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PERDA DO DIREITO DE RECORRER
Sumário
O arguido que, tendo sido condenado em pena de multa, requereu o pagamento desta em prestações, o que foi deferido, não pode depois recorrer da sentença condenatória, que, com aquele requerimento, aceitou.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção Criminal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO:
Em processo comum que correu termos no ...º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim e perante tribunal singular, o arguido B.......... foi submetido a julgamento e condenado:
- pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, nº 1, al. a) e n.º 3, do Código Penal, na pena de duzentos dias de multa, à razão diária de quatro euros, num total de oitocentos euros;
- pela prática de duas contra-ordenações aos 118.º, n.º 10 e 131.º, n.º 2, do Código da Estrada, na coima de 240,00 euros, resultante do cúmulo jurídico de duas coimas parcelares de 80 euros e 200 euros.
O arguido, através da sua ilustre defensora oficiosa, interpôs recurso da sentença condenatória, pedindo a modificação da decisão em matéria de facto - mais concretamente o ponto 5 dos factos provados, na parte respeitante à autoria dos factos pelo arguido, que este considera não se ter provado -, com a sua consequente absolvição ou, caso se mantenha a condenação, a redução da pena de multa para o mínimo legal de 10 dias.
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.
Nesta instância, aquando da vista a que alude o art. 416º do Cód. Proc. Penal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que o arguido aceitou a decisão condenatória, renunciando ao recurso, pelo que não pode recorrer. Cumprido o art.417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.
Proferido despacho preliminar e perante a questão prévia suscitada pelo MP, após os necessários vistos vieram os autos à conferência, cumprindo decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO:
1. Lida a sentença condenatória em 8 de Julho de 2004 e depositada no dia 12 seguinte, veio posteriormente o arguido, por requerimento de 26 de Julho de 2004 por si subscrito, requerer “o pagamento da multa em prestações, num mínimo de 20, mensais e sucessivas”, juntando documentação vária, comprovativa dos seus rendimentos mensais e das respectivas despesas familiares.
Nada tendo oposto o MP ao pedido de pagamento em prestações, foi proferido o despacho de fls. 160, datado de 20/9/04, deferindo o requerido, por força do qual ficou o arguido autorizado a proceder ao pagamento da multa, no montante de 800 euros, em oito prestações mensais sucessivas de 100 euros cada, com início em 15 de Outubro de 2004.
Porém, em 22 de Setembro de 2004, o arguido interpôs recurso da decisão condenatória.
2. Dispõe o art. 681.º, do CPC, sob a epígrafe “Perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso”:
«1. É lícito às partes renunciar aos recursos; mas a renúncia antecipada só produz efeito se provier de ambas as partes.
2. Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.
3. A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita. A aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.
4. O disposto nos números anteriores não é aplicável ao Ministério Público.
5. O recorrente pode, por simples requerimento, desistir livremente do recurso interposto».
O Código de Processo Penal não contém qualquer disposição que regule a questão da renúncia ao recurso, nem há nele norma que possa ser aplicada por analogia, por isso a lacuna existente em tal matéria deverá ser integrada, conforme prevê o art. 4.º do mesmo diploma, mediante o recurso às «normas de processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal».
É, pois, aplicável o citado art. 681.º do CPC, acima citado, o qual se harmoniza perfeitamente com o processo penal.
Por força de tal normativo, podem as partes renunciar ao recurso. A renúncia pode ser antecipada ou ser posterior à decisão. Quando antecipada, ou seja, quando anterior à prolação da própria decisão de que se poderia recorrer, tem a renúncia de provir de ambas as partes e, segundo a doutrina mais autorizada, tem de ser expressa.
Posteriormente à decisão, qualquer das partes pode, independentemente da outra, renunciar, podendo a renúncia ser expressa ou tácita. Esta última é «a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer».
O arguido, após tomar conhecimento da decisão condenatória, em pena de multa, requereu pessoalmente o pagamento da multa em prestações. O que demonstra vontade inequívoca do arguido em dar cumprimento à decisão condenatória, em pagar a multa, aceitando a condenação que lhe foi imposta, como o montante fixado para a multa. Tal atitude é, sem dúvida, demonstrativa da aceitação da decisão por parte do arguido. É incompatível com a vontade de recorrer. Quem discorda duma decisão e dela quer recorrer, não pratica actos judiciais com vista ao cumprimento dessa mesma decisão. São atitudes inconciliáveis. É de concluir que o arguido aceitou tacitamente a decisão, perdendo o direito de recorrer.
Tem, por isso, razão o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, ao levantar a presente questão prévia, a qual é procedente, impedindo o conhecimento do objecto do recurso, que deve ser rejeitado nos termos dos arts. 417.º, n.ºs 3 a) e 4 a), 419.º, n.º 4 a) e 420.º, n.º 1 - verificação de causa que devia ter determinado a sua não admissão - todos do CPP.
III - DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juízes desta 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a questão prévia suscitada pelo MP, não conhecendo do objecto do recurso por ter perdido o arguido o direito de recorrer, ao aceitar a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente nas custas, com 2 UC’s de taxa de justiça.
Vai ainda condenado em 3 (três) UCs, nos termos do art. 420.º, n.º 4 do CPP, tudo sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Porto, 25 de Maio de 2005
José do Nascimento Adriano
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins