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ABUSO DE CONFIANÇA
RESTITUIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
SANAÇÃO
Sumário
I. No crime de abuso de confiança previsto no artigo 205.º do CP a responsabilidade criminal é extinta quando ocorrer restituição da coisa de valor elevado ou consideravelmente elevado ou reparação integral dos prejuízos causados, mediante concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, tudo por força do artigo 206.º, n.º 1 do CP. II. A notificação para os fins previstos no artigo 206.º, n.º 1 do CP, ou seja, para o ofendido dar, querendo, a sua concordância à extinção da responsabilidade criminal, por se verificar por parte da arguida a restituição integral do valor devido, pode ser realizada pelas formas previstas no artigo 113.º do CPP. III. A notificação pode ser realizada pelo telefone, como resulta do artigo 113.º do CPP, que no seu n.º 8, alínea b) estabelece valerem como notificações as comunicações feitas por via telefónica, em caso de urgência (neste caso a leitura da sentença estava agendada para data muito próxima), conquanto respeitados os requisitos aí constantes e os do n.º 2 do artigo 112.º do CPP. IV. Não resulta da lei qualquer obrigação de os ofendidos terem de comparecer pessoalmente em Tribunal, com os encargos daí advenientes, para reiterarem a sua discordância à extinção do procedimento criminal quando já o haviam afirmado via escrita, por mail remetido do endereço eletrónico de um familiar em resposta à notificação efetuada via telefónica. V. Em todo o caso, qualquer irregularidade na notificação, a ter ocorrido, estaria sanada, por falta de invocação no tempo próprio como resulta do regime previsto no artigo 123.º do CPP.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO 1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 247/18.... da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., submetida a julgamento, foi a arguida AA [1].
a) Absolvida da prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punível pelo artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, alínea b) e n.º 5 do CP;
b) Condenada como autora pela prática, em autoria material, de um crime abuso de confiança qualificado, previsto e punível pelo artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, alínea b) do CP, na pena de onze meses de prisão, substituída por uma pena de trezentos e trinta dias de multa, à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos, perfazendo o montante total de mil oitocentos e quinze euros.
2. Do recurso 2.1. Das conclusões da arguida
Inconformada com a decisão a arguida interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Ao crime p. e p. artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b) do CP, pelo qual a arguida vem acusada, é aplicável o disposto no artigo 206.º, n.º 1 do mesmo Código. 2. A douta sentença condenatória ora recorrida foi proferida no pressuposto de que, apesar de a arguida ter procedido à restituição da coisa apropriada, os ofendidos manifestaram não dar a sua concordância à extinção da responsabilidade criminal da mesma. 3. Com vista a que os ofendidos viessem aos autos dizer se davam ou não a sua concordância aquela extinção da responsabilidade criminal, o Tribunal a quo determinou a notificação dos mesmos para tal efeito. 4. A acompanhar correio eletrónico de 4-5-2022, foi junta digitalização de declaração, datada de 26-4-2022, subscrita pelos ofendidos a manifestar não ser intenção de ambos extinguir a responsabilidade criminal da arguida, declaração que não foi notificada à arguida. 5. De acordo com o teor de informação de 27-4-2022, disponível no CITIUS, mostra-se consignado que o ofendido BB não foi notificado em virtude de o mesmo não ter atendido o telefone e o ofendido CC foi notificado, apenas por essa via telefónica, para no prazo de 10 dias, informar se dava ou não a sua concordância para que se extinguisse a responsabilidade criminal da arguida. 6. De acordo com o que consta do sistema CITIUS, àquele telefonema não se seguiu qualquer notificação escrita, como impunha o disposto no n.º 7, alínea b), in fine, do artigo 113.º do CPP, norma que foi violada. 7. O correio eletrónico de 4-5-2022, com o qual foi apresentada a declaração dos ofendidos foi enviado por DD , filho/sobrinho dos ofendidos, o qual não é advogado nem juntou procuração aos autos para representar os ofendidos. 8. Atento o teor das conclusões anteriores, verifica-se a inexistência das notificações aos ofendidos para virem aos autos dizer se concordavam ou discordavam com a extinção da responsabilidade criminal da arguida, bem como a prática de atos processuais por parte de filho/sobrinho que não é advogado ou mandatário dos ofendidos. 9. A inexistência daquelas notificações determina a necessidade da sua repetição e a nulidade dos atos posteriormente praticados, designadamente a prolação e leitura da douta sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 122.º do CPP. 10. Tendo a arguida, estranhando a discordância dos ofendidos face às expetativas criadas durante o andamento do processo quanto à extinção da sua responsabilidade criminal, entrado em contato telefónico com os ofendidos, os mesmos disseram-lhe não saber o teor do que assinaram, tendo ainda dito que assinaram tudo conforme o DD mandou para ficar tudo certinho, tudo tratado, desconhecendo inclusiva a condenação da arguida e que o documento era a propósito da possibilidade de desistência de queixa. 11. Tendo em conta o teor da conclusão anterior, verifica-se que os ofendidos nem terão tido a noção de que a declaração por eles assinada continha manifestação de discordância, verificando-se assim falta de consciência das respetivas declarações, a que será aplicável o disposto no artigo 246.º do Código Civil, norma que foi violada pela douta sentença recorrida, não sendo aquelas válidas. 12.Atento ao acima exposto, a arguida não beneficiou validamente do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do Código Penal, norma que foi violada pela douta sentença recorrida. 13. Atento o acima exposto e salvo melhor opinião, impõe-se a reabertura da audiência e a notificação dos ofendidos para comparecerem em juízo e manifestarem perante o Tribunal se concordam ou discordam com a extinção da responsabilidade criminal. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio 14. Tendo em conta que a arguida, através de dois correios eletrónicos de 17-08-2017, solicitou à testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos, a indicação das contas bancárias destes e o informou que não podia proceder ao pagamento em numerário diretamente à testemunha, bem como as mensagens SMS enviadas à testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos, em 27-7-2017, 28-7-2017 e 18-7-2017 e ainda o teor dos despachos proferidos pela Exma. Presidente do Conselho de Deontologia ..., datados de 27-7-2020 e 25-10-2021, tudo conforme cópias juntas pela arguida aos autos a coberto do seu requerimento de 9-2-2022, impunha-se que tivessem sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 6, 15, 17 e 18 dos factos dados como provados, absolvendo-se a arguida do crime pelo qual veio a ser condenada. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio, 15. Tendo em conta que a arguida, diligenciou insistentemente junto da testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos pela indicação dos IBANS/NIBS dos ofendidos, o que indicia que a mesma pretendia efetivamente entregar-lhes a quantia indemnizatória a que tinha direito e que nada mais consta em desabono da arguida, afigura-se que a pena que lhe foi aplicada é excessiva pelo que sempre se imporia a fixação de pena mais reduzida, uma vez que as necessidades de prevenção especial são diminutas. Termos em que deve ser declarada a inexistência das notificações aos ofendidos para efeitos do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do Código Penal, bem como que não seja considerada a declaração junta ao processo pelo filho/sobrinho dos ofendidos que não é advogado nem se mostrou mandatado para o efeito e, bem assim, que seja declarada nula a douta sentença proferida, ordenando-se a reabertura da audiência e a notificação dos ofendidos para virem dizer, presencialmente, em sede de audiência, se concordam ou não concordam com a extinção da responsabilidade criminal da ofendida ou, se assim não for entendido, deve a arguida ser absolvida do crime pelo qual veio condenada, (…)”.
2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1- Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”; 2- Veio a arguida invocar que a pena foi excessiva, sem adiantar qual a adequada. 3- A arguida beneficiou de uma pena especialmente atenuada nos termos previstos no art. 73º nº 1, al. a) e b) do CP.. 4- Mas, não podemos esquecer que a arguida, advogada, no exercício da sua profissão apoderou de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros). 5- Quantia que apenas a restituiu no decorrer deste julgamento, ou seja, decorridos cerca de 5 anos. 6- Pelo que somos forçados a concluir que a pena aplicada é a única adequada a afastar a arguida do cometimento de fatos idênticos. 7- No tange à alegada irregularidade, invocada, resulta de fls. 485 que os ofendidos nos autos manifestaram a sua discordância e não teve aplicação o estatuído no art. 206º nº1 do CP. Não podemos senão concordar com as doutas conclusões a que chegou o Mmº Juiz a quo, em face do já explanado quanto à nossa concordância pela aplicação de uma pena privativa substituída POR MULTA, supra. Destarte, e pelas razões apontadas, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença sindicada, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso. Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida. Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente, (…)”.
2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pela arguida.
2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são: 2.1. A impugnação da matéria de facto; 2.2. A nulidade da sentença por falta de notificação dos ofendidos nos termos previstos no artigo 206.º, n.º 1 do CPP; 2.3. O erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP), por errada dosimetria da pena.
3. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida. 3.1.1. Factos provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1. Em data não concretamente apurada, mas no início do mês de Janeiro de 2017, DD contactou com a arguida AA solicitando os seus serviços de advogada; 2. Sucede que a 06.01.2017, o avô de DD, o Sr.º EE, veio a falecer em virtude de complicações médicas sobrevindas de um acidente de viação; 3. Nessa sequência, os filhos do Sr. EE, BB, pai de DD, e CC, tio de DD, incumbiram DD para que o mesmo tratasse de todos os trâmites relativos ao recebimento da quantia pecuniária a título de indemnização adveniente do acidente de viação que envolveu o falecido pai e avô; 4. BB e CC assinaram as suas procurações, no dia 13.01.2017, a outorgar poderes especiais à arguida AA; 5. DD trocou diversos emails com a arguida AA solicitando informações sobre o processo com a seguradora ALLIANZ; 6. Todavia, a arguida, depois de 09.08.2017, deixou de responder aos emails e aos contactos telefónicos de DD; 7. Sendo certo que no dia 09.08.2017 foi emitido o cheque n.º ...32, no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), pela COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., referente à indemnização pelo óbito de EE; 8. O referido cheque foi pago diretamente por caixa em 22.08.2017, tendo sido utilizada a conta depósitos n.º ...01, titulada individualmente pela arguida AA; 9. Apesar de instada para entregar a BB e a CC, a quantia de € 25.000,00, respeitante à indemnização paga pela COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A., a arguida só procedeu à entrega de € 7.500,00, através de transferência bancária, para o IBAN da conta bancária titulada por BB, em 19.11.2020; 10. Já durante a audiência de julgamento em 1.ª instância, a arguida, em 21.02.2022, procedeu à entrega de € 17.500,00, através de transferência bancária, para o IBAN da conta bancária titulada por BB; 11. Entre 09.08.2017 e 19.11.2020, a arguida apoderou-se da quantia referida em 7), e entre aquela data e 21.02.2022, a arguida manteve na sua disponibilidade a quantia referida em 10), em ambos os períodos temporais, fazendo suas as referidas quantias, sabendo agir contra a vontade dos legítimos titulares; 12. Aproveitando-se, para isso, do âmbito do exercício da sua profissão de advogada, das funções que lhe estavam acometidas e da confiança que em si depositava BB, CC e DD; 13. A arguida AA sabia, igualmente, que a quantia total referida em 7) respeitava à indemnização pelo óbito de EE; 14. Mais sabia que a quantia total referida em 7) não lhe pertencia e que apenas lhe era entregue para que esta a transmitisse a BB e a CC; 15. Não obstante, agiu com o propósito concretizado de apoderar-se de tal quantia, fazendo-a sua, para lhe dar o destino que bem entendesse; 16. Como fez, primeiro até 19.11.2020, relativamente à quantia total, e depois até 21.02.2022, relativamente à quantia parcial referida em 10), mesmo depois de lhe ter sido solicitada a sua entrega por parte de DD; 17. Com a conduta descrita, a arguida AA quis e conseguiu fazer sua, até 21.02.2022, a quantia proveniente da indemnização por óbito de EE que bem sabia lhe não pertencer, agindo contra a vontade dos seus legítimos titulares; 18. Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS E ANTECEDENTES CRIMINAIS DA ARGUIDA EM ESPECIAL 19. A arguida nasceu em .../.../1978. 