ESCUTA TELEFÓNICA
Sumário

Não é exigível nem pensável que o juiz que ordena as escutas esteja, com carácter de permanência, disponível para, de imediato - no instante que se segue - ouvir cada conversação que acabou de ter lugar.

Texto Integral

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:
1. Acusados da prática, como autores materiais e em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, als. c) e j) do DL 15/93, de 22/01) e de um crime de associação criminosa (art. 28.º, n.º 1, do mesmo diploma), os arguidos B.......... e C.......... (entre outros) requereram a abertura de instrução, pedindo:
- a declaração de nulidade das escutas telefónicas de que foram alvo;
- a prolação de despacho de não pronúncia.
Realizado o debate instrutório, foi proferida decisão instrutória, na qual se julgou não verificada a invocada nulidade das escutas telefónicas, acabando aqueles por serem pronunciados pelos crimes imputados na acusação pública.
Inconformados, interpuseram os mesmos arguidos o presente recurso, impugnando a parte da decisão que não declarou nulas as escutas telefónicas, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos:
a) o arguido B..........:
«1. O presente recurso emerge do despacho de pronúncia proferido nos presentes autos que não declarou nulas as escutas telefónicas, nulidade essa suscitada em sede de instrução;
2. O próprio despacho de pronúncia, lido no seu conjunto e em particular na questão prévia reconhece caber razão aos requerentes e, neste caso, ao ora recorrente.
3. Os prazos a que o próprio Juiz se confinou foram todos ultrapassados.
4. As escutas telefónicas foram levadas ao conhecimento do Juiz fora do âmbito e do conceito de "imediatamente".
5. Ocorreu violação grosseira das normas legais e não houve um efectivo acompanhamento e controlo activo da escuta.
6. A não observância das formalidades das operações de intercepção e gravação das comunicações e conversações telefónicas encontra-se cominada nos termos do Artigo 189º do C.P.P. com a sanção de nulidade.
7. Impõe-se julgar nulo tal meio de obtenção de prova e em consequência,
8. Julgar nulo o meio de prova documental com as mesmas obtido.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
- Artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal;
- Artigo 32º e 34º, nº 4 da CRP;
- Artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Termos em que deve o presente Recurso merecer provimento e ser proferido Acórdão que declare nulas as escutas que constituem os Apensos dos presentes autos»;
b) o arguido C..........:
«1 - Não se conformando com a decisão proferida sobre a suscitada nulidade, vem o aqui recorrente recorrer da mesma, porquanto dos autos resulta uma patente ausência de controlo judicial na realização do meio de prova - intercepções telefónicas.
2 - De facto, não resulta documentado que Mma J.I.C, em momento anterior à prolação dos despachos que ordenam a transcrição das intercepções consideradas relevantes para os autos, tenha procedido a uma criteriosa avaliação do interesse das mesmas com base na sua audição (ainda que só das conversas consideradas "com interesse" pelos órgãos de polícia criminal.
3 - Desta feita, emergindo o controlo judicial na realização do meio de prova como garante da legalidade, e perante a sua inequívoca ausência, reiterando todo o supra alegado, imperativo se torna declarar, em respeito à norma constitucional (art. 374 da C.R.P) e regime processual penal que legitimam o recurso ao meio de prova intercepções telefónicas (art. 187 e segts do C.P.P), a inequívoca nulidade processual de que padece tal meio probatório.
4 - Ora compulsados os autos e mais concretamente os actos e termos processuais documentados relativamente ás operações de intercepções telefónicas, constata-se, por um lado, não terem sido cumpridos os prazos judicialmente fixados para o cumprimento do disposto no artigo 188, nº 1 do C.P.P.
5 - Sintomático da ausência de controlo judicial e rigor na realização do meio de prova, é o lapso de tempo que medeia a gravação das intercepções e o despacho que ordena a transcrição das mesmas, assim, verifica-se tal circunstância nos alvos: 22523-1/2, correspondente ao número 01, alvo 22783-1/2, correspondente ao número 02, alvo 1 B 178-1/2, correspondente ao número 03, alvo 23688, correspondente ao número 04, alvo 1 B 522-1, correspondente ao número 05, conforme se descriminou na motivação acima referida.
6 - Desta feita, a concorrer para os vícios já acima detectados de que enfermam as intercepções telefónicas e respectivas transcrições - cabal violação do n.º 3 do art. 188 do C.P.P, verifica-se a nulidade daquelas, decorrente da violação do princípio da imediatividade e do disposto no artigo 188, n.º 1 do C.P.P.
7 - Assim, as mesmas devem ser consideradas nulas como meio de prova, visto o disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º, todos do CPP e 32.º, n.º 6 e 8 da CRP com a consequência do artigo 120.º, do C.P.P».

