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DECLARAÇÕES DE PARTE
DEPOIMENTO DE PARTE
MEIOS DE PROVA
REJEIÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Sumário
I - As declarações de parte são um meio de prova voluntário e de natureza potestativa, como decorre da sua previsão no artigo 466º, do Código de Processo Civil. II - Por conseguinte, o juiz do processo não pode fazer qualquer pré-juízo sobre a utilidade (ou credibilidade) de tal meio de prova oferecido pela parte interessada e, assim, rejeitar liminarmente esse meio de prova, salvo se o mesmo for oferecido de forma extemporânea. III - Não indicando a parte interessada, em termos discriminados, a matéria de facto sobre a qual versarão as suas declarações de parte, o juiz deve convidar a mesma a fazer essa indicação em prazo a fixar, ao abrigo dos poderes/deveres de gestão e colaboração previstos nos artigos 6º, n.º 2 e 7º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC). IV - O depoimento de parte da parte contrária só pode ser formulado nos articulados da acção e na audiência prévia, se a mesma tiver lugar, não sendo aplicável às partes a regra do n.º 1 do artigo 452º, do CPC, que atribui apenas ao juiz a prerrogativa de, por sua própria iniciativa (e não por sugestão ou requerimento da parte), ouvir em depoimento as partes em qualquer fase do processo. V - Sendo rejeitado um meio de prova e sendo de imediato (como tem de ser) interposto recurso de apelação ao abrigo do preceituado no artigo 644º, n.º 2, alínea d), do CPC, é estrito dever do juiz do processo conhecer da interposição do recurso e admiti-lo (se for o caso), sendo ilegal a sua retenção durante cerca de 5 meses e até ao momento em que o juiz admite o recurso da própria sentença entretanto proferida e a coberto de uma alegada conveniência na decisão conjunta dos dois recursos.
Texto Integral
Processo n.º 3791/18.9T8VNG.P1 Juízo Local Cível de VN Gaia - Juiz 2. Relator: Des. Jorge Seabra 1º Juíza Adjunta: Desembargadora Maria de Fátima Andrade 2º Juíza Adjunta: Desembargadora Eugénia Cunha
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em colectivo, no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO: 1. AUTORA: AA, viúva, residente em ..., Stº MARIA DA FEIRA
RÉ: BB, portadora do BI ..., residente em arruamento sem denominação oficial, nº ... e Praceta ..., ..., SANTA MARINHA, V.N.DE GAIA
PEDIDO
De procedência da acção e, em consequência «ser ordenada a entrega à Autora da posse da fracção supra indicada, sendo a Ré condenada a abster-se de praticar actos que impeçam ou dificultem o uso e fruição por parte da Autora.
Mais deverá ser a Ré, condenada no pagamento à Autora da quantia diária de 12,50€ (Doze Euros e cinquenta Cêntimos), a título de indemnização, contados desde a data em que tomou conhecimento da carta remetida pela aqui Autora e até à entrega da fracção em causa»
A autora alega os factos que em seu entender sustentam a revindicação da fracção autónoma “IC”, destinada a arrecadação com n.º ..., no sótão da Torre “C” com entrada pelo novo arruamento sem denominação nº ... e Praceta ..., inscrita na matriz predial urbana artigo ... da União de freguesias ....
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2. A ré contestou e deduziu reconvenção peticionando a final que, com fundamento nos factos que alega, seja a reconvenção procedente e a autora condenada «a reconhecer a R. como legítima proprietária da fracção “CI” por a ter adquirido por usucapião;
Ser reconhecida a R. como única e legítima proprietária, com exclusão de outrem, daquela fracção, com o consequente cancelamento do registo de aquisição da Autora na respectiva Conservatória do Registo Predial.
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3. A autora apresentou articulado exercendo o princípio do contraditório.
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4. No decurso da audiência de julgamento – após a produção da prova testemunhal arrolada e na sequência da designação de nova data para alegações finais (que vieram a ter lugar a 31.01.2022) – veio a Autora, mediante requerimentos datados de 7.12.2021 e 10.12.2021, respectivamente, requerer as suas declarações de parte “ a toda a matéria “ e, ainda, o depoimento de parte da Ré também “ a toda a matéria “.
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5. Sobre estes requerimentos veio a incidir o seguinte despacho datado de 11.01.2022:
“A autora veio, em 07.12 requerer a sua tomada de declarações de parte. Apreciando. É consabido que a prova por declarações de parte não pode ser entendida como qualquer outra prova, tendo uma natureza subsidiária ou supletiva, devendo ser usada quando se «pressinta que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz, i.e., perante a necessidade sentida pela parte de oferecer o depoimento próprio, como meio de prova, mormente perante o fracasso da produção de outros meios» No caso destes autos – e não obstante não ter sido indicado objecto às declarações pedidas –, o certo é que o que a autora conhece é o que documentalmente há nos autos, por isso, nenhuma valia tem a sua tomada de declarações que se limitará a dizer ao Tribunal que celebrou uma escritura de compra e venda que está nos autos e que é um documento autêntico. Revela-se, pois, manifestamente desnecessário tomar declarações de parte à autora. Assim, nos termos conjugados dos artigos 6º, 131º e 547º, todos do Código de Processo Civil, por estar vedada ao Tribunal a prática de actos inúteis, por manifestamente desnecessário, não se admite a tomada de declarações de parte à autora. Notifique. (…) A autora veio requerer o depoimento de parte da ré. Apreciando. O despacho saneador foi proferido com a referência 407718886, em 21.10.2019 e a audiência de julgamento terminou já a produção de meios de prova, faltando apenas a produção das alegações, por isso, uma vez que todos os prazos a que alude o n.º 2 do artigo 552º, do Código de Processo Civil, já decorreram, indefere-se, por extemporâneo, este pedido. Notifique. “
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6. Inconformada com este despacho de 11.01.2022, a Autora interpôs recurso de apelação do mesmo com data de 21.01.2022 – requerendo a sua subida imediata -, nele oferecendo as seguintes CONCLUSÕES I- Viola (o) Douto Despacho datado de 11/01/2019, ora recorrido, o disposto em artº466, nº1 CPC e 417, nº1CPC, e 452, nos.1 e 2 e 411 todos CPC, porquanto: II-Atempadamente, em 10/XII/21, a aqui Recorrente, requereu a prestação de declarações de parte, conf. REFª: 40687713. III- Douto despacho datado de 21/X/2019 indefere esse chamamento, entendendo que “o que a autora conhece é o que documentalmente há nos autos, por isso, nenhuma valia tem a sua tomada de declarações que se limitará a dizer ao Tribunal que celebrou uma escritura de compra e venda que está nos autos e que é um documento autêntico.” Por isso, “por manifestamente desnecessário, não se admite a tomada de declarações de parte à autora”. IV- Nos termos de arts, 6, 131 e 547, todos CPC, “por estar vedada ao Tribunal a prática de atos inúteis, por manifestamente desnecessário, não se admite a tomada de declarações de parte à autora.” Não entende assim a Autora-Reconvinda, V- Nos termos de artº316, nº3.al) a CPC, 1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. VI-Tendo, portanto, sido atempadamente, que a aqui Recorrente, Autora-Reconvinda nos Autos, requereu a sua tomada de Declarações de Parte. VII-Com todo o respeito, que imenso é, NÃO PODE a Mmª Magistrada saber o que a aqui recorrente, iria dizer. VIII- Sendo certo que das declarações de parte da Autora sempre poderiam (e podem) resultar contributos para o apuramento da verdade material, nos termos do dever de cooperação estatuído no citado artº417, nº1 CPC. IX- Assim entende Esclarecida Doutrina, nomeadamente o Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa: “Atenta a formulação legal adotada, assiste à parte o direito potestativo processual de requerer a própria prestação de declarações de parte, tendo como limite temporal o início das alegações orais. Refere PAULO PIMENTA que esta figura tem caráter voluntário, estando preterido à contraparte requerer tal meio de prova nem podendo este ser determinado oficiosamente pelo juiz. LEBRE DE FREITAS conflui na asserção de que as declarações de parte não podem ser ordenadas oficiosamente. RAMOS DE FARIA entende que nada impede que o tribunal determine oficiosamente a prestação de declarações de parte, o que tem fundamento legal bastante no Art. 411 do CPC. “in “AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE”, (pág. 4). X-Como diz o Distinto Magistrado: “com efeito, o direito à prova tem como conteúdo essencial o direito de a parte apresentar as provas das quais se pretende fazer valer para demonstrar o fundamento factual do direito que se arroga, desde que essas provas sejam relevantes, tendo o direito à prova consagração constitucional (Art. 20.1. da Constituição). Assim, o direito à prova «implica o direito à admissão de todas as provas relevantes e admissíveis que a parte deduza.» “Cabe à parte eleger, no seu critério, as provas que há-de utilizar no processo.” in “AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE”, (pág. 20). XI-Não sendo a despropósito citar a afirmação de Mariana Fidalgo sobre a prova por declarações de parte “que não deverão ser previamente desprezadas, nem objecto de estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da Lei e do Princípio da Livre da Apreciação da Prova”. (in “A instrução no novo Código de Processo Civil – A Prova por Declarações de Parte”, Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, 2015.) XII-Nesse sentido, opina Elizabeth Fernández, segundo a qual, as partes são as testemunhas primordiais dos factos. Elas tiveram um contacto na plenitude dos seus cinco sentidos daqueles. Por isso mesmo “quem tem melhor razão de ciência do que a própria parte?”. (“Nemo Debet esse testis in própria causa? Sobre a (in) Coerencia do Sistema Processual,” in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014.) XIII-Tendo Joana Rijo Pedrosa Cabral, na sua dissertação de mestrado citado” Exposição de motivos da Lei n. º41/2013 de 26 de Junho”: “A prova por declarações de parte é um dos novos meios ao alcance dos sujeitos processuais de modo a fazer jus ao objectivo das alterações. Como tal, “prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando – face, nomeadamente, à natureza pessoal dos factos a averiguar – tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo Juiz, na parte em que não representem confissão.” A Prova por Declarações de Parte no Código de Processo Civil “pag.36. (Faculdade de Direito de Lisboa, 2017) XIV-Entendimento este consagrado em Douta Jurisprudência: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.10.2012, afirmou-se que: «No processo civil igualmente não encontramos norma semelhante [que limite a produção de prova às provas essenciais], antes parecendo que as partes, litigando em matérias disponíveis, são ainda soberanas, nessa disponibilidade, para apresentarem as provas que bem entenderem e julgarem – bem ou mal – aptas a provar os factos que alegam. O julgador não pode indeferir a inquirição duma testemunha ou a produção dum depoimento de parte com esse fundamento. Em matéria de prova documental, o artº 523º do Código de Processo Civil apenas estabelece que os documentos têm de ser destinados a fazer prova dos factos alegados, posto que ainda estejam por provar. Ser destinado a fazer prova não é a mesma coisa que ser apto a fazer prova. Estamos, de novo, no domínio da liberdade das partes na escolha das suas provas.» (idem, pág. 20). XV-Nesse sentido, entendeu também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.1.2014, Maria Purificação Carvalho, 394/12, se considerou que “o direito à prova constitucionalmente reconhecido faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que consideraram mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.” (cit. Idem. Nota 45). XVI-E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.4.2014, Conceição Saavedra, 211/12,: «Estamos, por conseguinte, no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo de fazer a contraprova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20 da C.R.P.), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses.” (op.cit.pág.26). XVII- E é usando desse direito constitucionalmente reconhecido, -consubstanciado no direito processual civil- que a Autora usa o meio de prova, que considera mais adequado para a prova dos factos principais da causa: as declarações de parte. XVIII-Ou seja, nos termos de artº 466, nº1CPC, a Autora-reconvinda, B) atempadamente, no uso do seu direito a prova, constitucionalmente garantido, C) requereu a sua prestação de declarações de parte, D)a fim de contribuir para o apuramento da verdade material, E) procurando demonstrar o direito que se arroga. F) não podendo a Mmª Magistrada saber o que ela tem para dizer, XIX-Pelo que, entende a mesma Autora-Reconvinda, existir razão para que se efetue a tomada de Declarações de Parte. XX- No mesmo dia, 10/XII/21, a Autora-Reconvinte, nos termos de artº452, nos. 1 e 2 CPC, requereu o depoimento de parte da Ré-Reconvinte, BB, a toda a matéria, conf. Refª. 40702716 XXI-Entendeu, a Meritíssima Magistrada a quo, no mesmo Douto Despacho, aqui recorrido entendeu indeferir o pedido, por extemporâneo, Pois “O despacho saneador foi proferido com a referência 407718886, em 21.10.2019 e a audiência de julgamento terminou já a produção de meios de prova, faltando apenas a produção das alegações, por isso, uma vez que todos os prazos a que alude o n.º 2 do artigo 552º, do Código de Processo Civil,”. Não entende assim a Autora-Reconvinda, XXII-Em termos de arts.452 nº1 CPC, o magistrado pode, em qualquer estado do processo (o sublinhado é nosso) ordenar a comparência pessoal das partes, para prestação de depoimento. XXIII-Sendo que, quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair, nos termos de nº2 do mesmo artº. XXIV-Não será forçar a letra da lei, entender que a contraparte pode requerer em qualquer estado do processo o depoimento da parte contrária. XXV- Nos termos de artº411 CPC, “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” (o sublinhado é nosso). XXVI-O que, também permite prever que seja “não oficiosamente”, isto é, requerido por qualquer das partes. XXVII -E a evolução da produção de prova testemunhal, permitiu á Autora, prever que importaria chamar a Ré-Reconvinte a depor sobre factos que esta tinha e tem a obrigação de conhecer, nos termos do artº454, nº1. XXVIII-É entendimento muito partilhado por distintos autores, que essa contribuição para o apuramento da verdade é indispensável. XXIX -Segundo a já referida Elizabeth Fernández, as partes “vão prestar depoimento sobre factos que testemunharam, pois são estes de que se tem conhecimento pessoal ou direto. Isto para dizer que, as partes que presenciaram diretamente os factos ou que neles intervieram, são tecnicamente testemunhas dos mesmos”. (Elizabeth Fernández in “Um Novo Código de Processo Civil? Em busca das Diferenças”, Porto, Vida Económica, 2014.) XXX-O já citado Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa diz: “Ou seja, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, foram reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que a par de prova tarifada existem meios de prova sujeitos a livre apreciação.” (op. cit. pág. 2). XXXI - Citando esse Magistrado a seguinte distinta jurisprudência: “Neste sentido, cf. Os Acórdãos do STJ de 2.10.2003, Ferreira Girão, 03B1909, de 9.5.2006, João Camilo, 06A989, de 16.3.2011, Távora Víctor, 237/04 (“(…) o depoimento tem um alcance muito mais vasto, podendo o tribunal ouvir qualquer uma das partes quando tal se revele necessário ao esclarecimento da verdade material. E se é certo que “a confissão” só pode versar sobre factos desfavoráveis à parte, não é menos verdade que o Juiz no depoimento em termos gerais não está espartilhado pela confissão, podendo colher elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”), de 4.6.2015, João Bernardo, 3852/09. XXXII-Citando, ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.11.2011, Araújo de Barros, 2700/03: «Por decorrência do princípio da livre apreciação da prova, embora o depoimento de parte seja o meio próprio para colher a confissão judicial das partes, nada impede que dele se extraiam elementos que contribuam para a prova de factos favoráveis ao depoente ou para a contraprova de factos que lhe sejam desfavoráveis.» XXXIII-De forma clara, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.10.2012, afirmou-se que: «No processo civil igualmente não encontramos norma semelhante [que limite a produção de prova às provas essenciais], antes parecendo que as partes, litigando em matérias disponíveis, são ainda soberanas, nessa disponibilidade, para apresentarem as provas que bem entenderem e julgarem – bem ou mal – aptas a provar os factos que alegam. O julgador não pode indeferir a inquirição duma testemunha ou a produção dum depoimento de parte com esse fundamento. Em matéria de prova documental, o artº 523º do Código de Processo Civil apenas estabelece que os documentos têm de ser destinados a fazer prova dos factos alegados, posto que ainda estejam por provar. Ser destinado a fazer prova não é a mesma coisa que ser apto a fazer prova. Estamos, de novo, no domínio da liberdade das partes na escolha das suas provas.» XXXIV-Pelo que, a manter-se o indeferimento de ambas as prestações requeridas, serão perdidas versões diretas de factos sobre os quais ambas as partes têm obrigação de ter conhecimento e poderosos instrumentos para apuramento da verdade material. XXXV- Seria totalmente inútil uma eventual decisão posterior à Sentença, pelo que, nos termos de 644º, nº2, al. d) e h) CPC, cabe recurso da decisão de rejeição dos requeridos meios de prova, com subida imediata. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá a Douta Decisão ora recorrida ser revogada e admitidos o depoimento de parte da Ré-Reconvinte admitido, bem como as admitidas as declarações de parte da Autora-Reconvinda. “
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7. A Ré não contra-alegou a este recurso interposto pela Autora.
