse tido conhecimento da traditio das “frações de facto”, que já então estavam construídas, a favor de promitentes-compradores, e concretamente da autora, estando provado apenas que tem tal conhecimento desde 14 de abril de 2009. Seja como for, a verdade é que sobre o exequente (ao contrário do que acontece quanto ao executado), não impende legalmente a obrigação de informar os autos de execução da existência de outros credores, sendo que do processo não resulta que à data da citação a requerente fosse credora conhecida com direito real de garantia (recorda-se que requerimento invocando a falta de citação havia sido apresentado nos autos por outros promitentes-compradores, tendo sido indeferido precisamente por se ter entendido que o agente de execução não omitira citação que então fosse devida).
É certo que a requerente alegou que tinha nessa data a qualidade de credora reclamante, parecendo entender ter já constituído a seu favor o direito de retenção sobre a fração objeto do contrato-promessa aquando da citação dos credores.
Mas não é assim.
Com efeito, o direito de retenção constitui um direito real de garantia através do qual se concede ao retentor o direito de ser pago com preferência pelo valor da coisa retida (artigo 604.º, n.º 2, do CC), direito que, no caso dos imóveis, prevalece inclusivamente sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada (artigo 759.º, n.º 2, do CC)[22].
Porém, a qualidade de titular deste direito real de garantia, não se confunde nem se constitui com a traditio mas com a sentença que declara a existência do direito de retenção[23].
Efetivamente, “em consequência da traditio rei passa o promitente-comprador a poder aproveitar directamente as utilidades que a coisa objecto do contrato prometido pode proporcionar. Não adquire, porém, o promitente-comprador um direito de posse sobre a coisa prometida vender[24]. (…) Será, assim, o promitente-comprador titular de um direito pessoal de gozo sobre a coisa, o qual perdurará enquanto não for celebrado o prometido contrato ou, eventualmente, enquanto não for resolvido o contrato-promessa”[25], ou em situações como a que nos ocupa, até quando seja declarado que é titular de direito de retenção.
Consequentemente, e até tal declaração, sendo a requerente à data da citação titular de um mero direito pessoal de gozo não tinha que ser citada.
Na verdade, cremos que só é devida pelo agente de execução enquanto citação prescrita, a citação de credor cujo direito de retenção tenha sido judicialmente reconhecido, ou seja, que esteja então munido de título exequível, o que se extrai da conjugação com o artigo 865.º à data vigente.
Com efeito, os respetivos n.ºs 1 e 2 estabelecem que só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos, tendo a reclamação por base um título exequível. Depois, o n.º 3 admite que os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados possam reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados, e o n.º 1 do artigo 869.º concede até ao credor que não esteja munido de título executivo, que possa requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação destes, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta.
Portanto, se a lei impõe que existam pressupostos essenciais para a reclamação de créditos pelos credores preferentes sobre o bem penhorado, que “são a titularidade de um crédito com garantia real sobre o bem penhorado – pressuposto material – e a existência de um título executivo – pressuposto formal”, podendo este, nas descritas situações, ser adquirido no decurso do processo[26], então outra conclusão não pode extrair-se que não seja a de que a citação pelo agente de execução só é devida relativamente a credores reclamantes munidos de título executivo.
Efetivamente, sendo a sentença constitutiva desse título, na expressão “falta das citações prescritas” a que se refere o artigo 864.º, n.º 10, do CPC, inclui-se a omissão de citação dos titulares dos direitos de ónus e encargos não registáveis – como é o caso do direito de retenção – mas que hajam sido reconhecidos, caso em que devem ser citados para reclamarem os seus créditos na execução e a omissão da sua citação configura a referida falta das citações prescritas no n.º 3, alínea b).
Ora, na espécie, conforme resulta dos factos acima referidos, a requerente apenas instaurou em 02.02.2009, contra a sociedade executada, a ação que correu termos sob o n.º 864/09.2TBCSC, onde esse direito lhe veio a ser reconhecido por sentença proferida em 03.03.2010, transitada em julgado em 19.04.2010. Portanto, em 12.11.2008, quando o agente de execução procedeu à citação dos credores, a requerente não era credora titular de um direito real de garantia.
Consequentemente, como a requerente então não detinha esta qualidade e com a reforma da ação executiva operada pelo DL n.º 38/2003, de 08.03, deixou de se proceder à citação edital dos credores desconhecidos, a invocada falta de citação não ocorre in casu, já que a sua verificação dependia de qualidade que a promitente compradora então não tinha e que apenas se constituiu na sua esfera jurídica com o trânsito em julgado da sentença que declarou o seu direito de retenção, ou seja, em 19.04.2010.