Admitidos os recursos, respondeu o Ministério Público, concluindo do seguinte modo:
«- Porque se observaram as formalidades prescritas pelo Código de Processo Penal, designadamente no art.º 188, e porque não foram violados os requisitos e condições estabelecidas pela lei, não estão as escutas telefónicas feridas de qualquer vício.
- Decidiu bem a senhora juíza de instrução ao considerar não verificada a nulidade arguida.
- E porque não houve violação de lei, deve o recurso improceder».

Foi mantido o despacho recorrido - remetendo-se para os respectivos fundamentos - após o que subiram os autos a este Tribunal, onde o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os recursos devem ser julgados improcedentes, remetendo para a resposta do MP em primeira instância. Cumprido o art. 417.º, n.º 2 do CPP, respondeu apenas o arguido C.........., pugnando pela procedência do seu recurso.
Proferido despacho preliminar e obtidos os necessários vistos, foram os autos à conferência, cumprindo decidir.

***
II - FUNDAMENTAÇÃO:
1. Conforme Jurisprudência uniforme nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações que delimitam e fixam o objecto dos recursos, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso.
Assim, é esta a única questão a decidir no caso sub-judice: as escutas telefónicas de que foram alvo os recorrentes são nulas e, consequentemente, não podem ser utilizadas como meio de prova?

2. O despacho recorrido:
«A presente Instrução deve-se à reacção, de quatro dos oito arguidos, à acusação de fls. 1802 a 1833, sendo certo que nos seus Requerimentos de Abertura de Instrução todos eles argúem a nulidade das "escutas telefónicas" quer por falta da legal fundamentação que lhes deve estar subjacente, quer por violação da legalmente consagrada "imediação", quer ainda pela "passividade" do Juiz que as autorizou e acompanhou e de cujos despachos não decorre qualquer actividade que permita concluir que não se limitou aceitar e ratificar tudo o que a Polícia Judiciária lhe foi sugerindo.
Ponderadas todas as "alegações" aduzidas nos três Requerimentos de Abertura de Instrução, não posso deixar de concluir que, em termos gerais e abstractos, estão correctas, e que sendo a "escuta" um meio de investigação excepcional, se devia apenas autorizar reunidos que estivessem todos os requisitos legais, e ainda assim ponderar entre os interesses da investigação e o "atropelamento/ingerência dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas.
A intercepção telefónica está condicionada a despacho judicial fundamentado que, atendendo aos limites da proporcionalidade e da necessidade, autoriza as escutas, sempre com a condição de a diligência se revelar de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (art. 187º do Código de Processo Penal).
Conjugando os artºs 187º e 188º do Código de Processo Penal, constata-se que estes normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judicial e "sistema de catálogo", em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que, pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação, ou que, pela gravidade dos interesses em jogo, podem justificar a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de "danosidade social" (vd. Manuel da Costa Andrade, in "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", C.ª 1992, pág. 272, 275, 281, 283 e 285).
Por outro lado, a C.R.P., no seu art. 34°, estabelece "limites" ao sigilo de correspondência e nas telecomunicações, mas apenas nos casos previstos na lei em matéria de Processo Penal, admitindo, assim, a limitação do direito fundamental apenas naqueles casos previstos nos artºs 187º a 190.º do Código de Processo Penal e Lei n.º 5/02, de 11/1, entre outros diplomas avulsos.
Porque a ingerência pelas autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações só é constitucionalmente admissível no quadro de uma previsão legal atinente ao Processo Penal, uma vez que constitui um limite ao direito fundamental consagrado, a escuta telefónica estará sempre sujeita ao princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18º, n.º 2 da C.R.P., garantindo que a restrição daquele direito se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um crime concreto e punição do seu agente.
A lei portuguesa exige expressamente que haja razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, ou seja, a lei exige, não um mero interesse para a descoberta da verdade ou para aprova, mas, que esse interesse seja grande, não sendo legítimo ordenar escutas telefónicas nos casos em que os resultados probatórios pretendidos possam, sem dificuldades particulares acrescidas, ser alcançados por meios mais benignos de afronta aos direitos fundamentais (vd. Prof. Germano M. da Silva, in Curso de Proc. Penal - Tomo II, pág. 201, 202, e Costa Andrade in, ob. cit. p. 291).
Porém, extrapolando agora do geral e abstracto para o particular e concreto, forçoso se torna concluir que a prática dos nossos tribunais, respeitando embora os princípios gerais, se rege por uma interpretação mais "extensiva" do teor dos normativos atinentes a esta matéria do que, segundo creio, eles permitem. Contudo, a "corrente que segue uma interpretação correcta, a meu ver, de tais normativos é tida por aqueles como "restritiva" e é, sem sombra de dúvida, ainda minoritária, tanto assim que as escutas proliferam hoje no "mundo" da investigação criminal, não como meio excepcional de investigação, mas como meio privilegiado dela, sendo certo que a legislação ainda não se alterou e que a jurisprudência se encontra muito dividida em qualquer dos ângulos pelos quais se analise a questão, seja o da necessária fundamentação, seja o da devida imediação, seja mesmo o do exigível acompanhamento e controlo do JIC.
É certo que os presentes autos se "iniciaram", em termos de investigação, pelo recurso imediato às "escutas" aceitando-se como suficiente a informação policial de fls. 2 que "abre" o processo, autorizando-se judicialmente, desde logo, as "escutas" que se iniciaram em 15/04/03, (fls. 12) e cujo acompanhamento coube ao 2° Juízo A deste tribunal.
Também é certo que, se compulsarmos todo o processado, constatamos que todas as intercepções telefónicas, ordens de transcrição, e respectiva validação bem como ordens de destruição dos CD's, cujo conteúdo não se revelou de interesse, de acordo com a informação policial, se encontram judicialmente autorizadas e há alguns dias (não muitos, por via de regra 2 ou 3 e, num outro caso, 5) de diferença entre a data em que os CD's foram entregues ao JIC e a data em que ele profere despacho de apreciação dos mesmos, sendo certo que nesta parte alguns dos Requerimentos de Abertura de Instrução quando descriminam os dias de diferença entre o ordenado pelo despacho que autorizou a escuta (regra geral doze dias e um único caso de dez dias) e a data em que os CD's chegaram ao JIC, referem a segunda data e não aquela em que efectivamente tal aconteceu, havendo assim, e manifestamente visível, um não cumprimento dos tais doze ou dez dias mas não tão elevado como afirmam os requerentes. Por outro lado, e sendo embora certo que de todos os despachos judiciais que autorizaram as escutas neste processo (com excepção do primeiro porque proferido no período de férias da Páscoa por outro magistrado que não o “titular” do processo nessa matéria), consta que "logo que as gravações atinjam 3 horas ou quando não atinjam tal tempo, no período máximo de doze (ou dez) dias" devem os CD's ser-lhe presentes, tal incumprimento parece-me não poder, sem mais, ser considerado como prazo peremptório, porquanto, não estando legalmente estabelecido e sendo vasta e diferente a jurisprudência nessa matéria, apenas se deverá entender como indicativo, até porque do texto não consta qualquer cominação para o seu não cumprimento, sendo ainda certo que a favor deste entendimento se deve atentar que o próprio Juiz que assim determinou nunca "sancionou" e/ou de qualquer forma se manifestou acerca de tal "incumprimento".
Questão diferente será a de apreciar e concluir se, seja naquele prazo de doze ou dez dias, seja no prazo em que efectivamente os CD's foram entregues, se poderá dizer ter-se respeitado a imediação e controlo judiciais devidos.
Porém, se quanto à imediação não há unanimidade jurisprudencial, o mesmo se dirá relativamente ao exigível controlo judicial e nestes autos, em concreto, a resposta absoluta só poderia ser dada pelo ilustre colega que acompanhou esta matéria, presumindo eu, como não poderia deixar de presumir, que assim terá sido feito, "lançando mão" de uma interpretação bastante mais extensiva dos normativos respectivos do que aquela que tenho para mim e que pratico, mas ainda assim aceitável e razoável, tanto mais que é a mais visível na prática jurídica em geral.
Antes de concluir, não posso deixar de referir que também a mim, e em período de férias judiciais quando em serviço de turno (em 30/07/03), me foram os autos conclusos para ordenar a destruição de 2 CD's que continham um total de 1179 sessões sem qualquer interesse e apesar disso se requeriam mais umas quantas "escutas", tomei a posição constante de fls. 59, que aqui dou por integralmente reproduzida, na qual não só nada mais autorizo porquanto, se, em quase cerca de 1200 sessões nada havia de interesse, para mim e de acordo com a posição dita "restritiva" que tenho nesta matéria, tal era o suficiente para concluir por uma manifesta falta de fundamentação que permitisse a continuação do "atropelo/ingerência à vida privada e aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas, como e para além disso, não atribuí ao processo o carácter de urgência que lhe permitisse a tramitação processual em férias, de acordo com o art. 103º, do Código de Processo Penal. Porém, e poucos dias volvidos, de nada serviu aquele meu despacho, já que logo, em 20/08/03, outro colega, após promoção do Ministério Público e sem que se manifestasse e/ou justificasse a "urgência" dos autos, autorizou novas escutas, fazendo "letra morta" do meu despacho de fls. 59. Este é o panorama dos nossos tribunais nesta matéria.
Apesar de tudo, e como atrás referi, mau grado não ser a posição sufragada, entendo que, formalmente e dentro do que a jurisprudência vem aceitando, as escutas telefónicas neste processo não podem, pelo menos desde já, ser consideradas nulas, aceitando-se, assim, as posições mais "extensivas" na matéria e, ainda, em conformidade com as doutas alegações da Senhora Procuradora da Republica a este respeito, pelo que se conclui não se verificarem as arguidas nulidades.
Notifique.»