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8. Posteriormente, já após a conclusão do julgamento (com alegações orais), realizado a 31.01.2022, e subsequente prolação da sentença e sua notificação às partes, veio a Autora juntar aos autos com data de 21.02.2022 requerimento em que conclui pedindo o seguinte:
“Termos nos quais, solicita a Autora a Vª Exª se digne pronunciar quanto à admissão, ou não (sobre a) admissão do recurso interposto em 21/0I/2002. Mais requer que o prazo para interposição de recurso da Douta Sentença seja suspenso até decisão sobre esta reclamação. “
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9. Os autos foram, de novo, conclusos à Sr.ª Juiz a 17.03.2022, sendo que no despacho proferido pela mesma nessa data rigorosamente nada é dito sobre o requerimento e pedido deduzido pela Autora a que antes se fez referência e com data de 21.02.2022.
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10.Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, em face da sentença que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção deduzida pela Ré/reconvinte, veio a Autora/reconvinda juntar alegações dirigidas aos Juízes Desembargadores desta Relação do Porto, nelas aduzindo as razões da sua discordância em face do decidido e formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES I-Viola Douta Sentença ora recorrida, o disposto em artº644, nº2, al. d) e h) CPC, 615, n1, d) CPC, 576 i), 577 e 578 todos CPC, e 824, nº2 CC, porquanto: II- A Douta Sentença, ora em crise é NULA; isto porque III- Por Douta Decisão datada de 11/01/2022, o Tribunal indeferiu o Requerimento de Declarações de Parte da Autora, bem como o Requerimento de Depoimento de parte a obter da Ré. IV- Não se conformado com essa Decisão, em 21/0I/2022, a aqui Autora, interpôs da mesma recurso, classificando o mesmo de APELAÇÃO, nos termos de artº644, nº2, al. d) e h) CPC V- Sendo que, nos termos de artº 641 CPC, o Tribunal a quo deve pronunciar-se sobre o requerimento apresentado VI-O que, não fez: não o admitiu, nem o indeferiu, não fixou a sua espécie, tão pouco ordenou que lhe fosse atribuído qualquer efeito. VII-Nem se pronunciando na Douta Sentença, ou fazendo qualquer referência na mesma a esse recurso VIII- O que constitui NULIDADE da Decisão, nos termos de artº 615, n1, d) CPC. IX-Deixando, assim, de se pronunciar sobre uma questão sobre a qual deveria conhecer. X- Perante essa omissão, a Autora pediu esclarecimento ao Tribunal sobre qual a decisão que tomou quanto à interposição desse recurso, nos termos de 616 CPC. XI- Requerendo, que fosse suspenso o prazo para interposição do Recurso da Douta Sentença, até existir decisão sobre este pedido de esclarecimento apresentado. XII-Pois também esse requerimento foi ignorado: não obteve a Autora qualquer resposta. XIII-Persistindo a Douta Sentença em não tomar posição sobre uma questão sobre a qual se deve pronunciar. XIV- Pelo que Douta Sentença, ora em crise, enferma de NULIDADE- nos termos de artº 615, n1, d) CPC. XV-Sendo o Recurso que é apresentado contra a decisão de mérito, o momento oportuno para conhecer de tal nulidade, XVI-Entendeu a Douta Sentença que a Ré-Reconvinda adquiriu a fração nos Autos por meio do instituto da usucapião. XV-Afirma a Douta Sentença, que “No caso dos autos, provado que ficou que a autora apenas tem a seu benefício a presunção da titularidade do registo. E que a ré tem relativamente a fração em causa a posse desde que adquiriu a sua habitação, operou necessariamente em data anterior ao do registo.“ XVI-O que significa que, a Autora “apenas” adquiriu legitimamente a fração, a qual “apenas” tinha sido vendida em hasta pública. XVII-Conclui que “Resulta, a final que a autora não logrou a prova de que a fração em causa lhe pertence, tendo a ré feito a prova de que é possuidora da dita desde data anterior à do registo a favor da autora, sendo, a final, a reconvenção procedente.” XVIII-Decidindo que “julga-se a ação da autora improcedente nos termos supra expostos e, por isso, do pedido formulado é absolvida a ré; - julga-se a reconvenção deduzida pela ré procedente e, em consequência, reconhece-se a ré como legítima proprietária da fração “IC”, destinada a arrecadação com n.º ..., no sótão da Torre “C” com entrada pelo novo arruamento sem denominação n.º ... e Praceta ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., da União de Freguesias ...; - consequentemente, determina-se o cancelamento do registo de aquisição da autora na Conservatória do Registo Predial competente.”. XIX-Resulta de factos provados que: “B) A fração referida em 1) dos Temas da Prova havia sido adquirida por CC em hasta pública, levada a cabo pelos Serviços de Finanças de V. N. de Gaia, em 23/XI/2016. C) A ré adquiriu a sua fração autónoma destinada a habitação, designada por fracção “FL”, sita no rés-do-chão posterior da torre “C” com entrada pela Rua ..., ..., por escritura lavrada em 8/4/2008 a folhas 135 do Livro ...... do Cartório Notarial Drª DD. D) A autora efetuou sobre a dita fração o pagamento do IMI. E) Sobre a fração em causa nos autos (tema 1)) recaiu penhora, efetuada pelas Finanças no âmbito de Pr. Executivo ... que correu termos na Repartição de Finanças de V.N. de Gaia. F) A autora, por meio de escritura pública celebrada em 3/VI/2017, adquiriu a Fração autónoma “IC”, destinada a arrecadação com nº..., no sótão da Torre “C” com entrada pelo novo arruamento sem denominação nº... e Praceta ..., inscrita na matriz predial urbana artº... Un. Freg. ..., que lhe foi vendida por CC, titular do NIF ... e seu marido, EE titular do NIF .... XX- Ou seja, a) uma aquisição legítima, documentada e registada, efetuada pela CC b) com base numa venda em hasta pública. c) seguida por outra aquisição legítima, documentada e registada, efetuada pela aqui Autora. XXI-Afirma Douta Sentença em FACTOS PROVADOS, “L) A ré adquiriu a fração id. em 1) a FF e mulher que a havia comprado em 1991 à construtora do prédio, arrumo sito no sótão da torre “C” que também já vinha utilizando desde que havia adquirido a fração “FL”. XXII-Aqui, (por lapso?) contradiz a Douta Sentença a conclusão da aquisição do arrendado por força do instituto de usucapião. Isto porque, XXIII- Se aquando do negócio, a tivesse adquirido, (o que não se concede) não haveria necessidade de recorrer ao instituto da usucapião: estava legitimamente adquirida. XXIV-Da mesma maneira que esta conclusão, (resposta a “L”) contradiz, frontalmente, o constante de Escritura de Compra e Venda, junta aos Autos pela RÉ, em sede de Contestação. XXV-Aí, consta especificamente, que A R. adquiriu a sua “fração autónoma destinada a habitação, designada por fração “FL”, sita no rés-do-chão posterior da torre “C” com entrada pela Rua ..., ..., por escritura lavrada em 8/4/2008 a folhas 135 do Livro ...... do Cartório Notarial Drª DD, (Doc.1) XXVI-Em sentido contrário, pois, ao que diz a própria Rê-Reconvinte, em arts. 5 a 8º de Contestação. XXVII-Sendo essa e apenas essa fração que é especificada no Contrato de compra e venda, bem como em artº5 de Contestação. XXVIII-Contradizendo, também, diretamente, o constante em “C) “das mesmas Respostas, texto igual ao artº 34, que aqui damos por reproduzido. XXIX-Contrariando, ainda indiretamente, ou menos diretamente, os factos provados em B) E) e F). XXX-A