RECURSO
PRAZO
Sumário

A norma do n.6 do artigo 698 do Código de Processo Civil não tem aplicação no processo penal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação do Porto:

I - Relatório:

I - 1.) Inconformado com a sentença proferida no Proc. n.º .../98.9GBGDM, do ...º Juízo Criminal de Gondomar (comum, com a intervenção do tribunal singular), que para além do mais o condenou pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5 €, ou seja, na multa global de € 400, dela recorreu o arguido B.......... oferecendo as razões de facto e de direito melhor constantes das conclusões apresentadas de fls. 249 verso a 251 verso, que aqui se dão por reproduzidas.

Coube resposta da assistente C.......... e da Digna magistrada do Ministério Público junto daquele tribunal.

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I - 2.) Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr Procurador-Geral-Adjunto, na vista que lhe coube for força do preceituado no art. 416.º, do Cód. Proc. Penal, suscitou porém, como questão prévia, a extemporaneidade do recurso apresentado e sua consequente rejeição.
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O recorrente sustentou, por seu turno, a respectiva tempestividade, invocando para o efeito, o preceituado no art. 698.º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil.
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Cumpre então apreciar e decidir esta questão, que se apresenta como potencialmente impeditiva do conhecimento de mérito.

II - 1.) Em termos de factualidade com interesse para a sua resolução, importa reter, sem que tal suscite controvérsia por parte do recorrente, que a decisão agora posta em crise foi proferida e depositada no dia 26 de Janeiro de 2004, e que o arguido esteve presente à sua leitura.
Ora de harmonia com o preceituado no art. 411.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, sendo de 15 dias o prazo para a interposição de recurso penal, significa isso que devendo o mesmo ser contado a partir do mencionado depósito, tal prazo terminaria, em termos normais, no dia 10 de Fevereiro.
E dizemos normais, porque tal como pacificamente se aceita, e independentemente de justo impedimento, era ainda possível um acréscimo de três dias, nos termos do art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do Cód. Proc. Civil, circunstância que não se mostra em todo o caso invocada, mas que permitiria deslocar o final do prazo para o dia 13 do mesmo mês.

No dia 6 de Fevereiro de 2004, o arguido solicitou a entrega de cópia das cassetes onde a prova produzida em audiência estava gravada, o que foi despachado e satisfeito no mesmo dia (cfr. fls. 238 a 240).

O recurso vem a ser interposto a 16 do mesmo mês e ano, foi admitido, surgindo apenas a invocação do referido art. 698.º, n.º 6, do Cód. Proc. Civil, na sequência do cumprimento do normativado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.

Quid Juris?

Preceitua o preceito em causa, que:

“Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”.

Estes prazos a que se faz menção, dizem respeito às alegações, respostas, novas alegações, ampliações do objecto de recurso e demais faculdades que caracterizam o actual regime dos recursos naquela jurisdição.
Embora em abstracto seja fácil descortinar a razão de ser que preside ao acrescento legal do prazo que a referida norma visa proporcionar, e porque não dizê-lo, um paralelismo de situações entre a adjectivação dos recursos que o pudesse justificar, bastará ler os n.º 2 a 5 do indicado preceito para se chegar à conclusão que a “analogia” termina aí, já que o regime contemplado no processo civil nada tem a ver com o que se mostra desenhado para o processo penal.
Os prazos estão reduzidos a metade, não há ampliações, nem novas alegações para responder a quem em último lugar se mostre a apelar.

Porém como é sabido, essencial para que a referida norma possa ser importada, é a necessidade de se concluir primeiro, que existe uma omissão que careça de ser integrada pela forma indicada (art. 4.º do Cód. Proc. Penal).

É neste ponto que se patenteia clara divisão Jurisprudencial, embora possam ser detectadas nas diversas Relações, excepção feita à de Évora, o respectivo sentido decisório prevalecente.
Na do Porto, e sobretudo na presente Secção, aquela é claramente negativa quanto à possibilidade dessa prorrogação (cfr. entre os mais recentes, o Ac. de 29/10/2003, na CJ, Ano XXVIII, Tomo IV, pág.ª 217, de 19/05/2004, no Proc. n.º 1062/04 e de 09/06/2004, no Proc. n.º 3165/04, estes últimos sumariados no Boletim n.º 22, desta Relação).

II - 2.) A proposição essencial sobre que assenta tal enunciado, decorre da consideração autónoma e suficiente da regulamentação do Código de Processo Penal no que tange à matéria de recursos.
Como regista Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, Almedina, 11.ª Ed., pág.ª 95, quando se pronuncia sobre a extensão dessa importação regulamentadora do processo civil, a propósito do art. 4.º daquele diploma, “(…) este Código procurou, muito mais que o de 1929, estabelecer uma regulamentação total e autónoma do processo penal, tornando-se mais independente do processo civil. Isto é notório ao longo de todo o Código, e atinge a máxima expressão em matéria de recursos”.

No mesmo sentido, Cunha Rodrigues, nas Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág.ª 384:

“Esta circunstância revela um primeiro princípio orientador: o de conferir ao sistema de recursos uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil. Salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no código de processo civil, os recursos penais passam a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz”.

Ora o prazo de um recurso não é algo de somenos na respectiva regulamentação.
Este postulado ganha ainda mais significado, quando é sabido pela exposição de motivos da Lei 157/VII, que com a promulgação da Lei 59/98, de 25 de Agosto, e de harmonia com preocupações de ordem constitucional, filiadas nas garantias de defesa assegurada pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, se pretendeu com a revisão do Código, na altura operada, estabelecer e assegurar (entre outras finalidades) “um recurso efectivo em matéria de facto”.
É pois nessa perspectiva que o art. 411.º do Cód. Proc. Penal foi alterado, designadamente, aumentando-se o prazo de recurso, pois este, entre outras razões, passou a correr continuamente como em processo civil.

Ora a norma que actualmente figura no n.º 6 do art. 698.º, resultou do DL n.º 39/95, de 15/02, que no processo civil estabeleceu uma regulamentação com iguais propósitos.
Ou seja, o legislador processual penal quando intervêm, sabia e conhecia o modelo e os prazos estabelecidos na jurisdição cível.
Se fosse seu propósito estabelecer também aqui um acréscimo de prazo para aqueles efeitos, ou seja, para o interessado melhor equacionar e fundar o seu recurso de facto, só tinha que copiar ou indicar outro.

Não o fez, pelo que segundo os cânones da melhor interpretação jurídica, deverá ser entendido que não há qualquer lacuna que cumpra integrar com a aplicação subsidiária da norma em questão.

II - 3.) E não se contraponha agora a diminuição das garantias do arguido. A decisão era recorrível, a lei conferia-lhe legitimidade para o efeito (pelo que o direito ao recurso estava salvaguardado), não tendo sido proferido qualquer despacho que lhe tivesse concedido, ainda que com caso julgado formal, tal benefício.
Recorde-se, que nos termos do art. 414.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior.
Assim, o recurso por extemporâneo, é de rejeitar (art.ºs 419.º, n.º 4, al. a), e 420.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Em conformidade:

III - Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, por extemporaneidade, acorda-se em rejeitar o recurso interposto pelo arguido B...........

Pelo seu decaimento, ficará o mesmo condenado, sem prejuízo do apoio judiciário que goza, em 3 (três) UCs (art. 513.º do CPP e 87.º, n.º1, al. b), do CCJ).

Porto, 25 de Maio de 2006
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
José do Nascimento Adriano
Joaquim Rodrigues Dias Cabral