3. Relativamente às escutas cuja nulidade vem invocada, resulta dos autos o seguinte:
a) Quanto ao recorrente B..........:
1. Na sequência de promoção do Ministério Público (de 18 de Agosto de 2003), em 20 de Agosto de 2003, é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 06 - (fls. 22), pelo prazo de 90 dias.
Iniciou-se a intercepção em 25/8/2003 (fls. 23).
Em 12/09/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 25/8/03 a 11/9/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 20880-1.
Em 18/9/03 foram as escutas apresentadas ao JIC, com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho a ordenar a transcrição respectiva (fls. 31);
2. Em 30/09/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 12/9/03 a 30/9/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 20880-2 (fls. 36).
Em 8/10/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 1/10/03 a 7/10/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 20880-3 (fls. 44).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 10/10/03, quanto ao CDR 20880-2 e em 15/10/03, quanto ao CDR 20880-3), em 17/10/03 foram as escutas apresentadas ao JIC, com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho a ordenar a transcrição respectiva;
3. Em 22/10/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 8/10/03 a 21/10/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 20880-4 (fls. 54).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 27/10/03), em 05/11/03 foram as escutas apresentadas ao JIC, com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho a ordenar a transcrição respectiva;
4. Em 04/12/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 18/11/03 a 25/11/03, tendo sido as respectivas conversações efectuadas pelo B.......... através do telefone com o IMEI 3503....., usando o número 07 (escuta autorizada, por despacho judicial de 8/09/2003 - fls. 26 - por 90 dias), registadas no CDR 21090-5 (fls. 82).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 12/12/03), em 16/12/03 (fls. 92) foram as escutas apresentadas ao JIC (ao todo 18 CD’s), com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, em 17/12/03, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 93);
5. Na sequência de nova autorização judicial concedida, por 90 dias, mediante despacho de 2/12/03 (fls. 77), iniciaram-se novas escutas em 9/12/03 (fls. 86).
Em 05/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 9/12/03 a 20/12/03 (ao mesmo telefone usando o número 07), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B004-1 (fls. 99).
No mesmo dia 05/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 20/12/03 a 27/12/03 (ao mesmo número 07), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B004-2 - sem interesse para a prova (fls. 100).
No dia 06/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 01/01/04 a 05/01/04 (ao mesmo número 07), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B004-3 (fls. 104).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 20/01/04), em 20/01/04 foram as escutas apresentadas ao JIC (ao todo 9 CD’s), com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, com data de 26/01/04, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 108) e destruição dos sem interesse;
6. No dia 26/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 05/01/04 a 25/01/04 (ao mesmo número 07), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B004-4 (fls. 110).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 28/01/04), em 03/02/04 (fls. 115) foram as escutas apresentadas ao JIC (ao todo 13 CD’s), com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, em 6/02/04, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 116);
7. No dia 12/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 20/01/04 a 09/02/04 (ao mesmo número 07), tendo sido as respectivas conversações - do B.......... - registadas no CDR 1B004-5 (fls. 122).
No mesmo dia 12/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 09/02/04 a 11/02/04 (ao telefone com o IMEI 3503..., associado ao número 06), tendo sido as respectivas conversações - da “D..........”, companheira do B.......... - registadas no CDR 1B004-6 - consideradas sem interesse (fls. 123).
Ainda no dia 12/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 09/02/04 a 11/02/04 (telefone com o IMEI 3503..., associado ao mesmo número 07), tendo sido as respectivas conversações - da “D..........”, companheira do B.......... - registadas no CDR 1B004-7 - consideradas sem interesse (fls. 124).

Após promoção nesse sentido pelo MP (de 16/02/04), em 17/02/04 (fls. 133) foram as escutas apresentadas ao JIC (ao todo 25 CD’s), com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, com data de 26/02/04 (conclusão aberta a 19/2/04), a ordenar a transcrição respectiva (fls. 134) e destruição das sem interesse para a prova;
8. No dia 26/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 18/02/04 a 25/02/04 (ao telefone com número 06), tendo sido as respectivas conversações - do arguido B.......... - registadas no CDR 20880-7 (fls. 138).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 03/03/04), em 05/03/04 (fls. 145) foram as escutas apresentadas ao JIC (ao todo 20 CD’s), com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, em 11/03/04, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 146).

