EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
LEI APLICÁVEL
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário


I. O prazo de prescrição aplicável à obrigação de exequenda (capital e juros) estando em discussão a exequibilidade de uma sentença estrangeira revista ao abrigo da lei portuguesa, sendo o fundamento dos embargos o previsto no artigo 729.º, alínea g), do CPC (facto extintivo prescrição), é o da lei portuguesa.
II. O prazo de prescrição iniciou-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória estrangeira e interrompeu-se com a citação do demandado no processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira ou, não ocorrendo a mesma no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao demandante, tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias.
III. Só voltando a correr de novo após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
BB e AA deduziram oposição mediante embargos de executado contra KREISSPARKASSE RAVENSBURG, ao abrigo do artigo 729.º, alínea g), do CPC, arguindo ilegitimidade da executada (a sentença estrangeira revidenda e exequenda foi apenas proferida contra a ora Embargante, exceção que foi julgado improcedente na decisão recorrida) e a prescrição do crédito exequendo e dos juros por os executados terem sido citados para a execução 21-09-2016; o crédito em incumprimento ser de natureza bancária, fracionado em prestações, aplicando-se, assim, o prazo de prescrição de 05 anos, nos termos do 310.º, alínea e), do Código Civil, o qual começou a correr após o trânsito em julgado da sentença exequenda, ou seja, a partir de 29-07-1995.
Ademais, mesmos que se aplicasse a legislação alemã, os juros acumulados desde 01-10-1994 até 10-07-1995, data da prolação da sentença condenatória alemã, estão sujeitos a um prazo de prescrição de 30 anos (parágrafo 197.º, n.º 3, do BGB) e os vencidos a partir de 10-07-1995 estão sujeitos a prazo de prescrição de 03 anos (parágrafo 197.º, n.º 2, do BGB), pelo que a reclamação de juros terminou o mais tardar até 31-12-1998 uma vez que a sentença transitou em julgado ainda em 1995.
Alegam, ainda, que o crédito exequendo foi pago parcialmente por CC, ex-cônjuge da Embargante BB sobre o valor do crédito de 300.000 DEM.
A Embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Alegou, em síntese, que o prazo prescricional foi interrompido por via das ações judiciais instauradas e que ao caso é aplicável o prazo de prescrição ordinário.
As ações intentadas foram as seguintes:
- Em 02-07-2002 intentou procedimento cautelar de arresto contra os ora executados, que correu termos sob o n.º 326-A/2002, do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Olhão da Restauração, onde requereu o arresto do prédio cuja penhora foi requerida na execução de que estes embargos são apenso;
- Em 09-08-2022, intentou contra os ora executados uma ação de impugnação pauliana, que correu termos no proc. n.º 326/2002, tendo transitado em julgado em 17-11-2011, onde impugnou a doação de metade indivisa do mesmo imóvel por parte dos ora executados a sua filha DD
Também alegou que foram demandados os executados DD e AA, porquanto este é cônjuge da executada BB e ambos doaram à executada DD o direito sobre metade do prédio que foi arretado e objeto da ação de impugnação pauliana.
Essa sentença foi objeto de recurso de revisão interposto pelos executados em 02-12-2011, que correu por apenso à ação pauliana, tendo o acórdão transitado em julgado em 22-02-2016;
- Em 18-10-2002 a exequente já tinha intentado ação executiva, antecedida de providência cautelar de arresto, contra os ora executados BB e AA, que correu termos sob o n.º 393/2002 no 3.º Juízo Judicial de Olhão da Restauração, a qual cumpriu parcialmente o desiderato de cobrança da dívida que os executados têm para com a exequente.
Os demais processos foram atos preparatórios da presente execução.
Os ora executados foram em todos os processos citados e notificados de todos os atos ali praticados, conhecendo a pretensão da ora Embargada desde 2002.
Donde a prescrição se interrompeu desde 2002, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.
Quanto à prescrição do direito de crédito e juros alegam que a sentença proferida no Tribunal de Ravensburg (Alemanha) foi proferida em 10-07-1995 e reconheceu o direito da exequente e condenou a executada BB a pagar determinada quantia e juros, não sendo os juros prestações vincendas como decorre da sentença.