ré/recorrida afirma ter, na mesma data, teria “comprado” a fração IC ao ante proprietário do apartamento (fração FL), tendo optado por dispensar a escritura para a aquisição desse imóvel (arrecadação). XXXI-O ante proprietário vendedor da fração FL, por sua vez, diz que teria “comprado”, à construtora, na mesma ocasião, a fração FL, por escritura pública, seguida de registo XXXII- E também a fração IC, relativamente à qual, dispensou a escritura pública (e subsequente registo), conf. Declarações de Testemunha FF, (faixa 10). XXXIII- Situação que nunca regularizou, nem quando, por sua vez, “vendeu” a fracção FL (e alegadamente, a fração IC também) à ré/recorrida. XXXIV-Depois de terem “pago” pela fração IC, esses dois compradores, descartaram a obrigatoriedade de formalizar a Compra e Venda através de escritura pública, a fim de validarem a transação/transmissão para se investirem no direito de propriedade, tendo preferido o estatuto de meros possuidores sem título para um dia, quiçá, usucapirem. XXXV-Pelo documento junto aos autos, a “C..., Ldª”, com firma reconhecida dos gerentes como tais, declara nunca ter vendido a ninguém a dita fração, muito menos oferecido/emprestado/. XXXVI- Assim, sendo qualquer posse foi clandestina/oculta/precária/em nome de outrem, portanto inelegível para usucapir - antes da díada "corpus" e "animus" terá de haver "inversão do título da posse" XXXVII-E essa só poderá ocorrer com a comunicação ao proprietário de que a partir de determinado momento, o possuidor pretende possuir em nome próprio, com intenção de usucapir, sem o que, a posse sempre será precária -- "ad aeternum". XXXVIII-Também, por ser empresa, não pode “vender” apenas verbalmente, pois sempre teria de justificar nos Livros, e perante as Finanças, a existência daquele preço recebido. XXXIX-Também é dito nesse documento que essa firma “C..., Ldª” nunca teve conhecimento de alguém estar a usar a fração IC, bem como as outras (A firma não tinha a sua sede em nenhuma das Torres de que a fração IC faz parte, e em cada uma das Torres eram muitas as arrecadações). XL-Ora, como sabemos, na Usucapião, uma das condições da publicidade (“conhecimento à vista de todos”), é precisamente dar a conhecer ao proprietário, por carta registada com A/R a intenção de reversão do título da posse, para que ele (proprietário), em determinado prazo, possa opor-se, ou simplesmente nada fazer. XLI- Só a partir da data da reversão da posse, é que esta deixa de ser clandestina ou eventual, e passa a contar como posse em nome próprio, com “corpus” e “animus”, com vocação a usucapir no prazo correspondente. XLII-Resultando, desta forma, que a testemunha que vendeu o apartamento (Fração FL) à Ré não logra provar que tenha adquirido a fração IC (arrecadação), nem que tenha promovido a reversão do título da posse, XLIII-Pois, se não apresentou A/R datado, com cópia de carta enviada nesse sentido, certamente não teria qualquer dificuldade em solicitar e obter do tribunal a apresentação do próprio construtor para atestar da veracidade do seu testemunho. XLIV- Na era da obrigatoriedade da escritura pública para transmissão de direitos reais, é insuficiente o testemunho de uma das duas partes envolvidas e confrontantes, para validar um direito que é “erga omnes”. XLV-Acontece que a penhora feita pela AT incidiu sobre o imóvel, por dívidas fiscais (IMI), que nunca tinham sido pagas, nem pela Construtora (proprietária), nem pelo FF (possuidor), nem pela ré/recorrida, também possuidora. XLVI-Estes dois últimos, que, nos autos proclamaram que detinham o imóvel como propriedade sua, NUNCA o demonstraram, pagando as inerentes obrigações. XLVII- Aplicando-se, aqui, sem recorrer ao Código do Notariado, forçosamente, o princípio de “non est in acta, non est in mundo”. XLVIII-Por outro lado, a penhora, mais do que coartar, interrompe qualquer direito real, tanto o direito de propriedade, quanto a posse, o que levou a que, por efeito dela, já nem a Construtora, nem o FF, nem a ré/recorrida mantinham quaisquer direitos sobre a fração IC (arrecadação), direitos esses que passaram para as Finanças. XLIX-Não deixando de referir que, na pendência da Execução, nomeadamente após a penhora, quem se julgasse com algum direito sobre essa fração, poderia defendê-lo, opondo-se à penhora, ou negociando com a AT, alguma forma de liquidar a dívida. L- Se a Construtora, proprietária não reagiu à penhora, por dificuldades de tesouraria, ao tempo, porque o não fez a ré/recorrida, já que tinha, segundo afirma o “animus possidendi”? LI-Decorre do depoimento da testemunha FF, (faixa10, m10,00) provavelmente haveria, nessa altura um documento das Finanças na vitrine localizada no átrio do prédio. LII-Nessa altura, a ré/recorrida poderia e deveria interpor embargos de terceiro, já que se considerava dona desde o tempo do ante proprietário FF. LIII-Não o fez, e esgotados todos os prazos, a arrecadação foi vendida em leilão eletrónico e legitimamente adquirida. LIV-Foi negado à autora o recurso à intervenção provocada da Construtora e do SF responsável pela venda em hasta pública, LV-Sendo que, a ter-se produzido tal prova, teria aquela dito que apenas vendeu a fração FL, nunca a fração IC, embora a mesma sempre estivesse legalizada. LVI-Também foi recusado o pedido de consulta pelo tribunal, do Livro de Atas do Condomínio, no qual se poderia verificar que nunca constou que a fração IC era pagante, através do FF/ BB, ou que um e depois a outra dela fossem proprietários. LVII-Não se permitiu a indicação de um responsável do referido SF de Gaia, como testemunha, nem do sócio-gerente da construtora. LVIII-Finalmente, foi desvalorizado o documento passado pela construtora (fls. 91), cujo teor nem sequer foi reproduzido, a nosso ver, documento relevante, o qual se junta, para agilizar a apreciação do recurso. LIX-Sendo que é impossível a qualquer tribunal” a anteriori” antecipar o que poderá ser dito por testemunhas, ou verificado em documentos. LX-Aliás, salvo lapso de memória, o Tribunal Europeu recomendou em tempos que se não privasse o réu/reconvindo do acesso a meios de prova. LXI-Decorre de lei, que qualquer direito real que existisse sobre a coisa vendida caduca com a venda em execução, nos termos de artº 824 CC. LXII- Como decorre da letra da lei, a “posse” que a Ré pudesse deter, de boa ou MÁ-FÉ sobre os arrumos, CADUCOU, com a venda em leilão. LXIII- Podendo, quando muito, dizer-se que começou um novo constituo possessório, com a interpelação da Ré por parte da Autora. LXIV-Essa caducidade é afirmada em despacho de Autoridade Tributária, Serviço de Finanças de V.N. de Gaia-1, em processo Executivo ..., datada de 9 de Janeiro de 2017, junto ao procedimento cautelar. LXV -No sentido da caducidade entendeu o Ac. STJ, em Sumário: “III- O artº824, nº2 do Código Civil é perentório no sentido de que os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham, registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo. “Ac. STJ de 27/V/2010, Pr. 5425/03.7TBSXL.S1, 2ªSec. Relator ÁLVARO RODRIGUES. LXVI- Seguindo esse Douto Entendimento, ainda que a Ré tivesse adquirido a propriedade por força de usucapião, teria com a venda em hasta pública, perdido esse direito real. LXVII- Merecendo destaque, o Ac. STJ, pelo qual “O dono da coisa perde a posse da mesma com a penhora, ainda que seja