b) Quanto ao recorrente C..........:
1. Na sequência de promoção do Ministério Público (de 17 de Setembro de 2003), em 18 de Setembro de 2003 é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 01 - (fls. 30), pelo prazo de 90 dias.
Iniciou-se a intercepção em 22/09/2003 (fls. 33).
Em 30/09/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 22/09/03 a 30/09/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 22523-1 - algumas com interesse para a prova.
Em 08/10/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 01/10/03 a 07/10/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 22523-2 - algumas com interesse para a prova.
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 15/10/03), em 17/10/03 (fls. 50) foram as escutas apresentadas ao JIC, com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho a ordenar a transcrição respectiva (fls. 57);
2. Na sequência de promoção do Ministério Público, em 05 de Novembro de 2003 é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 02 - (fls. 57), pelo prazo de 90 dias.
Iniciou-se a intercepção em 07/11/2003 (fls. 67).
Em 18/11/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 07/11/03 a 17/11/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 22783-1 - algumas com interesse para a prova (fls. 74).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 26/11/03), em 02/12/03 foram as escutas apresentadas ao JIC, com a sugestão de transcrição de algumas das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho a ordenar a transcrição respectiva (fls. 77);
3. Em 04/12/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 18/11/03 a 30/11/03 (mesmo telefone 02), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 22783-2 - algumas com interesse para a prova (fls. 85).
Em 10/12/2003 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 01/12/03 a 06/12/03 (mesmo telefone 02), tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 22783-3 - consideradas sem interesse para a prova (fls. 89).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 12/12/03), em 16/12/03 (fls. 92) foram as escutas apresentadas ao JIC (em 18 CD’s), com a sugestão de transcrição das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho com data de 19/12/03 (conclusão aberta a 17/12/03), a ordenar a transcrição respectiva (fls. 93) e destruição das que não interessavam;
4. Na sequência de promoção do Ministério Público, em 16 de Dezembro de 2003 é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 03 - (fls. 92), pelo prazo de 90 dias.
Iniciou-se a intercepção em 18/12/2003 (fls. 96).
Em 05/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 18/12/03 a 30/12/03, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B178-1 - consideradas sem interesse para a prova (fls. 101).
Em 06/01/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 30/12/03 a 05/01/04, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B178-2 - algumas com interesse para a prova (fls. 105).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 20/01/04), em 20/01/04 (fls. 108) foram as escutas apresentadas ao JIC (nove CD’s), com a sugestão de transcrição das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, com data de 26/01/04, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 108), bem como a destruição das sem interesse;
5. Na sequência de promoção do Ministério Público, em 03 de Fevereiro de 2004 é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 04 - (fls. 115), pelo prazo de 60 dias.
Iniciou-se a intercepção em 06/02/2004 (fls. 118).
Em 12/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 06/02/04 a 11/02/04, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 23688-1 - consideradas com interesse para a prova (fls. 128).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 16/02/04), em 17/02/04 (fls. 133) foram as escutas apresentadas ao JIC (25 CD’s), com a sugestão de transcrição das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, com data de 26/02/04 (conclusão aberta a 19/02/04), a ordenar a transcrição respectiva (fls. 108), bem como a destruição das sem interesse;
6. Em 26/02/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 12/02/04 a 25/02/04, tendo sido as respectivas conversações (do mesmo telefone 04) registadas no CDR 23688-2 - consideradas com interesse para a prova (fls. 128).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 03/03/04), em 05/03/04 (fls. 145) foram as escutas apresentadas ao JIC (20 CD’s), com a sugestão de transcrição das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho, com data de 11/03/04, a ordenar a transcrição respectiva (fls. 146), bem como a destruição das sem interesse;
7. Na sequência de promoção do Ministério Público, em 05 de Março de 2004 é proferida decisão judicial que autoriza a intercepção e gravação das conversações de e para o telemóvel com o número 05 - (fls. 145), pelo prazo de 60 dias.
Iniciou-se a intercepção em 09/03/2004 (fls. 148).
Em 17/03/2004 é elaborado auto de gravação, referente ao período de 09/03/04 a 16/03/04, tendo sido as respectivas conversações registadas no CDR 1B522-1 - consideradas com interesse para a prova (fls. 154).
Após promoção nesse sentido pelo MP (de 23/03/04), em 29/03/04 (fls. 159) foram as escutas apresentadas ao JIC (7 CD’s), com a sugestão de transcrição das sessões que continham elementos susceptíveis de serem utilizados como meio de prova, tendo sido proferido despacho - desconhece-se se com a mesma data ou se em data posterior, porque incompleta a certidão extraída, a qual não contém a parte final do referido despacho, tratando-se, porém, de elemento não relevante para a decisão - a ordenar a transcrição respectiva, bem como a destruição das sem interesse;

c) No despacho judicial em que se autorizava a intercepção e gravação da conversação telefónica, após fixar o respectivo prazo, o Juiz de Instrução fez constar sempre o seguinte: «No entanto, desde que as gravações realizadas atinjam três horas, ou quando não atinjam tal tempo de gravação no período máximo de doze dias, devem ser presentes, ou desde logo quando no interesse imediato para diligência de prova», havendo uma situação em que aquele prazo de doze dias foi reduzido para dez dias - despacho de 17/2/04, a fls. 133.

4. Quid juris?
Os pressupostos de admissibilidade das escutas - intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas -, são os seguintes (art. 187.º, do Código de Processo Penal):
Só podem ser ordenadas ou autorizadas por um juiz;
Visando a investigação de determinado tipo de crimes (os chamados “crimes da tabela”), entre os quais se encontra o crime de tráfico de estupefacientes;
Desde que haja razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

A não verificação de algum dos mencionados requisitos impede que as conversações ilicitamente interceptadas e gravadas possam ser valoradas como meio de prova, tornando-as em meio proibido de prova (art. 32.º, n.º 8, da CRP, 118.º, n.º 3 e 126.º, n.º 3, do CPP), estando as mesmas feridas de nulidade insuprível [“Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular - art. 126.º, n.º 3, do CPP, que tem como epígrafe “métodos proibidos de prova”.].
Verificam-se, no presente caso, os mencionados pressupostos de admissibilidade das escutas, que foram sempre autorizadas por juiz, para investigação de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido invocado, nos respectivos despachos judiciais de autorização, o seu manifesto interesse para a obtenção de prova relativamente ao crime investigado.