A sentença foi revista e confirmada em Portugal.
À execução aplica-se o disposto no artigo 311.º do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição de curto prazo, por via da sentença, transforma-se num prazo prescricional ordinário de 20 anos.
Também impugnou o pagamento.
Realizou-se a audiência prévia, onde foi formulado convite ao aperfeiçoamento da petição de embargos e a final, as partes se pronunciaram nos termos da al. b), do n.º 1, do art.º 591º, do CPC.
Foi proferido saneador-sentença que julgou improcedente as exceções de ilegitimidade passiva, prescrição e pagamento parcial, ordenando, consequentemente, o prosseguimento da execução.
Inconformada, apelou a Embargante BB, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1º- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a Quo que julgou improcedentes os embargos de executados.
2º- Uma das questões a decidir no presente recurso é sobre a prescrição do crédito exequendo.
3º-O título executivo que serve de base à presente execução é uma sentença estrangeira proferida pelo Tribunal Regional de Ravensburg, Alemanha e transitada em julgado em 28 de Julho de 1995, tendo a Executada BB sido condenada como devedora solidária ao pagamento de determinada quantia.
4º-A presente execução deu entrada a 01 de Abril de 2016.
5º-Entre a data da sentença proferida pelo Tribunal Alemão, ou seja, 28 de Julho de 1995 e a data da instauração da presente execução decorreram mais de 20 anos.
6º-Estabelece o disposto no n.º 1 do art. 311º, do C. Civil, que: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”
7º- O legislador veio prever uma maior proteção ao credor que, nos termos daquela sentença transitada em julgado ou de outro título executivo, possui o seu direito perfeitamente consolidado, o que é igualmente do conhecimento do devedor, pelo que a lei estabelece um prazo mais alargado para que exerça coativamente tal direito, independente do prazo a que estava inicialmente subordinado.
8º-A sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos (…) Para tanto é necessário que a sentença já tenha transitado em julgado, o que sucedeu no presente caso, pelo que o prazo de prescrição a aplicar será o de 20 anos.
9º-Atenta a natureza da dívida aqui em causa , baseada em sentença judicial condenatória, transitada em julgado em 28 de Julho de 1995 - título executivo - afigura-se -nos que o prazo de prescrição da dívida exequenda é o prazo geral de 20 anos previsto no artigo 309 do C.Civil.
10º-Atento o artigo 309 do C.C. é de concluir que a exequente não dispõe de título executivo, o que condena ao insucesso a presente ação executiva, pois falta um dos pressupostos essenciais, para que a mesma possa ter êxito.
11º-O Acórdão n.º 2342/14.9 TTLSB-C- Tribunal da Relação de Lisboa, que consagra que prazo para executar um crédito reconhecido por sentença judicial transitada em julgado é de 20 anos.
12º-No caso em apreço a execução em causa foi instaurada a 01 de Abril de 2016, muito depois de findo o prazo de prescrição de 20 anos.
Daí que por força do artigo 309 , 311 , 323 e 327 se verifique a prescrição do crédito aqui em causa.
13º-O regime da extinção de direitos por prescrição sanciona, por esta via, a inércia do titular do direito, contra a qual se protege o sujeito passivo.
14º- Esclareça-se que o computo do prazo prescricional, a Recorrente considerou, como não poderia deixar de ser , a sentença primitiva, ou seja, a sentença proferida pelo Tribunal Regional de Ravensburg.
15º-Foi essa sentença que apurou os factos que viriam a determinar a confirmação da sentença proferida pelos Tribunais Portugueses.
16º- Ao contemplar diverso entendimento , o Meritíssimo Tribunal A Quo, incorreu em violação dos artigos 304 , 309, 310 , 311, 323 , 327 e seguintes do C.Civil entre outros , motivo pelo qual a douta decisão ora posta em crise se mostra, assim inquinada, devendo, pois, ser revogada nos termos supra requeridos.
17º-A outra questão a decidir no presente recurso é sobre a prescrição dos juros.
18º-A prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) do Código Civil, segundo a qual os juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.