nomeado depositário. II- Com a venda judicial perda a propriedade. III- Com a venda, a propriedade e a posse transferem-se para o adquirente.” Ac. STJ, de 08/V/2001, 01A1116 Nº Convencional: JSTJ00041671, relator SILVA PAIXÃO. LXVIII -Termos que definem lapidarmente a situação: a “possuidora”, BB, com a venda em hasta pública perdeu qualquer posse que detivesse, por efeito de perda da propriedade. LXIX- Conclui Douta Sentença que “Resulta, a final que a autora não logrou a prova de que a fração em causa lhe pertence...” Quanto a nós erradamente! LXX-A lei atual impõe a forma de escritura pública para que as transmissões de imóveis sejam válidas, seguida do competente averbamento/descrição no Registo Predial, sem outras quaisquer exigências. LXXI-Na sequência dessa exigência, a Autora provou à saciedade que a fração em causa é de sua propriedade, LXXII- Para mais, provado documentalmente o trato sucessivo, avultando a declaração da própria construtora, primeira proprietária da fração em causa, LXXIII- Da qual consta que, antes da penhora efetuada pela AT, nunca vendera, arrendara, nem tinha cedido, emprestado ou permitido qualquer utilização ou uso da referida arrecadação. LXXIV- Nesse sentido, foi junta aos autos declaração da “C..., Ldª”, subscrita pelos sócios-gerentes, por mera cautela, (tendo em atenção aspetos como idade avançada, ou incertezas sobre o amanhã das empresas nos tempos que correm.) LXXV -Os bens imobiliários são identificados pelas respetivas Cadernetas prediais (urbanas ou rústicas), e pelo seu registo predial, donde constam todas as vicissitudes (do prédio). LXXVII- Tendo, além do mais, a Autora, cumprido fielmente com as obrigações fiscais, na sua condição de proprietária, conforme resulta de própria Sentença, em causa. LXXVIII- Pagamentos de IMI, que pelo contrário, NUNCA efetuados pela Ré-Reconvinte. LXXIX- Mais afirma Douta Sentença aqui em causa que “Havendo colisão entre a presunção fundada no registo de um direito (art.º 7.º do CRP) e a presunção decorrente da posse (art.º 1268.º CC) com início à data do registo ou anterior a ele, prevalece esta última. Mesmo que a posse e o registo tenham a mesma antiguidade (v.g., prova-se que à data do registo havia posse, mas não se prova a posse anterior), ainda assim – em obediência à prevalência, na nossa ordem jurídica da situação real, uma vez provada, sobre a situação inscrita – prevalece a presunção possessória.”. LXXX-Como decorre da força da lei, e na sequência de Douta Jurisprudência supracitada, a posse que fosse exercida pela Ré- Reconvinte, CADUCOU, com a venda em hasta pública. LXXXI -Pelo que, a existir posse por parte desta, teria de ser contada a partir da interpelação efetuada para que a mesma BB entregasse as chaves dos arrumos. LXXXII-A posse da Ré BB começou quando foi interpelada pela Autora, sendo uma posse, precária, não-titulada e de MÁ-FÉ. LXXXIII-A decisão das Finanças7 quanto à atribuição da propriedade à ante proprietária, CC, constitui caso julgado, nos termos de artº577 i) CPC. LXXXIV-Assim é denominada a decisão, no citado despacho de AT, datado de 9 de Janeiro de 2017, supra reproduzido. LXXXVI-Essa mesma condição de caso julgado, encontra-se consignado no Ac. do STA, de 11/11/2004, tirado no proc.º046414, «a necessidade ou conveniência de se obstar à contradição de julgados é um dos fundamentos do instituto do caso julgado, seja na perspetiva da exceção do caso julgado, nos termos do p. no art. 498º ( ) do CPC, visando evitar, na duplicação de decisões sobre idêntico objeto processual se contrarie, na decisão posterior, o sentido da decisão anterior, seja no aspeto também relevante do instituto de autoridade do caso julgado em que, fundamentalmente se visa obstar à contradição de decisão anterior transitada em julgado (Cf. ac. STJ de 26-1-94 in BMJ 433, pg. 515 e, na doutrina, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in BMJ 325, pg. 171 e ss.) . LXXXVII- Também o entendeu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul: II. “A autoridade do caso julgado obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão, impondo-se à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões.” In - 06/03/2020. TCAS Processo: 1264/15.0BELRA Secção: CT Data do Acórdão: 28-11-2019. Relator: TÂNIA MEIRELES DA CUNHA. LXXXVIII- Constituindo o caso julgado uma exceção dilatória, nos termos de artº artº577 i) CPC, LXXXIX- E como tal, de conhecimento oficioso, nos termos de artº578 CPC. XC - O que deveria ter levado o Tribunal a quo, a abster-se de conhecer do pedido reconvencional. Em consequência, XCI- Deverá ser a Douta Sentença considerada NULA, por se abster de conhecer do recurso atempadamente interposto, com todas as consequências legais. XCII- Se assim não se entender, deverá Na Ação: a) Conceder provimento ao peticionado pela Autora-recorrente, por força da autoridade do caso julgado, b) Ser a ré-recorrida condenada a pagar à autora-recorrente, todos os montantes peticionados, pelo uso da arrecadação, ou a título da arrecadação, nos termos pedidos na Acão proposta na 1ª instância. c) Ser a ré-recorrida ser condenada a entregar à autora/recorrente a arrecadação, em bom estado, e abster-se de quaisquer atos que possam interferir com o pleno gozo por esta do seu direito de propriedade. d) Ser a ré/recorrida condenada ao pagamento de custas e o mais legal. XCIIII- Na Reconvenção, a) considerado que a decisão da Autoridade Tributaria constitui caso julgado, excepção dilatória e não deveria o Tribunal a quo ter conhecimento do pedido Reconvencional. Em concordância com o que foi dado por provado e elencado em “B” a “F” de FACTOS PROVADOS, seja: a) considerado que quaisquer direitos reais que a Ré-Reconvinte BB pudesse deter sobre a fracção em causa CADUCARAM com a venda em hasta pública. b) considerado que qualquer posse que a Ré-Reconvinte detenha deve contar-se (como posse precária) a partir da interpelação efectuada para entregar as chaves à Autora. c) deve a Reconvenção ser julgada totalmente improcedente, por não provada a alegada posse da ré-reconvinte e) deve a recorrente-reconvinda ser totalmente absolvida na Reconvenção, e mandados cancelar todos os registos pendentes sobre o imóvel em causa (arrecadação – fração IC) h) deve ser a ré-reconvinte condenada em Custas e no mais legal.
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11. A Ré/Recorrida veio deduzir requerimento com data de 26.04.2022, no qual, em primeiro lugar, pugnou pela declaração de inexistência do requerimento em que a Autora/recorrente manifesta o seu propósito de recorrer da sentença e, em consequência, nula a peça processual intitulada de “Alegações de Recurso”, com as devidas consequências; em segundo lugar, a não se entender assim, ofereceu contra-alegações, nas quais pugna pela rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão de facto e, de todo o modo, pela sua improcedência.
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12. A Autora/Recorrente veio, entretanto, no dia imediatamente seguinte (27.04.2022), requerer que fosse relevado o lapso constante do seu requerimento de interposição de recurso, nele concluindo pela correcção do texto de interposição do recurso, dando o lapso por sanado, considerando-o de Apelação, com subida imediata e efeito suspensivo e ordenando a ulterior prossecução dos autos.