Mas não é por essa via que os recorrentes atacam a validade das escutas efectuadas aos respectivos telefones, mas sim por não terem sido cumpridas as formalidades estabelecidas no art. 188.º, do CPP - cujo n.º 1 tem a redacção introduzida pelo DL n.º 320-C/2000, de 15/12 -, o qual dispõe:
«1 - Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, com a indicação das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
2 - O disposto no número anterior não impede que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
3 - Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, o juiz pode ser coadjuvado, quando entender conveniente, por órgão de polícia criminal, podendo nomear, se necessário, intérprete. À transcrição aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 101.º, n.os 2 e 3.º
5 - O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto de transcrição a que se refere o n.º 3 para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos.»

Conhecedores de posições diversas sobre este assunto, nomeadamente na doutrina [Vd. por exemplo, Prof. Germano Marques da Silva, o qual entende que, dispondo a lei que as condições de admissibilidade e os requisitos das escutas são estabelecidos sob pena de nulidade, deve entender-se que a sua inobservância acarreta a proibição de prova, imposta pelo art.º 32º n.º 8 da Constituição e 126º do Código Processo Penal. Daí que, para esse autor, quer a violação das condições de admissibilidade, art.º 187º Código Processo Penal, quer o desrespeito das formalidades das operações, art.º 188º desencadeiam proibição de prova.], somos de opinião - acompanhando a jurisprudência dominante no nosso mais alto Tribunal - que o desrespeito das aludidas formalidades do art. 188.º, acarreta nulidade sanável, sujeita ao regime de arguição a que se referem os artºs 120º e 121º, do Código Processo Penal [Vd. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.1.2001, CJ STJ, Tomo I/2001 pág. 210-216; e ainda: Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 13º ed. pág. 437; Simas Santos e Leal-Henriques, “Código de Processo Penal Anotado”, 1º vol. pág. 721.].
Nulidade que foi arguida pelos recorrentes, faltando apenas saber se a mesma se verifica ou não.
Duas razões foram invocadas para a verificação da arguida nulidade:
a) as “escutas” não foram imediatamente apresentadas ao juiz de instrução, tendo sido violados os prazos judicialmente fixados para o cumprimento do art. 188.º, n.º 1, do CPP;
b) não procedeu o juiz a uma criteriosa avaliação do interesse das mesmas “escutas”, com base na sua audição, tendo ordenado a respectiva transcrição das intercepções relevantes para os autos apenas com base na informação do órgão de polícia criminal (violação do art. 188.º, n.º 3, do CPP).