20. Do relatório social elaborado pela DGRSP e incidente sobre a arguida, consta o seguinte: I - Condições sociais e pessoais À data das circunstâncias que deram origem presente processo, AA residia com os filhos (18 e 9 anos), na Rua ..., ... ... de ..., num apartamento tipologia ..., propriedade da arguida, descrito como detendo adequadas condições de habitabilidade, contexto que atualmente mantém. A arguida, único suporte económico do agregado, exerce funções de representante do banco Banco 1..., em escrituras de vendas de imóveis, auferindo em média 750 euros mensais a que acresce o valor de cerca de 300 euros relativos a bolsa de estudo do descendente mais velho recebendo também, de forma intermitente valores variáveis referentes à pensão de alimentos, por parte dos progenitores dos filhos. Como despesas fixas mensais, AA menciona o valor de 360 euros referente a crédito bancário relativo a um apartamento sito em ..., cerca de 400 euros referente à propina e alojamento do filho, 110 euros que paga à Autoridade Tributária referente ao atraso de pagamento das quotas da Ordem dos Advogados a que acresce o valor 216 euros da escola do filho mais novo. Foi referido pela arguida a existência de contas bancárias penhoradas. A situação económica é descrita pela arguida como suficiente para fazer face às despesas do agregado. AA é natural de ..., cidade onde decorreu o seu crescimento junto da progenitora e da irmã mais velha, num contexto sociofamiliar normativo e estruturado, referenciando a mãe (falecida em2017) como principal suporte emocional e afetivo, desde os 2 anos de idade, aquando da separação parental. A arguida descreveu a relação com o progenitor, que presentemente reside em ..., como distante e pontuada por alguns contactos. Atualmente, não mantem qualquer contacto com a irmã, em virtude de conflitos relacionados com a partilha de bens de herança, da progenitora. A arguida contraiu matrimónio com 23 anos, tendo ocorrido a rutura da relação 5 anos depois, tendo desta relação um filho atualmente com 18 anos. Entre 2011 e 2017, AA, vivenciou uma nova relação marital, tendo um outro filho, atualmente com 9 anos de idade. A arguida terminou o 12º ano com 17 anos, ingressando na Universidade ..., em ..., onde se licenciou em Direito, sempre com boas notas e sem registo de retenções, posteriormente frequentou pós-graduações de Medicina Legal e Ciências Forenses, Responsabilidade Médica e Direito dos Animais. A nível laboral, a arguida trabalhou, na empresa do ex-marido, como administrativa e exerceu funções como advogada, em regime de avença e no gabinete jurídico da empresa GS Max- Gestão de sinistros, sendo também mencionado trabalho de voluntariado na Associação Portuguesa de Apoio à Vitima (APAV). No cômputo geral, AA Exerce advocacia, como profissional liberal, desde 2005 e segundo a própria, não teve qualquer problema decorrente do exercício da atividade, salientando a resolução de algumas causas pro bono. Atualmente e na sequência do presente envolvimento judicial e após processo disciplinar da Ordem do Advogados, encontra-se impedida do exercício a atividade profissional. Os tempos livres, quando os tem, são passados área de residência, onde tem o seu círculo de amigos, mencionando ter uma vida social reduzida em virtude de problemas de saúde do filho mais novo (que sofre de problemas de alergia à proteína do leite) não o pode deixar com ninguém. Habitualmente, aos sábados, desloca-se ao Centro Comercial ..., local de entrega do filho ao progenitor, passando o resto do dia com o filho mais velho, estudante na universidade ..., em .... Para além do presente processo, não se conhecem outros antecedentes criminais ou processos pendentes, contudo e de acordo com a informação obtida junto do núcleo de investigação criminal da PSP, AA é arguida no processo 4104/19...., pela prática de um crime contra a liberdade pessoal (coação e ameaça), processo este que a mesma associa a uma eventual queixa que terá sido apresentada após uma diligência relacionada com uma ação de despejo, que decorreu no âmbito da sua atividade profissional. Face à situação jurídico-penal, a arguida considera-a injusta e com grave impacto em termos de danos pessoais/emocionais, dado pôr em causa a sua imagem pessoal, social, mas primordialmente em termos profissionais. A arguida, reconhece, em abstrato, o desvalor de condutas similares às descritas na acusação, assumindo-se como vítima das circunstâncias, aceitando e confiando, no entanto, no sistema de justiça. IV – Conclusão O processo de desenvolvimento de AA ocorreu num familiar estável e normativo, marcado pela rutura da relação marital dos progenitores. Atualmente, reside com os filhos, detendo o filho mais velho alojamento em ..., onde frequenta a universidade ..., sendo que a arguida é o único suporte económico do agregado. AA apresenta percurso laboral contínuo e evidencia hábitos de trabalho. A arguida não regista outras condenações a montante e jusante dos presentes autos. Face à avaliação efetuada e caso a arguida venha a ser condenada nos presentes autos, considera-se que a reúne condições para a execução de uma pena na comunidade. 21. A arguida não regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal.“.