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13. A Ré/recorrida veio responder a este último requerimento, mantendo a sua posição quanto à inexistência/nulidade do requerimento de interposição de recurso.
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14. Posteriormente, com data de 17.06.2022, veio a Sr.ª Juíza do Tribunal de 1ª instância a proferir o seguinte despacho:
“Expediente de 21.01.2022: A autora interpôs recurso do despacho que indeferiu a sua tomada de declarações de parte. Nos termos conjugados dos artigos 628º, 627º, 629º, 642º, 644º, n.º 2 alíneas d) e e), 631º, 637º, 638º, 645º e 647º, todos do Código de Processo Civil, admito o interposto recurso. O recurso é de apelação, com efeito meramente devolutivo. Ora, o regime de subida do recurso seria a subir de imediato, em separado. Porém, como se pode ver dos autos a sentença foi proferida menos de um mês sobre aquela data (referência 432933977) e, tendo sido interposto recurso desta, julga-se que ao abrigo do princípio da adequação há toda a conveniência em que este recurso suba nos próprios autos – com o da sentença que infra se admitirá – permitindo a visão global do processo ao Julgador do Tribunal Superior. Portanto, determina-se que o recurso sobe de imediato e nos próprios autos. Nos termos do artigo 641º, do Código de Processo Civil, em concreto nestes autos não creio que a decisão recorrida esteja viciada de qualquer nulidade. (…) Expediente de 21.03 e contra-alegações de 26.04: Nos termos conjugados dos artigos 628º, 627º, 629º, 641º, 644º, 631º, 637º, 638º, 645º e 647º, todos do Código de Processo Civil, admito o recurso interposto, que é de apelação, a subir de imediato, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo. Crê-se, com todo o respeito, que o pedido no expediente de 27.04 pela recorrente e a pronúncia da ré recorrida em 03.05 é de apreciação Superior no âmbito do artigo 652º, do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 641º, do Código de Processo Civil, em concreto nestes autos não creio que a decisão recorrida esteja viciada de qualquer nulidade. “
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15. Observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não suscitadas em 1ª instância, sendo que a instância recursiva não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
No seguimento desta orientação, as questões a decidir são, em termos de sequência lógica e face à ordenada subida dos dois recursos acima expostos, as seguintes: i. Despacho interlocutório de 11.01.2022: i.i. Legalidade do indeferimento das declarações de parte da Autora e do depoimento de parte da Ré. ii. Sentença proferida: ii.i. Nulidades da sentença. ii.ii. Do mérito substantivo da sentença.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
A) Correu termos entre as partes a Providência Cautelar, apensa a estes como Apenso A.
B) A fracção referida em 1) dos Temas da Prova havia sido adquirida por CC em hasta pública, levada a cabo pelos Serviços de Finanças de V. N. de Gaia, em 23/XI/2016.
C) A ré adquiriu a sua fracção autónoma destinada a habitação, designada por fracção “FL”, sita no rés-do-chão posterior da torre “C” com entrada pela Rua ..., ..., por escritura lavrada em 8/4/2008 a folhas 135 do Livro ...... do Cartório Notarial Dr.ª DD.
D) A autora efectuou sobre a dita fracção o pagamento do IMI.
E) Sobre a fracção em causa nos autos (tema 1)) recaiu penhora, efectuada pelas Finanças no âmbito de Pr. Executivo ... que correu termos na Repartição de Finanças de V.N. de Gaia.
F) A autora, por meio de escritura pública celebrada em 3/VI/2017, adquiriu a fracção autónoma “IC”, destinada a arrecadação com n.º ..., no sótão da Torre “C” com entrada pelo novo arruamento sem denominação n.º ... e Praceta ..., inscrita na matriz predial urbana artº ..., União das Freguesias ..., que lhe foi vendida por CC, titular do NIF ... e seu marido, EE, titular do NIF ....
G) A ré não permitiu à autora o acesso e uso da arrecadação referida em 1).
H) A autora interpelou a ré, em 16/VI/2017, por carta com AR, instando-a a proceder à entrega pacífica da dita arrecadação, nomeadamente: 1) retirando todos objectos que lá se encontrassem; 2) deixando a porta apenas encostada; 3) entregando a chave na Administração do Condomínio ou retirando o canhão/fechadura.
I) E, por mais que uma vez, por telefone.
J) Ao que a ré respondeu, mediante mensagem electrónica datada de 22/VI/2017, reafirmando o que já tinha dito: era proprietária e tinha adquirido a FF, recusando a entrega da arrecadação.
K) A autora esteve e está, desde sempre, privada do uso e fruição da fracção referida em 1), não lhe tem acesso, não tem a chave, não coloca lá os seus pertences.
L) A ré adquiriu a fracção identificada em 1) a FF e mulher que a haviam comprado em 1991 à construtora do prédio, arrumo sito no sótão da torre “C” que também já a vinha utilizando desde que havia adquirido a fracção “FL”.
M) Desde Abril de 2008 que a ré sempre lá colocou os seus pertences, nomeadamente guardando lá coisas, pagando a luz e o respectivo condomínio, na convicção de estar a utilizar o referido anexo como se de coisa sua se tratasse.
N) Desde 31.01.1991 que o ante-possuidor da ré, FF, ocupou o arrumo, convencido de que o mesmo lhe pertencia, colocando lá os seus pertences e pagando a luz e o respectivo condomínio referente a esta fracção e em 2008 transmitiu-o à aqui R. da mesma forma como o tinha adquirido, convencido que de seu se tratava.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: IV.I. Despacho Interlocutório de 11.01.2022 – Legalidade do indeferimento das declarações de parte requeridas pela Autora/recorrente e do depoimento de parte da Ré/Recorrida.
De um ponto de vista do histórico do processo importa começar pela análise do recurso interposto pela Autora do dito despacho de 11.01.2022.
Além desta razão de sequência histórica avulta, ainda, uma razão lógica, pois que, como bem se compreende, sendo a apelação desse despacho julgada procedente, com a consequente tomada de declarações de parte à Autora e/ou a prestação do depoimento de parte da Ré, será irremediavelmente posta em causa a subsistência da sentença proferida, na estrita medida em que a Sr.ª Juíza do Tribunal de 1ª instância terá que reabrir a audiência de julgamento para a produção daqueles meios de prova e, nessa sequência, proferir nova sentença, assim inutilizando a sentença proferida.
Dito isto, cumpre, pois, analisar, em primeiro lugar, aquele despacho interlocutório de 11.01.2022 e aferir da sua legalidade quanto à rejeição dos meios de prova ali em causa e oferecidos pela Autora/Recorrente.
Antes, porém, de conhecermos do mérito adjectivo do despacho em causa, existem algumas observações que não podemos deixar de fazer, pois que a forma de tramitação do presente processo (espelhada no relatório acima efectuado) encerra em si vários erros que, com o devido respeito, em nosso ver, não são aceitáveis.
Vejamos.
O despacho em causa, ao indeferir os meios de prova em causa requeridos pela Autora/Recorrente, integra-se ostensivamente na hipótese do artigo 644º, n.º 2, alínea d), do CPC, que prevê o recurso de apelação autónoma do despacho de “ rejeição de algum articulado ou meio de prova. “ [2]
Por outro lado, como resulta do n.º 2 do artigo 645º, n.º 2, do mesmo Código, o dito recurso de apelação autónoma sobe em separado e, à luz do preceituado no artigo 647º, n.º 1, do mesmo Código, tem efeito meramente devolutivo.
Por conseguinte, um tal recurso de apelação autónoma, com subida em separado e com efeito meramente devolutivo, não interfere minimamente com o demais processado, não impedindo ou obstando ao prosseguimento dos ulteriores termos do processo, nomeadamente à prolação da sentença.