19º-A obrigação de juros é acessória da do capital, não podendo nascer ou constituir-se sem esta. No entanto, uma vez constituída, vive por si com alguma autonomia. E essa autonomia está hoje expressamente reconhecida no artigo 561º do Código Civil.
20º-Perante aquela autonomia, os juros podem continuar a ser devidos, mesmo que prescrita a dívida de capital, podendo neste caso, exigir-se todos os anteriores de há menos de cinco anos .
21º-Assim sendo se impõe-se a alteração da decisão proferida e a sua substituição por outra que , atendendo ao supra expendido.
22º- Ao contemplar diverso entendimento , o Meritíssimo Tribunal A Quo, incorreu em violação dos artigos 298, 310,311, 326, 561, 781 , e seguintes do C. Civil entre outros, motivo pelo qual a douta decisão ora posta em crise se mostra, assim inquinada, devendo, pois, ser revogada nos termos supra requeridos.

A Embarga respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se ocorreu a prescrição do crédito exequendo e juros.

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
«Com relevância para a decisão da causa, resultaram provados, os seguintes factos:
1º-Por sentença transitada em julgado proferida pelo Tribunal Regional de Ravensburg, na Alemanha, em 10 de Junho de 1995, foi a aqui Embargante BB condenada no pagamento à aqui Embargada por Kreissparkasse Ravensburg da quantia de 300.000 marcos alemães a que correspondem 153.387.56 €, acrescida de juros vencidos desde 1.10.94 sobre 299.000 marcos, à taxa de 5 pontos percentuais acima da taxa de desconto do “Deutsche Bundesbank”- cfr. documento junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por reproduzido.
2º-Por sentença proferida no processo n.º 49/2002 do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, transitada em julgado em 11/12/2002, ao abrigo do disposto nos artigos 31º e 34º da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, foi declarada a sentença acima referida em 1º, exequível em Portugal- cfr. documento junto com o requerimento executivo e que aqui se dá por reproduzido.
3º-Correu termos a acção n.º 326/2002 do extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão (redistribuído como 475/14.8T8FAR do Juízo Central Cível de Faro-J3) instaurada pela aqui exequente Kreissparkasse Ravensburg contra os aqui executados BB, AA e DD, onde por sentença transitada em julgado em 17/10/2011, foi decidido julgar procedente a impugnação da doação da metade indivisa do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º ... feita por BB e AA à sua filha DD, julgando-a ineficaz em relação à Autora Kreissparkasse Ravensburg e determinando que o direito doado seja restituído à medida do crédito da Autora, podendo esta executá-lo na medida da satisfação do seu crédito-cfr. documentos juntos com o requerimento executivo e que aqui se dão por reproduzidos.
4º-O crédito a que se refere a acção referida em 3º corresponde às quantias em que foi condenada a Embargante BB como consta nos factos 1º e 2º.
5º-Na execução de que estes embargos constituem um apenso foi nomeado à penhora a metade indivisa do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º ....
6º-A execução de que estes embargos constituem um apenso foi instaurada em 1/4/2016.
Com relevância para a decisão da causa, inexistem factos não-provados.»

C- De Direito
A questão a decidir consiste em saber se à data da instauração da execução (01-04-2016) de que estes Embargos são apenso se encontrava prescrita a obrigação exequenda, constituída por capital e juros de mora.
Como decorre do requerimento executivo, o título executivo é composto pela sentença condenatória proferida pelo Tribunal Regional de Ravensburg, na Alemanha, em 10-06-1995, que condenou a aqui Embargante BB a pagar à qui Embargada Kreissparkasse Ravensburg a quantia de 300.000 marcos alemães, a que correspondem €153.387.56, acrescida de juros vencidos desde 01-10-94 sobre 299.000 marcos, à taxa de 5 pontos percentuais acima da taxa de desconto do «Deutsche Bundesbank», e pela decisão proferida no processo n.º 49/2002 do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, transitada em julgado em 11-12-2002, ao abrigo do disposto nos artigos 31º e 34º da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que declarou exequível em Portugal a sentença estrangeira supra referida.
Na decisão ora em recurso para fundamentar a improcedência da exceção de prescrição, escreveu-se o seguinte:
«Os Embargantes invocam a prescrição do crédito exequendo, sustentando que ao caso é aplicável o prazo de 5 anos e que o prazo de 20 anos sempre também teria decorrido.
Por sua vez, a Embargada sustenta que é aplicável o prazo de prescrição ordinário.
Como é evidente, o crédito exequendo corresponde às quantias em que a Embargante BB foi condenada por sentença judicial transitada em julgado. Por isso, passou a ser aplicável o prazo ordinário de prescrição, como previsto no n.º 1 do artigo 311.º do Código Civil, ou seja, o prazo de 20 anos previsto no art.º 309º do Código Civil.
Atendendo a que a decisão de confirmação da sentença estrangeira transitou em julgado em 11/12/2002 e a execução foi instaurada em 1/4/2016 (interrompendo-se a prescrição no 5º dia posterior como previsto no art.º 323º do Código Civil), é evidente que não se completou o prazo de 20 anos (para além da interrupção decorrente também da instauração da acção pauliana).
Destarte, improcede a invocada prescrição.»

Discorda apelante, defendendo que se verifica a prescrição nos termos que constam das conclusões do recurso.
Vejamos, então.
A sentença exequenda é a sentença proferida na Alemanha e não outra, seja a proferida em sede de revisão de sentença, seja outra(s) proferida(s) pelos tribunais portugueses e mencionadas pela Apelada, ou seja, a sentença proferida na ação pauliana, os acórdãos proferidos subsequentemente à prolação desta em sede de recurso (normal) de apelação e extraordinário de revisto de sentença e as decisões que tenham sido proferidas em procedimentos cautelares e em sede de outra execução referenciada pela Embargada.
A sentença que reviu e confirmou a sentença alemã e conferiu exequibilidade àquela integra o título executivo porquanto é a mesma que confere à sentença revidenda essa qualidade (executoriedade).
O raciocínio da Apelante para invocar a prescrição é simples e desdobra-se em duas vertentes:
(i) a obrigação exequenda prescreve no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), pelo que tendo a sentença alemã transitado em julgado em 28-07-1995 e a presente execução sido intentada em 01-04-216, estavam decorridos mais de 20 anos, logo a obrigação estava prescrita, não colhendo a aplicação ao caso do artigo 311.º, n.º 1, do mesmo Código Civil;
(ii) a obrigação de juros, acessória da obrigação de capital, prescreve no prazo de 05 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, pelo que estão prescritos todos os anteriores de há menos de 05 anos.
É evidente que o raciocínio da Apelante omite a existência de uma ação de revisão de sentença cuja decisão transitou em julgado em 11-12-2002, tendo sido instaurada nesse ano de 2002 (a certidão desta sentença não menciona a data de entrada da petição inicial, nem da citação da requerida naquela causa).
É sabido que no ordenamento jurídico português a eficácia das sentenças proferidas por um país estrangeiro, quer quanto à sua força de caso julgado, quer quanto à sua exequibilidade (exequátur), têm de sujeitar-se a um processo especial de revisão e confirmação regulado nos artigos 978.º e seguintes do atual CPC, estipulando o seu artigo 978.º, n.º 1: «Sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»
O sistema adotado por Portugal, entre os vários que existem, foi o de reconhecimento meramente formal ou de delibação por via do qual o tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e certas condições de regularidade formal, sem prejuízo do legislador ter feito concessões ao sistema de revisão de mérito, adotando, segundo alguns, um sistema misto de revisão formal e de revisão de mérito.
Porém, não é essa a questão que ora nos ocupa.
A relevância da sentença de revisão proferida (ao abrigo da legislação em vigor na altura) relaciona-se com a questão da interrupção da prescrição.
Entre a data do trânsito em julgado da sentença revidenda e a data da instauração da ação de revisão de sentença estrangeira decorreram, pelo menos, 07 anos.
O prazo de prescrição ordinário na lei portuguesa é de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), embora também se encontrem prazos de prescrição de curto prazo (05 anos) para as situações abrangidas pelo artigo 310.º do Código Civil, aí se incluindo os juros (alínea d) do preceito), estando ainda estabelecidos outros prazos ainda mais curtos como decorre dos artigos 316.º e 317.º do Código Civil.