3.1.2. Factos não provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a causa.
3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição): “Fundamentação da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida, que consistiu nas declarações da arguida, nos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, BB e CC, bem como no teor da documentação junta aos autos (auto de denúncia: fls. 3 a 6; edital da suspensão de AA: fls. 21; print dos emails para a Seguradora: fls. 36 a 44; print dos emails trocados com AA: fls. 45, 71 e 72 e 129; nota de honorários: fls. 131 a 134; procuração de BB: fls. 135; procuração de CC: fls. 136; carta e A.R. enviados a AA: fls. 137 e 143; informação da Seguradora: fls. 150 a 155; ofício da Ordem dos Advogados: fls. 158 a 160; informação bancária: fls. 172 a 175; participação à Ordem dos Advogados: fls. 177; extratos bancários: fls. 187 a 188; dedução de acusação em processo disciplinar: fls. 254 a 256; decisão final em processo disciplinar: fls. 311 a 318; acórdão proferido em processo disciplinar: fls. 321 a 322; comprovativos de transferências bancárias 468 e 471; relatório social elaborado pela DGRSP: fls. 438 a 440 e certificado de registo criminal: fls. 480), sobre os quais todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da normalidade da vida (artigo 127.º do CPP). A convicção do Tribunal quanto à matéria factual supra elencada não ofereceu dúvidas que mereçam motivação pormenorizada, afigurando-se outrossim ser de elementar transparência a prova produzida, passando-se assim a explanar de modo breve o iter lógico-indutivo subjacente à convicção almejada. Em primeiro lugar, o depoimento da testemunha DD (neto do falecido, incumbido pelos descendentes deste, respetivamente, seu pai e seu tio, para encontrar uma advogada e com ela estabelecer todos os contactos, em sua representação) foi sobejamente espontâneo e objetivo, tendo logrado descrever toda a ocorrência de forma pormenorizada, contextualizada e congruente entre si, em especial, com os depoimentos das testemunhas BB e CC (filhos do falecido, que incumbiram DD (filho e sobrinho, respetivamente, destes) de os representar perante uma advogada que este decidisse contratar para a resolução do assunto jurídico com a seguradora) e com a documentação junta aos autos, maxime, print dos emails para a Seguradora (fls. 36 a 44); print dos emails trocados com a arguida (fls. 45, 71 e 72 e 129); procuração de BB (fls. 135); procuração de CC (fls. 136); e informação bancária (fls. 172 a 175). As testemunhas descreveram os factos talqualmente ficaram consignados, após alteração não substancial dos mesmos, não suscitando quaisquer dúvidas que os mesmos tenham tido lugar nos termos pelas mesmas descritos. Das declarações da arguida resultou que a mesma, à data da audiência de julgamento, havia procedido apenas à entrega da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), confirmando a mesma encontrar-se em falta o valor de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), quantia que acabou por entregar a BB, no decurso do julgamento. Ou seja, a arguida não negou a não entrega do valor da indemnização a BB e CC, na qualidade de herdeiros de EE, após o pagamento pela Seguradora. Já quanto aos motivos para a não entrega imediata de tal quantia, as declarações da arguida não se revestiram de qualquer credibilidade para o Tribunal, porquanto, em primeiro lugar, a prova documental (designadamente emails enviados por DD de fls. 62) demonstram que tinha indicações suficientes para o fazer, na medida em que lhe fora indicado IBAN de conta bancária titulada pelo cabeça-de-casal, muito antes de Novembro de 2020. Acresce que, e após esta data, perante o facto de um suposto amigo (a quem terá entregado a quantia de € 17.500,00, por ter as suas contas bancárias penhoradas) dizer que já havia efetuado a transferência para BB e CC, em 21.11.2021, a arguida nada fez ou confirmou, bastando-se com a palavra do amigo, pelo que, o mesmo é dizer, inexiste qualquer outra prova que corrobore esta versão dos factos – o que justificará a transferência ora efetuada pela arguida, na pendência do julgamento, daquela quantia. Assim, especificamente, Quanto aos factos vertidos nos pontos 1) a 6), foram levados em consideração, para a formação da convicção deste Tribunal a esse respeito, os depoimentos prestados pelas testemunhas DD, BB e CC, bem como o teor da documentação junta aos autos (auto de denúncia: fls. 3 a 6; print dos emails para a Seguradora: fls. 36 a 44; print dos emails trocados com AA: fls. 45, 71 e 72 e 129; procuração de BB: fls. 135; procuração de CC: fls. 136; carta e A.R. enviados a AA: fls. 137 e 142). No que se refere à data em que foi emitido o cheque pela Seguradora e ao valor deste, elementos constantes dos factos vertidos em 7), foi determinante a informação da Seguradora constante de fls. 150 a 155 conjugada com a informação bancária de fls. 172 a 175, tendo esta última sido, igualmente relevante, para se dar como provada a factualidade vertida em 8). Relativamente à matéria de facto constante dos pontos 9), 10) e 11), ficou a mesma provada com recurso aos comprovativos das transferências bancárias juntos de fls. 468 e 471. Por sua vez, resulta do circunstancialismo apurado e lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida que a arguida, se aproveitou do exercício da sua profissão de advogada e do mandato que lhe fora conferido, evidenciando perfeita consciência e vontade de praticar os factos supra descritos, tendo agido no intuito concretizado de se apropriar da quantia entregue pela Seguradora, a título de indemnização pelo óbito de EE, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que atuava contra a vontade dos respetivos herdeiros, que somente lhe confiaram o recebimento, para imediata entrega, mais sabendo ainda que tais condutas eram proibidas e puníveis por lei, razão pela qual se tem por demonstrada a matéria de facto contida nos pontos 12) a 18). Quanto aos dados pessoais e profissionais da arguida e à inexistência de antecedentes criminais, elencados nos pontos 19) a 21), o Tribunal levou em consideração a prova documental que a esse respeito consta dos autos (a qual se resume ao relatório social elaborado pela DGRSP, de fls. 438 a 440 e o certificado de registo criminal de fls. 480).”.
3.1.4.Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição): “DO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA QUALIFICADO Do disposto no artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, al. b) e n.º 5 do CP, extrai-se que, quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel de valor consideravelmente elevado que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão de um a oito anos. Em igual pena incorre o agente que tiver recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial. O bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade. Na dogmática penal, este tipo de crime configura um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico tutelado) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação). Quer na forma simples quer na forma qualificada, o crime de abuso de confiança é um crime específico próprio. Na forma simples, a ilicitude depende da existência de uma relação entre o agente e o proprietário da coisa. Na forma qualificada, a ilicitude depende da existência de um particular dever do agente para com a coisa. A relação e o dever do agente são comunicáveis aos comparticipantes que as não possuam, nos termos do artigo 28.º do CP. O tipo objetivo consiste na apropriação de coisa móvel que tenha sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade. O objeto da ação é, assim, uma coisa móvel alheia, resultando este elemento do carácter alheio implicitamente do elemento típico da apropriação, dado que não se admite a apropriação de coisa própria. Por sua vez, deve dizer-se que a entrega de coisa ao agente por título não translativo da propriedade inclui todo e qualquer ato ou negócio jurídico pelo qual o agente é investido no poder de disposição da coisa e fica obrigado à devolução da coisa ao transmitente ou a um terceiro. Entre esses negócios contam-se o depósito, a locação, o mandato, a comissão, a administração, o comodato e a empreitada. Sendo que tal entrega tem de ocorrer antes do momento da apropriação, como resulta claramente da expressão legal «tenha sido entregue». A entrega pode ser feita pelo proprietário, possuidor ou detentor legítimo da coisa e não implica necessariamente a transmissão física da coisa, nem a exclusão do poder de disposição do transmitente. A entrega da coisa ao agente tem de ser lícita, uma vez que o Direito Penal não protege as relações de confiança entre criminosos. Por sua vez, a apropriação implica a inversão do título da posse ou detenção, através da prática de um ou mais atos concludentes do agente, de quem resulte inequivocamente a intenção do agente de fazer sua a coisa. O tipo objetivo do abuso de confiança qualificado depende do valor elevado e do valor consideravelmente elevado da coisa apropriada, por referência ao artigo 202.º, alíneas a) e b) do CP , ou da confiança da coisa ao agente com base num depósito imposto por lei. O depósito imposto por lei pode ser feito em razão de ofício, emprego ou profissão ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial. Ficam, pois, incluídos os depósitos de bens penhorados, de bens do ausente no estrangeiro ao curador provisório ou de bens da massa falida entregues ao liquidatário judicial. Mas fica excluída a destruição pelo proprietário da coisa penhorada ou depositada que se encontre em seu poder, seja por mandato da justiça, seja por disposição contratual, uma vez que não se trata de coisa alheia. Por fim, deve referir-se que o tipo subjetivo deste crime admite qualquer modalidade de dolo. Vertendo as considerações supra expendidas ao caso dos autos, entende este Tribunal como tendo a arguida com a sua conduta preenchido, indubitavelmente, os elementos objetivo e subjetivo do presente tipo de ilícito de abuso de confiança qualificado, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 4, al. b) do CP, por referência ao artigo 202.º, al. b) do CP, ao receber, a coberto do mandato forense conferido por BB e CC, a quantia de € 25.000,00 da Seguradora Allianz, a título de indemnização pelo óbito de EE, e ao não entregar tais quantias, pelo menos, até 19.11.2020 e 21.02.2022, aos mandantes (factos provados em 1) a 11)), querendo apoderar-se de tal quantia, fazendo-a sua, sabendo que tal quantia não lhe pertencia, agindo de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de fazer sua a quantia de que se apoderou, bem sabendo que tal quantia não lhe pertencia e que agia contra a vontade dos seus legítimos titulares, sabendo ainda que as suas condutas lhe estavam vedadas e eram criminalmente punidas (factos provados em 13) a 18)), razão pela qual se entende ter a arguida atuado com dolo direto (nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do CP). A arguida vinha também acusada pelo n.º 5 do artigo 205.º do CP, atendendo a que praticou os factos no âmbito da sua profissão de advogada, tendo resultado provado que se aproveitou do âmbito do exercício da sua profissão, das funções que lhe estavam acometidas e da confiança que em si depositava BB, CC e DD, para receber a quantia entregue pela Seguradora (factos provados em 12)). Sucede, no entanto, que para o preenchimento do tipo objetivo do crime de abuso de confiança qualificado em função da especificidade do título de recebimento – n.º 5 do artigo 205.º do CP -, como supra se referiu, o agente deve ter recebido a coisa em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial. Uma vez que o simples recebimento de uma coisa, não depende apenas do ofício, emprego ou profissão, mas também da existência de um depósito imposto legalmente, o recebimento da referida quantia de € 25.000,00, na qualidade de advogada, não é condição suficiente para o preenchimento do tipo objetivo qualificado, porquanto inexiste norma legal que imponha aquele recebimento. Aluda-se, ainda, ao elemento histórico, concluindo-se que «Não houve lapso de impressão ou de redação ao não ter sido colocada uma vírgula entre as expressões "imposto por Lei" e "em razão de ofício" colocadas na primeira parte do artigo 205 n. 5 do Código Penal revisto em 1995, pelo que essa primeira parte abrange o recebimento da coisa em depósito em razão de ofício, se imposto por Lei.» (Ac. do TRL, de 07.01.1997, RELATOR GRANJA DA FONSECA, Proc. n.º 0006535, com sumário disponível em www.dgsi.pt). Em face do exposto, deverá a arguida ser absolvida da prática do crime de abuso de confiança qualificado p. e p. pelo n.º 5 do artigo 205.º do CP, mantendo-se a condenação da arguida pela prática do mesmo crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CP. Considera-se igualmente que a conduta da arguida é ilícita, porque contrária à ordem jurídica, e culposa, pois, nas concretas circunstâncias em que a arguida estava inserida, era-lhe exigível a adoção de outra conduta possível e não lesiva dos bens jurídicos tutelados por este tipo de crime. Inexistem, assim, quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação. Pelo exposto, praticou a arguida AA, em autoria material, um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, al. b), 14.º, n.º 1 e 26.º do CP. Mantém-se a responsabilidade criminal da arguida, não obstante a restituição da quantia integral aos ofendidos (factos provados em 9) e 10)) porquanto inexistiu concordância dos ofendidos, nos termos do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do CP, quanto à extinção da responsabilidade criminal da arguida. * IV – DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA Na determinação da pena aplicável, deve o juiz socorrer-se dos critérios que o legislador penal consagrou nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do CP. Na escolha da pena, deve tomar-se em conta as finalidades da punição, isto é, a proteção dos bens jurídicos – prevenção geral positiva -, e a reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva -, de acordo com os critérios fornecidos pelos artigos 70.º e 40.º do CP. As finalidades de prevenção são, assim, gerais positivas, na medida em que a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor, e de prevenção especial positiva, como forma eficaz de responsabilização e ressocialização do agente na sociedade. É com base nos referidos critérios que se estabelecerão o limite mínimo e o limite máximo da pena a aplicar, sendo o primeiro determinado por uma moldura legal de prevenção geral, entendida na sua modalidade positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária enquanto forma de proceder à estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada. A culpa, por sua vez, irá dar-nos o limite máximo inultrapassável das exigências da prevenção (directamente relacionado com a preservação da dignidade da pessoa humana), pelo que, em caso algum poderá a pena ultrapassar a medida da culpa. De acordo com o ensinamento do Professor JORGE DE FIGUEIREDO DIAS , a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial. * DA INDICAÇÃO DA MEDIDA ABSTRATA DA PENA Em termos abstratos, o crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CP, é punível com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos. * DA ESCOLHA DA NATUREZA DA PENA O artigo 70.º do CP evidencia a preferência, do nosso sistema jurídico, pela pena não privativa da liberdade sempre que ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é, segundo o referido no artigo 40.º do CP, a proteção dos bens jurídicos, e a reintegração do agente na sociedade. Resulta, assim, do sistema jurídico-penal que as finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, a proteção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afetados. Para se lograr a proteção dos bens jurídicos as penas devem assumir uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir, igualmente, a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática, pelo agente, de futuros crimes, ou seja, uma finalidade de prevenção especial. A prevenção geral deverá, por seu turno, assumir a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. No caso concreto, relativamente ao crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CP, em que a arguida AA vai condenada, uma vez que o mesmo é apenas punível com pena de prisão, nada há a escolher, sendo a pena a aplicar esta pena privativa da liberdade. * DA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA DE PRISÃO Concluindo-se pela condenação da arguida pela prática do crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CP, cumpre, no entanto, ponderar os efeitos da restituição integral da quantia de € 25.000,00 pela arguida aos ofendidos (factos provados em 9) e 10)) na responsabilidade criminal daquela. Nos termos do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do CP, a responsabilidade criminal extingue-se, entre outros, no caso do n.º 4 do artigo 205.º, mediante a concordância do ofendido e o arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ilegitimamente apropriada ou reparação integral dos prejuízos causados. Todavia, tendo existido restituição integral, in casu, não se verificou a concordância dos ofendidos na extinção da responsabilidade criminal da arguida (considerando o teor da declaração de fls. 485), pelo que se encontra o Tribunal legalmente impossibilitado de assim a declarar. No entanto, mantendo-se a responsabilidade criminal da arguida, verificando-se a restituição da quantia integral, a pena deve ser especialmente atenuada, nos termos do disposto nos artigos 72.º, n.º 1 e 206.º, n.º 2 do CP, embora tenha sido efetuada após o início da audiência de julgamento (isto é, antes da publicação da sentença da 1.ª instância), constituindo, assim, um poder-dever do juiz, na medida em que, se o n.º 1 do citado preceito legal permite a extinção da responsabilidade criminal, mediante a concordância entre ofendido e arguido, seria incoerente que, não obstante, por falta da verificação deste acordo, a restituição integral da coisa, após o início da audiência de julgamento, não tivesse como consequência direta a constituição daquele poder-dever do juiz. Deste modo, e diferentemente do que sucede por aplicação do n.º 3 do artigo 206.º, o legislador subtraiu ao juiz a ponderação pela atenuação especial, impondo, outrossim, a obrigatoriedade de aplicação de tal regime, assumindo, já ínsito na restituição integral, o fundamento da atenuação especial da pena consistente na diminuição acentuada da ilicitude, na diminuição acentuada da culpa e ainda na diminuição acentuada da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção. Assim, impõe-se ao Tribunal a atenuação especial da pena aplicável, a operar nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, alterando-se a moldura abstrata aplicável à arguida, que será assim de 1 (um) mês a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão. * DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA DE PRISÃO Para encontrar a medida concreta da pena deve tomar-se em conta a culpa – limite inultrapassável da pena – e as exigências de prevenir novos crimes através da estabilização contrafática das expetativas comunitárias na validade e vigência da norma violada (artigos 40.º, n.º 1 e 71.º do CP). Dispõe o artigo 41.º, n.º 1 do CP que «A pena de prisão tem, em regra, a duração mínima de um mês e a duração máxima de vinte anos» No caso concreto, de acordo com os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena, mormente os referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do CP, atender-se-á na determinação concreta da medida da pena ao seguinte: * Contra a arguida depõem: - O grau de ilicitude dos factos, que se afigura elevado, atendendo ao modo de execução dos mesmos nos termos supra descritos (aproveitando-se do exercício da sua profissão de advogada para se apropriar de € 25.000,00, entregues pela seguradora para indemnizar os herdeiros de um falecido em consequência de um acidente de viação); - O dolo, como direto que é, encontra-se no expoente máximo do seu grau de intensidade; - As consequências dos factos são sempre de relevar, ainda que a quantia tenha sido entregue, embora quase cinco anos depois. - As necessidades de prevenção geral são elevadas, na medida em que em que os crimes contra a propriedade são cometidos com elevada frequência, gerando alarme social. A favor da arguida militam: - As necessidades de prevenção especial, que se mostram reduzidas, na medida em que a arguida não regista quaisquer antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal; - A conduta posterior aos factos, posto que procedeu à restituição integral da quantia que havia recebido; - As suas condições pessoais e sociais, que resultaram provadas e aqui se dão por integralmente reproduzidas, atendendo à sua integração social e profissional/académica. Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação à arguida AA, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, de uma pena de 11 (onze) meses de prisão. * DA SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR MULTA Nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 1 do CP, «a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.» A aplicação das penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a sua aplicação ou a sua denegação. Quando na presença de tipos incriminadores puníveis, a título principal, quer com pena de prisão, quer com pena de multa, este Tribunal orienta-se no sentido de, escolhendo, primeiramente, a aplicação de uma pena de prisão – porque as exigências de prevenção assim o impõem – não a substituir depois por pena de multa, sob pena de contradição. Sucede, todavia, que no presente tipo incriminador, na sua forma qualificada, porque o mesmo apenas é punível com pena de prisão, na operação de escolha da natureza da pena, foi-lhe impossível a ponderação da (des)necessidade de exigências de prevenção, que quedaria na escolha de uma pena de multa. Neste sentido, e por essa razão, entende o Tribunal ser este o momento para ponderá-la, estribado na convicção segura de que a inexistência de antecedentes criminais averbados no registo criminal da arguida (factos provados em 21)) permitem concluir pela inexistência de especiais exigências de prevenção, o que determina a substituição da pena de prisão aplicada por uma pena de multa. No que se refere à fixação do quantum da pena de multa substitutiva, o Ac. do STJ n.º 8/2013, de 14.3.2013, publicado na Série I do DR de 19.4.2013, fixou jurisprudência no sentido de que «a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída». Assim, a pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, não tem que ter, necessariamente, correspondência aritmética com os dias da prisão fixada, estando, porém, sujeita ao limite previsto no artigo 47.º, n.º 1, do CP, face à remissão feita no atual artigo 45.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. De qualquer forma, no referido Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência, pode ler-se que: «Note-se, a propósito, que o «sacrifício» imposto pelo cumprimento de um dia de prisão não tem qualquer correspondência com o que resultaria de se impor um dia de multa, pelo que se pode concluir que a equivalência de 1 dia de prisão por 1 dia de multa só parece resultar de uma utilidade prática na operação de conversão. Na verdade, se tivesse de existir qualquer correspondência, seria a de que por cada dia de prisão corresponderiam muitos mais dias de multa, tudo dependendo da situação económica do condenado.» Nesse mesmo Acórdão do STJ consta uma declaração de voto do Exmo. Conselheiro Santos Cabral nos seguintes termos: «Sem embargo da incoerência normativa dum sistema que adopta um critério de correspondência aritmética para algumas penas de substituição (artigo 48-substituição da multa por trabalho e artigo 58-prestação de trabalho a favor da comunidade) e de correspondência normativa para outras, a única justificação teórica que pode fundamentar tal opção reside na circunstância de um dia de prisão implicar um sofrimento maior para o condenado que um dia de multa. Consequentemente, e na esteira de anotação crítica constante de Revista Portuguesa de Ciência Criminal Ano 20 Nº1 pag 157 que incidiu sobre o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Julho de 2009, entende-se que a concreta pena de prisão pode-se revelar suficiente para cumprir as exigências de prevenção que no caso se fizerem sentir, mas o número de dias de multa correspondente ser insuficiente para fazer face a tais exigências. Significa o exposto que na sequência lógica dos pressupostos que informaram o presente acórdão, e em regra, os dias de multa de substituição devem ter uma maior dimensão do que os dias de prisão que substituem». Face a tal jurisprudência, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in Comentário do Código Penal, 3ª ed. atualizada, pág. 280-281, acaba por concluir que «a nova jurisprudência conduzirá, em termos práticos, a uma aplicação mais dura da pena de multa enquanto pena de substituição e a um aumento das penas de multa não pagas, ou seja, à frustração do propósito da pena de substituição.» É à luz desta jurisprudência que o presente caso deve ser decidido. In casu, ponderados todos os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena, em sede de determinação da medida concreta da pena de prisão, efetuada anteriormente, entende este Tribunal que, a aplicação de uma pena não privativa da liberdade se mostra suficiente para acautelar as necessidades de prevenção geral e especial que o presente caso reclama, ou seja, que pode/deve ser dada uma oportunidade à arguida, na perspetiva de que a mesma interiorize o desvalor das suas condutas passadas e não reinicie a atividade criminosa. Aqueles fatores que militam contra e a favor da arguida, assim ponderados, conjugadamente com o defendido na jurisprudência do AFJ 8/2013, no sentido de que, “o «sacrifício» imposto pelo cumprimento de um dia de prisão não tem qualquer correspondência com o que resultaria de se impor um dia de multa”, levariam a que a pena de 11 (onze) meses de prisão aplicada não tivesse uma correspondência proporcional em dias de multa, mas a fixação de uma pena substitutiva de multa em mais dias do que os correspondentes a 11 (onze) meses. Sucede, no entanto, que no caso sub judice, a pena de 11 (onze) meses prisão aplicada, aritmeticamente substituída por pena de multa, situa-se perto do seu limite máximo de 360 dias – concretamente, de 330 dias – previsto no artigo 47.º, n.º 1 do CP. Nesse sentido, entendendo este Tribunal que a culpa da arguida e as exigências de prevenção não exigem a punibilidade da arguida no seu limite máximo de 360 dias de multa, considera justa, adequada e proporcional, a substituição da pena de 11 (onze) meses prisão aplicada por 330 (trezentos e trinta dias) de multa. Posto isto, considera este Tribunal que a substituição da pena de 11 (onze) meses de prisão aplicada à arguida AA, por uma pena não privativa da liberdade, se mostra adequada e suficiente para acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, o que impõe a substituição daquela por uma pena de 330 (trezentos e trinta) dias multa. * Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, estabelece o artigo 47.º, n.º 2, do CP, «que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais». Assim, considerando a situação económica da arguida (factos provados em 20)), afigura-se a este Tribunal como ajustado fixar uma taxa diária pelo valor de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), para a pena de multa substitutiva que lhe vai aplicada. * Tudo visto e ponderado, o Tribunal considera justa, adequada e proporcional a aplicação à arguida AA, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CP, de uma pena de 11 (onze) meses de prisão, substituída por uma pena de 330 (trezentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante total de € 1.815,00 (mil, oitocentos e quinze euros).”.
3.2. Da apreciação do recurso interposto pela arguida
A arguida interpôs recurso da decisão que a condenou pela prática de um crime de abuso de confiança considerando:
- Deverem ser dados como não provados os pontos 6., 15., 17. e 18. dos factos provados;
- Ter ocorrido uma irregularidade da notificação dos queixosos para desistirem da queixa, que conduziria à nulidade da sentença e à necessidade de abertura da audiência para estes presencialmente dizerem se concordam com a extinção da responsabilidade criminal;
- Ser a pena excessiva.
Apreciemos, então as questões colocadas
3.2.1. Da impugnação da matéria de facto
Quanto à “impugnação” da matéria de facto a arguida tinha ao seu alcance duas formas de o fazer: através da sindicância pela via do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP ou convocando a existência dos vícios da sentença do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) ou c) do CPP.
Lendo a decisão proferida não se deslinda do seu texto, todavia, encontrar-se a sentença eivada de quaisquer dos vícios das alíneas a) a c), do n.º 2 do artigo 410.º do CPP. Por outro lado, mesmo a ter ocorrido qualquer erro de julgamento a esta instância encontrar-se-ia vedada a sua apreciação, por virtude da a recorrente não ter cumprido os ónus de impugnação previstos no artigo 412.º, n.º s 3 e 4 do CPP. Daí não restar a este Tribunal de recurso senão considerar definitivamente sedimentada a matéria de facto fixada em 1.ª instância.
3.2.2. Da irregularidade da notificação dos ofendidos (artigo 206.º, n.º 1 do CP)
A arguida invoca a irregularidade da notificação dos ofendidos para os fins previstos no artigo 206.º, n.º 1 do CP[2].
Na situação em apreço, no fim da 2.ª sessão de julgamento, em 10.2.2022, quando a arguida se propôs proceder ao pagamento da quantia em dívida, os ofendidos através do mail do familiar DD (fls. 466) indicaram o seu IBAN (fls. 467) e a arguida efetuou o pagamento da quantia devida de 17.500 € por transferência bancária para o número por eles indicado. Depois em 26.4.2022, foi dada sem efeito a leitura da sentença, por se considerar que os factos integrariam o n.º 4 do artigo 205.º do CP e não o seu n.º 5, e nessa medida teriam os ofendidos de ser notificados para darem, querendo, a sua concordância à extinção da responsabilidade criminal, por se verificar por parte da arguida a restituição do valor devido. Nessa ocasião foi agendada nova leitura da sentença para o dia 12 de maio de 2022. Face à proximidade da data agendada a notificação dos queixosos foi realizada via telefónica. Nessa medida os ofendidos exatamente pela mesma forma que haviam fornecido o seu IBAN (por endereço eletrónico, através do mail de DD - cf. fls. 484) também informaram não ser sua intenção que se extinguisse a responsabilidade criminal da arguida. Dessa posição assumida pelos ofendidos foi a arguida, ao contrário do por si afirmado em sede de recurso, informada por despacho datado de 5.5.2022.
Atento o descrito não se deslinda ter existido qualquer irregularidade, nada impedindo, de acordo com o CPP, poderem as notificações ser realizadas pelo telefone, conforme resulta do disposto no artigo 113.º do CPP, que no seu n.º 8, alínea b) estabelece valerem como notificações as comunicações feitas por via telefónica, em caso de urgência (neste caso a leitura da sentença estava agendada para data muito próxima), conquanto respeitados os requisitos constantes no n.º 2 do artigo 112.º do CPP.
Acresce que, tendo os ofendidos respondido por mail remetido do endereço eletrónico de um familiar (filho/sobrinho dos ofendidos) em resposta à notificação efetuada via telefónica, não se alcança como pudesse ter ocorrido qualquer irregularidade do ato (não da sentença) não resultando da lei nenhuma obrigação de os ofendidos terem de comparecer pessoalmente em Tribunal, com os encargos daí advenientes, para reiterarem o que já haviam afirmado via escrita, quanto à discordância da extinção do procedimento criminal (vide fls. 485).
Sem prejuízo do referido, sempre qualquer irregularidade nas notificações, a ter ocorrido, estaria sanada, por falta de invocação no tempo próprio como resulta do regime previsto no artigo 123.º do CPP[3].
3.2.3. Da dosimetria da pena aplicada
Quanto à pena aplicada, a recorrente tecendo considerações gerais conclui pelo seu exagero, embora não tenha indicado qual a medida da pena por si julgada correta.
Na situação em apreciação a arguida foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado punível com pena de prisão de um a oito anos (cf. artigo 205.º, n.º 1 e n.º 4, al. b), 14.º, n.º 1 e 26.º do CP).
O Tribunal a quo explicou que o sistema jurídico português dá prevalência à pena não privativa da liberdade sempre que ela realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mas como no caso concreto o crime era apenas punível com prisão, nada havia a escolher, sendo de aplicar a pena privativa da liberdade.
Depois, mais à frente, o Tribunal recorrido concluiu pela imposição legal da aplicação do regime da atenuação especial da pena (artigos 72.º, n.º 1 e 206.º, n.º 2 do CP) em razão da restituição aos ofendidos da totalidade da quantia no valor de 17.500 €, alterando-se por força do disposto no artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, a moldura abstrata aplicável para um mês a cinco anos e quatro meses de prisão.
Na escolha da medida concreta da pena, o Tribunal ponderou, em seguida, os critérios previstos nos artigos 40.º e 71.º do CP, considerando que: o grau de ilicitude dos factos, foi elevado (a arguida aproveitou-se do exercício da sua profissão de advogada para se apropriar de € 25.000,00, entregues pela seguradora para indemnizar os herdeiros de uma pessoa falecida em consequência de acidente de viação); O dolo no seu grau mais intenso (direto); as consequências dos factos foram relevantes (a quantia devida foi restituída, mas apenas após o decurso de cinco anos); as necessidades de prevenção geral elevadas (os crimes contra a propriedade são cometidos com elevada frequência, gerando alarme social); as necessidades de prevenção especial reduzidas (a arguida não regista antecedentes criminais averbados no seu CRC); a conduta posterior aos factos (a arguida procedeu à restituição integral da quantia recebida, embora apenas decorridos cinco anos desde a prática dos factos e apenas no decurso do julgamento); as suas condições pessoais e sociais (integrada social; profissional/académica).
Atento o exposto o Tribunal a quo considerou ser de aplicar onze meses de prisão, o que de acordo com a moldura penal abstrata com um mínimo de um mês e um máximo de cinco anos e quatro meses de prisão, não se considera desajustado, pois muito mais próximo do limite mínimo do que do limite médio da pena (2 anos 7 meses 15 dias), sendo que a ter pecado terá sido por defeito e não por excesso.
Por fim, face à ausência de antecedentes criminais registados, o Tribunal decidiu substituir a pena de onze meses de prisão pelos dias de multa aritmeticamente correspondentes, ou seja, trezentos e trinta dias, à razão diária de 5,50 € fundamentado os motivos pelos quais optou por essa solução (cf. parte final do ponto II., 3.1.4 deste Acórdão).
Não se alcança, pelo exposto em que medida a pena aplicada tenha sido excessiva, não merecendo qualquer censura a decisão proferida.
III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pela arguida e em consequência, mantem-se na íntegra, a sentença recorrida.
2. Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.ºs 1 do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa, do Código das Custas Processuais).
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 15 de dezembro de 2022.
Beatriz Marques Borges - Relatora
João Carrola
Maria Leonor Esteves
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[1] AA, filha de FF e de GG, nascida a .../.../1978, natural de ..., advogada, titular do bilhete de identidade n.º ..., do NIF ..., e da cédula profissional n.º ..., com domicílio profissional na Av. ..., ..., Avenida ..., ... ... (TIR fls. 345).
[2] Este artigo sob a epigrafe “Restituição ou reparação” estabelece o seguinte: “Nos casos previstos (…) no n.º 4 do artigo 205.º, extingue-se a responsabilidade criminal, mediante a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ou do animal furtados ou ilegitimamente apropriados ou reparação integral dos prejuízos causados.”
[3] O artigo 123.º do CPP prescreve que “1 - Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. 2 - Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.”