Sendo assim, e tendo presente os deveres consignados aos Juízes pelo preceituado no artigo 152º, n.º 1, do CPC (e que decorre do seu próprio Estatuto enquanto órgãos de soberania), deduzindo atempadamente a parte vencida nesse despacho o legal recurso do mesmo, incumbia à Sr.ª Juíza proferir despacho sobre esse requerimento de interposição de recurso, decorrido, naturalmente, o prazo das contra-alegações da parte contrária.
Com efeito, importa ter presente que ao não proferir despacho sobre esse requerimento de interposição – vindo-o a fazer apenas em Junho de 2022, quando o mesmo foi interposto em Janeiro de 2022 -, a Sr.ª Juíza, não só está a omitir o cumprimento do seu dever de administrar a justiça previsto no já citado artigo 152º, n.º 1 (omitindo despacho sobre requerimento pendente), como, sobretudo, está a incumprir o preceituado no já citado artigo 644º, n.º 2, alínea d), do CPC e, desta forma ínvia, a reter indevidamente o recurso que foi interposto atempadamente pela parte interessada.
De facto, ao contrário do que a lei determina, a Sr.ª Juíza a quo omitiu pronúncia sobre requerimentos expressos da parte (requerimento de interposição do recurso e requerimento posterior de 21.02.2022), omissão que redundou em retenção injustificada do recurso que deveria ter subido em separado, observando, pois, a tramitação processual prescrita pelo legislador.
E não se invoque, como o veio a fazer a Sr.ª Juíza no seu despacho de Junho de 2022, que é de todo conveniente que seja o mesmo Juiz a conhecer de ambos os recursos, pois que uma tal posição não tem qualquer arrimo na lei, quando a mesma lei prevê – como prevê – que dos despachos interlocutórios referidos no n.º 2 do artigo 644º, do CPC, é admissível recurso de apelação autónoma, a interpor imediatamente pela parte vencida (no prazo legal), a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com efeito, prevendo o legislador expressamente o direito da parte de recorrer imediato e nos termos antes referidos (sob pena de a dita decisão transitar em julgado), o mesmo não podia deixar de saber que existe sempre o risco de o recurso do despacho interlocutório e o recurso da decisão final serem conhecidos e decididos por Juízes distintos, rectius, por Juízes da Relação distintos, risco este que o mesmo legislador assumiu deliberadamente ao consagrar aquele regime de recursos.
Aliás, cabe dizê-lo, não obstante o decidido pela Sr.ª Juíza do Tribunal de 1ª instância quanto a uma pretensa utilidade no conhecimento de ambos os recursos interpostos pelo mesmo Colectivo de Juízes, como é consabido, essa sua decisão não vincula este Tribunal hierarquicamente superior, conforme resulta claro do preceituado no artigo 641º, n.º 5, do CPC.
Neste conspecto, com o devido respeito, não compete ao juiz do processo gerir discricionariamente o seu andamento e os seus termos, antes lhe incumbe cumprir a lei e a lei, nesta matéria, é muito clara ao impor-lhe que, sendo interposto recurso na pendência do processo, dele conheça, nomeadamente da sua admissibilidade e, reconhecendo esta, o faça subir imediatamente e nos termos legais.
De todo o modo, como se disse, sempre poderia este Tribunal da Relação, ao abrigo do aludido artigo 641º, n.º 5, do CPC, determinar que os autos descessem ao Tribunal de 1ª instância e para que este mesmo Tribunal admitisse o recurso autónomo interposto pela Autora/recorrente (do despacho de 11.01.2022) conforme o regime que está previsto na lei, ou seja, em conformidade com o preceituado nos já referidos artigos 644º, n.º 2, alínea d), 645º, n.º 2 e 647º, do CPC, sobrestando, assim, este Tribunal da Relação no conhecimento do mérito do recurso de apelação da sentença proferida e até que viesse a ser decidido previamente o aludido recurso de apelação autónoma, sendo certo que, como já antes se referiu, sendo dado eventual provimento a tal recurso, a sentença proferida sempre ficaria prejudicada.
No entanto, não obstante esta faculdade, optaremos – por razões de economia e celeridade processual e para obviar a mais incidentes em que os autos são fartos – por conhecer, previamente, do mérito do recurso do dito despacho interlocutório de 11.01.2022, sem prejuízo dos inevitáveis efeitos inutilizadores da sentença proferida que podem resultar de uma eventual procedência do recurso ora em causa, ou seja, do recurso do despacho interlocutório de 11.01.2022.
Neste enquadramento, cumpre-nos, pois, a título prévio, conhecer do bom fundamento desse despacho interlocutório, começando pelo indeferimento do depoimento de parte da Ré e requerido pela Autora a toda a matéria.
Abstraindo do facto de a Autora não ter indicado de forma discriminada a matéria alegada sobre a qual deveria incidir o aludido depoimento de parte da Ré (sendo certo que um tal erro, pode - deve – sempre ser corrigido por iniciativa do juiz e mediante convite à parte faltosa para o corrigir no prazo assinalado, ao abrigo dos poderes de gestão processual e de colaboração, previstos nos artigos 6º e 7º, do CPC), o dito depoimento de parte da parte contrária só pode ser requerido pelo Autor na petição inicial (artigo 552º, n.º 2, do CPC) ou, no limite, na audiência prévia, se esta tiver tido lugar (artigo 598º, n.º 1, do mesmo Código).
Destarte, dúvidas não nos ficam que o requerimento da Autora quanto ao depoimento de parte da Ré deveria ter sido, como foi, indeferido por extemporâneo, sendo certo que estamos perante um depoimento de parte da Ré requerido pela Autora.
É certo, diga-se, que nos termos do artigo 452º, n.º 1, do CPC, o juiz pode, em qualquer altura do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, de informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa, prerrogativa que, aliás, já resultaria em seu favor do n.º 2 do já citado artigo 7º, n.º 2, do CPC.
No entanto, uma coisa é ser o juiz a tomar essa iniciativa quanto à produção daquele meio de prova, outra, completamente distinta, é ser a parte no litígio, pois que, quando esteja em causa a parte, como ora sucede com a Autora relativamente ao depoimento de parte da Ré, a lei é peremptória e clara ao distinguir as duas situações: - sendo o depoimento da parte contrária requerido pela contra parte, esse requerimento tem de ser efectuado, como se referiu, nos articulados (petição ou contestação) ou na audiência prévia se a ela houve lugar.
Note-se que a hipótese ora em causa nem sequer cai no âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 598º, do CPC, pois que, como resulta deste último normativo, apenas o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data da audiência de julgamento, não podendo, pois, nesse prazo suplementar, ser requerido o depoimento de parte.
Nesta perspectiva, com o devido respeito, não colhe a interpretação extensiva que a Autora/recorrente pretende fazer do preceituado no n.º 1 do citado artigo 452º, quando entende que, se o juiz pode em qualquer altura do processo tomar essa iniciativa, essa prerrogativa há-de ser extensível à parte e em função da avaliação que faça da prova que foi produzida nos autos e da sua eventual necessidade de provar ou esclarecer alguns factos alegados através daquele meio de prova.
Em nosso julgamento, repete-se, a opção do legislador não deixa margem para dúvidas, pois que o n.º 1 do artigo 452º, só atribui essa prerrogativa ao próprio juiz e à sua própria iniciativa e não à da parte ou, ao juiz, sob pedido ou impulso da parte e à luz de uma pretensa aplicação (desvirtuada) do princípio do inquisitório.
O inquisitório corresponde, como é consabido, a uma faculdade atribuída à própria iniciativa do juiz do processo e em função da sua independente avaliação quanto às eventuais necessidades de prova ou esclarecimento de factos relevantes à decisão, não a uma iniciativa induzida ou provocada pela parte interessada, sob pena de, em termos ínvios, ser sempre possível contornar a previsão do citado artigo 452º, n.º 1, do CPC.
Por conseguinte, nesta matéria, sufragamos a posição do despacho recorrido no sentido de o depoimento de parte da Ré se mostrar extemporâneo, sendo de manter o seu indeferimento, pois que ele não pode ser requerido, como foi, pela Autora já no decurso do julgamento e imediatamente antes das alegações orais.
A nossa posição já não pode, no entanto, ser a mesma quanto às declarações de parte requeridas pela Autora, pois que, nesta parte, o despacho recorrido e a sua fundamentação não podem, de todo, merecer a nossa adesão.
Nesta matéria, não julgamos ser relevante fazer, nesta sede, considerações gerais e abstractas sobre o valor probatório das declarações de parte, pois que o que ora se discute é apenas se o despacho de indeferimento liminar das ditas declarações de parte colhe fundamento legal, ou seja, se o Tribunal pode, conforme decidido, antecipando-se a tais declarações (que, naturalmente, não conhece antecipadamente e sobre as quais, naturalmente, também não pode – deve - fazer um pré-juízo quanto ao seu valor probatório no caso dos autos), recusar essas declarações por as mesmas, partindo do pressuposto (que é, aliás, inverificável antecipadamente…) de que elas se limitarão a confirmar a versão do declarante ou o teor de elementos documentais existentes no processo, não serem relevantes à decisão da causa e, portanto, constituírem um acto inútil, que o Tribunal não pode/deve praticar – artigo 130º, do CPC.
Com todo o respeito, a prova insofismável de que as declarações de parte abstractamente consideradas (isto é, sem se conhecer antecipadamente do seu conteúdo, como é suposto e como se encontra qualquer juiz antes de elas serem produzidas perante si…) não são um acto inútil ou irrelevante para a decisão que ao juiz cabe proferir no processo radica, desde logo, na consagração legal das mesmas pelo legislador no actual Código deProcesso Civil e nas razões que estão subjacentes à consagração deste novel meio de prova.
De facto, como é consabido, o legislador do actual Código de Processo Civil deixou bem expressa a utilidade e relevo de tal meio de prova ao consagrar expressamente a sua admissibilidade, sendo certo que essa era matéria que já era discutida antes da entrada em vigor do novo Código, correspondendo, assim, a consagração legal das declarações de parte no artigo 466º, do CPC, a uma opção inequívoca do legislador quanto à utilidade/relevo, em abstracto, das ditas declarações de parte, enquanto meio de prova de factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo e sujeitas sempre à livre apreciação do julgador - artigo 466º, n.ºs 1 e 3 do dito Código.
Nesta perspectiva, se as declarações de parte, como qualquer outro meio de prova que está submetido à livre apreciação do juiz (artigo 607º, n.º 5, do CPC), está sempre, em concreto, isto é, após a sua produção perante o juiz do processo, sujeito à sua livre e crítica apreciação em termos de valor probatório (salvo se constituírem confissão – 2ª parte, do n.º 3 do citado artigo 466º), isso também significa, logicamente, que o juiz não pode, previamente à produção daquele meio de prova, fazer qualquer juízo sobre a utilidade ou credibilidade de tal meio de prova oferecido pela parte (ao abrigo dos princípios do dispositivo, da iniciativa processual e da auto-responsabilidade das partes), só a podendo recusar se a mesma não obedecer ao condicionalismo legal que subjaz ao seu oferecimento nos autos. [3]
Com efeito, como é pacífico, está em causa um meio de prova voluntário (que depende estritamente da iniciativa da própria parte) e de «um direito potestativo de natureza processual conferido à parte» e, assim, o mesmo só pode ser liminarmente afastado pelo Tribunal se não estiverem preenchidos os seus pressupostos legais, seja quanto ao seu objecto ou ao tempo para o mesmo ser oferecido, v.g., requerimento para declarações de parte deduzido já após a realização das alegações orais e encerrada a audiência de julgamento.
Sendo assim, no caso dos autos, sendo o pedido de declarações de parte da Autora tempestivo (pois que foi deduzido ainda no decurso da audiência de julgamento e antes das alegações orais – artigo 466º, n.º 1, do CPC) o mesmo, ao invés do decidido no despacho recorrido de 11.01.2022, deveria ter sido admitido, convidando-se, no entanto, o Ilustre Mandatário da Autora a indicar discriminadamente, por referência aos factos alegados no processo, todos e cada um dos factos sobre os quais devem recair a ditas declarações de parte, em prazo a fixar pelo juiz em 1ª instância.
Com efeito, esta exigência de discriminação dos factos sobre que versarão as declarações de parte é imposta pela conjugação dos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 466º do CPC (ex vi do artigo 452º, n.º 2, do mesmo Código) e, não tendo sido cumprida (pois que se mostram requeridas genericamente sobre os factos alegados nos autos), deve ser suprida através de convite dirigido à parte para o efeito, atentos os princípios da prevalência da matéria sob a forma e, ainda, os já referidos princípios da gestão processual e colaboração entre o Tribunal e as partes, como os mesmos decorrem do preceituado nos artigos 6º, n.º 2 e 7º, n.ºs 1 e 2, do CPC. [4]
Destarte, em razão do antes exposto, merece parcial provimento o recurso interposto pela Recorrente do despacho interlocutório proferido a 11.01.2022, apenas na parte atinente ao indeferimento das declarações de parte da Autora/Recorrente, que devem ser admitidas, sem prejuízo do prévio convite à indicação da factualidade a que o mesmo irá versar, nos termos sobreditos.
Esta procedência implica, como já antes se referiu, que a sentença proferida (e também objecto de recurso – o segundo recurso) não possa subsistir, na estrita medida em que, nos termos ora decretados, terá a Sr.ª Juíza do Tribunal de 1ª instância que proceder à audição das declarações de parte da Autora nos termos sobreditos, seguida de novas alegações orais e consequente nova sentença que tome em consideração aquele novo meio de prova ora admitido.
Por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento do mérito da sentença recorrida e as demais questões suscitadas no âmbito da apelação interposta pela Autora/Recorrente, designadamente a alegada irregularidade formal desse outro recurso, o que se decide para os efeitos previstos no artigo 608º, n.º 2, do CPC.
Concluindo, procede parcialmente o recurso interposto do despacho interlocutório proferido a 11.01.2022 e fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto da sentença proferida nos autos, pois que terá que ser proferida nova sentença na sequência da prestação das declarações de parte da Autora e no âmbito da nova tramitação do processo antes assinalada.
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V. DECISÃO: Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Autora/Recorrente, decidindo: A- Revogar o despacho de 11.01.2022, que deve substituído por outro que, previamente, convide a Autora a indicar discriminadamente a matéria de facto alegada sobre a qual versarão as suas declarações de parte (no prazo de 10 dias) e, em seguida, efectuada aquela indicação, reabra a audiência de julgamento para a produção das ditas declarações de parte e subsequentes alegações orais, seguida da prolação de nova sentença; B- Julgar, ainda, prejudicado o conhecimento do recurso de apelação interposto pela Autora/Recorrente da sentença proferida (que fica sem efeito), nos termos do artigo 608º, n.º 2, do CPC.
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Custas pela parte vencida a final e na proporção que vier a ser então fixada – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 28.11.2022
Jorge Seabra
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
(A redacção do presente Acórdão não segue as regras do novo Acordo Ortográfico).
______________ [1] Vide, neste sentido, FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93. [2] Vide sobre o recurso de apelação autónoma previsto no n.º 2 do artigo 644º, do CPC, por todos, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 153-173. [3] Vide sobre as declarações de parte e o seu relevo, assim como as condições em que a mesma deve ser admitida, por todos, A. ABRANTES GERALDES, P. PIMENTA, L. PIRES de SOUSA, “Código de Processo Civil Anotado”, I volume, 2ª edição, pág. 549-550, em especial notas 2, 3 e 4 ou, ainda, J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª edição, pág. 307-310 e a jurisprudência ali citada sobre a nota 7. [4] Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 18.12.2013, relator RODRIGUES PIRES, disponível in www.dgsi.pt, ou, ainda, AC RG de 7.1.2016, Processo n.º 57/14.7TBMTR-B.P1, por nós relatado, mas não publicado.