Nestes termos, impõe-se concluir pela procedência do recurso, com a revogação da decisão recorrida que, com fundamento na falta de citação da requerente, declarou nula a adjudicação dos bens penhorados ao exequente, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas pelo Apelante.
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Não obstante, como vimos supra, a ora Apelada peticionou ainda o pagamento pelo exequente da indemnização correspondente ao seu referido crédito, questão que o tribunal recorrido não conheceu, por se encontrar prejudicada pela procedência da primeira pretensão deduzida.
Revogada a sentença recorrida, atento o disposto no artigo 665.º n.º 2, do CPC, que estabelece a regra da substituição ao tribunal recorrido, tendo a apelação procedido, constando nos autos todos os elementos para o efeito, e tendo ambas as partes emitido oportunamente pronúncia a respeito de tal questão, cumpre apreciar.
A requerente formulou o segundo pedido, “alternativamente à anulação da venda e adjudicação”, mas não o podia ter feito.
Efetivamente, «[n]a base do pedido alternativo está uma obrigação alternativa, de tal forma que o direito do autor fica satisfeito efectuando-se uma só das prestações, podendo afirmar-se que estas são juridicamente equivalentes. O art.º 553º refere dois tipos de direitos alternativos, os que o são originariamente ou por natureza e os que, embora não o sejam inicialmente, se podem resolver em alternativa. A primeira espécie prevista no art.º 543º do CC, é aquela em que a obrigação nasce ou se constitui de modo alternativo. O conteúdo das obrigações alternativas é integrado por duas ou mais prestações que se equivalem, senão em termos económicos, pelo menos juridicamente, significando tal equivalência que a obrigação se extingue pela satisfação de uma só das prestações.
Por seu turno, os direitos que se podem resolver em alternativa respeitam a casos em que o credor, perante o incumprimento do devedor, tem a hipótese de optar por uma das várias soluções que a lei lhe concede.»[27] In casu, perpassa em vários artigos do requerimento apresentado, que a requerente, ainda que nunca o afirme expressamente, sustenta o pedido alternativamente formulado contra o exequente no facto de o mesmo ter atuado dolosamente, bem sabendo dos factos que alega de 43.º a 61.º, visando evitar a reclamação de créditos na execução pelos promitentes-compradores que beneficiavam da tradição das frações, e ver o seu crédito ultrapassado pelos deles, com o intuito de enriquecer injustificadamente à sua custa e de postergar e violar os seus direitos.
Como é bom de ver, ainda que não o diga expressamente – e acabe por misturar a alegação e falar novamente em abuso do direito cuja existência já havia alegado e foi declarada improcedente no âmbito do processo n.º 1532/13.6TBSTR –, a verdade é que, tal como nestes autos foi deduzida, a sua pretensão apenas terá eventual assento em indemnização com fundamento no enriquecimento sem causa.
Ora, se no âmbito do processo executivo de que o presente incidente constitui apenso, cabe a invocação da falta de citação para reclamar os seus créditos na ação executiva, porque fundada na omissão de ato do agente de execução, é uma evidência que a execução não comporta o “enxerto” de ação com natureza declarativa comum, que deve ser autonomamente instaurada para eventual declaração do pretendido direito contra o aqui exequente, seguindo forma única (artigo 548.º do CPC).
Estamos, portanto, perante formulação de pedidos alternativos por banda da requerente, que pela sua natureza não o são, em virtude de não terem na sua base qualquer obrigação com origem alternativa (artigo 553.º, n.º 1, a contrario), pelo que não podem ser conjuntamente admitidos.
Consequentemente, tendo passado o crivo do despacho liminar mas sendo este segundo pedido processualmente inadmissível, a sua dedução integra neste momento processual exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, impondo ao tribunal que se abstenha de conhecer do pedido e decrete a absolvição do réu da instância (cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, n.º 1, e 578.º, todos do CPC).
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, a Apelação procede, sendo de revogar a decisão recorrida; e, em substituição do tribunal recorrido, este tribunal abstém-se de conhecer do pedido alternativamente formulado, absolvendo o exequente da instância.
Vencida, a Apelada suporta as custas devidas, na primeira instância, nos mesmos termos que haviam sido decretados para o Apelante na decisão revogada (fixando-se a taxa de justiça em 5UC´s); e nesta instância, apenas na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade e o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC.
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III - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta conferência:
a) em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida;
b) em abster-se de conhecer do pedido alternativamente formulado, absolvendo o exequente da instância.
Custas pela Apelada, nos termos referidos.
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Évora, 15 de dezembro de 2022
Albertina Pedroso [28]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 2
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC, aplicável ao presente recurso na redação aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, posto que a decisão recorrida é posterior à sua entrada em vigor.
[4] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 424.
[5] Cfr., com citação de doutrina e jurisprudência a este respeito, o Acórdão TRL de 11.12.2019, proferido no processo nº 2096.06.2TBSXL-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, cfr. Acórdão TRG de 03.06.2016, proferido no processo n.º 128/12.4TBVLN.G2, disponível em www.dgsi.pt, com declaração de voto de vencido no sentido da qualificação como inexistência.
[7] Cabe, aliás, lembrar que no processo comum a falta de citação ou a nulidade da citação efetuada é precisamente um dos fundamentos de recurso de revisão da decisão transitada em julgado, conforme atualmente decorre do disposto no artigo 696.º alínea e), do CPC.
[8] Não aplicáveis no caso em presença, uma vez que o imóvel foi adjudicado ao exequente.
[9] Havendo, pois, que apreciar oportunamente se o deduzido incidente foi ou não a primeira intervenção da requerente no processo executivo, ou seja, se foi tempestivamente arguido como considerou a primeira instância ou se neste conspecto ocorreu erro de julgamento.
[10] Doravante abreviadamente designado CC.
[11] Cfr. ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, págs. 533 e 534.
[12] Cfr. autores e obra citada, págs. 528 e 529.
[13] In Manual de Processo Civil, vol. II, AAFDL EDITORA, Lisboa 2022, pág. 135.
[14] No estudo intitulado “UM POLVO CHAMADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO”, in Revista da Ordem dos Advogados, III-IV, 2019, págs. 692 e 693, citando doutrina nacional e estrangeira.
[15] In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX, 2.ª edição, págs. 580 e 581.
[16] Mas, mesmo nesses casos específicos, alerta o citado autor que “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos”.
[17] Cfr., neste sentido, na doutrina, J. DE CASTRO MENDES e M. TEIXEIRA DE SOUSA, in obra citada, vol. I, pág. 624, e na jurisprudência, inter alia, o acórdão STJ de 23.01.2019, ali citado, proferido no processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1, e disponível em www.dgsi.pt, convocando no mesmo sentido o Acórdão do STJ de 11 de março de 1949, publicado no BMJ n.º 12 (Maio de 1949): “Embora, em regra, só o dispositivo da decisão constitua caso julgado, frequentemente há que relacioná-lo com os seus fundamentos, para se determinar o verdadeiro alcance da decisão”. E, muito mais recentemente, o Acórdão do STJ de 05/11/2009, processo n.º 4800/05.TBAMD-A.S1 (OLIVEIRA ROCHA), que “a interpretação da sentença exige (…) que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, fatores básicos da sua estrutura.”
[18] In Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 3.ª Edição, 2022, pág. 765.
[19] Cfr., JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2018, pág. 408.
[20] Cfr., JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ARMINDO RIBEIRO MENDES e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 3.ª edição, Almedina 2022, págs. 687 e 688, para maior desenvolvimento quanto ao direito de indemnização da pessoa que devia ter sido citada.
[21] In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, Almedina, 2004, págs. 105 e 106.
[22] Para maior desenvolvimento sobre “A oponibilidade do direito de retenção”, cfr., ANA TAVEIRA DA FONSECA, no “texto corresponde à intervenção da autora no II Colóquio sobre o Código Civil, no âmbito das comemorações do seu cinquentenário, organizado pelo Supremo Tribunal de Justiça e que teve lugar no dia 18 de Maio de 2017”, e se encontra disponível em www.stj.pt.
[23] Só assim não ocorre no âmbito do processo de insolvência, em que o reconhecimento do direito de retenção pelo promitente-comprador não depende da verificação, por sentença, dos respetivos pressupostos, não sendo exigível que esteja munido de título executivo nem a apresentação daquela sentença, sendo ali admissível que o reconhecimento do crédito e da garantia seja feita, no contexto da ação de insolvência, no processo de verificação e graduação de créditos – cfr., para maior desenvolvimento a este respeito, o Acórdão do TRC de 15.01.2013, proferido no processo n.º 511/10.0TBSEI-E.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Ressalvam-se as situações excecionais em que foi efetuado o pagamento da totalidade do preço, e que na situação em presença não importam considerar.
[25] Cfr. JOSÉ DIOGO FALCÃO, in SÚMULA SOBRE O INCUMPRIMENTO DO CONTRATO-PROMESSA, disponível in https://portal.oa.pt.
[26] Cfr., Ac. deste Tribunal de 23.04.2020, relatado pela ora 2.ª Adjunta, no processo n.º 2769/16.1T8STB-A, já a respeito dos correspondentes artigos do CPC na redação da Lei n.º 41/2013.
[27] Cfr., ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 611.
[28] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.