RECURSO DE REVISTA
TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
FALTA DE PAGAMENTO
DESENTRANHAMENTO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
Sumário


Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no nº1 do art. 642º do CPC, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação apresentada, não se aplicando, nesta situação, o disposto no art. 139º, nºs 5 e 6 do mesmo Código.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


- A -



1. Foi, em 15-07-2022, pelo relator, proferido o seguinte despacho:

«Nas suas contra-alegações, MAPFRE – Seguros Gerais, S. A. levantou a questão prévia do não pagamento atempado da taxa de justiça e multa, por parte do Recorrente, relativamente à interposição do presente recurso de revista, referindo, entre o mais, que o Recorrente não procedeu ao pagamento da guia que foi emitida no prazo devido (até ao dia 31/01/2022), tendo apenas no dia 03/02/2022 remetido aos autos um DUC e comprovativo de pagamento, correspondente ao pagamento de Autoliquidações Diversas, Depósitos Autónomos, no valor 1.275,00€.

Fez, em seguida, menção ao disposto no art. 642º, nº2, do CPC, no qual se dispõe que:

«Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.»

Requer, em consequência, que seja determinado o desentranhamento das alegações de revista do Recorrente, o que implica o não conhecimento do objecto do recurso.


*


Ouça-se o Recorrente sobre esta matéria.»

*


O Recorrente veio, em resposta, dizer o seguinte:

«AA, devidamente identificado nos autos em epígrafe, tendo sido notificado para o efeito, vem esclarecer que se mostra efectuado o pagamento do montante da guia que foi emitida para o efeito, no montante de €1.275,00, e, não obstante o disposto no art.º 642.º n.º 2 do CPC, seria sempre de aplicar o disposto no art.º 139.º do mesmo diploma, designadamente no seu n.º 6, pelo que não deve ser determinado o desentranhamento da referida alegação.»


2. Na sequência, em 14-10-2022, foi proferida decisão em singular, na qual se considerou o seguinte:

«Verifica-se que o acórdão proferido no Tribunal da Relação foi notificado às partes em 22-11-2021 (data da certificação Citius).

O A. interpôs recurso de revista em 12-01-2022.

 Foi, em 18-01-2022, emitida guia para pagamento de taxa de justiça e multas ao abrigo do disposto no art. 139º e 642º do CPC, com advertência de que o montante em dívida (€1.275,00) era pagável até 31-01-2022 e com notificação efectuada nos seguintes termos:

«Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa – art.º 642.º nº 1 CPC + 139º CPC

Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Recorrente AA, para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante - artº 642º, nº 1, bem como da multa prevista no artº 139º, nºs 5 e 6.

Limites da multa:

1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.

2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 5 UC, a multa terá o valor de 5 UC.

Pagamento da taxa de justiça e da multa

O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.

Prazo de pagamento

O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.

Cominação

A falta de pagamento da taxa de justiça e da multa no prazo assinalado implica o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentada pela parte em falta.»


O Recorrente veio, em 03-02-2022, juntar o comprovativo do pagamento do montante em causa, o que fez para além do limite fixado, que era, como se[1] viu, o de 31-01-2022.

A guia emitida dizia respeito, como dela se extrai, à multa prevista no art. 139º (resultante da apresentação das alegações de recurso nos três dias úteis subsequentes ao prazo estabelecido para a prática do acto) e do art. 642º (falta de pagamento da taxa de justiça devida pelo recurso), ambos do CPC, neste último artigo se preceituando o seguinte:

«1 - Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

2 - Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.

3 - A parte que aguarde decisão sobre a concessão do apoio judiciário deve, em alternativa, comprovar a apresentação do respetivo requerimento.»


A Secretaria, face à apresentação do recurso nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, deu cumprimento ao art. 139º, nº 6 do CPC e, dado que o Recorrente, além disso, não pagou atempadamente a taxa de justiça devida, deu cumprimento ao disposto no art. 642º, nº1.

Não pondo em causa que tenha ultrapassado o prazo de 10 dias que lhe foi concedido, defende o Recorrente que seria de aplicar o art. 139º, nº6, do CPC, ou seja, considera (é o que se retira da posição assumida) que, tendo apresentado o comprovativo de pagamento nos três úteis subsequentes ao termo do prazo – resultante já do cumprimento dos ditos artigos –, maxime do art. 642º, deveria a Secretaria notificá-lo, de novo, com nova penalização.