Mas, não procedem tais argumentos:
a) A questão da interpretação da expressão “é imediatamente levado ao conhecimento do juiz” ínsita no n.º 1 do art. 188.º não é nova, tendo-se pronunciado sobre ela o Tribunal Constitucional em diversas ocasiões, nomeadamente:
- no Acórdão n.º 407/97, de 21 de Maio, em que decidiu «julgar inconstitucional, por violação do disposto n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Penal quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas»;
- no Acórdão n.º 347/2001, de 10 de Julho, em que se trouxe também à colação a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre a problemática das escutas telefónicas, escreveu-se que «"cobrir" situações como a de o auto de transcrição ser apresentado ao juiz meses depois de efectuadas a intercepção e gravação das comunicações telefónicas, mesmo tendo em conta a gravidade do crime investigado e a necessidade daquele meio de obtenção de prova, restringe despropositadamente o direito à inviolabilidade de um meio de comunicação privada e faculta uma ingerência neste meio para além do que se considera ser constitucionalmente admissível.
Ficar no desconhecimento do juiz, durante tal lapso de tempo, o teor das comunicações interceptadas, significa o desacompanhamento próximo e o controlo judiciais do modo como a escuta se desenvolve.
[. ..]
Por outro lado, autorizar novos períodos de escuta, a mero requerimento do Ministério Público, sem que a autorização seja precedida do conhecimento judicial do resultado da intercepção anterior, continua a significar a mesma ausência de acompanhamento e de controlo por parte do juiz»;
- no Acórdão n.º 528/2003, de 31 de Outubro - que para aqueles dois primeiros remeteu -, salientando a evolução da jurisprudência mais recente do TEDH, considerou o Tribunal Constitucional igualmente inconstitucional a interpretação do mesmo normativo, mas na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, numa situação que «os autos de intercepção e gravação de conversações telefónicas que tinham sido entretanto autorizadas só foram levados ao conhecimento do juiz que as ordenou 38 dias depois de elas terem tido início», na medida em que tal prática «colide frontalmente com os interesses que se pretendem acautelar com aquela exigência, na medida em que impede o seu acompanhamento próximo pelo juiz» [Jurisprudência que pode ser consultada em www.tribunalconstitucional.pt.];
- no Acórdão n.º 379/2004, de 1 de Junho, mediante o qual, reiterando a validade da mesma doutrina para o caso em discussão, considerou inconstitucional a mesma norma - quer na redacção anterior quer posterior ao mencionado DL 320-C/2000 -, «quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução controle e tome conhecimento do conteúdo das conversações, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição», bem como a mesma norma, «na interpretação segundo a qual a primeira audição da gravação das escutas telefónicas pelo juiz de instrução pode ocorrer durante o aludido segundo período de prorrogação, mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas» [In DR, II série, de 21/7/2004].
A situação fáctica do caso dos presentes autos é muito diversa das relatadas naqueles arestos.
Desde logo, deixando transparecer uma saudável preocupação de observância da doutrina exposta do Tribunal Constitucional, o juiz de instrução que autorizou as escutas fixou sempre um prazo curto para apresentação, faseada, das gravações que iam sendo feitas durante o prazo concedido. Ou seja, apesar de concedido prazo de 90 dias (na maioria dos casos) ou de 60 dias, foi fixado o prazo de 12 dias (10 dias num caso), para apresentação das gravações, ou logo que atingissem 3 horas de gravação, “ou desde logo quando no interesse imediato para diligência de prova”.
É certo que este prazo de 12 dias ou 10 dias não foi rigorosamente cumprido, não resultando dos autos se foi cumprida a exigência das três horas de gravação. Trata-se, porém, de prazo ordenador, não imperativo, para o qual não foi estabelecida qualquer sanção e que estava na disponibilidade do respectivo juiz ressalvar ou não, consoante as circunstâncias, podendo levar - a comprovar-se uma eventual violação, dolosa ou por negligência grosseira, de deveres funcionais - a eventual responsabilidade disciplinar. O que não pode é extrapolar-se e retirar da não observância estrita do aludido prazo judicial a consequência que a lei faz depender de diferentes pressupostos - nulidade das escutas - quando a própria lei não fixou, de forma rígida, qualquer prazo.
Assim como não é admissível que se interprete a expressão legal “imediatamente” como significando “logo que possível” - dado os valores e direitos fundamentais postos em causa com a efectivação das escutas -, também não é exigível nem pensável que o juiz que ordena as escutas esteja, com carácter de permanência, disponível para, de imediato - no instante que se segue - ouvir cada conversação que acabou de ter lugar, pois as tarefas do juiz não se resumem a ouvir escutas, sem esquecermos que, simultaneamente, ocorrem imensas escutas, em vários processos e até no mesmo processo, como é o caso do presente. A não ser que fique um juiz, de sentinela, junto de cada gravador para ouvir a conversação em tempo real.
Por isso que, deverá aquela expressão ser interpretada no sentido de que devem ser as gravações levadas ao juiz “tão rápido quanto possível” (sem delongas), de molde a que não se prolongue, para além do estritamente necessário, a ofensa aos direitos e liberdades fundamentais de quem está a ser escutado.
O certo é que, no caso sub judice, as gravações foram sempre apresentadas ao JIC em prazo muito curto.
Quer as efectuadas ao B.......... (telefones 06 e 07 - IMEI 3503...), quer as efectuadas ao C.......... (demais telefones acima identificados), durante o prazo global de cada período - pois quanto a alguns telefones houve prorrogações - fixado para as escutas, foram lavrados, periodicamente, sucessivos autos de intercepção e gravação, que após promoção do Ministério Público, eram levados ao juiz, juntamente com os respectivos CD’s, que posteriormente tomava posição quanto à sugerida transcrição e destruição.
Não vamos aqui mais uma vez discriminar cada uma das operações, relativas a cada escuta e a cada auto de gravação, porque suficientemente clara, a esse respeito, a exposição feita supra, para a qual se remete, daquele elenco se extraindo uma conclusão: houve um efectivo controle do juiz de instrução, relativamente às escutas que iam sendo feitas, controle esse que teve lugar várias vezes durante e ao longo do período de intercepção, em circunstância alguma havendo um prazo suficientemente dilatado que permita a ilação de que estiveram as mesmas a correr sem aquele tempestivo controle. É certo que a passagem, em primeiro lugar, das escutas pelo Ministério obrigaram a que o tempo que mediou entre o lavrar dos autos de gravação e a sua apresentação ao juiz fosse mais dilatado (alguns dias) do que seria caso fossem levados os respectivos suportes directamente ao magistrado judicial, como a lei, aliás, manda.
Só que, como se escreveu em acórdão desta mesma Relação [Proferido no Proc. n.º 4816/04, desta 2.ª secção Criminal (relator: Des. António Gama)], «pretender que seja só o juiz de instrução quem discricionariamente selecciona os elementos probatórios resultantes das escutas, negando ao Ministério Público a possibilidade de sequer indicar as passagens relevantes para a prova é esquecer a matriz do nosso processo penal. A intervenção do juiz na fase de inquérito do actual processo penal caracteriza-se pela tutela das liberdades alheando-se da actividade investigativa. Por outro lado, o Ministério Público, como titular da acção penal, a quem incumbe acusar e sustentar a acusação, não pode ficar alheado da escolha do material das escutas, já que, em última análise é, em sede de inquérito, o responsável por carrear para os autos a prova relativa aos factos em investigação. A intervenção do juiz visa fundamentalmente a tutela dos direitos e liberdades individuais».
Com se pode constatar dos autos, eram vários os telefones sob escuta, originando vários CD’s em poucos dias. Obviamente que não podia a pessoa encarregue da investigação estar, em permanência, a controlar todas as escutas, trabalho que é realizado por vários operadores. A pessoa encarregue da investigação, para poder coadjuvar o juiz na escolha das conversações com interesse e das que não têm interesse para a prova, precisa de ouvir o conteúdo das gravações, o que leva necessariamente tempo, em função do número de conversações em causa e do tempo de cada uma delas. Após, o MP, entidade responsável pelo inquérito e que dirige a investigação, para emitir opinião quanto às gravações que interessam para a recolha da prova, necessariamente perde também algum tempo a ouvi-las. O mesmo se diga relativamente ao JIC que, com o seu poder decisório, para tomar posição quanto ao destino das escutas, terá também de tomar conhecimento do respectivo conteúdo. Tudo isto pressupõe um prazo razoável. Agora imagine-se aquelas situações, como algumas verificadas neste processo, em que foram apresentados 18 CD’s (fls. 92), 9 CD’s (fls. 108), 13 CD’s (fls. 115), 25 CD’s (fls. 133) ou 20 CD’s (fls. 145).
Do exposto se conclui que, o modo de operar supra descrito satisfaz a exigência legal, inserta no art. 188.º, n.º 1, do CPP, inexistindo a invocada nulidade.