As partes não litigam com base na invocação do prazo de prescrição da lei alemã.
Na contestação aos presentes embargos, a Embargada faz menção à lei alemã mas de forma algo confusa e não documentou nos autos sequer os preceitos que indica do BGB, nem sequer defende que os mesmos sejam os aqui aplicáveis.
De qualquer modo, o prazo de prescrição a ter em conta, considerando que estamos a discutir a exequibilidade de uma sentença estrangeira revista ao abrigo da lei portuguesa (artigo 706.º do CPC), sendo o fundamento dos embargos o previsto no artigo 729.º, alínea g), do CPC (facto extintivo prescrição), é o da lei portuguesa.
Estipula o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil a regra geral na matéria do início do curso da prescrição, prescrevendo que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Por sua vez, estipula o artigo 323.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil, que a prescrição se interrompe, entre outros atos que exprimam a vontade, direta ou direta, do titular do direito o exercer, pela citação, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, sendo que, se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Os efeitos da interrupção da prescrição encontram-se plasmados no artigo 326.º do Código Civil, donde decorre, que a prescrição inutiliza o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo dos n.ºs 1 e 3 do artigo 327.º do mesmo diploma legal, onde avulta que o prazo de prescrição interrompido por via da citação, só volta a iniciar-se de novo após o transito em julgado da decisão que puser termo ao processo.
Ora, na situação em análise, antes da prolação da sentença de revisão de sentença, o direito reconhecido e objeto da ação de condenação alemã, não podia ser exercido perante a jurisdição portuguesa.
Com a instauração do processo de revisão de sentença estrangeira e citação da ali Requerida (ora Embargante BB) interrompeu-se a prescrição em curso, ou se a citação não ocorreu no prazo de 05 dias após a instauração da ação, tem-se a prescrição interrompida logo que decorreram os referidos 05 dias, só voltando a correr novo prazo de prescrição após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de revisão de sentença estrangeira.
No caso, tendo o processo de revisão de sentença sido instaurado em 2016, o prazo de 20 anos ainda não tinha decorrido, tendo-se o mesmo interrompido, só tendo voltado a correr a partir de 11-12-2002.
Como a execução de que estes embargos são apenso foi instaurada em 01-04-2016, também não tinha decorrido os referidos 20 anos da prescrição ordinária.
Donde, a aplicação ao caso do artigo 311.º, n.º 1, do Código Civil, à dívida de capital nem sequer se coloca.
Sublinhando-se que não se envereda por qualquer análise em relação à aplicação à dívida de capital do prazo curto de 05 anos (tese defendida pelos Embargante na oposição à execução, pois, manifestamente, não a vêm já defender em sede de recurso, pelo que se tornou numa não-questão atenta a posição da recorrente).
Resta, agora, apreciar a questão da prescrição dos juros.
O prazo de prescrição da obrigação de juros convencionais ou legais é na lei portuguesa de 05 anos, nos termos do artigo 309.º, alínea d), do Código Civil.
À data da instauração do processo de revisão de sentença, os juros vencidos até esse momento, estravam prescritos por terem já decorridos mais de cinco anos aquando da interrupção da prescrição.
Por força do artigo 311.º, n.º 2, do CPC, em relação aos juros vincendos, o prazo de prescrição mantêm-se nos 05 anos.
O prazo de prescrição voltou a correr de novo após o trânsito em julgado da sentença de revisão de sentença estrangeira, ou seja, após 11-12-2002.
Tendo a execução sido instaurada em 01-04-2016, encontram-se prescritos os juros que àquela data já tinham mais de cinco anos, ou seja, só são devidos os juros de mora dos últimos cinco anos antes da instauração da execução.
Neste ponto, a apelação procede em parte.

Dado o recíproco decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante e da Apelada/Embargada, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando a sentença no tocante à improcedência da exceção de prescrição da obrigação (dívida de capital) e procedente em relação à exceção de prescrição dos juros de mora, nos termos supra referidos.
Custas nos termos sobreditos.

Évora, 15-12-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)