José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 296, referem que, antes da revisão de 1995-1996, foi questionado se o pagamento de preparos e custas podia ser feito, com multa, nos três dias subsequentes (naturalmente, ao termo do prazo inicialmente previsto para o efeito), estando assim sujeito ao mesmo regime dos prazos processuais, o que dividiu opiniões, entendendo estes Autores que a questão está hoje ultrapassada pelo regime especial do art. 145º, nº 3, do CPC, aqui se prevendo que:

«Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º»

A notificação que foi feita ao Recorrente já o foi em consequência de não ter, por um lado, apresentado as alegações no prazo estabelecido por lei e, por outro, por não ter pago, também atempadamente, a taxa de justiça. Ou seja, já estamos numa fase de admissão da prática do acto mediante a aplicação das sanções previstas na lei, razão por que, findo o prazo suplementar, com essas penalizações, não sendo, neste prazo (sem mais acréscimos), efectuado o pagamento, a consequência é a de ficarem sem efeito as alegações e de não se conhecer do objecto do recurso. Não há, assim, que, através de outra notificação, com outra cominação, renovar a possibilidade da prática do acto.

Pelo exposto, por não ter o Recorrente pago, em devido tempo, o aludido quantitativo, ordena-se o desentranhamento das alegações, não se conhecendo do objecto do recurso.

Custas pelo Recorrente.»



- B -


O Recorrente veio reclamar para a conferência, concluindo o seguinte:

«1. Com data de 18.01.2022, foi emitida guia no montante de €1.275,00, pagável até 31.01.2022.

2. Com data de 03.02.2022, mediante requerimento foi junto aos autos o DUC n.º ...14, no montante de €1.275,00 e o respectivo comprovativo do seu pagamento.

3. Efectuado no terceiro dia útil após a última data supra referida.

4. Pelo que ao invés do ordenado desentranhamento, sempre seria de aplicar o disposto no art.º 139.º do CPC, designadamente no seu n.º 6.

Termos em que a douta Decisão Singular sob reclamação deverá ser revogada e, por via disso, notificado o Recorrente para os termos do n.º 6 do art.º 139.º do CPC e consequentemente admitido o Recurso e as Alegações apresentadas, por tempestivas, e conhecido o objecto do mesmo.»

O Reclamante não acrescentou argumentação à que já oferecera aquando da audição anterior à prolação do despacho reclamado, razão por que também não se imporia aditar fundamentos aos que já constam daquele despacho.

Mesmo assim, dir-se-á ainda o seguinte:

No Ac. da Rel. do Porto de 23-03-2020, Rel. Ana Paula Amorim, Proc. 5326/19.0YIPRT-A.P1 , publicado em www. dgsi.pt, concluiu-se, relativamente ao art. 570º, nº5, do CPC, que:

«A multa aplicada, com fundamento no art. 570º/5 CPC, constitui uma consequência da omissão do pagamento atempado da taxa de justiça e por isso, o prazo para o seu pagamento deve obedecer ao mesmo regime previsto para a mera omissão do pagamento da taxa de justiça, por se tratar, ainda, de ato conexo com ato processual de natureza tributária e por isso, não beneficia do regime do art. 139º/5 CPC.»

Na fundamentação deste acórdão, trouxe-se à colação o disposto no art. 40º do Regulamento das Custas Processuais, no qual se preceitua que salvo disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, entendendo-se estar-se perante uma regra geral para os actos de natureza tributária.

Citou-se jurisprudência nesse sentido, designadamente o Ac. da Rel. de Coimbra de 10-07-2019, Rel. Carlos Moreira, Proc. 296/04.9TBPMS-E.C1, e de 24-03-2015, Rel. Maria Inês Moura, Proc. nº 9/10.6TBSJP-A.C1, ambos em www.dgsi.pt., sendo o último reportado ao art. 642º do CPC. Citou-se também Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª edição, Almedina, 2013, pp. 406 e 407).

Considera-se que a previsão do art. 145º, nº3, em associação com os arts. 570º e 642º, do CPC, consubstancia um regime especial que permite dispensar aquela discussão, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, e que é claro ao prever um prazo de (apenas) 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena das cominações previstas nos arts. 570º e 642º. Ora, o que se segue ao esgotamento dos 10 dias sem pagamento, no âmbito do acto processual praticado, é a aplicação da cominação (no caso, desentranhamento da alegação), não tendo cabimento, salvo o devido respeito, defender a concessão de novo prazo, por força do cumprimento (até quando?) do disposto no art. 139º, nº6, do CPC, como pretende o Recorrente.

Pelo exposto, é de desatender a reclamação.


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Sumário (da responsabilidade do relator)


Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no nº1 do art. 642º do CPC, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação apresentada, não se aplicando, nesta situação, o disposto no art. 139º, nºs 5 e 6 do mesmo Código.



- C -


Pelo que ficou dito, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão proferida pelo relator.

- Custas pelo Recorrente/Reclamante.


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Lisboa, 15-12-2022


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto

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[1] Corrige-se aqui uma gralha, substituindo “de” por “se”.