c) O outro fundamento do recurso é que não procedeu o juiz a uma criteriosa avaliação do interesse das mesmas “escutas”, com base na sua audição, tendo ordenado a respectiva transcrição das intercepções relevantes para os autos apenas com base na informação do órgão de polícia criminal.
Esta conclusão dos recorrentes é no mínimo precipitada e não fundamentada. Trata-se de mera conclusão extraída dos seus receios mas que não tem qualquer apoio nos dados que se extraem do processo. É que estes apontam precisamente no sentido contrário.
As formalidades impostas no art. 188.º, do CPP, foram respeitadas.
De cada conjunto de gravações - abrangendo alguns dias - foi lavrado auto de intercepção e gravação, nele se fazendo constar, resumidamente, as conversações que, na perspectiva da investigação, tinham interesse para a prova e as que não o tinham. Apresentado o processo ao MP, após análise deste era promovida a transcrição daquelas escutas com relevo e a destruição das demais. Apresentado o processo e os CD’s que constituíam o suporte das escutas, o juiz decidia então, ordenando nuns casos a transcrição noutros a destruição, conforme o interesse revelado para a prova.
É este o procedimento que resulta do regime legal.
Quanto à invocada não audição dos CD’s, é dedutível dos autos que foram ouvidos. Só tal atitude justifica que, naqueles casos em que estava em causa um maior número de CD’s e consequentemente de escutas, tenham aqueles sido apresentados ao JIC em determinada data, ficando na sua posse vários dias, com a ordem de que deveria posteriormente ser aberta nova conclusão, acabando por proferir despacho tomando aquela posição de transcrição ou de destruição vários dias após a apresentação dos CD’s.
São os casos já assinalados supra, de fls. 92, 108, 115, 133 e 145, nomeadamente. São precisamente aqueles casos que os recorrentes invocam, como tendo decorrido muito tempo desde o lavrar do auto de gravação até à tomada de posição do juiz quanto ao interesse das escutas, tendo omitido que entretanto os CD’s já haviam sido entregues a este magistrado cerca de oito dias antes do respectivo despacho.
Alegação que acaba até por ser algo contraditória, na medida em que, por um lado, alega-se que decorreu demasiado tempo entre aqueles dois actos (de gravação e controle pelo juiz) - fundamento da invocada nulidade do n.º 1 do art. 188.º -, por outro, que o JIC não dispôs do tempo necessário para efectiva audição das escutas, tendo-se limitado a seguir a sugestão do órgão de polícia criminal - fundamento também para nulidade, desta vez por violação do n.º 3 do mesmo artigo.
Alegação esta que não corresponde à realidade dos autos.
Razão por que improcedem os recursos de ambos os recorrentes.
*****
III - DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, negando-se provimento aos recursos interpostos pelos arguidos B.......... e C.........., confirma-se o despacho recorrido
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em cinco (5) UC’s, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.

Porto, 25 de Maio de 2005
José do Nascimento Adriano
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins